Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 67/2013-T
Data da decisão: 2013-10-29  Selo  
Valor do pedido: € 1.630,63
Tema: IS – Propriedade vertical, Verba 28.1 TGIS
Versão em PDF

Processo nº. 67/2013-T

 

Decisão Arbitral

 

A - RELATÓRIO

A, contribuinte fiscal nº. …, e B, contribuinte fiscal nº. …, casados entre si, residentes na …, Bélgica - “Requerentes”, apresentaram pedido de pronúncia arbitral, a 4 de Março de 2013, nos termos dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”), em que é “Requerida” a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT”).

 

Os Requerentes (RR) optaram por não designar árbitro, pelo que o Conselho Deontológico do CAAD procedeu à designação do Exmo. Senhor Dr. Jorge Carita. O Tribunal Arbitral foi constituído no dia 6 de Junho de 2013, por despacho do Ex.º Senhor Presidente do Conselho Deontológico.

 

Os RR pretendem a declaração de ilegalidade e anulação do acto de liquidação de IRS de 2008 n.º 2012 ... e do acto de cobrança nº. 2012 ... no valor de € 1.630,63, e a restituição do mesmo montante, já pago, acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos até integral e efectivo pagamento. Pretendem ainda a condenação da requerida no pagamento das custas, procuradoria e demais encargos legais.

 

Os RR sustentam a alegada ilegalidade da liquidação nos fundamentos seguintes:

 

Os RR adquiriam um imóvel (designado doravante por imóvel A), destinado à habitação própria e permanente - fracção autónoma designada pela letra “AM”, do prédio urbano descrito na … Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ..., da freguesia …, e inscrito na matriz predial da mesma freguesia, sob o artigo ... -, a 24.08.2007.

 

Os RR venderam outro imóvel (designado doravante por imóvel B), que tinha sido a habitação própria e permanente dos RR - fracção autónoma designada pela letra “C”, descrito na … Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número 134, da freguesia do …, e inscrito na matriz predial da mesma freguesia, sob o artigo … (adquirida pelos RR em 2004) -, no dia 26.08.2008.

 

Na Declaração de IRS de 2008, os RR declararam a quantia de € 16.035,64 como despesas necessárias, na acepção do art.º 51, al. a), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).

 

Os RR declararam ainda o montante de € 71.896,18, produto da venda do imóvel B, como reinvestimento na aquisição do imóvel A.

 

A Autoridade Tributária (AT) veio solicitar aos Requerentes, ao abrigo dos artigos 128 e 134 do CIRS e do art.º 59, n.º 3, al. d), e n.º 4 da LGT, comprovativos das despesas deduzidas no ano de 2008, nos termos do art.º 51, al. a) CIRS, em carta datada de 06.08.2012.

 

Os RR apresentaram, via e-mail, os comprovativos solicitados, em 28.08.2012.

 

Por ofício contendo proposta de alteração das declarações de rendimentos do ano de 2008, com data de 10.09.2012, a AT informou os requerentes de duas irregularidades em relação à declaração de IRS de 2008:

 

(i) A despesa de € 154,70, paga ao Banco A para avaliação do imóvel B, de modo a obter o respectivo crédito hipotecário, não constituía uma “despesa necessária” ao abrigo do art.º 51, al. a) CIRS;

(ii) O reinvestimento de € 71.896,18 efectuado ao abrigo do art.º 10, n.º 5, al. b) CIRS, era inválido, porque a aquisição do imóvel A tinha ocorrido fora do prazo de “doze meses anteriores” à data da venda do imóvel B.

 

A AT invocou, nesse momento, que o prazo para adquirir o imóvel A se situava entre 26.08.2007 e 26.08.2008.

 

Os RR responderam a 20.09.2012, alegando que:

 

(i) A despesa de € 154,70 para avaliação do imóvel B deveria ser considerada pela AT como despesa necessária, tal como o são as despesas e encargos de mediação imobiliária.

