Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 43/2013-T
Data da decisão: 2013-11-26  IRS  
Valor do pedido: € 35.100,68
Tema: Cláusula geral anti-abuso
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Processo n.º 43/2013

Autor / Requerente: …

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

Tema : IRS - Cláusula geral anti-abuso

 

 

I - RELATÓRIO

 

A)Tramitação processual

1. Em 18 de Março de 2013, … (doravante designada por Requerente), com o NIF nº …, residente na Rua …, Seide São Miguel, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos do disposto nos artigos 10.º, n.º 1, alínea a) e 2.º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (de ora em diante designado RJAT), com vista à declaração de ilegalidade da liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e juros compensatórios, relativa ao exercício de 2008, no valor total de 35.100,68€ (liquidação de IRS nº 2012 …, compensação 2012…), sendo Requerida a Administração Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

2. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro.

3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, foi designada como árbitro singular, a signatária Maria Manuela do Nascimento Roseiro, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.

4. Notificadas as partes e não havendo recusa da referida designação (artigo 11º, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico), veio o tribunal arbitral a ficar constituído em 14 de Junho de 2013, de acordo com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5. Em 26 de Setembro de 2013 realizou-se a primeira reunião do tribunal arbitral, nos termos e com os objectivos previstos no artigo 18.º do RJAT (cf. acta junta aos autos). Requerente e Requerida declararam prescindir da audição das testemunhas por si indicadas, propondo-se, em contrapartida, juntar aos autos a reprodução dos depoimentos prestados pelas mesmas testemunhas em processos homólogos em curso no CAAD. O Tribunal aceitou a tramitação proposta, justificada por razões de simplicidade e celeridade processual. Foi acordada data para produção de alegações orais e, de acordo com o n.º 2 do artigo 18º do RJAT, comunicado às partes que a decisão arbitral seria proferida até 30 de Novembro de 2013.

6. Em 10 de Outubro de 2013, Requerente e Requerida solicitaram a junção aos autos de cópia dos depoimentos das respectivas testemunhas, produzidos nos processos 46/2013-T e 47/2013-T, efectuados em reuniões realizadas no CAAD de 02/10/2013 e 26/09/2013, respectivamente.

7. Entretanto o Tribunal aceitou a substituição de alegações orais por alegações escritas, as quais foram atempadamente juntas aos autos por Requerente e Requerida.

 

B) Posição das Partes

8. Pedido de pronúncia arbitral

No pedido inicial, a Requerente invocou, em síntese, que:

  • A liquidação de IRS se encontra inquinada de ilegalidades cumulativas – violação de lei, vícios de fundamentação, vícios de procedimento – infringindo o disposto em diversas normas jurídicas, tais como os artigos 38.º, n.º, 2, da LGT, 10.º, n.º 2, al. a), e 43.º, n.º 3 e 4, al. b), do CIRS, artigos 60.º, n.º 7, da LGT, 63.º, do CPPT, artigos 77.º, da LGT, 54.º do CPPT, 36.º do RCPIT e 63.º da LGT, e ainda os artigos 2.º, 18.º, 266.º e 268.º da CRP.

  • Em 15 de Outubro de 2008, …, vendeu à empresa …, SA, pelo preço de 356.006,75€, a totalidade das suas acções na Sociedade Laboratório de Patologia Clínica …, SA, correspondentes a 5% do respectivo capital social (participação adquirida em 2005 por € 5.000,00, quando a Sociedade tinha a forma de sociedade por quotas), realizando uma mais-valia de acções de € 351.006,75.

  • A alienação da participação social foi realizada em execução do contrato promessa, outorgado em 31 de Julho de 2008, pelo qual todos os sócios da Sociedade prometeram vender à …, SA o capital detido na sociedade, por preço resultante de fórmula então definida.

  • Tendo … falecido em 26/12/2008, o cumprimento das obrigações declarativas e de imposto foi realizado pelo cônjuge sobrevivo, …, ora Requerente, que, na declaração anual de rendimentos, considerou a mais-valia obtida excluída de tributação por aplicação do art. 10.º, n.º 2, al. a), do CIRS e art. 43.º, n.º 3 e 4, al. b), do CIRS.

  • A transformação da Sociedade, de sociedade por quotas em sociedade anónima, ocorreu em 29 de Outubro de 2008, apontando-se em relatório justificativo várias razões para a transformação.

  • A …, nunca negociou com o marido da Requerente, cuja vontade e direitos de voto eram irrelevantes para a aprovação da transformação da Sociedade, mas apenas com os sócios principais (Dr. …) e anuiu que os demais sócios minoritários, entre os quais o sócio D…, aderissem em bloco ao negócio acordado com o Dr. H….

  • A transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima era irrelevante, em termos fiscais, para o Dr. H…que estaria sempre excluído da tributação em mais-valias por deter as quotas anteriormente a 1989 (art. 5.º do Dec. Lei n.º 442-A/88, de 30/11) e foi uma condição colocada pelo comprador para a consumação da compra do capital social que desejava comprar uma sociedade anónima (e não uma sociedade por quotas), em função da simplicidade na transmissão das acções (face às quotas) e da garantia de um modelo de governo mais profissional e com maior controlo – como sucede numa SA face a uma LDA.

  • O regime fiscal não influenciou o preço de venda das partes sociais da Sociedade sendo o modelo de apuramento do preço, definido no contrato promessa, aplicável independentemente de o capital estar representado em quotas ou acções.

  • A liquidação em apreciação fundamentou-se na aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso, prevista no art. 38.º, n.º 2, da LGT, de 23/8/2012, autorizada por Despacho de 23/8/2012 do Director Geral dos Impostos, numa inspecção iniciada em 14 de Setembro de 2011 e encerrada apenas em 22 de Outubro de 2012, sem que a contribuinte tivesse sido notificada dos Despachos de prorrogação da inspecção e suas motivações.

  • A requerente participou diligentemente no processo, não dando azo a qualquer procedimento que legitimasse a sua interrupção ou suspensão, exerceu o direito de audição e juntou documentos, designadamente a declaração do comprador certificando factos.

  • A Administração Fiscal não procurou obter junto do comprador quaisquer depoimentos ou esclarecimentos sobre os contornos da operação de compra e venda do capital da Sociedade.

  • A liquidação está afectada por três vícios do procedimento de inspecção, iniciado em 14/9/2011 e concluído em 22/10/2012, com violação do art. 36.º do RCPIT e art. 54.º do CPPT: a inspecção externa durou mais de 12 meses, sem causas de suspensão ou interrupção deste prazo, não houve despachos dos serviços e explicar e motivar a prorrogação do prazo geral de seis meses por mais 3 meses e não houve notificação desses despachos ao contribuinte.

  • A observância dos prazos de inspecção, necessidade da sua prorrogação, com motivação, e notificação ao visado, em caso de prorrogação, são manifestações dos direitos dos contribuintes, impedindo a AT de inspeccionar os contribuintes fora dos prazos de caducidade e também de eternizar o procedimento instrutivo, sob pena de violação da segurança jurídica e tutela da sua autonomia de vida privada.

  • Não houve duas inspecções autónomas, com respeito pelos prazos legais, mas uma única inspecção porque o contribuinte não foi notificado do fim da primeira; e não pode haver duas inspecções sobre o mesmo objecto, em violação do art. 63.º, n.º 4, da LGT.

  • Na aplicação da cláusula geral anti-abuso não foi observado o especial dever de fundamentação exigido pela lei, porque a Autoridade Tributária não fez adequada prova do preenchimento dos pressupostos do art. 38.º, n.º 2, da LGT : desprezou a declaração do comprador de que a transformação da sociedade de SQ em SA correspondeu a uma exigência sua, uma condição prévia para consumação da compra e venda da Sociedade, violando os artigos 55.º da LGT e 29.º, do RCPIT; nem o relatório da DF Porto nem o Despacho do Director Geral dos Impostos contraditam a argumentação exposta na audição prévia relativamente à não verificação do elemento normativo; a fundamentação é meramente conclusiva, contendo um preconceito contra a requerente, sem provas.

  • Na decisão de aplicação ao presente caso da cláusula geral anti-abuso, concluiu-se, tendo em conta as normas de incidência e exclusão de tributação de rendimentos de mais-valias obtidas por pessoas singulares, que a transformação da sociedade (por quotas em anónima) terá sido dirigida essencial ou principalmente, por meios artificiosos e com abuso de formas jurídicas, à eliminação da tributação que seria devida em resultado de negócio jurídico de idêntico fim económico (a venda de quotas), efectuando-se então a tributação como não se produzindo as vantagens jurídicas, ou seja tributando-se tal transmissão como se de quotas se tratasse (art. 38.º, n,º 2, da LGT);

  • Mas, no caso, não se encontram preenchidos nenhum dos requisitos de aplicação do art. 38.º, n.º 2, da LGT, e que são quatro, a verificar cumulativamente, ou seja, os elementos, meio (tratar-se de actos dirigidos, essencial ou principalmente, à eliminação do imposto devido); re­sul­tado (o fim da actividade do contribuinte ser a vantagem fiscal, a eli­mi­na­ção do imposto); intelectual (o contribuinte visar com os actos, essencial ou principalmente, obter a vantagem fiscal); normativo (actuação com manifesto abuso de formas jurídicas, com reprovação normativa do sistema tributário).

  • E estes requisitos não se verificavam porque a transformação da sociedade (por quotas em anónima) não foi dirigida (essencial, principal ou sequer acessoriamente) à eliminação do imposto de mais-valias com a venda da participação na sociedade, sendo sim uma condição im­pos­ta pelo com­pra­do­r para a consu­mação do negócio (a Unilabs desejava adquirir uma sociedade anónima e não uma sociedade por quotas) e não um acto de­sejado e comandado pelo Requerente para obter, essencial ou prin­ci­pal­men­te, a exclusão fiscal das mais-valias com a transmissão dos títulos da Socieda­de.

