Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 41/2013-T
Data da decisão: 2013-09-23  IRS  
Valor do pedido: € 51.308,39
Tema: Residência fiscal
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PROCESSO ARBITRAL N.º 41/2013-T

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. A ... , residente na Av. …, contribuinte n.º … por si e na qualidade de representante fiscal de B..., residente na …, Itália, contribuinte n.º …, requereu a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos nº 1 e 2 do artigo 10º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado “RJAT” e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, tendo por objecto as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares ("IRS") com os n.ºs 2011 … e 2011 … .

 

  1. É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, que sucedeu à Direcção–Geral dos Impostos, adiante designada por ATA.

 

  1. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi validado e aceite em 18 de Março de 2013 pelo Ex.º Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante designado por “CAAD”), tendo sido a ATA notificada da apresentação do aludido pedido na mesma data.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a), do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente tribunal arbitral, tendo aceite a designação nos termos legalmente previstos.

 

  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído no CAAD, no dia 20 de Maio de 2013 para apreciar e decidir o objecto do presente processo.

 

  1. Em síntese, a Requerente sustenta a sua pretensão no seguinte:

 

  • No prazo referido no artigo 59.º, n.º 3, alínea b), ponto II. do CPPT, a Requerente entregou uma declaração de substituição referente ao ano de 2008 e uma referente ao ano de 2010, as quais, nos termos do n.º 5 do mesmo preceito legal, também deveriam ser convoladas em Reclamação Graciosa, em virtude da decorrência de divergência entre o contribuinte (a Requerente) e o serviço de finanças na qualificação de actos/factos tributários, sendo que, entende a Requerente, tal faculdade podia ser exercida, nos termos da alínea c) do mesmo preceito, num prazo muito mais lato.

  • Ainda que a Requerente não tivesse procedido à apresentação da Reclamação Graciosa a que alude o artigo 68.º e ss. do CPPT, sempre deveria ter sido apreciada a questão da ilegalidade da liquidação adicional (por erro sobre os pressupostos de facto) em virtude da apresentação da declaração de substituição referente aos anos de 2008 e de 2010 (as quais deveriam, no entender da Requerente, ter sido oficiosamente convoladas em Reclamação Graciosa, nos termos do artigo 59.º, n.º 5 do CPPT).

  • No caso sub judice constata-se que a matéria tributável foi quantificada com base num pressuposto erróneo: que o marido da Requerente era residente fiscal em Portugal.

  • A Administração Tributária está obrigada a pautar a sua conduta com vista ao apuramento da verdade material subjacente à tributação das pessoas singulares, porquanto a mesma decorre, naturalmente, do princípio da legalidade tributária, com máxima previsão no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa;

  • A Administração Tributária, em observância dos princípios da legalidade, da imparcialidade e do inquisitório - consagrados nos artigos 55.º e 58.º da LGT - está obrigada a carrear para o procedimento todos os elementos probatórios necessários (e admitir a junção dos mesmos por parte dos sujeitos passivos) para proferir uma decisão adequada e justa.

  • O marido e representado da Requerente de facto, não tinha obrigação de declarar os rendimentos por si auferidos em território nacional, porque, de facto, não era, nos anos relevantes, nem é, residente fiscal em território nacional, pelo que, não auferindo quaisquer rendimentos em território português, nem preenchendo qualquer dos elementos de conexão previstos no artigo 16.º, n.º 1 do CIRS, o mesmo não estava obrigado a declarar os seus rendimentos (obtidos no estrangeiro) em Portugal e se, erroneamente o fez, não lhe estava vedada a hipótese de corrigir esse erro.

  • Se com a entrega das declarações de substituição a Administração Tributária não tinha a necessária prova das situações factuais descritas, com a prova produzida em sede dos procedimentos de Reclamação deixou de ser passível invocar a ausência de elementos para decidir em favor do representado da Requerente, uma fez que ficou indubitavelmente provada a sua não residência.

  • Através de toda a documentação junta em sede de Reclamação Graciosa, demonstrou-se que o marido da Requerente preenche os pressupostos previstos no artigo 16.º, n.º 3 do Código do IRS, na medida que:

  • não permaneceu em território português mais de 183 dias, seguidos ou interpolados;

  • a sua actividade não é exercida em território português, nem tem qualquer ligação profissional a Portugal, situação que ficou amplamente provada documentalmente; e

  • os seus rendimentos não foram obtidos em território português, lenho sido exclusivamente obtidos no estrangeiro.

  • Nessa medida, atendendo ao disposto no citado artigo 16.º, n.º 3 do Código do IRS e à prova efectuada pela Requerente, constata-se que o marido e representado da Requerente deveria ter sido reconhecido pela Administração Tributária como sujeito passivo não residente em território português - como, aliás, consta do seu cadastro, com efeitos a 1 de Janeiro de 2007 - e, em consequência, por aplicação dos artigos 13.º, n.º 1 e 15.º, n.º 2 do mesmo Código, não deveria ter sido tributado em território nacional, na medida que não obteve quaisquer rendimentos em Portugal.