 

Os RR alegam que o conceito de “despesa necessária” do art.º 51 do CIRS tem sido interpretado de forma diferente ao longo dos anos pela Administração Fiscal mas que, desde 2008, se considera que as despesas de imediação imobiliária cabem naquele conceito.

 

Os RR fazem, então, um paralelismo com a situação da avaliação bancária de um imóvel, exigência incontornável, indispensável, para a obtenção de crédito imobiliário e, assim, consideram-na como “despesa necessária” para a aquisição do imóvel.

 

(ii) A contagem do prazo de doze meses anteriores à venda do imóvel B efectuada pela AT estava incorrecta já que o dia 26.08.2007, considerado pela AT como último dia do prazo para aceitar o reinvestimento do imóvel A, era Domingo, devendo por isso, e nos termos da lei (art.º 279, al. e) do Código Civil), transitar para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, a Sexta-feira anterior, dia 24.08.2007, precisamente o dia da aquisição do imóvel A.

 

Os RR invocam o art.º 10, n.º 5, al. b) do CIRS, na redacção em vigor em 2008, que dispunha que o reinvestimento só poderia ter lugar para o pagamento da aquisição de um outro imóvel destinado à habitação própria e permanente, se a aquisição desse imóvel tivesse lugar nos doze meses anteriores, devendo este prazo contar-se nos termos do art.º 20, n.º 1, CPPT, que remete para o art.º 279 do CC. Segundo os RR, a lei é clara ao referir que a aquisição deve ter lugar nos doze meses anteriores à data da realização, sendo este momento o da venda do imóvel, contando-se o prazo “para trás”.

 

A AT notificou os RR do despacho final, nos termos do art.º 77 da LGT, do art.º 36 do CPPT e do art.º 66 do CIRS, com data de 31.10.2012, no qual:

 

(i) Reiterou a recusa em considerar a despesa de € 154,70 para avaliação de imóvel como uma despesa necessária na acepção do art.º 51, al. a) CIRS, alegando a prática habitual da AT;

(ii) Considerou que a alienação do imóvel B tinha sido feita fora de prazo, porque, ao abrigo do art.º 10, n.º 5, al. b) CIRS, “a data de aquisição do imóvel é o momento determinante para iniciar a contagem do prazo”, sendo o reinvestimento válido desde que a alienação tivesse sido feita entre 24.08.2007 e 25.08.2008 (visto o dia 24.08.2008 ser Domingo); o imóvel B fora alienado em 26.08.2008, portanto, fora de prazo.

 

Os RR foram notificados da liquidação do IRS de 2008 (n.º 2012 ...), bem como da cobrança de € 1.630,63.

 

Os RR procederam ao pagamento do imposto devido.

 

Relativamente à obrigação de pagamento de juros compensatórios, exigidos pela AT, no valor de € 195,01, os RR consideram que a liquidação dos juros viola o dever de fundamentação (art.º 35, n.º 9, da LGT), por a AT nada referir quanto ao nexo de causalidade adequada entre a actuação dos Requerentes e o retardamento da liquidação, nem quanto à censurabilidade da conduta dos mesmos.

 

Os RR fundamentam o pedido de pagamento de juros indemnizatórios vencidos e vincendos até integral e efectivo pagamento, nos termos do art.º 43 da LGT e art.º 22 da CRP, no facto de ter havido um erro dos serviços no cálculo do imposto. Referem, ainda, jurisprudência e doutrina no sentido de que o erro, imputável aos serviços que operaram a liquidação, fica demonstrado com a anulação judicial desse acto.

 

A Requerida respondeu, em 15.07.2013, rebatendo os argumentos apresentados pelos RR nos termos que se seguem:

 

Relativamente aos encargos com a avaliação do imóvel, considera a AT que não existindo instruções administrativas quanto à admissibilidade das despesas bancárias relativas à contratação de empréstimo bancário como “despesas necessárias”, como acontece com as despesas com a intermediação imobiliária, e não vigorando o regime da analogia ou interpretação extensiva, nem cabendo estas despesas na interpretação do conceito – por não se tratar de despesa que não pode deixar de ser efectuada para efeitos de aquisição ou alienação dos prédios em questão (necessária), nem sendo indissociável da operação principal (inerente), - não poderá aceitar-se a sua qualificação como “despesas necessárias”.