  • A fundamentação da AT (de que o contrato promessa per­mitia que a venda fosse efectuada quer se tratasse de acções ou quotas e que as vantagens indicadas pelo comprador são aparentes e insignificantes perante a dimensão do negócio) nem consta do parecer sob que Despachou o Director Geral dos Impostos, nem merece acolhimento.

  • Quanto à transformação, apesar de o contrato promessa per­mitir que a venda do capital fosse efectuada, quer se tratasse de acções ou em quotas, o comprador pensava já nela aquando do contrato promessa e exigiu-a depois, ao que os vendedores assentiram; quanto às vantagens indicadas pelo comprador não são aparentes porque é mais fácil transaccionar acções do que quotas; as SA têm melhor controlo e fiscalização e a Administração Fiscal não pode sindicar a vontade e intenção do comprador.

  • Existindo vantagem para o comprador isso basta para se concluir, na aplicação do art. 38.º, n.º 2, da LGT, que a transformação não foi motivada e dirigida pelos vendedores, de forma essencial ou principal, para a exclusão tributária das suas mais-valias, não se preenchendo o elemento meio.

  • E também não ficou demonstrado que o fim da actividade do Requerente tenha sido a vantagem fiscal (obtenção da exclusão fiscal das mais-valias): não só a transformação foi im­pos­ta pelos compradores como o desejo e vontade de D…eram, em si, irrelevantes para essa transformação, na medida em que apenas detinha 5% do capital da sociedade e esteve ausente das negociações, levadas a cabo pelos sócios maioritários para quem a transformação prévia era fiscalmente irrelevante por serem detentores de quotas adquiridas antes de 1989.

  • Ao contrário do sustentado pela AT, existem reais e adequadas justificações económico-empresariais para a transformação da sociedade, que vale cerca de 7 milhões de euros, tendo uma actividade e volume de negócios compatível e adequado à estrutura de uma sociedade anónima.

  • D…(cujos votos eram irrelevantes para obtenção de maioria) votou a transformação não para obter uma vantagem fiscal (poupança de IRS de cerca de 35 mil eu­ros), mas por razões económicas da sociedade e com o intuito (exclusivo e principal) de viabilizar a consumação do negócio – e receber mais de 350 mil euros, sendo que o seu intuito substancial era a consumação do ne­gó­cio e obtenção do dinheiro com a venda dos títulos (independentemente do regime fiscal aplicável à operação).

  • Também não se encontra preenchido o elemento nor­mativo porque o contribuinte não actuou por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso de formas jurí­dicas - apenas existiu a execução e implementação de uma operação de exclusão tributária desejada e aceite expressamente pelo art. 10.º, n.º 2, al. a), do CIRS (que determinava a não tribu­ta­ção das mais-valias de acções detidas por mais de 12 meses).

  • A lei acarinha e promove a transformação das sociedades por quotas em sociedades anónimas já que o art. 43.º. n.º 6, al. b), do CIRS, ao dispor que no caso de transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima, a data de aquisição das acções, não era a data da transformação mas a data originária de aquisição daquelas quotas, constitui uma regra de contagem generosa do prazo de detenção.

  • Tal previsão significa que a transformação em sociedade anónima seguida da venda das acções (sem tributação porque detidas fiscalmente há mais de 12 meses, por soma do prazo de detenção das acções e das quotas na sua origem) nunca se traduz em “meios artificiosos e fraudulentos e com abuso de formas jurídicas”.

  • E não colhe a fundamentação da AT de que a isenção das mais-valias só está pensada para os investidores que aproveitam a nova forma societária e não para aqueles que vendem no curto prazo, e que o objectivo da isenção foi apenas incentivar o mercado de capitais e evitar a especulação de acções, não estando pensada para a SA não cotada, como a Sociedade em causa.

  • Se a ratio do art. 10.º e 43.º do CIRS fosse promover apenas as sociedades cotadas e não a transformação das sociedade por quotas em anónimas, teria expressamente restringido a exclusão tributária a essas especificas sociedades, o que não fez, assim como a lei não prevê um critério quantitativo para a transformação em SA.

 

9. A Resposta da Autoridade Tributária

A Autoridade Tributária (doravante designada por AT ou Requerida) respondeu em síntese:

  • Apesar de haver fundamentos para abertura da inspecção em 19/9/2011 (Ordem de Serviço n.º OI2011… de 14/09/2014), a acção inspectiva só foi realizada entre 03/10/2012 e 22/10/2012, tendo logo, em 12/10/2011, sido aberto procedimento de aplicação de Cláusula Geral Anti-Abuso (CGAA).

  • E a decisão do procedimento de aplicação da CGAA é procedimento específico (artigo 63º do CPPT), com regras próprias quanto a competências e procedimentos próprios, prejudicial relativamente ao procedimento de inspecção iniciado em 17.10.2011, devendo entender-se que o prazo previsto no art. 36.º n.º 2 do RCIPT foi suspenso enquanto decorria o procedimento de aplicação de CGAA.

  • A decisão de aplicação da CGAA e a liquidação subsequente não sofrem dos vícios apontados pela Requerente.

  • Analisando a matéria de facto, e a sucessão de datas do contrato promessa e da transformação da sociedade de quotas em sociedade por acções, conclui-se designadamente que: a motivação para a transformação da sociedade é vaga e, ao invocar o desenvolvimento futuro da actividade da empresa, entra em contradição com o facto de se ir efectuar em breve a venda de 90% do capital social, extinguindo-se os cargos de gerência dos sócios mais importantes, mantendo-se apenas um sócio com 10% capital e obrigado a permanecer na Direcção técnica; o facto de, pelo contrato promessa, os gerentes terem limitado os seus poderes a gestão corrente demonstra que a alteração societária teve finalidades meramente fiscais, até porque no referido contrato promessa a …lab dizia, no ponto IX, que «…está interessada em adquirir, pelo menos 90% do capital social do ‘Laboratório de Patologia Clínica …’ quer se tratem de acções ou de quotas...».

  • A situação de facto identificada pela AT levou à conclusão de que as decisões tomadas quanto à sociedade demonstravam que a transformação não teve nenhuma intenção comercial ou empresarial válida e legítima mas sim a obtenção de vantagens fiscais, no caso o regime de exclusão da tributação das mais-valias em sede de IRS (alínea a) do n.º 2 do artigo 10º, conjugado com a alínea b) do n.º 4 do artigo 43º, do CIRS, redacção vigente à data dos factos).

  • No caso em apreço, está-se perante um negócio jurídico artificioso, fraudulento, “dirigido por meios artificiais e com abuso das formas jurídicas, à redução dos encargos tributários”, perante um caso de “step by step transactions”, pelo que o acto de transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima foi considerado ineficaz no âmbito tributário, e, de acordo com as normas aplicáveis na ausência do acto, a situação foi tributada como se tratasse de transmissão de uma quota, tudo com fundamento no preenchimentos dos requisitos essenciais para a aplicabilidade do n.º 2 do artigo 38º da LGT, quanto aos elementos meio, resultado, intelectual, e normativo;

  • Quanto ao elemento meio, verifica-se que: a estruturação jurídica da venda das participações sociais, foi objecto de um planeamento à medida, de modo a escapar à tributação (taxa de 10%, de acordo com o n.º 4 do art.º 72.º do CIRS); a transformação societária não foi uma das condições impostas/desejadas pelo comprador porque a cláusula «…quer se tratem de acções ou quotas…», prova que a venda não dependia da transformação da sociedade; a transformação não teve qualquer vantagem, nem para o futuro porque foi feita dois dias antes da venda, nem anteriormente porque feita três meses depois do contrato promessa, quando os sócios já detinham apenas poderes de gestão corrente, sendo que os adquirentes também não tiveram quaisquer vantagens económicas na medida em que o custo da operação não se reflectiu no preço do negócio.

  • Quanto ao elemento resultado, verifica-se que a Requerente obteve uma vantagem fiscal em sede de IRS, no ano de 2008, utilizando um complexo contrato promessa que, visando afastar dúvidas sobre a respectiva legalidade, adoptou uma estrutura de operação sem a qual ficariam sujeitos a imposto, nos termos gerais, como rendimentos da categoria G de IRS, quando o mesmo fim económico, incluindo a detenção de 90% do capital pela compradora, teria sido atingido sem a transformação da sociedade; os argumentos económicos e organizativos utilizados para a operação não foram comprovados; é irrelevante o facto de a participação ser de apenas 5%, no caso da Requerente, porque o que interessa é a obtenção de vantagem fiscal e não o seu quantitativo.

  • Quanto ao elemento normativo, verifica-se que, no caso concreto, a situação é contrária à ratio legis, porque : a previsão de exclusão das mais-valias provenientes da alienação das acções detidas por um período superior a 12 meses (artigo 10.º, n.º 2, alínea a) do CIRS) teve subjacente critérios exclusivos de política fiscal como forma de incentivar e dinamizar o mercado de capitais e atrair investimentos, sem deixar de tributar a mera especulação mobiliária de curto prazo ou qualquer outra forma artificiosa de exclusão, e com rejeição do aproveitamento ilícito, através de meios artificiosos ou fraudulentos, do regime de exclusão tributária; no caso dos autos houve uma forma artificiosa de exclusão, que passou por atribuir aos actos uma forma diferente da substância, já que a transformação da sociedade não teve a ver com o desenvolvimento do mercado de capitais, mas apenas com interesses pessoais.

