Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 47/2020-T
Data da decisão: 2021-03-26  IRS  
Valor do pedido: € 159.119,54
Tema: IRS/2016, 2017 e 2019 – Residentes não habituais – Isenção – Dupla tributação – Mais-Valias - Artigos 57.º, n.º1 do CIRS e 14.º, n.º 6 da CDT.
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SUMÁRIO:

I.             A Dupla tributação é um conceito com que, no Direito Tributário, se designam os casos de concurso de normas. Este concurso caracteriza-se pela verificação de que o mesmo facto se integra na previsão de duas normas diferentes. Há, assim, concurso de normas de Direito Tributário quando o mesmo facto se integra na hipótese de incidência de duas normas materiais distintas, dando origem à constituição de mais do que uma obrigação de imposto.

II.            Por forma a eliminar a dupla tributação internacional e obviar às consequências negativas que a mesma representa para o desenvolvimento da atividade económica internacional, foram colocados à disposição dos Estados, dois tipos de instrumentos, a saber: a) as medidas unilaterais – disposições internas dos Estados (v.g. artigo 81.º do Código do IRS) – e; b) as medidas bilaterais – tratados ou convenções de dupla tributação internacional (vg. Convenção celebrada, em 12 de outubro de 1995, entre o Governo da República Portuguesa e o Governo dos Estado Unidos da América, com vista a evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento (CDT PT/EUA)).

III.          A superioridade hierárquica dos tratados encontra-se proclamada quer no disposto nos artigos 26.º e 27.º da Convenção de Viena, bem como no n.º 2 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, “[d]aqui decorrem duas conclusões: (a) a de que o Direito Internacional convencional é colocado na ordem jurídica interna num grau hierárquico superior ao da lei; (b) a de que, em caso de conflito, o tratado se sobrepõe à lei interna.»

IV.          No âmbito das medidas bilaterais, o disposto no artigo 14.º, n.º 6 da CDT PT/EUA aplica-se, no caso concreto, à tributação de mais valias resultantes da alienação de diversos valores mobiliários (ações, obrigações e outros títulos de dívida e instrumentos financeiros), através de contas bancárias, tituladas por si, nos Estado Unidos da América (EUA), de um residente fiscal em território nacional – Portugal – com estatuto de Residente Não Habitual (RNH), atribuindo, neste caso, competência exclusiva de tributação a Portugal.

V.           Para que um residente fiscal em território nacional, titular de um «green card» possa ser considerado cidadão nos EUA é necessário, segundo o Protocolo Anexo à CDT PT/EUA, (alínea c) do n.º 3,) que tenha «uma presença substancial nos Estados Unidos e não de um país terceiro de acordo com os princípios das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 4.º «Residência».».

VI.          No que toca às medidas unilaterais, no caso em apreço, impondo o n.º 6 do artigo 14.º do CDT PT/EUA, a competência exclusiva a Portugal quanto à tributação dos rendimentos de capitais auferidos nos EUA, por residentes não habituais em território português - e não compartilhada com os EUA - não será possível proceder à aplicação do método de isenção, por não se verificar o seu preenchimento da condição prevista na alínea a) do n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRS.

VII.         O método de crédito previsto no n.º 1 do artigo 81.º do Código do IRS apenas terá aplicação, caso o contribuinte comprove que foi efetivamente pago imposto no estrageiro referente aos rendimentos de capitais lá auferidos, sem embargo, da competência exclusiva de Portugal para a sua tributação.

VIII.       A matéria da fundamentação das decisões no âmbito dos procedimentos tributários tem sido objeto de reflexão quer na jurisprudência, quer na doutrina, e encontra a sua previsão no artigo 152.º (anterior artigo 120.º) do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e 77.º da Lei Geral Tributária (LGT) com respaldo no n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

IX.          A Administração Tributária está obrigada a um dever de fundamentação sobre os atos tributários por ela praticados, devendo obrigatoriamente constar as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos atos tributários, assim como, os prazos e meios de defesa à disposição do contribuinte, conforme disposto no artigo 77.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária.

X.            A exigência legal de fundamentação das decisões de procedimento e dos atos tributários tem por objetivo dar conhecimento aos contribuintes do “iter” cognoscivo, valorativo e volitivo do respetivo autor, e, em consequência, permitir que, face aos mesmos, este os possa aceitar ou impugnar.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Jorge Carita e José Nunes Barata (árbitros adjuntos) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem este Tribunal Arbitral Coletivo, acordam no seguinte:

 

I – RELATÓRIO

 

1.            Em 27 de janeiro de 2020, A... E B..., contribuintes n.º ... e ..., respetivamente, com residência em ..., ..., ..., ..., Estados Unidos da América, doravante designados por “Requerentes”, solicitaram a constituição de tribunal arbitral e procederam a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos das alíneas a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista:

a)            à declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas contra os atos de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), referentes aos anos de 2016 e 2017, no montante total de € 159.119,54 (cento e cinquenta e nove mil, cento e dezanove euros e cinquenta e quatro cêntimos)

b)           à declaração da ilegalidade dos atos de liquidações do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), referentes aos anos de 2016 e 2017, no montante de € 45.417,25 (quarenta e cinco mil, quatrocentos e dezassete euros e vinte e cinco cêntimos) e € 113.702,29 (cento e treze mil, setecentos e dois euros e vinte e nove cêntimos), e respetiva anulação; e,

c)            ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

2.            Os Requerentes são representados, no âmbito dos presentes autos, pelos seus mandatários, Dr. C... e Dr. D..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT) é representada pelos juristas, Dr. E... e Dr. F... .

3.            Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo os Requerentes procedido à nomeação de árbitro, foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, os signatários que aceitaram o cargo no prazo legalmente estipulado.

4.            O presente tribunal foi constituído no dia 6 de julho de 2020, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação do tribunal arbitral coletivo que se encontra junta aos presentes autos.

5.            No dia 29 de setembro de 2020, depois de notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua resposta, na qual pugna pela improcedência do pedido arbitral.

6.            No dia 6 de outubro de 2020, os Requerentes, face à inelegibilidade de alguns excertos da resposta apresentada pela Requerida, solicitaram, através de requerimento escrito, a apresentação de «novo documento que possa ser inteligível na sua plenitude».

7.            Nesta sequência, por despacho de 10 de outubro de 2020, o Tribunal Arbitral, notificou a Requerida para se pronunciar, no prazo de 5 dias, sobre o requerimento indicado em 6. supra.

8.            Face ao silêncio da Requerida, no dia 26 de outubro de 2020, o Tribunal Arbitral notificou a mesma para, no prazo de 5 dias, «apresentar novo articulado de resposta evidenciando a legibilidade perfeita dos artigos 12.º e 13.º, para permitir o pleno exercício do contraditório», sob pena de «total desconsideração do conteúdo da Resposta nessa parte.»

9.            Ultrapassado o prazo estipulado pelo presente Tribunal para que a Requerida apresentasse novo articulado de resposta, sem que esta o tenha feito, foi proferido despacho no dia 11 de novembro de 2020, notificando as partes da realização, para o dia 22 de dezembro de 2020, da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e para a inquirição da testemunha arrolada pelos Requerentes no seu pedido de pronúncia arbitral. Mais, se fez referência que as diligências seriam realizadas por teleconferência a partir do CAAD, notificando, para o efeito, os representantes das partes para informar da sua pretensão de estar fisicamente presentes nas instalações do Centro.

10.          Em resposta ao despacho indicado em 9 supra, os Requerentes, no dia 20 de novembro de 2020, através de requerimento, prescindiram da testemunha oportunamente indicada, manifestando o entendimento que «(…) tal diligência afigura-se desnecessária, uma vez que a produção de prova incidiria sobre elementos que estão suportados documentalmente. Por outro lado, considerando o teor da resposta da Requerida, a mesma não colocou em causa a matéria de facto, constante do articulado dos Requerentes, limitando-se a rebater juridicamente os argumentos vertidos nos autos.»

11.          Na sequência do requerido pelos Requerentes, por despacho de 26 de novembro de 2020, o Tribunal Arbitral deu sem efeito as diligências, por teleconferência, marcadas para o referido dia 22 de dezembro, bem como a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, notificou as partes para apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias, determinou o dia 27 de janeiro de 2021 para efeitos de prolação da decisão – prazo que foi prorrogado, à cautela, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, face às vicissitudes sofridas pelo processo em conjugação com a notória situação anómala vivida por todos, pelo período de dois meses,  e por último, advertiu a Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

12.          Nesta sequência, nos dias 11 e 18 de dezembro de 2020, os Requerentes e a Requerida apresentaram, respetivamente, as suas alegações escritas.

13.          Os Requerentes pedem a cumulação de pedidos, alegando a existência de identidade de circunstâncias de facto e da aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, as quais sendo admissíveis, nos termos do artigo 104.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do artigo 3.º do RJAT, devem ser admitidas.