  • Mais deveriam ter sido admitidas como certas - e sem quaisquer erros - as declarações de substituição submetidas, via internet, pela Requerente em 9 de Novembro de 2011, nas quais a mesma declarou que o seu agregado familiar é composto por si (Sujeito Passivo A) e pelos seus dois filhos dependentes, em virtude do seu marido, B..., por ser não residente fiscal em Portugal, optou por exercer a opção prevista no artigo 16.º, n.0 3 do Código do IRS, na medida em que não tem qualquer ligação, ao nível dos rendimentos que aufere, com o território nacional, vivendo mais de 183 dias em Itália.

  • O marido da Requerente é de um funcionário da D..., cujos privilégios de tratamento e de imunidades devem ser salvaguardados, face aos princípios e normas internacionais vigentes, devendo ainda ser dotado de tratamento igual aos demais funcionários de outras nacionalidades e cujos Estados de origem não exigem qualquer tributação sob o exercício da sua actividade ao serviço de organizações das Nações Unidas.

  • O regulamento e regras internas da referida Organização obrigam à igualdade de tratamento, nomeadamente em matérias fiscais, dos seus funcionários, pelo que caso o presente processo de reclamação venha a ser considerado improcedente, a D... irá num primeiro momento reembolsar o marido da Requerente do imposto suportado em Portugal e, num segundo momento, solicitar o reembolso deste valor ao Estado Português.

  • No sentido de uniformização e igualdade de tratamento entre os funcionários, das diversas nacionalidades, ao serviço das Organizações Especializadas das Nações Unidas, Portugal, por Resolução da Assembleia da República n.º 124/2012, de 25 de Setembro revogou a reserva que havia efectuado à Convenção sobre os Privilégios e Imunidades das Organizações Especializadas das Nações Unidas, nos termos da qual não se permitia a aplicação da isenção de tributação aos nacionais portugueses.

  • Termina pedindo a declaração de ilegalidade das liquidações de IRS com os n.ºs 2011 ... (2008) e 2011 ... (2010) e, bem assim, declarada a ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios associados, num total de € 51.308,39, com a sua consequente anulação, tudo com as legais consequências.

  • Na sua resposta, a ATA vem tecer as seguintes considerações:


 

  • os reclamantes não corrigiram os erros evidenciados pelas declarações de substituição do IRS dos anos de 2008 e de 2010;

  • as declarações de substituição, pretendo obter menor pagamento de imposto, foram apresentadas para além do prazo fixado no art.º 59.º, n.º 3, alínea b), ponto III, do CPPT;

  • ainda que fosse possível a conversão das declarações de substituição em reclamações graciosas - o que o decurso do respectivo prazo impedia nos termos dos n.ºs 5 e 6 do art.º 59.º do CPPT - a apresentação de reclamação graciosa pelos Requerentes teria prejudicado esta conversão;

  • a Autoridade Tributária no procedimento de inspecção e nas liquidações oficiosas não alterou nem o estado civil da Requerente mulher, nem o país de residência do marido da Requerente;

  • a alteração do país de residência do Requerente marido e do estado civil da Requerente mulher, realizadas em 31.10.2011 e com efeitos retroactivos a 01.01.2007, tiveram como única finalidade ultrapassar a falta de preenchimento de requisitos legais para beneficiar da atenuação da dupla tributação internacional, por ser inaplicável o art.º 37.º do EBF face ao disposto no art.º 2.º da Resolução da Assembleia da República n.º 3/2007, de 1 de Fevereiro;

  • As reclamações graciosas foram apresentadas extemporaneamente, pois tiveram por objecto factos contra os quais os Requerentes não reagiram oportunamente - a residência fiscal e o estado civil -, e que não foram sequer objecto de modificação nas liquidações adicionais, face que os próprios declararam.

  • Realizou-se no dia 8 de Julho de 2013, pelas 11.00 horas a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, da qual foi lavrada a respectiva acta que se encontra junta aos autos.

  • As partes procederam à produção de alegações escritas, que foram igualmente juntas autos.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

 

B.1. Factos dados como provados:

 

  1. Em 09.05.2009, a Requerente e marido, apresentaram a declaração Modelo 3 de IRS relativa ao exercício de 2008, acompanhada dos anexos A, B (actividade da esposa), F, H e J (rendimentos auferidos no estrangeiro).

  2. No referido anexo J foram declarados rendimentos no montante de €61.482,42, com imposto pago no estrangeiro de €13.984,88 e contribuições para a Segurança Social de € 10.543,02.

  3. Desta declaração resultou a liquidação n.º 2009..., com imposto a pagar de €359.81.

  4. Em 31.05.2011 e em 28.06.2011 (declaração modelo 3 e declaração de substituição liquidada), os sujeitos passivos apresentaram declaração Modelo 3 de IRS relativa ao exercício de 2010, acompanhada dos anexos A, B (actividade da esposa), F, H e J (rendimentos auferidos no estrangeiro).