  • Quanto ao elemento intelectual, reuniu-se, no caso, “prova indiciária” de que houve uma sequência lógica e cronológica de celebração dos negócios jurídicos, configurando um esquema concebido e executado como meio ou ferramenta para a obtenção da evitação fiscal, com manifesto abuso das formas jurídicas utilizadas porque: não é razoável admitir que um processo de reestruturação do grupo, fosse decidido nos termos e moldes em que foi efectuado, sem alteração do objecto social prosseguido por qualquer uma das duas sociedades; não resulta do contrato nem dos autos que o adquirente tivesse imposto a transformação social como condição indispensável à venda; é nítida a preponderância da motivação fiscal face à motivação não fiscal, dada a debilidade dos argumentos invocados pela requerente.

  • Foi correcta a desconsideração dos efeitos fiscais dos contratos de compra e venda de acções celebrados pela requerente, na qualidade de alienante, sendo antes tributado o negócio jurídico considerado usual para obter o efeito económico em causa, de acordo com o n.º 2 do artigo 38º da LGT, e encontrando-se devidamente fundamentada a decisão de aplicação da cláusula geral anti-abuso, em conformidade com os requisitos estabelecidos no artigo 63º do CPPT.

  • Ou seja, no caso em litígio verificou-se a prática ou celebração de acto (s) ou negócio (s) jurídico (s) de carácter artificioso ou fraudulento, tendo-se demonstrado a manipulação negocial da celebração do contrato promessa e respectivo clausulado, seguida da transformação em sociedade anónima, sendo que a realização de tais actos ou negócios teve como objectivo principal possibilitar operações de transmissão de valores mobiliários – acções, por parte de pessoas singulares - com benefício de exclusão de tributação, em sede de IRS, das mais-valias obtidas.

  • E por isso se decidiu a equivalência económica dos actos ou negócios praticados face aos actos ou negócios alternativos, sujeitos a tributação quanto ao rendimento de mais-valias obtido pelo sujeito passivo, em resultado da venda da participação no capital, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, pela diferença positiva entre o valor de realização, determinado de acordo com as regras estabelecidas no artigo 44.º daquele diploma, e o valor de aquisição, determinado nos termos dos artigos 45.º e 48.º também do CIRS, acrescido das despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à alienação, conforme dispõe o artigo 51.º do Código do IRS, ao qual deve aplicar-se a taxa especial de 10%, nos termos do artigo 72.º também do CIRS.

  • Esta decisão teve em conta defender a integridade do sistema fiscal e evitar atropelos aos princípios constitucionais da tributação do rendimento real, da proporcionalidade, da igualdade na repartição da carga tributária e na prossecução das necessidades financeiras do Estado, neutralidade fiscal e da justiça (artigos 103.º, n.º 1, e 81.º, alínea f) da CRP).

  • A liberdade empresarial, não pode ser entendida como um direito absoluto e por isso se justifica a cláusula geral anti-abuso, devendo a liberdade de gestão fiscal expressa nas liberdades de iniciativa económica e de empresa (artigos 61º, 80º, alínea c), e 86º da CRP), incluindo a escolha da forma e organização da empresa (em sociedade por quotas ou em sociedade anónima), ser conciliada com a razoabilidade e baseada num relacionamento social justo e equilibrado que pressupõe a subsistência e manutenção do sistema fiscal visando a satisfação das necessidades do Estado, no quadro de uma repartição justa do rendimento e da riqueza (artigo 103, n.º 1 da CRP).

  • O mecanismo de planeamento fiscal tem como limite a ocorrência de situações de evasão e fraude fiscal, não se coadunando, por razões de justiça social, com a liberdade de escolha da forma jurídica da empresa ser levada ao absurdo, não tendo em conta minimamente os princípios porque se rege a actividade económica.

  • No caso, os alienantes não podem escudar-se no contrato promessa, e na motivações dos compradores, uma vez que a transformação ocorrida, planeada abusivamente, teve como único ou principal motivação conseguir uma eliminação do imposto a pagar, não se encontrando justificação para o carácter essencial da transformação operada, o que se considera demonstrado à saciedade.

  • Aceitar a legitimidade da transformação significaria a subversão dos princípios da legalidade e igualdade, com desigual tratamento tributário de idênticas situações de capacidade contributiva, dando cobertura a uma operação abusiva.

 

C) Questões a decidir

10.Objecto do pedido

A Requerente pretende decisão sobre as seguintes questões:

  • Legalidade dos procedimentos, incluindo a suficiência da fundamentação, na aplicação da cláusula geral anti-abuso;

  • Preenchimento da verificação dos requisitos de aplicação da cláusula geral anti- abuso do art. 38.º, n.º 2, da LGT;

  • Legalidade da liquidação de IRS.

  • Direito a indemnização por prestação de garantia indevida.

 

D) Saneamento

 

11. O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., nº 2, e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, nº 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades e não foram levantadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

 

12. Factos provados

 

Com base nos factos alegados pelas partes e não contestados, assim como na documentação e prova testemunhal juntas aos autos, incluindo o processo administrativo, fixa-se a seguinte factualidade relevante:

12. 1. A Requerente …, cônjuge sobrevivo de D…, falecido em 26 de Dezembro de 2008, é responsável pelo cumprimento das obrigações declarativas e de imposto (IRS) do casal relativas a rendimentos imputáveis ao ano de 2008 (15º do Pedido e 20º AT).

12.2. Relativamente ao procedimento administrativo que conduziu a esta liquidação identificam-se os seguintes factos:

a)   Numa informação produzida em 2 de Agosto de 2011, no decurso de uma acção inspectiva realizada pela Direcção de Finanças do … a uma outra sociedade e outras contribuintes, detectaram-se transformações de forma e alteração da composição societária ocorridas em Outubro de 2008 na empresa Laboratório de Patologia Clínica … (18º e 19º AT, fls. 3 e v. do PA).

b) Considerando haver indícios de eventual aplicabilidade da norma anti-abuso prevista na LGT, foram propostas e aceites superiormente diligências de investigação no decurso das quais se detectou que D…e outros contribuintes identificados tinham alienado as respectivas participações sociais no Laboratório de Patologia Clínica … S.A. (20º AT, fls. 4 a 6 do PA);

c)   Por despacho de 22 de Agosto de 2011, o Director de Finanças de …, ao abrigo do art. 17º do RCPIT, autorizou que fosse efectuado, pela Direcção de Finanças do … um procedimento de inspecção tributária destinado à verificação do cumprimento de vários sujeitos passivos, com residência fiscal no distrito de …, entre os quais D…(21º AT e fls. 4-5, PA).

d)  Autorizado, em 12 de Setembro de 2011, o procedimento inspectivo, foi emitida pela Direcção de Finanças do …, em 14 de Setembro, a Ordem de Serviço nº OI2011…, para realização de inspecção externa com âmbito parcial, IRS 2008, de acordo com a alínea b) do nº 1, do art. 14º do RCPIT) (fls. 8 a 10 PA).

e)  A Requerente foi notificada em 20 de Setembro de 2011, ao abrigo dos artigos 59º, nº 4, da LGT e 9º do RCPIT, para, no prazo de 15 dias, «1-Comprovar documentalmente o valor de aquisição das acções vendidas, assim como a data de aquisição das mesmas. 2- Apresentar cópia dos documentos respeitantes à alienação efectuada». (22º AT e fls 11 a 13 PA) .

f) A Requerente respondeu prestando esclarecimento sobre a venda das acções à …, SA. e juntando declaração da compradora, datada de 3 de Outubro de 2011, resposta enviada pelo seu Mandatário, a 7 de Outubro por correio electrónico (fls. 14-15) e por correio registado a 13 de Outubro de 2011 (fls 16 a 18 PA).

g)  Nesse dia 13, foi enviada pela Direcção de Finanças do … à Direcção de Finanças de …, informação datada de 10 de Outubro e despachada em 12 de Outubro de 2011, propondo abertura de procedimento próprio de que depende a aplicação da cláusula anti-abuso a que se referem os artigos 38º da LGT e 63º do CPPT, por poder estar em causa, dados os elementos entretanto recolhidos, a exclusão de tributação prevista na alínea a) do nº 2 do art. 10º do CIRS (fls 19 a 22).

h)  Pelo ofício nº …, datado de 14 de Outubro de 2011, a Direcção de Finanças de … notificou a Requerente da abertura do procedimento de aplicação de normas anti-abuso, nos termos do art. 63º do CPPT (fls 23 e 24);

i)   Pelo ofício nº …, de 31 de Outubro de 2011, a Direcção de Finanças do … solicitou à Requerente a entrega do contrato de promessa de venda celebrado em 31 de Julho de 2008 com a …LAB, SA, relativo à venda efectuada em 2008 da participação social detida da sociedade Laboratório de Patologia Clínica …, SA (fls. 25 a 27).

j)  Por carta registada, subscrita pela Requerente e por três outros (ex) sócios da mesma sociedade foi enviado o contrato promessa de compra e venda de participações sociais, datado de 31 de Julho de 2008, outorgado entre a …LAB, SA e todos os sócios, e respectivos cônjuges, da sociedade Laboratório de Patologia Clínica …, Lda (fls. 28 a 45, PA).

k) Através do ofício nº …, de 20 de Janeiro de 2012, a Direcção de Finanças do … notificou a Requerente de que muito em breve iria receber visita da inspecção tributária geral (art. 14º, nº 1 a) do RCPIT), no âmbito do IRS 2008 (fls. 46 e 47, PA).

l)  A Direcção de Finanças de …, com vista ao exercício de audição prévia previsto no nº 4 do art. 63º do CPPT, notificou a Requerente da informação dos serviços da IT da Direcção de Finanças do …, datada de 3 de Fevereiro de 2012 e despachada superiormente a 2 de Março, onde se concluía pela reunião dos pressupostos para aplicação do nº 2 do art. 38º da LGT, propondo-se a desconsideração da transformação societária verificada antes da venda das participações sociais (fls. 48 a 59, PA).

m)   Em documento com entrada da DF de … de 11 de Abril de 2012, a Requerente, em resposta subscrita pelo seu Mandatário, exerceu o direito de audição prévia, pedindo o arquivamento do processo por não se encontrarem preenchidos os requisitos de aplicação do art. 38º, nº 2 da LGT (fls. 62 a 70).