 

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

A Requerente sustenta o pedido de pronuncia arbitral que apresentou, referindo que as decisões de indeferimento das reclamações graciosas e os atos de liquidação sindicados, encontram-se feridos de ilegalidade por:

 

a)            VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO, porquanto «a AT limitou-se a referir que, após consulta efetuada junto da Direção de Serviços de IRS, “(…) de acordo com o art. 14.º, n.º 6 da CT Portugal/EUA, a competência para tributação é exclusiva de Portugal, enquanto Estado de residência, não se aplicando o método de isenção previsto no artigo 81.º, n.º 5 do CIRS”. Considerando, por fim, que tal exceção não se aplicaria caso os Requerentes comprovassem que tais rendimentos têm conexão com uma instalação fixa detida no Estado de origem, “(…) o que dependente de prova do reclamante, por sobre ele impender o ónus de prova nos termos do artigo 74.º da LGT, prova essa que o mesmo não faz.”. No que concerne à decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação correspondente ao ano de 2017, a fundamentação seguida pela AT foi absolutamente idêntica.»

 

Com efeito, entende a Requerente que «em momento algum do texto das suas decisões, a AT se pronunciou acerca dos elementos documentais que acompanham as reclamações graciosas. Bem como a argumentação jurídica aportada pelos Requerentes, quando à aplicação do Protocolo Anexo à CDT, nos termos do qual é atribuída competência aos E.U.A., para tributar o rendimento obtido a título de mais-valias mobiliárias pelos Requerentes.»

 

Concluindo no sentido de que «os referidos despachos padecem de vícios notórios quanto à sua fundamentação, em resultado da realização de uma deficiente atividade instrutória por parte da AT.»

 

b)           VÍCIO DE VIOLAÇÃO DAS NORMAS DA CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL, E DO DISPOSTO NO ARTIGO 81.º DO CÓDIGO DO IRS, defendendo que «conforme foi sustentado no contexto dos despachos de indeferimento das Reclamações Graciosas, a AT considerou que ao caso vertente seria aplicável o artigo 14.º, n.º 6 da CDT (…). Desta forma ao abrigo daquele artigo da CDT, o Estado com competência exclusiva para a tributação dos rendimentos auferidos a título de mais-valias mobiliárias seria, efetivamente, o Estado Português. Todavia, da CDT, faz parte integrante o seu respetivo Protocolo Anexo – alínea c) do n.º 1 -, onde se constata que.” Não obstante o disposto na Convenção, salvo alínea c) do presente número, um Estado Contratante pode tributar os seus residentes (como previsto nos termos do artigo 4.º “Residência”), e os Estado Unidos podem tributar os seus cidadãos, como se a Convenção não tivesse entrado em vigor. Para esse efeito, a expressão “cidadão” incluirá um indivíduo que, possuindo essa condição (…)” .

 

Continua a Requerente, quanto a esta matéria, referindo que «o Requerente é efetivamente titular de um green card” – resultando na sua consideração como residente nos E.U.A. « Desta forma, a competência para tributar as mais-valias mobiliárias de fonte norte-americana, caberiam aos E.U.A. e não ao Estado Português, ao contrário do que defendeu a AT, ao considerar que ao caso vertente seria aplicável o artigo 14.º, n.º 6 da CDT.» Assim, «tendo os EUA competência exclusiva para a tributação dos rendimentos auferidos pelo Requerente a título de mais-valias mobiliárias, deveriam os Requerentes ter beneficiado do método de isenção quanto aos mesmos.»

 

Concluindo, com a referência de que «ao ser negada a isenção de tributação daqueles rendimentos a que os Requerentes teriam efetivamente direito ao abrigo da CDT, bem como ao abrigo do artigo 81.º, n.º 5 do CIRS, as liquidações de IRS dos anos de 2016 e 2017, padecem de manifesta ilegalidade. Bem como os despachos de indeferimento das Reclamações Graciosas ora em crise, que vieram confirmar e aderir ao conteúdo das mesmas.» 

 

c)            Por último, requer o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

 

Rebate a Requerida os argumentos do Requerente, defendendo, o seguinte:

 

a)            No que respeita à alegada FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO, que o pedido do Requerente «não logra provimento, uma vez que:

 - a documentação apresentada pelos Requerentes foi tida em consideração para comprovação dos montantes declarados nas Modelo 3 de IRS de 2016 e 2107;

 - os Requerentes não apresentaram qualquer prova (documentos ou alegações) que servissem de suporte à “argumentação jurídica aportada pelos Requerentes, quanto à aplicação do Protocolo Anexo à CDT, nos termos do qual é atribuída competência aos E.U.A., para tributar o rendimento obtido a título de mais-valias mobiliárias pelo Requerentes” (artigo 58.º do PPA).

 

b)           No que concerne à alegada ilegalidade por VIOLAÇÃO DA DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL, aduz a Requerida que face às normas da CDT PT/EUA, «a tributação dos rendimentos auferidos pelos Requerentes nos EUA por mais valias obtidas na venda de títulos mobiliários (sejam eles ações, obrigações ou outros), é da competência exclusiva de Portugal.»

 

Mais refere, a Requerida, que «tendo presente as alegações dos Requerentes de que seriam considerados como residentes nos EUA, para efeitos fiscais, por serem titulares de um green card (cf. Secção 7701(b) do Internal Revenue Code), (…). Ora, perpassando o PPA e/ou as Reclamações Graciosas não vislumbramos qualquer alegação e/ou prova de que os Requerentes tenham tido uma “presença substancial nos Estados Unidos” e/ou que “devam ser considerados residentes dos Estados Unidos, de acordo com os princípios das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 4.º”, razão pela qual admite não ser possível a aderir à fundamentação da Requerente.

                                

Terminando, a Requerida, aludindo «(…) que devem ser mantidos na ordem jurídica os despachos de indeferimento nas reclamações suprarreferidas, bem como as liquidações conexas, devendo-se concluir pela improcedência do PPA.»

 

 IV. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

 

V. MATÉRIA DE FACTO

 

a.            Factos dados como provados

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A.           Os Requerentes, nos anos de 2016 e 2017, qualificaram-se como residentes fiscais em Portugal durante a totalidade dos anos. – facto não controvertido - ;

B.            O Requerente marido solicitou a sua inscrição como residente não habitual (RNH), com efeitos a partir de 2015 e término em 2024, tendo a mesma sido deferida pela AT – cfr. Docs. n.º 5 e 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral –

C.            Os Requerentes entregaram as declarações de Modelo 3 de IRS relativas aos anos de 2016 e 2017 em 2017-12-13 e 2018-12-21, respetivamente, na situação de residentes, com o respetivo Anexo L, no qual mencionaram no Quadro 6B a opção pelo método de isenção relativamente aos rendimentos auferidos no estrangeiro. – cfr. Doc. n.º 7 e 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral - ;

D.           Da entrega da declaração de IRS do ano de 2016, resultou a emissão da nota de liquidação, que apurou um valor total de imposto a pagar no montante de € 45.417,35, sendo € 44.462,33 relativo a tributações autónomas. – cfr. Doc. n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

E.            Da entrega da declaração de IRS do ano de 2017, resultou a emissão da nota de liquidação de IRS, que apurou um valor total de imposto a pagar no montante de € 113.702,29. – cfr. Doc. n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

F.            Entre os anos de 2013 e 2016, o Requerente marido adquiriu diversos valores mobiliários (ações, obrigações e outros títulos de dívida e instrumentos financeiros), através de contas bancárias, tituladas por si, nos Estados Unidos da América (EUA), no Banco G... LLC. – cfr. Docs. n.º 9 a 18 juntos com o pedido de pronúncia arbitral - ;

G.           Nos anos de 2016 e 2017, o Requerente procedeu progressivamente à alienação dos referidos valores, através de negócios jurídicos que geraram mais-valias e menos-valias. – cfr. Doc.s n.º 9 a 18 juntos com o pedido de pronúncia arbitral - ;

H.           Em 2016 e 2017, à data dos factos, o Requerente era detentor de um “green card” (carta verde), nos EUA. – cfr. facto não impugnado - ;

I.             Os Requerentes apresentaram, junto das Autoridades Fiscais Americanas, o U.S. Individual Tax Return, form 1040, por referência aos anos de 2016 e 2017, pelos rendimentos auferidos naqueles anos – cfr. Doc. n.º 19 e 20 juntos com o pedido de pronúncia arbitral - ;

J.             No dia 24 de maio de 2018, os Requerentes apresentaram, junto do Serviço de Finanças do Porto-..., dirigido à Direção de Finanças do Porto, reclamação graciosa contra o ato de liquidação de IRS, referente ao ano de 2016, no montante de € 45.417,25 (quarenta e cinco mil, quatrocentos e dezassete euros e vinte e cinco cêntimos), à qual foi atribuído o n.º ...2018... – cfr. processo administrativo - ;

K.            No dia 29 de setembro de 2019, os Requerentes foram notificados do projeto de indeferimento da reclamação graciosa identificada em J. supra e, para exercer, querendo, o direito de audição prévia que lhes assiste ao abrigo do disposto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária – cfr. processo administrativo –

L.            Os Requerentes não exerceram o direito de audição prévia no âmbito da reclamação graciosa identificada em J. supra – cfr. processo administrativo –

M.          A notificação da decisão final no sentido do indeferimento da reclamação graciosa identificada em J. supra, proferida por despacho, de 28.10.2019, pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças, ao abrigo de Subdelegação de competências, foi disponibilizada, via CTT, no dia 28 de outubro de 2019 – cfr. Doc. n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral e processo administrativo -; 

N.           No dia 12 de agosto de 2019, os Requerentes apresentaram, junto do Serviço de Finanças de Lisboa ..., dirigido à Direção de Finanças de Lisboa, reclamação graciosa contra o ato de liquidação de IRS, referente ao ano de 2017, no montante de € 113.702,29 (cento e treze mil, setecentos e dois euros e vinte e nove cêntimos), à qual foi atribuído o n.º ...2019...– cfr. processo administrativo – ;

O.           No dia 21 de novembro de 2019, os Requerentes foram notificados do projeto de indeferimento da reclamação graciosa identificada em N. supra e, para exercer, querendo, o direito de audição prévia que lhes assiste ao abrigo do disposto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária – cfr. processo administrativo –

P.            Os Requerentes não exerceram o direito de audição prévia no âmbito da reclamação graciosa identificada em N. supra – cfr. processo administrativo –

Q.           A notificação da decisão final no sentido do indeferimento da reclamação graciosa identificada em N, proferida por despacho, de 13.12.2019, pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças, ao abrigo de Subdelegação de competências, foi disponibilizada, via CTT, no dia 16 de dezembro de 2019 – cfr. Doc. n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral e processo administrativo -; 

R.            No dia 27 de janeiro de 2020, os Requerentes apresentaram, junto do Centro de Arbitragem-CAAD, o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

b.            Factos dados como não provados.