 

Quanto ao reinvestimento, a AT discorda do entendimento dos RR, considerando que, nos termos do art.º 10, n.º 5, alíneas a) e b), o facto relevante para efeitos de início da contagem do prazo, é a aquisição (24.08.2007), sendo esse o facto certo e de onde se parte para o facto incerto que é a realização (alienação). Na óptica da AT, será só a partir da aquisição que o contribuinte saberá que dispõe de apenas 12 meses para concretizar a alienação, sendo incerto se o vai conseguir ou não – no caso, a alienação vem a ocorrer a 26.08.2008. A AT critica ainda a argumentação sustentada pelos RR por consubstanciar uma proposta de contagem regressiva dos prazos (da alienação, facto posterior e incerto, para a aquisição, anterior e certo) sem qualquer apoio legal, jurisprudencial ou doutrinal, considerando-a até inconstitucional, por violação dos princípios da certeza e da segurança jurídica.

 

A AT mantém, assim, a opção proferida no despacho final de 31.10.2012.

 

Por fim, no que concerne aos juros compensatórios, vem a AT invocar a existência de notificação onde consta a fundamentação da liquidação destes juros.

 

A reunião com as partes, a que se refere o artigo 18.º do RJAT, teve lugar no dia 20 de Setembro de 2013.

 

B - SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do art.º 2, n.º 1, al. a) do RJAT. O processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas (art.º 10, n.º 2, do RJAT).

 

C - MATÉRIA DE FACTO

I - Provados

Os RR adquiriram imóvel destinado a habitação própria e permanente, fracção autónoma designada pela letra “AM”, do prédio urbano descrito na … Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ..., da freguesia do …, e inscrito na matriz predial da mesma freguesia, sob o artigo ..., a 24.08.2007 – designado por imóvel A.

 

Os RR venderam outro imóvel, que tinha sido habitação própria e permanente dos RR, fracção autónoma designada pela letra “C”, descrito na … Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º …, da freguesia do …, e inscrito na matriz predial da mesma freguesia, sob o artigo … (adquirida pelos RR em 2004), no dia 26.08.2008 – designado por imóvel B.

 

Na Declaração de IRS de 2008, os RR declararam a quantia de € 16.035,64 como despesas necessárias, na acepção do art.º 51, al. a), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).

 

Os RR declaram ainda o montante de € 71.896,18, produto da venda do imóvel B, como reinvestimento na aquisição do imóvel A.

 

A AT notificou os RR do despacho final, nos termos do art.º 77 da LGT, do art.º 36 do CPPT e do art.º 66 do CIRS, com data de 31.10.2012, no qual:

 

(i) Recusou considerar a despesa de € 154,70 para avaliação de imóvel como uma despesa necessária na acepção do art.º 51, al. a) do CIRS, alegando a prática habitual da AT;

(ii) Considerou que a alienação do imóvel B tinha sido feita fora do prazo para reinvestimento estabelecido no art.º 10, n.º 5, al. b) do CIRS;

 

Os RR foram notificados da liquidação do IRS de 2008 e procederam ao pagamento do imposto devido.

 

Os RR receberam a 17.12.2012 notificação relativa à liquidação dos juros compensatórios e respectiva demonstração: Notificação RY...PT

 

II – Fundamentação

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos ao processo.

 

III - Não Provados

Não se prova que a despesa com a avaliação do imóvel seja necessária nos termos do art.º 51 do CIRS.

 

D - DIREITO

I - Reinvestimento

A questão do reinvestimento como pressuposto de exclusão da tributação da Mais-Valia é absolutamente central para a resolução do litígio. Em causa, está a tempestividade da aquisição do imóvel A.