n)  A análise da resposta da Requerente, feita pelos serviços de Inspecção Tributária, em 6 de Junho de 2012, e superiormente despachada, foi no sentido de manter a proposta de aplicação da norma anti-abuso, a submeter ao Director-Geral dos Impostos (fls. 72 a 75, P.A.).

o)  Sob informação e proposta de 16/08/2012 do Gabinete do Subdirector Geral da Inspecção Tributária, foi proferido, em 23 de Agosto de 2012, despacho do Director-Geral dos Impostos autorizando a aplicação do procedimento proposto (fls.76 a 88, PA).

p) Existe uma nota de diligência (nº NDO2012…), emitida na Direcção de Finanças do …, referindo inspecção iniciada a 03/10/2012 e concluída a 22/10/2012, com âmbito e extensão parcial, de IRS 2008, com referência do nome dos funcionários mas sem visibilidade de assinatura de sujeito passivo (fls.99 P.A.).

q)  No Projecto de Relatório de Inspecção Tributária datado de 22 de Outubro de 2012, invocando a OI2011…, desconsidera-se a operação de transformação da sociedade, procede-se às correcções a fazer na sequência da autorização para aplicação do nº 2 do art. 38º da LGT, calcula-se as mais-valias em € 351.006, 75 e o IRS em falta em € 35.100,68, e verifica-se a infracção de “omissões e inexactidões praticadas na declaração de rendimentos modelo 3 do IRS, relativa ao exercício de 2008, infringindo o disposto no nº 1 do art. 57º do CIRS, infracção punível a título de contra-ordenação fiscal nos termos do nº 2 do art. 119º do RJIT” (fls. 111 a 139).

r)  O Processo Administrativo contém cópia de documentos que terão 1 sido enviados ao Mandatário da Requerente: do documento de início do procedimento da inspecção em 14/09/2011 (fls. 107) da conclusão dos actos de inspecção, juntando NDO2012… (fl. 108, P.A.) e para exercício de direito de audição prévia (fls. 110) enviando o projecto de relatório de inspecção tributária referido no número anterior.

s) Pelo ofício nº …, de 26 de Outubro de 2012, a Direcção de Finanças do …, notificou a Requerente do teor das notificações : de início do procedimento da inspecção em 14/09/2011; de conclusão dos actos de inspecção e para exercício do direito de audição (fls. 150 -152).

t)  Na ausência de exercício do direito de audição, o relatório foi convertido em definitivo, datado de 26 de Novembro de 2012, despachado superiormente em 28 de Novembro (fls. 153 a 157, PA) e notificado a 30 do mesmo mês, à Requerente e ao seu Mandatário (fls 162 e segs. P.A.).

u)  Pelos ofícios nºs … e …, da DF de …, datados de 30 de Novembro de 2012, a Requerente e Mandatário foram notificados das correcções efectuadas, nos termos do nº 4 do art. 65º do CIRS, aos rendimentos sujeitos a IRS declarados pela Requerente, no ano de 2008 (fls 168 e segs).

v)  A liquidação foi notificada à Requerente, através de mandado de notificação com hora marcada em 21 de Dezembro de 2012, com prazo de 30 dias para pagamento da importância de € 35.100,68, de IRS referente a 2008 (doc. 2 junto pela Requerente).

 

12.3. Quanto à situação tributária  

 

12.3.1. Em 31 de Julho de 2008, os sócios detentores da totalidade do capital da sociedade “Laboratório de Patologia Clínica …”, Lda, celebraram um contrato promessa com a empresa …LABS, S.A., composto por IX considerandos e 4 Cláusulas (fls. 29 a 41 do P.A., cujo teor se dá como reproduzido), realçando-se o seguinte :

a) Os considerandos contém a descrição da Sociedade cujo capital é objecto do contrato, respectiva forma e composição do capital social, actividade, licenças e contratos de que é titular, o EBITDA (Earning Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization)2 da sociedade com referência a 31 de Dezembro de 2007, o acordo das partes sobre a transformação, prévia à aquisição, da sociedade em anónima, e declaração de que a …LAB está integrada no grupo de sociedades controlada pela sociedade de direito suíço …, SA, grupo este interessado em adquirir pelo menos 90% do capital da Sociedade Laboratório de Patologia Clínica …”, quer se trate de acções quer de quotas.

b) O clausulado contém minuciosas previsões (definições, objecto do contrato, condições; preço; obrigações das partes, responsabilidade, garantias, etc).

c) Realça-se no clausulado (sublinhados nossos): a promitente compradora é a …LAB, que executará o contrato por si ou através de entidade a designar; a aquisição das participações sociais será simultânea; são impostas diversas condições prévias (3.1.), entre as quais, obtenção de consentimento da sociedade para a venda, realização de comunicações necessárias a Autoridades da Saúde, manutenção de condições contratuais e de exploração de locais, e “conclusão do processo de transformação da Sociedade anónima, incluindo a emissão das acções representativas do capital social da Sociedade”.

d) As condições prévias – que se entendiam estabelecidas em benefício exclusivo da …LAB, pelo que esta poderia renunciar a todas ou algumas delas - deveriam ser atingidas pelos vendedores com a máxima urgência e comunicadas no prazo de cinco dias úteis após a realização da última delas, tudo até 20 de Setembro, para a aquisição se processar a 1 de Outubro de 2008; em caso de não conclusão até ao dia 20 previsto a aquisição seria feita no último dia do mês subsequente;

e) Nos compromissos quanto à gestão até alienação (6.1), prevê-se “não foi nem será efectuada qualquer alteração à estrutura da sociedade, sua organização, actividade e contabilidade, com excepção das decorrentes da transformação da Sociedade em sociedade anónima, sendo a mesma gerida com a prudência, eficácia e diligência requeridas” (6.1.e).

f) Prevê-se a renúncia dos membros dos órgãos sociais (6.3.) mas a permanência do Dr. J…com titularidade de 10% do capital e na Direcção Técnica da Sociedade pelo prazo de três anos após a aquisição, prorrogável por acordo (6.3) assim como a manutenção de relação contratual com dois outros sócios, incluindo o Dr. D…(6.6) assim como a manutenção de trabalhadores-chave, constantes de um anexo (XIII) ao contrato promessa (6.10).

g) É prevista expressamente a possibilidade de cessão da posição contratual da promitente compradora a outra sociedade do grupo …, SA, com assunção de todos os direitos e obrigações do contrato promessa (9).

h) A Cláusula 10 prevê a possibilidade de resolução pela …LAB, por não preenchimento de condições quanto a avaliação e por violação de obrigações previstas na cláusula 6.1 (...)

i) É prevista a obrigação de os vendedores indemnizarem a …LAB no caso de incumprimento de obrigações emergentes do contrato (11.1.)

12.3.2. A negociação deste contrato promessa foi feita entre um administrador da …LAB, assistido pelos seus advogados e os sócios principais (Dr. J…e sua irmã, Dra M…, assistidos pelos respectivos advogados), com especial relevo para a intervenção do Dr. J…, tendo os sócios minoritários aceitado por adesão os termos do acordo (prova documental, declaração da …, SA, e testemunhal, depoimentos de T…, J…, J…e Dra A…).

12.3.3. Aquando da negociação do contrato promessa a composição da sociedade ‘Laboratório de Patologia Clínica …’, Lda era a seguinte : (art. 35º resposta AT, fls 56 PA):

 

Sócio

Quota

% Capital Social

M…

€ 45.000,00

45,0%

J…

€ 43.200,00

43,2%

D…

€ 5.000,00

5,0%

A…

€ 5.000,00

5,0%

J…

€ 1.800,00

1,8%

Total

100.000,00

100%

 

 

 

 

 

 

 

 

 

12.3.4. A participação social de D…e mulher fora adquirida em 2002, pelo valor de €4.987,98, tendo subscrito também um reforço do capital social do LPC …, Lda, no montante de €240,42 (art 26º AT).

12.3.5. A entrada do marido da Requerente na participação do capital da sociedade realizou-se através de compra de duas quotas de 2.493,99 cada, aos sócios J…e M…, resultante de divisão das quotas destes, detidas desde data anterior à entrada em vigor do CIRS (PA, fls 54.v).

12.3.6. A subscrição de aumento do capital foi efectuada, em dinheiro, pelos sócios, na proporção das suas quotas, tendo correspondido a D…e mulher o valor de €12,02, passando a deter uma quota com o valor nominal de €5.000,00 e igual custo de aquisição (€240,42*5%).(27º AT)

12.3.7. A 29 de Outubro de 2008 foi proposta e aprovada por unanimidade a transformação do ‘Laboratório de Patologia Clínica …’, de sociedade por quotas em sociedade anónima (PI, 17º, AT, 36º e PA, fls. 57).

12.3.8. O relatório justificativo da transformação invoca razões atinentes à dinâmica da sociedade (crescimento e diversificação da actividade da empresa, encontrar novas oportunidades de negócio) e ao nível dos sócios (potenciar a sua associação com outras entidades em face do novas oportunidades de negócio) (PI, 18º, AT, 38º, fls. 56.v, PA) .

12.3.9. Após a transformação do ‘Laboratório de Patologia Clínica …’ em sociedade anónima, o sócio D…e mulher, passaram a ser titulares de 5.000 acções, com o valor unitário de um euro, representativas de 5% do capital social total de € 100.000,00 (AT, 28º, fls. 80 a 83 P.A).

12.3.10. Em 31 de Outubro de 2008 realizou-se a venda das participações correspondentes a 90% do capital da ‘Laboratório de Patologia Clínica …’, SA, sendo adquirente a empresa …, SA (P.A. e testemunhos).