 

Com relevo para a decisão, são os seguintes os factos que se consideram como não provados:

1- Que os Requerentes tenham pago imposto nos EUA sobre os rendimentos em causa.

2-Que os Requerentes têm uma presença substancial nos EUA.

 

Fundamentação da matéria de facto dada como provada e como não provada

 

Em sede de matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo aquilo que é alegado pelas Partes, competindo-lhe, isto sim, selecionar os factos que têm relevância para a tomada da decisão final e, relativamente a estes, fixar os que estão provados e os que devem ser considerados como não provados, nos termos dos arts. 123º, nº 2 do CPPT e 670º, nº 3 do CPC, que aqui são aplicáveis por força do disposto no art. 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

A sua relevância jurídica para a decisão é estabelecida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de Direito, face ao disposto no art. 596º do CPC, aplicável por força do estabelecido no art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.

 

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão a partir do exame e avaliação dos meios de prova disponíveis carreados para o processo e de acordo com as regras da experiência, cfr. 670º, nº 3 do CPC.

 

Atento o que se deixou expresso, e tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes, a prova documental constante dos autos, designadamente, no processo administrativo, os elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada, o Tribunal deu como provados os factos supra indicados.

 

Relativamente aos factos dados como não provados:

- Os Requerentes não demonstraram que o imposto relativo à tributação das mais valias tenha sido, efetivamente, pago nos EUA, designadamente, através de um documento probatório passado pelas autoridades fiscais dos EUA, ou qualquer outro documento comprovativo do efetivo pagamento, ficando-se, inclusivamente, por um “terão liquidado e pago”, contrariamente a um categórico “pagaram”, tanto da petição inicial (art. 36º), como nas alegações.

– Os Requerentes formalizaram a transferência do seu domicílio para Portugal e requereram o estatuto de Residente Não Habitual, que apenas se aplica a quem tenha para aqui mudado a sua residência e abandonado o país onde residiu, pelo menos, nos últimos cinco anos antes da transferência.

 

VI- DO DIREITO

 

 

- Thema decidendum –

 

A questão de fundo dos presentes autos consiste em saber se se os atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referentes aos anos de 2016 e 2017 padecem de ilegalidade, por vício de falta de fundamentação e vício de violação das normas de dupla tributação internacional, incluindo o vício de violação do disposto no artigo 81.º do Código do IRS.

 

 

Posição dos Requerentes

 

1.            Sustentam os Requerentes que o ato de liquidação sindicado nos presentes autos padece de vício de ilegalidade, começando por referir que são de nacionalidade americana, tendo vindo viver para Portugal, em 2015, altura em que, os Requerentes se inscreveram como residentes fiscais em território português, tendo o Requerente marido, complementarmente, obtido o estatuto de Residente Não Habitual (RNH).

 

2.            Nos anos de 2016 e 2017, entregaram as declarações de IRS em Portugal, das quais consta a universalidade dos rendimentos por si obtidos, inclusive as mais valias que o Requerente marido obteve resultante da alienação, nos anos em causa, de uma panóplia diversificada de valores mobiliários - dos quais se destacam ações, obrigações e outros títulos de dívidas e instrumentos financeiros, cuja aquisição foi realizada, entre 2013 e 2016, através de contas bancárias tituladas pelo Requerente, nos Estados Unidos da América (adiante "E.U.A."), no Banco G... LLC.

 

3.            Não concordam os Requerentes com a sujeição de parte dos rendimentos auferidos a tributação efetiva em Portugal, por considerarem que os mesmos deveriam ter beneficiado do regime da isenção, previsto para a eliminação da dupla tributação internacional, por diversas razões.

 

4.            Referem os Requerentes que «terão liquidado e pago imposto sobre rendimento pessoal nos E.U.A., mediante a entrega da respetiva U.S. Individual Tax Return, form 1040, por referência aos anos de 2016 e 2017 (…) e que «Para efeitos de reporte dos referidos rendimentos, aquando da entrega das respetivas de declarações de IRS, junto da AT Portuguesa- e cumprimento da obrigação ínsita do artigo 15. 0 do CIRS — os Requerentes procederam à declaração de tais montantes em valores expressos em Euros. Tendo assumido como valores de referência os valores de conversão a 30.12.2016 e a 29.12.2017, o qual ascendeu respetivamente a EUR/USD = 1,0541 e a EUR/USD = 1,1993, respetivamente.»

 

5.            Ora, «[a]tendendo à panóplia de informações já apresentadas, consideraram os Requerentes que, em virtude de já terem liquidado e pago imposto sobre o rendimento pessoal pela alienação de tais ativos nos E.U.A., deveria ser-lhes aplicada a isenção prevista no artigo 81.º, n.º 5 do Código do IRS.»

 

6.            Nesta sequência, aduzem os Requerentes que «[o]s referidos rendimentos foram efetivamente tributados para os anos de 2016 e 2017, a uma taxa de 20%, tendo sido liquidados os montantes de € 31.758,80 (trinta e um mil, setecentos e cinquenta e oito euros e oitenta cêntimos) e € 81.443,39 (oitenta e um mil, quatrocentos e quarenta e três euros e trinta e nove cêntimos), respetivamente.», valores estes que foram declarados no Anexo J da declaração de rendimentos apresentada pelos Requerentes para os anos de 2016 e 2017, nas quais foi manifestada a opção do “método de isenção”.

 

7.            Sucede que, quando notificados das respetivas liquidações aperceberam-se, não só, «que não havia sido aplicado o referido método de isenção, como tais rendimentos foram sujeitos a tributação efetiva em Portugal», razão pela apresentaram as reclamações graciosas contra tais atos de liquidação.

 

8.            Invocam, assim, os Requerentes, primeiramente, o vício de FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DOS DESPACHOS DE INDEFERIMENTO DAS RECLAMAÇÕES GRACIOSAS, por considerarem que «são fundadas numa mera apreciação dos termos gerais em que se encontra estruturada a Convenção e o Protocolo entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento (doravante, abreviadamente designada por "CDT").»

 

9.            Com efeito, segundo os Requerentes, «Efetivamente, ambas as decisões de indeferimento cingem a sua fundamentação ao facto de o artigo 14. 0 , n. 0 6 da CDT atribuir competência exclusiva a Portugal para tributar os rendimentos de mais-valias de fonte estrangeiro, obtidos pelos Requerentes, não se aplicando, por isso, o método de isenção previsto no artigo 81. 0 , n. 0 5 do CIRS. Todavia, em momento algum do texto das suas decisões, a AT se pronunciou acerca dos elementos documentais que acompanharam as reclamações graciosas. Bem como acerca da argumentação jurídica aportada pelos Requerentes, quanto à aplicação do Protocolo Anexo à CDT, nos termos do qual é atribuída competência aos E.U.A., para tributar o rendimento obtido a título de mais-valias mobiliárias pelos Requerentes. (…) Desta forma, os referidos despachos padecem de vícios notórios quanto à sua fundamentação, em resultado da realização de uma deficiente atividade instrutória por parte da AT.»

 

10.          Acrescentam, os Requerente, que «consideram que a AT não poderia, sem mais, proferir decisão final no procedimento tributário apenas com base na mera interpretação de uma única disposição normativa da CDT - interpretação essa que carece de validade, no entender dos Requerentes - sem atestar da realidade material que se lhes encontra subjacente.», por um lado, porque, segundo o disposto no artigo 75.º, n.º 1 da LGT « as declarações apresentadas pelos contribuintes presumem-se verdadeiras e de boa fé, a AT, aquando da emissão das liquidações de IRS dos anos de 2016 e 2017, começou por desconsiderar a informação inserida no Anexo J da Modelo 3, apresentada pelos Requerentes», por outro, «tendo em conta as informações prestadas no âmbito da apresentação das Reclamações Graciosas, nomeadamente o comprovativo de imposto pago nos E.U.A., que já havia sido refletido no Anexo J das Modelos 3, a AT incumpriu com os deveres a que está adstrita na condução do procedimento tributário.», designadamente, o princípio do inquisitório, com expressão no artigo 58.º da LGT.