 

Cabe-nos, assim, determinar, em primeiro lugar, qual o período de tempo exacto durante o qual a aquisição seria susceptível de constituir um reinvestimento do valor da realização da alienação do imóvel B, o que nos leva a reflectir sobre a própria natureza deste prazo.

 

O prazo corresponde a um período de tempo pré-determinado, decorrido o qual, a situação jurídica se torna definitiva. O prazo garante a certeza e segurança jurídica no Ordenamento e a tutela de posições jurídicas (Pr. da Preclusão).

 

No Direito Civil, distinguem-se dois tipos de prazo: a prescrição (art.º 298/1 e art.º 300 e ss. do CC), e a caducidade (art.º 298/2 e 328 e ss. CC). A prescrição é um instituto de cariz imperativo, com prazos rígidos, pois, como nos ensina Menezes Cordeiro, “quando fixe um prazo, a norma torna-se auto-suficiente: vale por si, esgota-se na missão de fixar um prazo pré-determinado” e que “não é lícito ao intérprete aplicador, alargar ou restringir prazos pré-fixados por lei, a coberto de directrizes jurídico-científicas”[1]. A prescrição tem, em regra, um prazo longo, aplica-se a obrigações, e basta-se com a previsão geral do art.º 298/1 do CC.

 

Por outro lado, a caducidade aplica-se, em regra, a direitos potestativos (que a Ordem Jurídica pretende que sejam exercidos com prontidão ou cessem, dado o seu carácter desestabilizador), tem um prazo curto, e pode ser afastada pela autonomia das partes. Em sentido amplo, a “caducidade corresponde a um esquema geral de cessação de situações jurídicas, mercê da superveniência de um facto a que a lei ou outras fontes atribuam esse efeito” – dá-se a “extinção de uma posição jurídica pela verificação de um facto stricto sensu dotado de eficácia extintiva”. Em sentido estrito, corresponde a uma “forma de repercussão no tempo nas situações jurídicas que, por lei ou contrato, devam ser exercidas dentro de certo tempo“[2] – expirado o prazo, sem que se verifique o exercício do direito, este extingue-se.

 

A caducidade em sentido estrito pode ser de dois tipos: simples, em que a lei se limita a prever ou referir a cessação da situação jurídica pelo decurso do prazo; ou punitiva, em que o “Direito impõe a cessação de uma posição jurídica como reacção ao seu não-exercício no prazo fixado” – “instituição de um encargo na esfera do titular da posição sujeita a termo” [3].

 

Assim, a causa impeditiva da caducidade é a “efectivação do próprio acto sujeito à caducidade” [4].

 

O legislador tributário distingue também entre estes dois conceitos – artigos 45 e 48 da LGT. No Direito Fiscal, a caducidade corresponde ao “prazo para exercer o direito à liquidação da dívida tributária através do procedimento de liquidação dos tributos”, enquanto que a prescrição corresponde ao “prazo para exigir o pagamento das dívidas tributárias já liquidadas” [5]. Citando Freitas da Rocha, “em termos jurídicos, a prescrição e a caducidade têm como principal consequência fulminar as pretensões jurídicas subjectivas já constituídas a partir do facto tributário” [6]. Diz-nos ainda o mesmo autor que, com o decurso do prazo, a obrigação que era jurídica, transforma-se em mera “obrigação moral” ou “de consciência”.

 

Na verdade, contudo, para o Direito Fiscal, a divisão entre os dois institutos é algo artificiosa, pois, “na prática, (…) a realidade é a mesma: decorrido o prazo, o titular deixar de poder exercer determinada pretensão jurídica, considerando-se intempestiva a sua actuação”. [7]

 

Segundo o mesmo autor, o prazo referido no art.º 10, n.º 5, do CIRS (versão em vigor em 2008) é um prazo prescritivo. Todavia, o reinvestimento das mais-valias levanta alguns problemas, desde logo, determinar qual é o facto tributário. De facto, a tributação da mais-valia decorrente da alienação de imóvel encontra-se sujeita a uma condição: a inexistência de reinvestimento do produto da alienação em nova aquisição, num determinado período de tempo (prazo).