12.3.11. Em 31 de Outubro de 2008, no acto descrito no número anterior, D…e mulher venderam à empresa ‘… S.A.’ as 5000 acções ordinárias, tituladas ao portador, com o valor nominal de €1,00 cada, que detinham na empresa ‘Laboratório de Patologia Clínica …’, SA, pelo preço total de € 356.006,75.  (resposta AT, 26º, e P.A.).

12.3.12. A Requerente na declaração anual de rendimentos entregue em 2009, não declarou quaisquer mais-valias obtidas com a alienação referida no número anterior, nem no Anexo G (mais-valias tributáveis) nem no Anexo G1 (mais-valias excluídas de tributação) (P.A. fls 113 e v.).

12.3.13. Em resposta à notificação enviada pela AT em 20 de Setembro de 2011, para comprovar documentalmente o valor de aquisição das acções vendidas, assim como a data de aquisição das mesmas e apresentar cópia dos documentos respeitantes à alienação efectuada, a Requerente respondeu: “1.Que, nos termos da alínea a) e b) do nº 4 do artigo 43º do Código do IRS, adquiriram 5.000 acções em 2002, nos termos e pelos valores constantes de certidão integral de registo comercial. 2. Que alienaram as referidas acções em 31 de Outubro de 2008, à sociedade …, SA, registada na Câmara de Comércio e Indústria de Geneva, sob o número CH-…-…, pelo preço de €356.006,75 (trezentos e cinquenta e seis mil, seis euros e setenta e cinco cêntimos) (...) conforme Declaração anexa (da …, SA, como doc. 1) (resposta da Requerente à AT a fls 18 P.A).

12.3.14. Pronunciando-se em audição prévia sobre a aplicação de cláusula geral anti-abuso à venda da participação social no Laboratório de Patologia Clínica …, SA, a Requerente considerou não verificados os requisitos de aplicação do art. 38º, nº 2 da LGT, devendo entender-se que a situação estava excluída de tributação por se tratar de uma alienação onerosa de acções detidas por mais de 12 meses, a que a lei à época concedia directamente tratamento fiscal favorável (art. 10.º, n.º 2, al. a), do CIRS e art. 43.º, n.º 3 e 4, al. b), do CIRS). (Fls 62 a 68 do P.A.)

 

13. Não provado

Que a Requerente tenha sido notificada de existência de “uma ordem de serviço ou despacho no início da inspecção externa”.

Que a transformação em sociedade anónima tenha sido uma condição colocada pelo comprador para a consumação da compra do capital social Sociedade de forma a que nunca aceitaria comprar uma sociedade por quotas.

Que a necessidade de transformação tenha sido apresentada na véspera da venda como uma condição sine qua non.

 

14. Fundamentação da prova

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos ao processo e indicados relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto e ainda com fundamento nos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede dos processos nº 46/2013 e 47/2013, e cujas cópias foram juntas aos autos.

Relativamente à factualidade não provada, esta foi assim considerada em resultado da ausência de elementos probatórios susceptíveis de, inequivocamente, a comprovarem.

 

15. Aplicação do direito

Na apreciação dos vícios imputados ao acto tributário, optar-se-á 3 por uma análise de ordem lógica e cronológica, ainda que a decisão favorável a uma das questões tornasse inútil a apreciação das restantes.

 

15.1. Quanto à observância do prazo de inspecção

A Requerente considera que a legalidade da liquidação está afectada por três vícios do procedimento de inspecção porque a AT, ao manter uma inspecção (iniciada em 14/9/2011 e concluída em 22/10/2012) durante mais de 12 meses, teria violado o art. 36.º do RCPIT e o art. 54.º do CPPT já que não houve qualquer causa de suspensão ou interrupção do prazo nem despachos dos serviços a explicar e motivar a prorrogação do prazo geral de seis meses, por mais 3 meses, nem notificação desses despachos ao contribuinte. Defende que a inobservância dos prazos de inspecção, sem prorrogação motivada e notificada ao visado, viola os direitos dos contribuintes por possibilitar a inspecção para além dos prazos de caducidade e eternização do procedimento instrutivo, com risco de violação da segurança jurídica e tutela da autonomia de vida privada.

Precavendo a invocação de duas inspecções autónomas, alega que só existiu uma única inspecção porque o contribuinte não foi notificado do fim da primeira, e nem poderia ter havido duas inspecções sobre o mesmo objecto, em violação do art. 63.º, n.º 4, da LGT.

 

Já a Requerida entende que, apesar de existirem fundamentos para abertura da inspecção em 19/9/2011 (Ordem de Serviço n.º OI2011… de 14/09/2014), a acção inspectiva não se realizou nessa data mas apenas entre 03/10/2012 e 22/10/2012, porque logo em 12/10/2011 fora aberto um procedimento de aplicação de CGAA. Procedimento que não é inspectivo mas um tipo de procedimento específico (artigo 63º do CPPT), prejudicial relativamente ao procedimento de inspecção iniciado em 17.10.2011, que, no caso, foi concluído no prazo de 6 meses sem ultrapassagem do prazo previsto no art. 36.º, n.º 2, do RCIPT porque não inclui o procedimento de aplicação de CGAA cujas competências e procedimentos próprios têm regras próprias.

 

Analisando os factos dados como provados, observa-se que, desde que a Inspecção Tributária detectou a venda de acções na Sociedade Laboratório Patológico …, SA – anteriormente objecto da transformação de sociedade por quotas em anónima - e que um dos seus sócios era D…, aconteceu o seguinte: emissão, em 12 de Setembro de 2011, de uma ordem de serviço (nº OI2011…) para realização de inspecção externa; notificação da Requerente, por ofício de 20 de Setembro de 2011, para prestar informações e juntar documentos, o que a mesma fez no prazo indicado; proposta, em 12 de Outubro de 2011, de abertura de procedimento para aplicação da cláusula anti-abuso (art. 38º da LGT e 63º do CPPT), que correu seus trâmites até despacho do Director-Geral 23 de Agosto de 2012 autorizando a aplicação do procedimento proposto; emissão na Direcção de Finanças do … de nota de diligência (nº NDO2012…) indicando inspecção iniciada a 03/10/2012 e concluída a 22/10/2012 com âmbito e extensão parcial de IRS 2008, com referência do nome dos funcionários mas sem visibilidade de assinatura de sujeito passivo (fl.99 P.A.); notificação, enviada em 30 de Novembro de 2012, à Requerente e ao seu Mandatário, do Relatório final de Inspecção Tributária, com correcções de IRS referente a 2008; notificação à Requerente, em 21 de Dezembro de 2012, da liquidação decorrente das correcções efectuadas, nos termos do nº 4 do art. 65º do CIRS.

 

Várias questões pertinentes se podem colocar numa situação destas, designadamente as de saber: se estamos perante uma inspecção interna ou externa 4; quais as formalidades da notificação do início da inspecção 5; qual o efeito de ter sido ultrapassado o prazo de seis meses previsto no art. 36º, nº 1 do RCPIT sem autorização para prorrogação 6; qual o efeito, em termos de prazo de caducidade, de uma inspecção externa que ultrapasse os seis meses após a notificação ao contribuinte da ordem de serviço ou despacho no início da inspecção; qual o efeito de inserção, num procedimento inspectivo externo, de um procedimento de aplicação de cláusula anti-abuso.

 

O argumento da AT de que a abertura de um procedimento específico (artigo 63º do CPPT) de aplicação de CGAA, prejudicial em relação ao procedimento de inspecção iniciado em 17.10.2011, teria tido efeito suspensivo deste, que apenas se teria desenvolvido no período entre 03/10/2012 e 22/10/201, não é convincente. Com efeito, para além de não estarem especificados quais os actos de inspecção externa que decorreram neste último período 7, “a prática dos actos de inspecção é contínua, só podendo suspender-se em caso de prioridades excepcionais e inadiáveis da administração tributária reconhecidas em despacho fundamentado do dirigente do serviço” (art. 53º, nº 1 do RCPIT8), o que não se verificou.

 

Contudo, ainda que admitíssemos que o procedimento de inspecção designado como externa não deu lugar, em rigor, a qualquer acção inspectiva externa, o procedimento de autorização de aplicação da CGAA previsto no art. 63º do CPPT decorreu de acordo com o disposto na lei e, concedida a necessária autorização do Director-Geral, as correcções efectuadas sustentaram a liquidação de IRS de 2008 nº 2012…, notificada à Requerente. Notificação efectuada em Dezembro de 2012, com observância do prazo de caducidade (nº s 1 e 4 do artigo 45º da LGT).

 

Pode dizer-se que, neste caso, ainda que a qualificação da inspecção como externa possa ter sido incorrecta por apenas se terem verificado actos de inspecção interna, isso apenas teve como consequência a existência de um procedimento sujeito a maior número de formalidades9 sem obtenção de uma eventual vantagem decorrente da suspensão do prazo de caducidade, isso sim susceptível de violação do princípio da legalidade e ofensa das garantias dos contribuintes10.

Assim, não merece provimento a pretensão da Requerente de que a legalidade da liquidação de IRS está afectada por vícios do procedimento de inspecção que fundamentou as correcções objectivas e apuramento de imposto.

 

15.2. Quanto à fundamentação

A Requerente invoca violação do especial dever de fundamentação exigido pela lei quanto ao preenchimento dos pressupostos do art. 38.º, n.º 2, da LGT, designadamente a desconsideração de elementos de prova, como a declaração do comprador (no sentido de ter exigido a transformação prévia da sociedade de SQ em SA) e de falta de análise da resposta elaborada em audição prévia. Acusa a fundamentação de preconceituosa e sem provas.