 

11.          Mencionam os Requerentes que «não se conformam com o teor de decisões, cuja motivação não tem em conta todos os elementos materiais e jurídicos apresentados pelos Requerentes. Tal desconsideração, como se disse, não só viola de forma grosseira o princípio do inquisitório, como também o próprio dever de fundamentação das referidas decisões. Sendo as mesmas manifestamente ilegais.»

 

12.          Concluindo quanto a este vício no sentido de serem os «despachos de indeferimento das Reclamações Graciosas referentes aos atos de liquidação de IRS dos anos de 2016 e 2017, (…) considerados ilegais por este Tribunal Arbitral, por vício de falta de fundamentação - nos termos do artigo 77.º , n.º 1 da LGT, o que, consequentemente, determina a sua anulabilidade.»

 

13.          Invocam, também, o vício da DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL, aludindo que «a razão nuclear do dissenso entre os Requerentes e a AT, reside única e exclusivamente na consideração de que os rendimentos obtidos a título de mais-valias mobiliárias, de fonte norte-americana, por aplicação das regras vigentes na CDT, no direito interno norte-americano e no direito interno português, se encontram isentos de tributação na jurisdição Portuguesa.»

 

14.          Na verdade, «(…) consideram os Requerentes que ainda que por força das regras do Direito Fiscal Internacional, seja conferida competência ao Estado Português para tributar tais rendimentos, a forma como os mesmos foram sujeitos a tributação é geradora de uma situação de dupla tributação. E, por isso, violadora do princípio da capacidade contributiva. Conforme foi sustentado no contexto dos despachos de indeferimento das Reclamações Graciosas, a AT considerou que ao caso vertente seria aplicável o artigo 14.º, n.º 6, da CDT, (…). Desta forma, ao abrigo daquele artigo da CDT, o Estado com competência exclusiva para a tributação dos rendimentos auferidos a título de mais-valias mobiliárias seria, efetivamente, o Estado Português. Todavia, da CDT, faz parte integrante o seu respetivo Protocolo Anexo».

 

15.          De notar na alínea b) do n.º 1, do referido Protocolo, onde se constata que: "Não obstante o disposto na Convenção, salvo alínea c) do presente número, um Estado Contratante pode tributar os seus residentes (como previsto nos termos do artigo 4. 0 "Residência"), e os Estados Unidos podem tributar os seus cidadãos, como se a Convenção não tivesse entrado em vigor. Para este efeito, a expressão "cidadão" incluirá um individuo que, possuindo essa condição (...)". Contudo, a definição de cidadãos, prevista no texto do Protocolo anexo à CDT, deverá ser acolhida de acordo com o direito interno norte-americano. Nestes termos, dispõe a Secção 7701(b) do Interna/ Revenue Code que são considerados como residentes nos E.U.A., para efeitos fiscais, os titulares de um green card.»

 

16.          Nesta sequência, lembra o Requerente que é titular de um «green card», pelo que, assume que «a competência para tributar as mais-valias mobiliárias de fonte norte-americana, caberiam aos E.U.A. e não ao Estado Português, ao contrário do que defendeu a AT, ao considerar que ao caso vertente seria aplicável o artigo 14.º, n.º 6, da CDT.»

 

17.          Acrescentando que, «atendendo a que, como já se referiu, vigorando o princípio da universalidade na jurisdição portuguesa - ex vi, artigo 15.º , do CIRS - será necessário atender às disposições unilaterais, vigentes na legislação portuguesa, previstas para a eliminação da dupla tributação internacional. Atendendo ao estatuto de RNH do Requerente, à data dos factos, bem como da tipologia de rendimento em causa, verifica-se que o referido mecanismo de atenuação da dupla tributação internacional se encontrava previsto no artigo 81.º, n.º 5, do CIRS. (…) Ou seja, como se verificou, tendo os E.U.A. competência exclusiva para a tributação dos rendimentos auferidos pelo Requerente a título de mais-valias mobiliárias, deveriam os Requerentes ter beneficiado do método da isenção quanto aos mesmos.»

 

18.          Ora, «[a]pesar de não ser necessária a verificação de competência de tributação efetiva pelos E.U.A. - aplicando-se o método de isenção mesmo em casos de tributação meramente potencial - a verdade é que os Requerentes liquidaram e pagaram imposto sobre as referidas mais-valias mobiliárias nos E.U.A., como já cabalmente se demonstrou. Desta forma, ao ser negada a isenção de tributação daqueles rendimentos a que os Requerentes teriam efetivamente direito ao abrigo da CDT, bem como ao abrigo do artigo 81.º, n.º 5, do CIRS, as liquidações de IRS dos anos de 2016 e 2017 padecem de manifesta ilegalidade. Bem como os despachos de indeferimento das Reclamações Graciosas ora em crise, que vieram confirmar e aderir ao conteúdo das mesmas. Pelo que os ora Requerentes vêm, desde já, requerer a sua anulação.»

 

19.          Subsidiariamente, «vêm os ora Requerentes, a título subsidiário, requerer que aos rendimentos de mais-valias mobiliárias auferidos nos E.U.A., lhes seja aplicado o correspondente crédito de imposto previsto no artigo 81.º, n.º 1, do CIRS.», atendendo a que, «os Requerentes demonstraram que liquidaram e pagaram o imposto devido junto das autoridades fiscais dos E.U.A. Todavia, ao serem apreciadas as referidas Reclamações Graciosas, a AT manteve a tributação dos referidos rendimentos, na sua integralidade, perante a jurisdição Portuguesa. Isto é, verifica-se que quanto ao mesmo facto tributário, se integram duas hipóteses de incidência distintas, dando origem à constituição de mais do que uma obrigação de imposto. Desta forma, a manutenção deste cenário, é geradora de uma situação de dupla tributação.» atendendo a que «o mesmo incremento patrimonial obtido pelos Requerentes será duplamente tributado em cada uma das jurisdições - Portugal e os E.U.A. Sendo a manutenção desta situação manifestamente ilegal, por violação expressa do disposto no artigo 81.º, n.º 1, do CIRS.»

 

 

Posição da Requerida

 

Contra-argumenta a Requerida a posição do Requerente, de forma muito sintética e assertiva, remetendo para os fundamentos expendidos nas decisões de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas contra os atos de liquidação de IRS de 2016 e 2017, e dos quais sumariamente resulta, com especial relevo, o seguinte:

a)            No que concerne ao invocado vício das normas da dupla tributação internacional e do disposto no artigo 81.º do Código do IRS, defende a Requerida que :«(…) de acordo com o artigo 14.º,  n.º 6 da CDT Portugal/EUA, a competência para a tributação é exclusiva de Portugal, enquanto Estado da residência, não se aplicando o método de isenção previsto no artigo 81.º, n.º 5 do Código do IRS,  exceto, se o reclamante comprovar que esses rendimentos têm conexão com instalação fixa que seja detida no Estado de origem, caso em que, por força do artigo 14.º, n.º 3 da CDT Portugal/EUA, a competência passa a ser cumulativa, que depende de prova do reclamante, por sobre ele impender o ónus da prova nos termos do artigo 74º da LGT, prova essa que o mesmo não faz”.

Note-se que o artigo 14.º (Mais-valias), n.º 6 da CDT Portugal/EUA, após estatuir sobre rendimentos imobiliários (n.ºs 1 e 2) e mobiliários de uma pessoa coletiva ou seu estabelecimento estável (n.ºs 3 e 4), prevê que “os ganhos provenientes da alienação de quaisquer outros bens diferente dos mencionados nos n.ºs 1 a 5 só podem ser tributados no Estado Contratante de que o alienante é residente”, in casu, Portugal.

Razão pela qual, salvo melhor opinião, a tributação dos rendimentos auferidos pelos Requerentes nos EUA por mais valias obtidas na venda de títulos mobiliários (sejam eles ações, obrigações ou outros), é da competência exclusiva de Portugal.

Assim, salvo melhor opinião, competia aos Requerentes solicitar o reembolso do imposto retido a título definitivo nos EUA, em virtude da supramencionada norma da CDT.

Por fim, tendo presente as alegações dos Requerentes de que seriam considerados como residentes nos EUA, para efeitos fiscais, por serem titulares de um green card (cf. Secção 7701(b) do Internal Revenue Code), recordamos aqui o estabelecido na alínea c), do n.º 3 do Protocolo anexo à CDT celebrada entre Portugal e os EUA, que apenas por mero lapso os Requerentes se obnubilaram de evidenciar: «Portugal considerará um cidadão dos Estados Unidos ou um estrangeiro com licença de residência permanente nos Estados Unidos (titular de «carta verde») como residente nos Estados Unidos apenas se esse individuo tiver uma presença substancial nos Estados Unidos, ou deva ser considerado residente dos Estados Unidos e não de um país terceiro, de acordo com os princípios das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 4.º, «Residência».

Ora, perpassando o PPA e/ou as Reclamações Graciosas não vislumbramos qualquer alegação e/ou prova de que os Requerentes tenham tido uma “presença substancial nos Estados Unidos” e/ou que “devam ser considerados residentes dos Estados Unidos, de acordo com os princípios das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 4.º”.