 

Este problema relaciona-se também com a questão mais ampla da determinação do início do prazo. Citando Menezes Cordeiro, o início do prazo corresponde ao “factor estruturante do instituto: dele depende, pois, todo o desenvolvimento subsequente” [8].

 

Verifica-se, então, que a situação prevista no art.º 10, n.º 5, do CIRS é uma situação anómala, diferente do que será um prazo “normal”. Como ensina Freitas da Rocha, “quando a exigência de tributo está dependente da verificação de uma condição, o prazo de prescrição apenas se começa a contar a partir do momento da verificação da condição”, e, assim, “enquanto a condição se não verificar, o tributo não é exigível, não se podendo dizer que haja uma obrigação de pagamento” [9]. Assim, no caso da tributação da mais-valia, esta só é devida no caso da inexistência de reinvestimento no prazo estabelecido.

 

Esta situação parece, pois, fugir ao que é a prescrição típica em direito civil. De facto, assemelha-se à lógica da caducidade punitiva – aplicável, normalmente, ao procedimento -, ao fazer recair sobre o contribuinte a condição que o exonerará da obrigação (ou seja, para não estar obrigado a pagar o tributo sobre a mais-valia obtida, o contribuinte terá que ter reinvestido o valor da realização - produto da alienação, que gera a mais-valia).

 

A situação é ainda mais atípica considerando que não há nenhum direito que nasce com a alienação do imóvel, nem que se extingue com o decurso do prazo. O que há é uma expectativa de beneficiar de uma exclusão de tributação, verificada uma condição legal dentro do prazo pré-determinado.

 

Vejamos o caso concreto.

 

À primeira vista, a argumentação da AT é mais convincente: é mais sólida e mais de acordo com os dogmas do direito civil, no que diz respeito aos prazos.

 

Contudo, vejamos.

 

A questão que se coloca nos autos, de modo simplista, reconduz-se a saber se um prazo pode ser contado de forma regressiva (ou seja, para o passado). Parece ter razão a Requerida ao apelidar esta proposta como inconstitucional, por violar os princípios constitucionais da segurança jurídica e da certeza.

 

Note-se que a questão que se coloca é tão prévia, que quase nenhuma doutrina nem jurisprudência sobre ela se debruçou. Tampouco nos auxilia o art.º 279 do CC, neste momento (mais se refira que, ao contrário do que é invocado nos autos, o art.º 20 do CPPT não tem aqui qualquer intervenção, já que estaremos perante um prazo substantivo, e não processual). A nossa resposta automática ao problema é a de parecer óbvio, dentro do panorama do Direito Português, que o prazo apenas seja contado para o futuro, a partir de um momento que é certo e fixo no tempo.

 

As partes debatem-se nos autos sobre qual o momento determinante para o início da contagem do prazo: se, como defende a AT, o primeiro momento cronologicamente determinado – a aquisição, por ser esse o momento certo do qual se parte para contar o prazo de 12 meses; ou se, como defendem os RR, a alienação. Ainda que insípida, a argumentação dos RR levanta o véu da aparente simplicidade da questão.

 

Se, à primeira vista, a AT tem razão, é olhando para o momento constitutivo que propõe que se cria alguma confusão. A lei fiscal – art.º 10 do CIRS – pretende tributar as Mais-Valias, Mais-Valias que se geram com a alienação do imóvel. Ora, observando o decurso cronológico dos acontecimentos, a aquisição (que ocorre em 2007) é totalmente indiferente para o legislador fiscal. Só quando ocorre a alienação (em 2008) é que aquele primeiro acontecimento se afigura como potencialmente relevante.

 

O momento constitutivo da Mais-Valia é o da realização – é o valor de realização/alienação que gera a Mais-Valia confrontado com o valor de aquisição desse mesmo imóvel. E a intenção do legislador fiscal é tributar o ganho com a alienação. É este o facto constitutivo tributário: aquele que gera a obrigação de pagar o imposto.