 

A Requerida mantém que houve uma correcta fundamentação da aplicação do artigo 38º, nº2 da LGT ao caso em análise, tendo em conta as normas de incidência e exclusão de tributação de rendimentos de mais-valias obtidas por pessoas singulares, e que a matéria de facto apurada – sucessão de factos – caracteriza o acto de transformação da sociedade (por quotas em anónima) como dirigido essencial ou principalmente, por meios artificiosos e com abuso de formas jurídicas, à eliminação da tributação que seria devida em resultado de negócio jurídico de idêntico fim económico (a venda de quotas). E que, face a essa situação, a AT considerou que se a transformação não teve nenhuma intenção comercial ou empresarial válida e legítima mas antes a obtenção de vantagens fiscais (neste caso a exclusão da tributação das mais-valias em sede de IRS, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 10º, conjugado com a alínea b) do n.º 4 do artigo 43º, do CIRS, na redacção vigente à data dos factos), a consequência teria que ser a desconsideração da transformação da sociedade e tratamento da transmissão como respeitante a quotas e não acções, com tributação dos ganhos respectivos.

 

A análise do vício de falta de fundamentação de aplicação da CGAA coincide, basicamente, com a apreciação da existência ou não de pressupostos para aplicação do art. 38º, nº 2 da LGT, a que procederemos no próximo ponto. Mas cabe desde já analisar alguns aspectos da interpretação da factualidade defendida pela Requerente, evidenciando pontos em que a análise da AT suscita uma leitura alternativa no que respeita ao interesse na transformação da sociedade.

Assim:

a) Quanto ao tipo de participações sociais objecto de contrato promessa

A Requerida considerou essencial o teor do ponto IX dos considerandos do contrato, onde a …LAB, enquanto sociedade integrada no grupo …, SA, declara «…está interessada em adquirir, pelo menos 90% do capital social do ‘Laboratório de Patologia Clínica …’ quer se tratem de acções ou de quotas», mas desprezou completamente o facto de:

a)1) no ponto VIII dos mesmos considerandos, se tomar em consideração “Que as partes estão de acordo em que, previamente à data de aquisição, procedam à transformação da Sociedade em sociedade anónima”;

a)2) no clausulado se estipular como condição prévia da aquisição das participações sociais por parte da …LAB, a “conclusão do processo de transformação da Sociedade anónima, incluindo a emissão das acções representativas do capital social da Sociedade” (alínea f) do nº 1 da cláusula 3), sendo que as condições prévias são estabelecidas em benefício exclusivo da …LAB, e só ela as poderia dispensar, por renúncia (cláusula 3. 2.);

a)3) a cláusula 6.1.d) dispor que «com excepção da transformação da Sociedade em sociedade anónima, não será introduzida qualquer alteração no respectivo capital social ou na natureza valor nominal ou direitos das participações sociais (...)».

 

Uma análise sistemática da globalidade do contrato promessa poderia ainda encontrar uma justificação para o ponto IX dos considerandos numa atitude de prudência face às disposições conjugadas das cláusulas sobre resolução, indemnização e incumprimento (10, 11 e 12), deixando claro que, embora muito importante para a compradora, a falta de alteração da forma jurídica não seria um fundamento para o incumprimento do contrato promessa de compra e venda das participações sociais11.

 

b) Falta de interesse dos Vendedores na transformação da forma da sociedade

A Requerida considerou demonstrada a falta de interesse dos vendedores na transformação e desprovida de fundamento a justificação contida no relatório aprovado em Assembleia Geral de 28 de Outubro de 2008, porque a transformação decidida uns dias antes da venda não lhes aproveitaria, além de que os sócios gerentes da sociedade por quotas já tinham limitado os seus poderes a gestão corrente durante todo o ano de 2008.

 

Estas considerações parecem cair num equívoco, numa confusão entre a pessoa dos sócios e a pessoa colectiva, sociedade. As considerações sobre as vantagens da forma societária SA em vez de sociedade por quotas, respeitariam às próprias características do ente cujas participações estavam a ser alienadas e não, directamente, ao interesse dos sócios, em concreto, e a fundamentação sobre a melhor adequação da forma de sociedade por acções diria respeito ao desenvolvimento futuro, embora sob titularidade de outros sócios. Uma avaliação da conveniência da alteração da forma jurídica da sociedade cujas participações vão ser alienadas, não deriva exclusivamente da análise das intenções e projectos dos sócios vendedores, ainda titulares em 2008 mas também um juízo sobre a actividade e características da entidade compradora de 90% do capital da sociedade em venda (e transformação).

 

Verifica-se que a Requerida valorizou apenas alguns factos (como a data da transformação), dando enorme ênfase a um “considerando” do contrato promessa, sem atribuir qualquer relevância a outros elementos existentes no contrato sobre a questão da transformação anterior à cessão do capital. Esqueceu também que um dos sócios maioritários iria manter uma participação, não despicienda, de 10%.

 

15.3. Quanto aos pressupostos de aplicação do artigo 38º da LGT

15.3.1. As posições em confronto


 

Está em causa a aplicação do nº 2 do artigo 38º da LGT que dispõe, na actual redacção introduzida pela Lei nº 30-G/2000, de 29/12 : “São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas”.

 

Requerente e Requerida reconhecem12 que esta norma contém uma cláusula anti -abuso13 e aceitam a doutrina14 que a decompõe em cinco elementos respeitando quatro – meio, resultado, intelectual e normativo15 - aos requisitos de aplicação e o quinto à efectivação da cláusula, ao elemento sancionatório. Mas acerca da verificação ou não dos pressupostos de aplicação da cláusula têm posições opostas.

 

A Requerente considera os requisitos da sua aplicação não verificados porque a transformação da sociedade (por quotas em anónima) não foi dirigida, nem principal nem acessoriamente, à eliminação do imposto de mais-valias com a venda da participação na sociedade, sendo sim uma condição im­pos­ta pelo com­pra­do­r para a consu­mação do negócio. Ou seja, os vendedores não pretenderam obter a exclusão fiscal das mais-valias com a transmissão dos títulos da Socieda­de.

 

Já a AT considera estarem reunidos os referidos requisitos porque a transformação societária foi o meio de a Requente ter obtido a vantagem fiscal, ou seja a obtenção de uma exclusão tributária do rendimento de mais-valias obtido, sem nenhuma vantagem para os adquirentes por ausência de reflexo no preço. E conclui que a vantagem foi intencionalmente procurada pelos Vendedores que procuraram um ganho fiscal artificiosamente, com abuso de forma jurídica, em violação da ratio do artigo 10º do CIRS.

 

Requerente e Requerida divergem também (e principalmente) acerca da interpretação do CIRS no que respeita à ratio da desigualdade de tratamento tributário das mais-valias na alienação de participações sociais e respectivas implicações na legitimidade de planeamento fiscal.

 

15.3.2. Apreciação dos elementos com base na factualidade

15.3.2.1. Elemento resultado

Quanto ao resultado, em si, comparando o negócio efectuado (venda das acções após transformação da sociedade em sociedade anónima) com o negócio equivalente de venda da quota (que seria feito sem a transformação prévia da sociedade), não restam dúvidas que a opção realizada teve como resultado a aplicação do artigo 10.º, n.º 2 do CIRS, na redacção do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, e que significou a obtenção de um regime fiscal mais vantajoso do que se tivesse mantido a forma jurídica da sociedade por quotas, caso em que o rendimento obtido seria considerado uma mais-valia, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, al. b) do CIRS, e tributado a uma taxa de 10%, nos termos do artigo 72.º, n.º 4, do CIRS, na redacção do Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7 de Novembro.

 

Mas a verificação deste resultado é insuficiente para se concluir que existiu abuso.

 

15.3.2.2. Elementos meio e intelectual

A Requerida vê na sucessão de actos – contrato promessa, transformação da sociedade e venda das participações – um esquema artificioso. A transformação da sociedade não teria qualquer justificação do ponto de vista dos adquirentes, seria sim uma mera imposição dos alienantes. Considera pouco normal a transformação de uma sociedade por quotas numa sociedade anónima, imediatamente seguida da venda das acções da sociedade acabada de transformar, só explicável por intuitos fraudulentos.

 

Contudo, a proximidade das datas dos negócios, não significa, por si - foi essa a interpretação da AT, criticada em 15. 2. a) e b) - que os adquirentes não tivessem um interesse na efectivação da mudança da forma da sociedade antes da aquisição das participações. E é inegável que do contrato promessa, lido objectivamente, e sem se isolar o considerando IX, decorre a obrigação para os vendedores de transformarem a Sociedade em sociedade por acções antes da venda de 90% do seu capital. Da leitura do contrato promessa parece decorrer a quase certeza de que essa transformação ocorreria, embora a sua ausência não fosse obstáculo à execução do contrato.

 

Ora, basta a comprovação de que a aquisição de uma sociedade já transformada em sociedade por acções constituía um negócio mais conforme ao interesse da compradora – ainda que a eventual não transformação prévia não fosse fundamento para obstar ao negócio da venda – para se concluir que não está suficientemente indiciada a existência, por parte da Requerente, de uma prática lida à luz da “step by step transaction doctrine”, como artificiosa e apenas visando a fraude à lei fiscal.

 

15.3.2.3. Elemento normativo

A verificação deste requisito visa distinguir os casos de elisão fiscal 16 dos casos de planeamento fiscal legítimo 17. Nos casos de abuso tem lugar a reprovação de um certo resultado obtido ou pretendido, quando confrontado com a intenção ou espírito da lei, do Código do imposto em causa ou do próprio Ordenamento Tributário. O acto fraudulento configura-se em função da reprovação pelo direito da sua natureza verdadeira e substancial – os efeitos obtidos. Efeitos esses que não são desejados, previstos ou promovidos pelo Direito, mas antes rejeitados”.18 Nestes termos, o apuramento das “fronteiras do acto elisivo” depende do “requisito da condenação pelo Ordenamento Fiscal do resultado obtido”.