Em face da opção pela residência fiscal em Portugal, por via regime do RNH, salvo melhor entendimento, somos de opinião que em momento algum os Requerentes lograram provar o alegado (…)»

 

b)           No que respeita ao vício de falta de fundamentação, sustenta a Requerida, por um lado que «a documentação apresentada pelos Requerentes foi tida em consideração para comprovação dos montantes declarados nas Modelo 3 de IRS de 2016 e 2107; » e por outro que «os Requerentes não apresentaram qualquer prova (documentos ou alegações) que servissem de suporte à “argumentação jurídica aportada pelos Requerentes, quanto à aplicação do Protocolo Anexo à CDT, nos termos do qual é atribuída competência aos E.U.A., para tributar o rendimento obtido a título de mais-valias mobiliárias pelo Requerentes” (artigo 58.º do PPA).

 

c)            Concluindo, assim, no sentido de que «devem ser mantidos na ordem jurídica os despachos de indeferimento nas reclamações suprarreferidas, bem como as liquidações conexas, devendo-se concluir pela improcedência do PPA.»

 

Expostas as posições da Requerente e Requerida, vejamos, então, a quem assiste razão,

 

Apreciação, ponderação dos argumentos de facto e de direito

 

 

Da alegada falta de fundamentação

 

1.            A matéria da fundamentação das decisões no âmbito dos procedimentos tributários tem sido objeto de reflexão quer na jurisprudência, quer na doutrina, e encontra a sua previsão no artigo 152.º (anterior artigo 120.º) do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e 77.º da Lei Geral Tributária (LGT) com respaldo no n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

 

2.            Prevê o artigo 77.º da LGT sob a epígrafe “Fundamentação e eficácia”, citado pelo Requerente que:

«1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

3 – (…)

4 – (…)

5 - (…)

6             - A eficácia da decisão depende da notificação.»

 

3.            Esclarece DIOGO FREITAS DO AMARAL  que «[a] fundamentação de um ato administrativo consiste na enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto ou a dotá-lo de certo conteúdo».

 

4.            E ensinam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA  que,«a Constituição da República Portuguesa garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os atos administrativos que afetem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos. Ora, tendo em consideração o que se encontra previsto no artigo 120.º do Código do Procedimento Administrativo, ter-se-á como compreendido nesse conceito, os atos tributários. Por outro lado, o artigo 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa garante aos interessados a impugnação contenciosa contra quaisquer atos administrativos que sejam lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos. Descortina-se assim, a razão pela qual o dever de fundamentação dos atos tributários e decisórios de procedimento tributário surge reforçado no artigo 77.º da Lei Geral Tributária: a proteção dos administrados.»

 

5.            É assim manifesto que, está a Administração Tributária obrigada a um dever de fundamentação sobre os atos tributários por ela praticados, devendo obrigatoriamente constar as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos atos tributários, assim como, os prazos e meios de defesa à disposição do contribuinte, conforme disposto no artigo 77.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária.

 

6.            Ora, a exigência legal de fundamentação das decisões de procedimento e dos atos tributários tem por objetivo dar conhecimento aos contribuintes do “iter” cognoscivo, valorativo e volitivo do respetivo autor, e, em consequência, permitir que, face aos mesmos, este os possa aceitar ou impugnar.

 

7.            Ou seja, pretende esta disposição legal [artigo 77.º da LGT] assegurar «a racionalidade das decisões cometidas à Administração Tributária, proporcionando um controlo interno do percurso lógico-valorativo encetado pela própria entidade antes de emitir a sua decisão e, que se destina, fundamentalmente, a desempenhar um controlo de legalidade das decisões da Administração Tributária, permitindo ao contribuinte optar, conscientemente, por cumprir a decisão, conformando-se com a mesma ou cumprir a decisão mas sindicá-la, seja pela via administrativa ou pela via judicial.», conforme é referido na decisão arbitral do CAAD proferida no âmbito do processo n.º 167/2019-T, que transcrevemos com a devida vénia.

 

8.            De mencionar que a Administração tem, em conformidade e cumprimento do disposto no artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 152.º e 153.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), o dever de fundamentar os atos administrativos em geral, de forma clara, suficiente e congruente, devendo a fundamentação «ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto  de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato» (n.º 1 do artigo 153.º do CPA).

 

9.            Veja-se, a título de exemplo, o sufragado no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01674/13, de 12.03.2014, a este respeito:

«I- A Administração Tributária tem o dever de fundamentar os actos de liquidação impugnados de harmonia com o princípio plasmado no art. 268º da CRP e acolhido nos arts. 125º do CPA e 77 º da LGT.

II - O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

III - Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto. (…)»

 

10.          Quanto a esta matéria esclarece, ainda, a decisão do CAAD proferido no processo n.º 109/2012-T que: «Com efeito, o legislador terá pretendido que a fundamentação possa consistir em mera concordância com fundamentos do relatório da fiscalização tributária, pelo que nessa parte o acto impugnado não padece de qualquer vício.»

 

11.          Mais, dispõe o n.º 6 do artigo 77.º da LGT que «a eficácia da decisão depende da notificação», exigência esta que resulta igualmente do disposto no artigo 36.º do CPPT e do n.º 3 do artigo 268.º da CRP. Significa isto que os atos em matéria tributária que afetem direitos e interesses legalmente protegidos têm de ser notificados ao contribuinte, como condição da sua eficácia.

 

12.          Esclarecendo, com interesse, a mencionada decisão arbitral [proc. n.º 109/2012-T], que o presente Tribunal acompanha:

«(…) o propósito da imposição deste dever legal de fundamentação foi alcançado, porquanto resulta evidente em todas as peças processuais, constantes dos autos, que o Requerente tomou conhecimento dos fundamentos que estão na base do acto impugnado, na medida em que a sua argumentação contra o acto impugnado só foi possível porque o Requerente conhece as razões de facto e de direito que sustentam o acto.»

 

13.          Posição esta que, sempre, tem sido sustentada pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, como é o caso do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 0667/10, de 06.10.2010, nos seguintes termos:

«A jurisprudência dos nossos Tribunais superiores tem consagrado o entendimento de que um acto se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática.

É também pacificamente aceite que não preenche a exigência legal de fundamentação o recurso a meras fórmulas tabelares que não esclareçam devidamente a motivação de facto e de direito que presidiu ao acto da administração.

Ponto é que a fundamentação responda às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática.

Acresce dizer, na senda do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.12.2007, recurso 615/04, in www.dgsi.pt «que a lei exige uma exposição apenas sucinta dos fundamentos da decisão a fundamentar; que, por isso, não deve ser um “máximo” o conteúdo exigível da declaração fundamentadora; e que o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte».

 

14.          … e do caso, do Acórdão do mesmo Tribunal Superior proferido no âmbito do processo n.º 01173/14, de 09 de setembro de 2015, segundo o qual:

«I - A AT tem o dever legal de fundamentar os actos de liquidação (cfr. o art. 268º da CRP, bem como os arts. 21º do CPT, 125º do CPA e 77º da LGT).

II - A fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma sucinta, não pode deixar de ser clara, congruente e de contemplar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto.»

 

15.          Posto isto, e regressando ao caso em apreço nos presentes autos, alega o Requerente que «a AT limitou-se a referir que, após consulta efetuada junto da Direção de Serviços de IRS, “(…) de acordo com o art. 14.º, n.º 6 da CDT Portugal/EUA, a competência para tributação é exclusiva de Portugal, enquanto Estado de residência, não se aplicando o método de isenção previsto no artigo 81.º, n.º 5 do CIRS”. Considerando, por fim, que tal exceção não se aplicaria caso os Requerentes comprovassem que tais rendimentos têm conexão com uma instalação fixa detida no Estado de origem, “(…) o que dependente e prova do reclamante, por sobre ele impender o ónus de prova nos termos do artigo 74.º da LGT, prova essa que o mesmo não faz.”. No que concerne à decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação correspondente ao ano de 2017, a fundamentação seguida pela AT foi absolutamente idêntica.»

 

16.          Com efeito, entende o Requerente que «em momento algum do texto das suas decisões, a AT se pronunciou acerca dos elementos documentais que acompanham as reclamações graciosas. Bem como a argumentação jurídica aportada pelos Requerentes, quando à aplicação do Protocolo Anexo à CDT, nos termos do qual é atribuída competência aos E.U.A., para tributar o rendimento obtido a título de mais-valias mobiliárias pelos Requerentes.»

 

17.          De referir, por pertinente que, como acima descrito, vem a Requerente, nos presentes autos, apresentar as razões por que deveriam as decisões de indeferimento das reclamações graciosas e os atos tributários sindicados serem declarados ilegais.

 

18.          Razões de facto e de direito essas cuja fundamentação, permite ao presente Tribunal, concluir que a Requerente compreendeu devidamente os motivos de facto e de direito, pelos quais os atos em crise foram praticados.

 

19.          Caso assim não fosse - se a Requerente não tivesse compreendido a razão pela qual foram praticados os atos de liquidação em causa - , poderia sempre ter utilizado a faculdade prevista no artigo 37.º do CPPT, o que não parece ter feito.