 

Contudo, dando precedência ao facto tributário relevante - alienação do Imóvel B -, sendo este o momento a partir do qual se conta o prazo, altera-se a ordem normal dos acontecimentos – a cronológica -, partindo-se de um acontecimento recente, para um mais antigo. Por outro lado, padece também de incoerência fundar um prazo num acontecimento sem qualquer relevo, à altura da sua ocorrência, para a Autoridade Tributária – o da aquisição do imóvel A.

 

 

 

 

 

Esta situação torna-se ainda mais esdrúxula considerando o que está em causa. Os prazos pretendem proteger um direito durante um certo lapso de tempo, decorrido o qual, o credor já não se poderá defender (ocorre um “… desfalque dos meios coercitivos, se bem que o interesse propriamente dito ainda se possa dizer que subsista” [10]).

 

Ora, não se forma nenhum direito com a aquisição do imóvel. Não existe o direito à exclusão da tributação das Mais-Valias, e menos ainda um direito supostamente formado a priori da própria alienação que gera a Mais-Valia sujeita a tributação. Dizer-se isto, significaria que, em 2007, tivesse nascido um direito na esfera jurídica dos RR: o direito a ser excluído da tributação do produto de uma alienação que é posterior e eventual, e mais ainda, que, não alienando, esse direito prescrevesse.

 

De outro lado, também não se forma nenhuma obrigação de pagamento. Esta também só surge com a alienação e com a Mais-Valia decorrente dela.

 

O contribuinte só tem direito ao benefício fiscal – exclusão da tributação- se tiver alienado e, facto logicamente posterior, tiver adquirido – reinvestido.

 

A incoerência de aplicação da lógica “normal” (mais civilística) a esta situação anómala do Direito Fiscal, leva-nos a uma interrogação mais profunda: será que o “prazo” estabelecido no art.º 10, n.º 5, b) do CIRS (versão em vigor em 2008) se trata realmente de um prazo?

 

Na verdade, parece-nos que o reinvestimento, dentro do período de tempo determinado por lei, é uma condição de verificação ou um pressuposto de facto para se dar a exclusão da tributação – questão que só se coloca após a alienação. Ou seja, o que a lei pretende é auxiliar o contribuinte que esteja descapitalizado, em virtude de uma aquisição nos 12 meses anteriores, a qual o produto da alienação irá colmatar. A condição é a de que tenha havido um investimento numa aquisição de imóvel para habitação própria e permanente, combinado com uma alienação de outro imóvel, também para habitação própria e permanente, cujo produto venha, previsivelmente, a ser utilizado no pagamento da primeira aquisição.

 

Assim, parece-nos que o período de tempo determinado por lei (no n.º 5, b), do art.º 10) do CIRS apenas formalmente se reconduz a um prazo. Na verdade, não protege nenhum direito de agressão, visto que não existe um direito, nem lhe é aplicável a lógica de cômputo do prazo, já que o facto constitutivo tributário se dá num momento cronologicamente posterior ao facto que pode determinar a exclusão de tributação.

 

Optando por não considerar o período temporal pré-determinado no art.º 10, n.º 5, b), do CIRS, como um prazo per si, resta-nos a questão de saber como proceder ao cômputo deste intervalo temporal.

 

Como acima referimos, não cabe aqui a aplicação do art.º 20 do CPPT, por não se tratar de um prazo processual. Não havendo disposição que nos auxilie no CIRS, e tratando-se de um litígio baseado na relação jurídico-tributária entre os sujeitos, resta-nos recorrer à LGT. O art.º 2 da LGT remete-nos supletivamente para as regras gerais do Código Civil. Ficaríamos, então, de novo, com a aplicação do art.º 279 do CC, a título supletivo. Contudo, não se nos afigura como correcta a aplicação que os RR fazem da al. e) do art.º 279 do CC. De facto, não se tratando de um prazo e, principalmente, de um prazo cujo cômputo seja determinado de forma regressiva, padece de sustentabilidade legal (e doutrinária ou jurisprudencial) a ideia de que o último dia do prazo, calhando num Domingo, pudesse ser transferido para a sexta-feira anterior. Esta opção afigura-se-nos já como uma total distorção dos institutos.