 

No procedimento de aplicação da CGAA, surpreende-se na actuação da AT um raciocínio circular : procura-se averiguar se o contribuinte foi movido por um intuito de elisão fiscal; analisa-se a sucessão de actos praticados; conclui-se que foi obtido um ganho fiscal que não teria sido obtido sem a transformação societária da sociedade cujas participações foram vendidas; conclui-se então que o acto só foi praticado para obter o ganho.

Ora pelas razões já expostas 19, se a verificação do interesse objectivo de alguns dos sócios na transformação da sociedade, por desta resultar a exclusão de tributação, fosse suficiente para concluir pelo abuso, correr-se-ia o risco de a prática administrativa 20 acolher uma interpretação da norma anti-abuso que pressupunha uma obrigação geral de os contribuinte deverem fazer, em cada momento, as opções negociais de que resultasse maior tributação. Mas não existe qualquer proibição de optar por uma conduta menos gravosa fiscalmente, quando essa opção não é artificiosa e/ou proibida por lei...21

 

A AT invoca a existência de negócio artificioso mas fundamenta essa defesa argumentando, quanto à ratio da lei, que o artigo 10.º, n.º 2, alínea a) do CIRS constituía um incentivo ao desenvolvimento do mercado de capitais, bolsista, atraindo investimentos, sem beneficiar a especulação de curto prazo (daí o requisito da permanência das acções durante 12 meses) e que, neste caso, a transformação da sociedade constitui um expediente artificial e injustificado porque desnecessário para obter o domínio da empresa participada.

 

Observa ainda a Requerida que, a ser assim, surgiria a dúvida “porquê da tributação das mais-valias resultantes da alienação de quotas? “ e que “se tratava de situação que beneficia os que se lembram de utilizar o expediente, castigando-se em termos fiscais, o contribuinte que se esqueceu de transformar a sociedade por quotas em sociedade anónima”.

 

Estas observações podem ser consideradas judiciosas mas não legitimam a tributação efectuada.

 

Com efeito, desde o início da vigência do CIRS, que a divergência de tratamento tributário das mais-valias obtidas com a alienação de quotas e acções tem merecido críticas e propostas de alteração legislativa. Recorde-se, por exemplo, análise e propostas nos Relatórios da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal, em 1996 22 e do Grupo de Trabalho para o Estudo da Política Fiscal, Competitividade, Eficiência e Justiça do Sistema Fiscal, em 2009 23 e tentativas de implementar alterações legislativas 24 que acabassem com a discriminação.

 

Cabe recordar a origem desta discriminação: o CIRS aprovado pelo Decreto-lei nº 442-A/88, de 30/11, sujeitou a tributação, como rendimentos da categoria G, os ganhos obtidos com a “alienação onerosa de partes sociais (...) e de outros valores mobiliários” (alínea b) do nº 1 do artigo 10º) mas previu desde logo no nº 2 casos de exclusão, entre os quais acções desde que detidas por um certo período. Por outro lado, o artigo 5º do diploma que aprovou o Código, consagrou um regime transitório da categoria G, pelo qual “os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei nº 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor do Código”.

 

A este regime, juntou-se a previsão no Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) aprovado pelo Decreto-Lei nº 215/89, de 22/04, que no capítulo I, referente a benefícios dirigidos ao Sistema Financeiro e Mercado de Capitais, incluiu uma norma, 25 o artigo 35º : "para efeitos do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de Novembro e da alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS e do artigo 34.º 26 deste Estatuto, considera-se que a data de aquisição de acções resultantes da transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas é a data de aquisição das quotas que lhe deram origem" 27 .

 

Tratava-se de “uma medida destinada a incentivar a transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas (Maria Teresa Barbot Veiga Faria, Estatuto dos Benefícios Fiscais, notas explicativas, 1995, Editora Rei dos Livros, p. 176). E, ao contrário do que a AT defende nos autos, a lei não restringe tal incentivo a certas situações do mercado de capitais (por ex. sociedades cotadas em bolsa), sendo muito duvidoso que tal restrição aumentasse a legitimidade da discriminação...28

 

Face a este contexto normativo, teremos que concluir, como já se concluiu em situações idênticas (Processos, 123/2013, 124/2013 e 138/2013) submetidas a arbitragem tributária no CAAD, que falta, neste caso, o elemento normativo, associado à condenação do ordenamento jurídico-tributário, sem o qual não é aplicável a cláusula geral anti-abuso.

 

É que mesmo que a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima fosse motivada por razões exclusivamente fiscais, não se estaria perante um acto condenável face ao ordenamento jurídico tributário, uma vez que o próprio legislador fiscal optou por tributar em sede de IRS os ganhos decorrentes da venda de quotas e por não tributar em sede daquele imposto os ganhos resultantes da venda de acções.

 

Uma situação destas, em que o legislador resistiu longamente a eliminar tal regime mantendo uma “lacuna consciente de tributação”, 29 não se mostra susceptível de aplicação da cláusula geral anti-abuso. E não cabe ao aplicador da lei substituir-se às opções de tributar ou não tributar certas realidades seguidas pelo legislador fiscal 30.

 

15.3.2.4. Elemento sancionatório

Como visto acima, apesar de a transformação da Sociedade “Laboratório de Patologia Clínica …”, Lda, em sociedade anónima antes da alienação das participações sociais ter tido como efeito uma vantagem fiscal para alguns sócios, entre eles a Requerente e seu marido, não se provou a existência de uma prática artificiosa visando apenas a fraude à lei fiscal.

 

De resto o tratamento fiscal discriminatório da alienação de acções e quotas consagrado no ordenamento jurídico era susceptível de propiciar práticas de planeamento fiscal dificilmente classificáveis como ilegítimas.

 

No caso submetido à apreciação do tribunal arbitral, atendendo à análise normativa e à prova produzida, conclui-se pela inaplicabilidade do elemento sancionatório, que conduziu à desconsideração da transformação da sociedade e tributação dos ganhos de mais-valias obtidos, de acordo com a alínea b) do nº 1 do art. 10º do CIRS, e sem a exclusão permitida pela alínea a) do nº 2 do art. 10º, em conjugação com o art. 43º, 4, al. b), do mesmo Código.

 

15.3.3. Conclusão

Não se encontrando reunidos os pressupostos de facto e de direito de que depende a aplicação da cláusula geral anti-abuso, a Requerida, AT, violou, por errada interpretação e aplicação, o artigo 38.º, n.º 2, da LGT e os artigos 10.º, n.º 1, b) e 2, al. a), e 43.º, n.º 4, al. b), do CIRS.

 

E, em consequência, é procedente o pedido formulado pela Requerente de declaração de ilegalidade do acto de liquidação n.º2012… (compensação 2012…), relativo a IRS, assim como respectivos juros compensatórios, por enfermar de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que justifica a sua anulação (artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo).

 

16. Pedido de indemnização por prestação de garantia indevida

No pedido de pronúncia arbitral a Requerente, a final, declara que “por razões cautelares, a Requerente entregará um bem imóvel à penhora, como forma de suspensão do processo executivo”, acrescentando que “Se deferido, solicita-se, desde já, a indemnização pelos danos por ga­rantia indevida.”

 

A Requerente não terá, pois, chegado a pagar o imposto objecto da notificação de 21 de Dezembro de 2012, cuja data limite de pagamento era 25/01/2013 (Doc. 2 junto pela Requerente). Nesse caso, não se coloca a questão de decisão quanto a juros indemnizatórios.

 

Mas a requerente suscitou a questão de indemnização por prestação de garantia indevida. Contudo, não juntou aos autos documentação sobre se chegou a prestar qualquer garantia e eventuais custos. E, declara, que a prestação de eventual garantia consistiria na “entrega de um bem imóvel à penhora”.

 

Sempre se acrescentará, então, que a possibilidade de indemnização por prestação indevida, consagrada no artigo 53º da LGT e no artigo 171.º do CPPT apenas abrange o prejuízo sofrido pela prestação de garantia bancária ou equivalente 31, não abrangendo prejuízos com entrega à penhora de bem imóvel. Neste sentido, Acórdãos do STA de 30/3/2011, rec. nº 13/2011 e de 24/12/2012 e rec. nº 528/2012.

 

Assim, quanto a esta questão, o pedido da Requerente improcede.


III. DECISÃO

 

17. Em face do exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade da liquidação de IRS relativa ao ano de 2008, assim como de respectivos juros compensatórios, com a consequente anulação da liquidação n.º 2012 … no montante de 35.100,68 (trinta e cinco mil e cem euros e sessenta e oito cêntimos);

  2. Rejeitar o pedido de indemnização por garantia indevida;

  3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar as custas do presente processo.

 

18. Valor do processo e custas

 

Fixa-se o valor do processo em € 35.100,68 (trinta e cinco mil e cem euros e sessenta e oito cêntimos) nos termos do artigo 97º- A, nº 1, do CPPT, aplicável por força do artigo 29º, nº 1, a) do RJAT e do art. 3º, nº 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Fixa-se o montante das custas em € 1.836.00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), a cargo da Requerida e calculadas de acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, tudo nos termos dos artigos 12º, nº 2, e 22º, nº 4, do RJAT e art. 4º do RCPAT.

Notifique-se.

Lisboa, 26 de Novembro de 2013.

 

A Árbitro

 

 

 

Maria Manuela Roseiro

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.]

1 O ofício, a fls. 105 do P.A, de envio de registo postal com aviso de recepção não se encontra numerado nem assinado.

2 Definição na Cláusula 1.1. que também especifica o EBITDA 2007.

3 Não resulta evidente se a Requerente pretendeu estabelecer uma ordem de subsidariedade (art. 124º CPPT).

4 Quanto a esta classificação (art. 12º do RCIPT), com reflexos na suspensão do prazo de caducidade, o “Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal, Competitividade, Eficiência e Justiça do Sistema Fiscal”, de 3 de Outubro de 2009, comentou : “A observação da realidade quanto à concreta actuação da Administração Tributária, em sede inspectiva, reclama que o conceito de acção de inspecção externa seja redefinido, de forma a abranger todas as situações em que a acção de inspecção, apesar de exclusivamente desenvolvida nos serviços da Administração Pública, ultrapasse o âmbito de uma mera análise formal e de coerência dos documentos, designadamente através da remessa de documentos que aqueles não estão normalmente obrigados a entregar à Administração Tributária” (Relatório, pp. 797 e 798).