 

20.          Assumindo-se que, a não utilização dessa faculdade, se deveu ao facto de a Requerente ter compreendido devidamente os fundamentos da liquidação,

 

21.          … e que essa compreensão permitiu que estribasse e fundamentasse a sua defesa no âmbito do presente processo.

 

22.          Na verdade, e compulsando o pedido de pronúncia arbitral e os diversos documentos juntos aos autos, formou, o presente Tribunal, a convicção de que a fundamentação da AT foi clara, objetiva, suficiente e congruente, tendo permitido ao Requerente perceber e compreender as razões pelas quais a referida autoridade procedeu, por um lado, ao indeferimento das reclamações graciosas apresentadas pela Requerente e, por outro, às liquidações sindicadas nos presentes autos.

 

23.          Face a tudo o exposto, entende o presente Tribunal Arbitral que não procede o alegado vício de forma por falta de fundamentação do ato de liquidação e das decisões de indeferimento das reclamações graciosas ínsitas, nos termos alegados pelo Requerente.

 

 

Da ilegalidade por violação da CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América, e do artigo 81.º, n.º 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).

 

 

 - A DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL -

 

24.          A Dupla tributação é um conceito com que, no Direito Tributário, se designam os casos de concurso de normas. Este concurso caracteriza-se pela verificação de que o mesmo facto se integra na previsão de duas normas diferentes. Há, assim, concurso de normas de Direito Tributário quando o mesmo facto se integra na hipótese de incidência de duas normas materiais distintas, dando origem à constituição de mais do que uma obrigação de imposto.

 

25.          Este concurso de normas pode ocorrer em Estado diferentes, consubstanciando, face à existência de identidade do facto tributário e pluralidade de normas de sujeição pertencentes a ordenamentos jurídico-tributários diferentes, a denominada Dupla Tributação Internacional.

 

26.          A identidade do facto tributário, para se verificar, exige que entre as duas (ou mais) tributações exista: identidade do objeto; identidade do sujeito; identidade do período tributário e identidade do imposto. “A propósito desta última identidade, diz-se que há identidade do imposto, quando, em ambos os ordenamentos, o imposto tem idêntica natureza substancial.”

 

27.          Ora, por forma a eliminar a dupla tributação internacional e obviar às consequências negativas que a mesma representa para o desenvolvimento da atividade económica internacional, foram colocados à disposição dos Estados, dois tipos de instrumentos, a saber:

i)             as medidas unilaterais – disposições internas dos Estados – e;

ii)            as medidas bilaterais – tratados ou convenções de dupla tributação internacional.

 

28.          No tocante às medidas unilaterais, ensina AMÉRICO BRÁS CARLOS que “Os mecanismos unilaterais são, como o próprio nome indica, mecanismos internos de eliminação de dupla tributação internacional adoptados por cada Estado, sem a necessária correspondência em outros ordenamentos. Estes mecanismos podem agir relativamente à matéria colectável auferido no estrangeiro, isentando-a (Isenção integral ou progressiva), ou em relação ao imposto ali pago, permitindo a sua dedução ao imposto a pagar no país da sua residência (crédito de imposto, como seja o artigo 81.º do CIRS e o artigo 91.º do CIRC).”

 

29.          Quanto às medidas bilaterais, temos as denominadas Convenções para Eliminar a Dupla Tributação Internacional, que se consubstanciam nos “tratados internacionais celebrados entre dois Estados – Estado da fonte e o Estado da residência – através dos quais estes regulam entre si o modo de tributar factos que, por força dos elementos de conexão utilizados se compreendem no âmbito de aplicação tributária de ambos os Estados, de modo a eliminar a dupla tributação.” , as quais não eliminando completamente a dupla tributação, sempre a poderão atenuar.

 

Vejamos,

 

- DAS MEDIDAS UNILATERAIS DE ELIMINAÇÃO DE DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL EM PORTUGAL – ARTIGO 81.º DO CIRS

 

30.          As pessoas singulares residentes em Portugal são tributadas, nos termos do artigo 15.º, n.º 1 do CIRS, a título de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, pela totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território, em conformidade com o princípio da universalidade.

 

31.          “No direito tributário português, é o princípio da universalidade (da totalidade, da tributabilidade ilimitada ou do world-wide-income) que governa a tributação das pessoas singulares e das pessoas colectivas. O princípio da universalidade – cujas origens remontam à Lei prussiana, de 24 de Julho de 1891, do imposto sobre o rendimento e ao imposto sobre o rendimento americano de 1913 – encontra-se entre nós consagrado, quanto às pessoas singulares no artigo 1.º, n.º do 2 do CIRS, segundo o qual “os rendimentos, quer em dinheiro, quer em espécie, ficam sujeitos a tributação, seja qual for o local onde se obtenham, a moeda e a forma por que seja auferido”; e ainda no artigo 15.º, n.º 1 do mesmo Código, segundo o qual ”sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.” 

 

32.          Nesta sequência, e segundo ensina, ainda, aquele Autor, “Via de regra, as legislações que consagram o princípio da universalidade contêm disposições unilaterais tendentes a eliminar ou atenuar a dupla tributação a que ela pode conduzir, prevendo a outorga de um crédito de imposto por dupla tributação internacional.

 

Até ao final de 1993, a legislação portuguesa restringia o crédito de imposto por dupla tributação internacional ao círculo de países com os quais Portugal tinha celebrado acordos de dupla tributação, assim penalizando os movimentos internacionais de pessoas e capitais para os restantes, pois que dificilmente um rendimento suporta ser tributado duas vezes. Em 1994, alargou-se o âmbito do crédito de imposto por dupla tributação.

 

Era deveras surpreendente que o legislador português tivesse reiterado a consagração do princípio da universalidade, tanto em matéria de pessoas singulares, como de pessoas colectivas, sem ter dele extraído as consequências reflexas que uma justa ponderação de interesses comporta.

 

Com efeito, se a lei pretendia reconhecer o movimento de internacionalização da economia portuguesa, deveria tê-lo feito de modo amplo e racional: tributar, por um lado, a totalidade dos rendimentos mundiais, mas, por outro lado, conceder automaticamente e de pleno direito, créditos de imposto estrangeiro, fosse qual fosse a natureza do contribuinte – pessoa singular ou colectiva, filial ou sucursal de sociedade portuguesa.

 

Relativamente às pessoas singulares – que aqui nos ocupa – vigoram disposições similares. Assim, no CIRS, no seu artigo 81.º, n.º 1 prevê que os titulares das diferentes categorias de rendimentos, obtidos no estrangeiro, têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação internacional, dedutível até à concorrência da parte da colecta proporcional a esses rendimentos líquidos, que corresponderá à menor das seguintes importâncias: (i) imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro; (ii) fracção da colecta do IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos das deduções específicas previstas no referido Código.

De acordo com o n.º 2 deste artigo, quando existir convenção para evitar a dupla tributação celebrada por Portugal, aquela dedução não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro, nos termos previstos na convenção.”

 

33.          Nos casos em que o Estado da fonte, onde são obtidos os rendimentos (estrangeiros) também possa tributar esses rendimentos, caberá ao Estado da residência – no presente caso – Portugal – eliminar ou atenuar a dupla tributação segundo o método da isenção ou da imputação (ou crédito) do imposto estrangeiro.

 

34.          A inexistência de uma Convenção potência as situações de dupla tributação, em virtude de o Estado da fonte se poder arrogar mais facilmente do direito de tributar os rendimentos ali obtidos.

 

35.          Com efeito, e por forma a obviar tais situações, em Portugal (e no caso de rendimentos obtidos por pessoas singulares), a eliminação ou atenuação da dupla tributação poderá ocorrer por força do regime unilateral previsto no n.º 1 do artigo 81.º do CIRS.

 

36.          Ora, o artigo 81.º do CIRS sob a epígrafe: “eliminação da dupla tributação internacional”, no seu n.º 1, prevê o regime regra, segundo o qual: “os titulares de rendimentos das diferentes categorias obtidos no estrangeiro têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação internacional dedutível até à concorrência da parte da colecta proporcional a esses rendimentos líquidos, considerados nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 22.º, que corresponderá à menor das seguintes importâncias:

a)            Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;

b)           Fracção da colecta do IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos das deduções específicas previstas neste Código.”

 

37.          E no seu n.º 2, que será a exceção àquele n.º 1, prevê que: “quando existir convenção para eliminar a dupla tributação internacional celebrada por Portugal, a dedução a efectuar nos termos do n.º anterior não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção.”

 

38.          Resulta assim, da conjugação destes n.ºs do artigo 81.º do CIRS, supra transcritos, que o n.º 1 é uma medida unilateral de eliminação ou atenuação de dupla tributação internacional, de imposto pago no estrangeiro não previsto em CDT, e que será a REGRA GERAL, enquanto que, o n.º 2 prescreve situações em que os limites previstos podem ser abarcados sem que, no entanto, ultrapassem as deduções previstas na Convenção.

 

39.          Segundo entendemos, este n.º 2 consubstancia, nas palavras de AMÉRICO BRÁS CARLOS“ (…) as medidas unilaterais [que] podem aplicar-se conjuntamente como medidas bilaterais resultantes das convenções para evitar a dupla tributação internacional que limitem a tributação do país da fonte (ou origem) do rendimento a uma taxa inferior à normal. A consequência é a de que a dedução à colecta do imposto português não pode ser superior ao imposto pago no estrangeiro nos termos previstos na convenção”  – V.G. artigo 81.º, n.º 2 do CIRS.