 

Não assiste, por isso, razão aos RR. O reinvestimento em causa não foi efectuado nos termos e condições previstos na lei.

 

Concluímos, então, que a Mais-Valia não está excluída de tributação, sendo devido o pagamento do imposto.

 

II - Despesa Necessária

Não estando a Mais-Valia excluída de tributação, necessário é comprovar se a liquidação foi realizada correctamente, atendendo aos artigos 43.º, 44.º, 49.º, 50.º, e 51.º, todos do CIRS. A determinação do quantum devido deverá necessariamente ter em consideração os encargos e as despesas necessárias (art.º 51 do CIRS). 

 

De acordo com orientação corrente da AT, a despesa com a avaliação do imóvel não constitui despesa necessária nos termos do art.º 51 do CIRS. Na verdade, acrescente-se, seria apenas admissível considerar esta despesa como necessária contando que resultasse de imposição legal, por exemplo, ao abrigo do regime do Crédito à Habitação (DL 348/98, de 11 de Dezembro), art.º 22, n.º 2, em que é pressuposto de natureza obrigatória para obtenção de empréstimo.

 

Assim, conclui-se que a liquidação está correctamente efectuada.

 

III - Juros Compensatórios

Ficou demonstrado que os RR receberam notificação relativa à demonstração de liquidação dos juros compensatórios. É prática corrente da Administração Fiscal enviar ao contribuinte três notificações: a nota de cobrança, a demonstração da liquidação do imposto, e a demonstração de liquidação dos juros. Estes documentos são expedidos informática e automaticamente, não sendo frequente acontecer que o contribuinte receba duas das notificações, sem receber a outra.

 

Por outro lado, ainda que se alegasse a falta de fundamentação material, devido à difícil legibilidade do documento, a verdade é que deste constam os elementos essenciais que demonstram a liquidação do juro: o período de tributação do imposto, o período de cálculo do juro (desde o vencimento da obrigação de pagar o imposto), o valor de base para o cálculo, a taxa aplicável, e o resultado, ou seja, o valor de juro a pagar.

 

Razão pela qual nada há de censurável na liquidação dos juros compensatórios efectuada pela AT, não assistindo razão aos RR.

 

IV - Juros Indemnizatórios

Não enfermando a liquidação de vícios que conduzam à sua anulação, cai por terra o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

E - Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 1.630,63 nos termos artigo 97º-A, nº 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº1 do artigo 29.º do RJAT e do nº2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

F- Custas

Custas a cargo dos Requerentes, fixando-se o respectivo montante em € 306,00, de acordo com o artigo 12º, nº 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último.

 

G - DECISÃO

Termos em que se julga não assistir razão aos RR, nada sendo de registar de censurável quanto à liquidação do imposto e juros efectuada pela AT, a qual, assim, se deve manter na ordem jurídica.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 29 de Outubro de 2013

 

***

 

O Árbitro

Jorge Carita

 



[1]   MENEZES CORDEIRO, António – Tratado de Direito Civil Português, I. Parte Geral, Tomo IV, Almedina, 2005, pg. 162

[2] Idem, pg. 207

[3] Idem, pg. 210

[4] Idem, pg. 224

[5] FREITAS DA ROCHA, Joaquim – Lições de Procedimento e Processo Tributário, Coimbra Editora, 4ª Edição, pg. 429

[6] FREITAS DA ROCHA, ob.cit., ibidem

[7] FREITAS DA ROCHA, ob.cit. - pg. 431

[8] MENEZES CORDEIRO, ob.cit. - pg. 166

[9] FREITAS DA ROCHA, ob.cit. - pg. 435

[10] FREITAS DA ROCHA, ob.cit.- pg. 429