5 Cf. por ex., Acórdão de 18/03/2011 do TCAN (proc. 00178/06.0BEVIS) sobre a notificação por via postal se encontrar prevista em alternatividade à notificação mediante contacto pessoal e sobre a possibilidade de notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serem efectuadas na pessoa deste e no seu escritório, desde que a notificação não tenha em vista a prática pelo interessado de acto pessoal. Também Ac de 29/03/2012, de TCAN (rec 00037/07.9BEPNF).

6 Acórdão do STA de 04/06/2008, proc 0103/08; Acórdão do T.C. nº 514/2008, de 22/10/2008.

7 Não se encontram descritas no ponto II.4. do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária de 22 de Outubro (fls. 103 P.A.) ou do Relatório final (fls. 156 P.A.).

8 O artigo 53º do RCPIT dispõe ainda: “2-A suspensão não prejudica os prazos legais de conclusão do procedimento previstos no presente diploma.3- Em caso de suspensão, deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário o reinício do procedimento”.

9 Nuno de Oliveira Garcia e Rita Carvalho Nunes, Inspecção Tributária Externa e a Relevância dos Actos Materiais de Inspecção, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 4, Março de 2011, p. 254.

10 Nuno de Oliveira Garcia e Rita Carvalho Nunes, ibidem, p. 255-257.

11 Esta interpretação não foi contudo invocada pela testemunha que assessorou juridicamente a SWISSLAB, que mencionou um eventual lapso (copy past), na inclusão do ponto IX no contrato promessa.

 

12 Artigo 95 do Pedido de pronúncia e artigo 72º da Resposta.

13 “A consagração da cláusula geral anti abuso implica [...] que a partir da sua introdução está claramente delimitado aquilo que o sujeito passivo pode e não pode fazer. As habilidades fiscais, a destreza fiscal deixam de ser possíveis (as operações artificiosas e fraudulentas que têm como fim principal ou exclusivo a obtenção de uma poupança fiscal mediante a fraude à lei) e o sujeito passivo passa a ter o seu comportamento julgado de acordo com este critério. [...].Cfr. Saldanha Sanches, J.L. Reestruturação de empresas e limites do planeamento fiscal, As duas constituições – nos dez anos da cláusula geral anti abuso, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp.49-50.

14 Gustavo Lopes Courinha, A cláusula Geral Anti-abuso no direito tributário–contributos para a sua compreensão, Almedina, 2004.

15 Como sintetizado pela Requerente : o elemento meio respeita à prática de actos dirigidos, essencial ou principalmente, à eliminação do imposto devido, o elemento re­sul­tado significa que o fim da actividade do contribuinte é a vantagem fiscal (eli­mi­na­ção do imposto); o elemento intelectual significa que o contribuinte efectua aqueles actos ou contratos para obter (essencial ou principalmente) a vantagem fiscal e o elemento normativo preenche-se quando o contribuinte actua com manifesto abuso de formas jurídicas, com reprovação normativa do sistema tributário.

16 A actuação ilegítima pode ainda configurar-se como frontal e inequivocamente ilícita, infringindo directamente a lei fiscal, objecto possível de censura contra-ordenacional ou criminal, ou ser uma actuação pela qual o sujeito passivo embora não violando directamente a lei, a aproveita de forma abusiva para chegar a um resultado fiscal mais favorável. (cf. Ac do TCAS de 15/02/2011, rec 4255/10, citando Manuel Henrique de Freitas Pereira, Fiscalidade, Almedina, 2ª edição, 2007, pág. 401).

17 “(...) técnica de redução da carga fiscal pela qual o sujeito passivo renuncia a um certo comportamento por este estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias soluções que lhe são proporcionadas pelo ordenamento jurídico, aquela que, por acção intencional ou omissão do legislador fiscal, está acompanhada de menos encargos fiscais” Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, p. 21.

18 Gustavo Lopes Courinha (cfr. A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário – Contributos para a sua Compreensão, Almedina, Coimbra, 2004, pp. 186-187).

19O raciocínio da AT de que a Requerente (ou seu marido) visou com a estrutura de negócio adoptada alcançar o máximo de vantagem fiscal, não conseguiu ultrapassar a alegação de que os sócios minoritários não tiveram qualquer intervenção nas negociações, conduzidas pelos sócios maioritários que nada tinham a perder fiscalmente se transmitissem quotas, por lhes ser aplicável o artigo 5º do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30/11. Assim como a conclusão da AT de que a transformação da forma societária visou, essencial ou principalmente, a não tributação da venda da parte social que a Requerente detinha, tendo em conta que o projecto de transformação da Sociedade não acarretava qualquer vantagem para os adquirentes, carece de rigor quanto aos efeitos da alteração da estrutura de uma sociedade.

20 São compreensíveis as dúvidas na aplicação da norma, assim como na própria definição dos conceitos normativos. Tal como a existência de uma dialéctica complexa entre luta contra o planeamento abusivo e imaginação criativa evasiva (cf. citações e comentário de Manuela Duro Teixeira, in Reestruturação de empresas e limites do planeamento fiscal – algumas notas”, Reestruturação de empresas e limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2009, p. 244, nota 14). “Mas isso não pode gerar insegurança nem levar a uma prática violadora do princípio da legalidade. “É necessário demonstrar que houve um comportamento abusivo para que não tenhamos uma situação digna de tutela jurídica e para que não se coloque em causa o imperativo da tutela da confiança (…)”, Cfr. Saldanha Sanches, J.L., in Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, p. 190.

21 “Como condição do desencadeamento da reacção legal, exige-se uma intenção de comportamento abusivo num sentido muito concreto : uma intenção de ladear a lei – uma intenção de reduzir a oneração fiscal – que seja tão clara e inequívoca quanto é clara e inequívoca a intenção do legislador de tributar aquele tipo de operações. Saldanha Sanches, tb. Os Limites do Planeamento Fiscal, cit. p. 189.

22 Cf. Edição do Ministério das Finanças, 1996, p. 479.

23 Cf. no respeitante a tributação dos valores mobiliários, conclusão sobre existência de “entorse aos princípios basilares da justiça na tributação”, e referência : “(...) ainda, factor de distorção das opções dos sujeitos passivos, pois que privilegia a detenção de participações em sociedades anónimas comparativamente à detenção de participações em sociedades por quotas.” (pp. 195 e 196, nota 89).

24 A Resolução de Conselho de Ministros, nº 119/97, de 14/07, com alterações da RCM nº 10/98, de 23/01, previa no ponto 13: “Reformulação de tributação das mais-valias no Código do IRS” e “Harmonização do regime de acções e quotas condicionada pelo registo de acções” (alíneas d) e i), Cf. versão consolidada das duas RCM, in Estruturar o Sistema do Portugal Desenvolvido, MF, Textos fundamentais da reforma fiscal para o século XXI, Almedina, Coimbra, 1998, Propostas para Principais Impostos (IRS), p. 379. Neste relatório, propunha-se no ponto 24.4.4. Harmonização do regime de acções e quotas”: Deve haver maior harmonização entre os regimes tributários das acções e das quotas por forma a obter, sempre que possível, a desejada neutralidade fiscal entre os dois tipos de participações societárias, tendo presente as implicações dai decorrentes, designadamente no mercado de capitais.” p. 237.

25 “(...) transitória, cuja finalidade é a de delimitar os casos em que a mais-valia proveniente da alienação de acções ficaria, ou não, sujeita ao imposto de harmonia com o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro” (Manuel Faustino, IRS ,Teoria a Prática, Edição Fisco, p. 208).

26 Este artigo (cuja epígrafe era “mais-valias de acções”) previa a isenção de IRS até ao ano de 1992, inclusive, das mais- valias provenientes de acções quando detidas pelo seu titular durante mais de doze meses.

27 Esta redacção foi objecto de algumas alterações, e, com a reformulação dos Códigos efectuada, na sequência da Lei nº 30-G/2000, de 29/12, pelo Decreto-Lei nº 198/2001, a disposição saiu do EBF, vindo o artigo 43º, nº 4, do CIRS a prever que para efeitos do número anterior (que estabelecia um regime de tributação de mais-valias realizadas, variável conforme o tempo de detenção de acções) “à data de aquisição de acções resultantes da transforma transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima é a data de aquisição das quotas que lhes deram origem”.

28 Exprimindo dúvidas sobre a legitimidade, em 1998, desse tipo de incentivos, cf. Relatório sobre Reavaliação dos Benefícios Fiscais, Caderno CTF nº 180, p.116.

29 J. L. Saldanha Sanches, Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 182.

30 Saldanha Sanches, ibidem, p. 180.

31 Como o seguro-caução e “nunca, por exemplo, a constituição de penhor ou hipoteca legal”, “o que resulta da muito maior dificuldade em se configurar então a existência de um prejuízo efectivo sofrido pelo executado nessas circunstâncias, que a ocorrer terá que se fazer ressarcir pelos meios indemnizatórios gerais” (Cf. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária, anotada, Rei dos Livros, p. 245). Também Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, vol. II, pág. 252/253, “Fazendo-se referência genérica aos encargos suportados com a prestação da garantia, sem qualquer restrição que não seja o limite máximo que resulta da remissão para o artigo 53.º da LGT, deverá entender-se que o direito de indemnização abrange tudo o que o contribuinte despendeu com a prestação da garantia, incluindo importâncias pagas a entidades bancárias ou seguradoras (…) e custas processuais, mas não danos derivados da prestação, designadamente da privação de bens (…).”.