 

40.          Significa isto que, a aplicação do n.º 2 do artigo 81 do CIRS emprega apenas um limite à dedução dos impostos, previsto na CDT, limite este que não pode ser superior ao imposto pago no estrangeiro, nos termos previsto na convenção.

 

41.          Com efeito, a limitação estatuída do artigo 81.º do CIRS pretende evitar que um contribuinte que possa acionar a convenção no país da fonte, não o tendo feito, venha obrigar o estado português a devolver imposto seu, por força da omissão/neglicência do contribuinte.

 

42.          Determina, o n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRS que:

«Aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da categoria B, auferidos em atividades de prestação de serviços de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, ou provenientes da propriedade intelectual ou industrial, ou ainda da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, bem como das categorias E, F e G, aplica-se o método da isenção, bastando que se verifique qualquer uma das condições previstas nas alíneas seguintes:

a)            Possam ser tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado; ou

b)           Possam ser tributados no outro país, território ou região, em conformidade com o modelo de convenção fiscal sobre o rendimento e o património da OCDE, interpretado de acordo com as observações e reservas formuladas por Portugal, nos casos em que não exista convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, desde que aqueles não constem de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, relativa a regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis e, bem assim, desde que os rendimentos, pelos critérios previstos no artigo 18.º, não sejam de considerar obtidos em território português.»

 

- DAS MEDIDAS BILATERAIS – CONVENÇÕES PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL – ÂMBITO DE APLICAÇÃO -

 

43.          No tocante ao âmbito de aplicação dos tratados de dupla tributação internacional, e segundo, ALBERTO XAVIER, in ob.cit, pág. 122, “pode ser examinado de cinco ângulos distintos: quanto às pessoas, quanto aos tributos, quanto ao território, quanto à sucessão de Estados e quanto ao tempo.

O âmbito de aplicação dos tratados contra a dupla tributação, no que concerne às pessoas, é definido em função do critério da residência e não da nacionalidade (…); em matéria de impostos sobre o rendimento e o capital – que aqui nos interessa - aplicam-se, em princípio, aos tributos que revestem aquela natureza substancial, independentemente da sua denominação (nome iuris), da pessoa de direito público, que é o seu titular ou do método adoptado para a sua cobrança. (…) Os Estados contratantes elaboram, via de regra, uma lista dos impostos actuais a que a convenção se aplica, lista que se reveste de carácter meramente declaratório, não tendo alcance limitativo.

A indicação dos impostos abrangidos pelas Convenções foi, entre nós, objecto de três técnicas distintas: as convenções procedem à definição geral do tipo de tributo sobre o rendimento, seguida de uma enumeração cujo carácter exemplificativo resulta do uso da expressão, nomeadamente; (…) outras convenções procedem também à definição geral das características dos impostos a que se aplicam, mas logo após , elaboram uma  lista taxativa dos impostos actuais nela abrangidos, pelo que a definição só faz sentido para efeitos de julgar a aplicabilidade a impostos futuros (…); enfim, o terceiro grupo de Convenções limita-se a estabelecer uma lista taxativa dos impostos actuais a que a convenção se aplica, dispensando-se de qualquer definição genérica.

(…).”

 

44.          Ora, quanto à matéria que aqui nos ocupa, cumpre, desde já, aludir que, o Governo da República Portuguesa e o Governo dos Estados Unidos da América, com vista a evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento, celebraram, em 12 de outubro de 1995, uma Convenção, publicada no DR I Série A n.º 236 de 12 de Outubro de 1995.(Resolução da Assembleia da República n.º 39/95, de 12 de Outubro), nos termos da qual, a mesma se aplica a pessoas residentes de um ou de ambos os Estados Contratantes.(artigo 1.º da CDT).

 

45.          O artigo 2.º da Convenção enuncia os impostos visados pela Convenção, e que aqui se transcrevem:

“1 -  Os impostos actuais a que a esta Convenção se aplica são:

a)            Em Portugal:

… … …

b)           Nos Estados Unidos:

i)             Os impostos federais sobre o rendimento lançado nos termos do disposto no Internal Reveneu Code (Código Geral dos Impostos) (com exclusão das contribuições para a Segurança Social); e

ii)            Imposto especial relativamente ao rendimento de investimento de fundações privadas, ao abrigo da secção 4940 do Internal Revenue Code, sujeito às alterações que venham a ser introduzidas, sem alterar, porém, os seus princípios gerais.”

 

46.          Da dicotomia apresentada por ALBERTO XAVIER quanto aos tipos/grupos de enumeração de tributos previstos na CTD Portugal/EUA, será pacífico concluir que a CDT aqui em questão se encontra no terceiro grupo referido por aquele Autor, tendo-se limitado “a estabelecer uma lista taxativa dos impostos actuais a que a convenção se aplica, dispensando-se de qualquer definição genérica.”

 

47.          Ora, Portugal, tal como noutros ordenamentos jurídicos, para além das inúmeras Convenções para eliminação ou atenuação da dupla tributação que celebrou com outros Estados, tem no seu ordenamento jurídico, como supramencionado, disposições que invocam medidas unilaterais com o mesmo objetivo, pelo que, antes de avançarmos, será prudente abordar a questão quanto ao lugar das convenções internacionais na hierarquia das fontes de Direito português.

 

48.          Sobre este assunto elucida-nos, ALBERTO XAVIER, in obra citada, pág. 117 que: “No direito português não existe, (…), acto de transformação do direito convencional em direito interno. Com efeito o n.º 2 do artigo 8.º da Constituição (que manteve intacta a sua redacção, mesmo após as revisões constitucionais subsequentes) dispõe que as normas constantes de convenções internacionais validamente celebradas (e, portanto regulamente ratificadas e aprovadas) vigoram na ordem interna logo que publicadas. Daqui decorre que os tratados são fonte imediata de direito e obrigações para os seus destinatários, podendo ser invocados, como tal, perante os tribunais (princípio da eficácia directa e imediata); e que à interpretação dos seus preceitos são aplicáveis as regras da hermenêutica que vigoram quanto aos tratados e, não as que respeitam à legislação interna de cada Estado contratante.

Por outras palavras, o direito português consagra uma cláusula geral de recepção automática plena do direito internacional convencional, de harmonia com a visão monista, ou seja, a cláusula pela qual o Direito Internacional Público adquire relevância na ordem interna, independentemente de outra formalidade que não seja a mera publicação. O direito internacional vigora, assim, na ordem interna portuguesa, por efeito da vinculação internacional do Estado português e vigora na sua qualidade de direito interncional, não sendo necessária uma “transformação” ou “ordem de execução”, caso a caso, ou seja, entrando em vigor independentemente de conversão legal (princípio da aplicabilidade directa ou imediata).”

 

49.          Não obstante, a superioridade hierárquica dos tratados se encontrar proclamada quer no disposto nos artigos 26.º e 27.º da Convenção de Viena, bem como no n.º 2 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, “[d]aqui decorrem duas conclusões: (a) a de que o Direito Internacional convencional é colocado na ordem jurídica interna num grau hierárquico superior ao da lei; (b) a de que, em caso de conflito, o tratado se sobrepõe à lei interna.

Esta é a posição consagrada do Tribunal Constitucional.

A supremacia do tratado sobre a lei interna não se traduz, porém na revogação desta última. Com efeito, não se está aqui perante um fenómeno ab-rogativo, já que a lei interna mantém a sua eficácia plena fora dos casos subtraídos à sua aplicação pelo tratado. Trata-se, isso sim, de limitação da eficácia da lei que se torna relativamente inaplicável a certo círculo de pessoas e situações, limitação esta que caracteriza precisamente o instituto da derrogação.” , a verdade é que, esta questão - quanto ao primado das leis internacionais aprovadas e ratificadas pelo Estado português – deverão ser aferidas no presente caso.

 

O caso em apreciação

 

50.          Regressando ao caso em apreço, podemos constatar, conforme resulta da matéria dada como assente que, pelo menos, desde 2015, o Requerente marido é residente em território nacional – Portugal – tendo o estatuto de Residente Não Habitual (RNH), ao qual são aplicados determinados benefícios fiscais, como seja a taxa de tributação em sede de IRS, a 20 %, para alguns rendimentos, em conformidade com o disposto no n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRS.

 

51.          E, que nos anos de 2016 e 2017, o Requerente obteve rendimentos nos EUA, designadamente, e que se encontra em apreciação, de mais valias resultantes da alienação de diversos valores mobiliários (ações, obrigações e outros títulos de dívida e instrumentos financeiros), através de contas bancárias, tituladas por si, nos Estado Unidos da América (EUA), no Banco G...  LLC.

 

52.          Ora, tendo em consideração, como acima mencionado, que Portugal e os EUA celebraram uma CDT, procuraremos aplicá-la ao caso em concreto, em virtude da já mencionada superioridade hierárquica das convenções internacionais nas fontes de Direito português.

 

53.          Prevê o artigo 14.º da CDT PT/EUA, sob a epígrafe “Mais-valias” o seguinte:

«1 – Os ganhos que um residente de um Estado Contratante aufira da alienação de bens imobiliários situados no outro Estado Contratante podem ser tributados nesse outro Estado.

2 – Para efeitos, do n.º 1, os bens imobiliários situados em Portugal incluem ações, participações ou outros direitos numa sociedade ou noutra pessoa jurídica cujos activo consista, directa ou indirectamente, principalmente em bens imobiliários situados em Portugal; a propriedade imobiliária situada nos Estado Unidos inclui a participação imobiliária dos Estados Unidos.

3 – Os ganhos provenientes da alienação de bens mobiliários (pessoais) que façam parte do activo de um estabelecimento estável que uma empresa de um Estado Contratante tenha ou tenha tido no outro Estado Contratante ou de bens mobiliários afectos a uma instalação fixa de que um residente de um Estado Contratante disponha ou tenha disposto no outro Estado Contratante para o exercício de uma profissão independente, incluindo os ganhos provenientes da alienação desse estabelecimento estável (isolado ou com o conjunto da empresa) ou dessa instalação fixa, podem ser tributados nesse outro Estado.

4 – Os ganhos auferidos por uma empresa de um Estado Contratante provenientes da alienação de navios ou aeronaves utilizadas no tráfego internacional, ou de bens mobiliários afectos à exploração desses navios ou aeronaves, só podem ser tributados nesse Estado.

5 – Os ganhos referidos no último período do n.º 3 do artigo 13.º, «Royalties», só podem ser tributados nos termos do disposto no artigo 13.º.

6 – Os ganhos provenientes da alienação de quaisquer outros bens diferentes dos mencionados nos n.ºs 1 a 5 só podem ser tributados no Estado Contratante de que o alienante é residente.»

 

54.          É manifesto, tal como determinam, a Requerente e a Requerida, os rendimentos em causa, nos presentes autos, têm enquadramento no n.º 6 do artigo 14.º da CDT.

 

55.          Com efeito, e nesta sequência, lembra a Requerente, a existência do Protocolo anexo à CDT, do qual resulta que:

«No momento de proceder à assinatura da Convenção entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, os Estados Contratantes acordaram nas seguintes disposições, que fazem parte integrante da Convenção:

1 – Ad artigo 1.º, «Pessoas visadas»:

(…)

Não obstante o disposto na Convenção, salvo a alínea c) do presente número, um Estado Contratante pode tributar os seus residentes [como previsto nos termos do artigo 4.º, «Residência»], e os Estados Unidos podem tributar os seus cidadãos, como se a Convenção não tivesse entrado em vigor.

Para este efeito, a expressão «cidadão» incluirá um indivíduo que, possuindo essa condição anteriormente, tenha perdido a cidadania com o propósito principal de evitar a tributação, mas apenas durante um período de 10 anos a contar da referida perda. Para a aplicação do período anterior a um residente de Portugal, as autoridades competentes consultar-se-ão nos termos do artigo 27.º «Procedimento amigável», a pedido da autoridade competente portuguesa, sobre os propósitos da referida perda de cidadania.

(…)

3 – Ad n.º 1 do artigo 4.º «Residência»

(…)

c)            Portugal considerará um cidadão dos Estados Unidos ou um estrangeiro com licença de residência permanente nos Estados Unidos (titular de «carta verde») como residente dos Estados Unidos apenas se esse indivíduo tiver uma presença substancial nos Estados Unidos e não de um país terceiro de acordo com os princípios das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 4.º «Residência»».

 

56.          Compulsando o Internal Revenue Code, constatamos que, da secção 7701(b), são considerados como residentes nos EUA, para efeitos fiscais, os titulares de um “green card”.

 

57.          «Green card» este que, como resulta da matéria de facto, é o Requerente titular.

 

58.          Contudo, há que ter em consideração que, segundo Protocolo Anexo à CDT PT/EUA, alínea c) do n.º 3, Portugal considerará um cidadão dos Estados Unidos (…) apenas se esse indivíduo tiver uma presença substancial nos Estados Unidos e não de um país terceiro de acordo com os princípios das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 4.º «Residência».» (sublinhado nosso).

 

59.          Relativamente a esta presença substancial nos Estados Unidos, pressuposto de um contribuinte poder ser considerado residente nos Estados Unidos da América, quando coletado como residente fiscal em Portugal, não lograram os Requerentes fazer prova cabal,

 

60.          … razão pela qual, não é possível (a Portugal) considerá-los como tal, ou seja, residentes nos Estados Unidos da América, sem embargo de o Requerente marido ser titular de um «green card».

 

61.          Com efeito, a única prova trazida aos autos, quanto a esta matéria, é que o Requerente encontra-se registado/cadastrado no sistema fiscal português como residente fiscal, no território nacional, com o estatuto de residente não habitual.

 

62.          Sendo, assim, correta a aplicação do disposto no n.º 6 do artigo 14.º da CDT PT/EUA, do qual resulta a tributação exclusiva, por Portugal, das mais-valias, obtidas pelos Requerentes, resultantes da alienação de diversos valores mobiliários (ações, obrigações e outros títulos de dívida e instrumentos financeiros), através de contas bancárias, tituladas por si, nos Estado Unidos da América (EUA), no Banco G... LLC.

 

63.          Nesta sequência, vejamos, agora, se os Requerente podem, ainda, alcançar a aplicação das medidas unilaterais previstas no ordenamento português, para evitar ou atenuar a dupla tributação, previstas no artigo 81.º, nos seus n.º 1 e 5 do Código do IRS.

 

64.          O n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRS prevê que aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos de capitais, poder-se-á aplicar o método de isenção, sendo necessário, para o efeito que: «

a)            Possam ser tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado; ou

b)           Possam ser tributados no outro país, território ou região, em conformidade com o modelo de convenção fiscal sobre o rendimento e o património da OCDE, interpretado de acordo com as observações e reservas formuladas por Portugal, nos casos em que não exista convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, desde que aqueles não constem de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, relativa a regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis e, bem assim, desde que os rendimentos, pelos critérios previstos no artigo 18.º, não sejam de considerar obtidos em território português.»

 

65.          Com efeito, como já mencionado, a aplicação do disposto no n.º 6 do artigo 14.º do CDT PT/EUA, impõe que a tributação dos rendimentos de capitais auferidos, nos EUA, por residentes não habituais em território português, é da competência exclusiva de Portugal, e não compartilhada com os EUA,

 

66.          … pelo que, consequentemente, não podendo este Estado Contratante (EUA) tributar os rendimentos de capitais em causa nos presentes autos, não se verifica o pressuposto constante da alínea a) do n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRS, designadamente, que tais rendimentos «possam ser tributados no outro Estado contratante», razão pela qual não pode ser aplicado o método de isenção.

 

67.          Subsidiariamente, peticionam os Requerentes que lhes seja aplicado o método de crédito, previsto no n.º 1 do artigo 81.º do Código do IRS.

 

68.          Ora, como acima mencionado o n.º 1 do artigo 81.º do Código do IRS dispõe que os titulares de rendimentos das diferentes categorias obtidos no estrangeiro «têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação internacional dedutível até à concorrência da parte da colecta proporcional a esses rendimentos líquidos, considerados nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 22.º, que corresponderá à menor das seguintes importâncias:

a)            Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;

b)           Fracção da colecta do IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos das deduções específicas previstas neste Código.»

 

69.          Na verdade, para que este preceito legal possa ser aplicado é necessário que se prove e comprove o pagamento do imposto no estrangeiro – EUA – o que não sucedeu no caso em apreço.

 

70.          Conforme resulta da matéria de facto, o pagamento do imposto nos EUA não foi dado como provado, por não ter sido junto, aos autos, qualquer documento comprovativo desse facto, razão pela qual se afasta, também, a aplicação desta medida unilateral, e consequentemente, a possibilidade de se proceder ao crédito de imposto em Portugal.

 

71.          Face a tudo o exposto, entende o presente Tribunal Arbitral que improcede o pedido de pronuncia arbitral, em toda a sua amplitude.

 

 

Questões prejudicadas

 

72.          Improcedendo o pedido de pronúncia arbitral da Requerente fica prejudicado conhecimento da questão relativa ao pagamento dos juros indemnizatórios, por se manterem, na ordem jurídica, os atos de liquidação de IRS dos anos de 2016 e 2017, em virtude de não padecerem os mesmos de qualquer ilegalidade.

 

VII. DECISÃO

Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, decide-se, assim, julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral respeitante às decisões no sentido de indeferimento das reclamações graciosas, e aos atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares dos anos de 2016 e 2017, no montante de € 45.417,25 (quarenta e cinco mil, quatrocentos e dezassete euros e vinte e cinco cêntimos) e € 113.702,29 (cento e treze mil, setecentos e dois euros e vinte e nove cêntimos), respetivamente, mantendo-os na ordem jurídica.

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 159.119,54 (cento e cinquenta e nove mil, cento e dezanove euros e cinquenta e quatro cêntimos), nos termos artigo 97.º-A, n.º 1, c), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo da Requerente, ao abrigo do disposto no artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 3.672,00 (três mil, seiscentos e setenta e dois euros).

 

Notifique-se.

Lisboa, 26 de março de 2021

 

O TRIBUNAL ARBITRAL COLETIVO

 

José Poças Falcão (Presidente)

Jorge Carita (Adjunto)

José Nunes Barata (Adjunto)