  5. No referido anexo J foram declarados rendimentos no montante de €73.471,19, com imposto pago no estrangeiro de €17.177,58 e contribuições para a Segurança Social de €12.232,47.

  6. Desta declaração resultou a liquidação n.º 2011 ..., com imposto a pagar de €1.223,24.

  7. Nas declarações de rendimentos apresentadas pelo agregado familiar relativamente aos exercícios em causa - 2008 e 2010-, o sujeito passivo marido declarou-se residente em Portugal e com estado civil de 'casado'.

  8. O marido, e representado da Requerente, trabalha, desde Maio de 2005, em agências especializadas da Organização das Nações Unidas ("ONU"), fora do território português.

  9. As referidas funções laborais são prestadas como resultado de concursos para acesso a contratos individuais de trabalho e não de qualquer destacamento por parte de uma instituição ou Ministério português.

  10. De Maio de 2005 a Março de 2007, o marido da Requerente trabalhou ao serviço do ..., no Sudão.

  11. De Março de 2007 a Novembro de 2009, o marido da Requerente trabalhou ao serviço da ..., no Sudão.

  12. Desde Novembro de 2009, o marido da Requerente passou a trabalhar ao serviço do ..., em Itália, onde se mantém em funções até ao presente.

  13. Não obstante não residir em território português, o marido da Requerente sempre declarou, em Portugal, os rendimentos auferidos ao serviço das agências especializadas da ONU, nos anos indicados.

  14. No Anexo J das Declarações de Rendimentos Modelo 3 dos anos de 2007 a 2010, foi mencionado que o Estado de origem (geográfica) dos rendimentos auferidos pelo marido da Requerente era Itália, uma vez que ambas as agências referidas (Programa ...) tinham sede em Roma.

  15. Em 6 de Outubro de 2009, o marido da Requerente foi notificado pela Direcção de Serviços das Relações Internacionais da Administração Tributária e Aduaneira para, em relação aos rendimentos referentes a 2006 e 2007, remeter a seguinte documentação:

  16. declaração emitida ou autenticada pela autoridade fiscal de Itália contendo a discriminação da natureza e dos montantes ilíquidos dos rendimentos obtidos nesse Estado, bem como do montante de imposto total e final pago e, sendo o caso, do desconto suportado para regime de segurança social, para os anos em causa;

  17. liquidação de imposto final obtida em Itália, bem como, sendo o caso, prova do reembolso recebido/imposto pago relativo a essa liquidação final.

  18. Na sequência da citada notificação, o marido e representado da ora Requerente remeteu, em 11 de Novembro de 2009, um requerimento à Direcção de Serviços das Relações Internacionais no qual transmitiu a sua situação profissional e estrutura de rendimentos, referindo que, em virtude de os rendimentos não estarem directamente relacionados com o trabalho prestado Estado Italiano - mas apenas com agências internacionais com sede em Roma - não poderia obter a documentação solicitada.

  19. Até à presente data, o marido da Requerente não obteve qualquer resposta por escrito ao seu requerimento.

  20. A Declaração de Rendimentos Modelo 3, da ora Requerente e marido, referente ao ano de 2010 foi remetida nos mesmos moldes dos anos anteriores, ou seja, declarando que os rendimentos auferidos pelo marido da Requerente tinham origem em Itália.

  21. Pelo Ofício datado de 14 de Março de 2011, o marido da Requerente foi notificado do projecto de decisão referente á desconsideração do crédito por dupla tributação internacional, por imposto suportado no estrangeiro, no que concerne aos anos de 2007 e 2008, em virtude de não terem sido apresentados documentos válidos comprovativos do rendimento auferido e imposto suportado no estrangeiro.

  22. Em requerimento datado de 22 de Março de 2011, o marido da Requerente indicou a sua situação profissional e estrutura de rendimentos, e referiu que, em virtude de os rendimentos não estarem directamente relacionados com o Estado Italiano - mas apenas com agências internacionais com sede em Roma - não poderia obter a documentação solicitada.

  23. Com o referido requerimento foi, ainda, junta uma tradução de uma carta de resposta do Programa ..., a qual esclarecia que o rendimento auferido pelo marido da Requerente deveria ser isento de tributação em Portugal, juntando, igualmente, um e-mail emanado pela Direcção de Serviços das Relações Internacionais quanto ao caso de um Colega de trabalho do marido da Requerente, no qual aquela entidade referia que os rendimentos estavam isentos de tributação nos termos do artigo 37.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

  24. Pelo Ofício n.º ..., datado de 22 de Setembro de 2011, o marido da Requerente foi notificado, por parte do Serviço de Finanças de … que, na sequência do pedido de esclarecimento efectuado por aquele Serviço à Direcção de Serviços do IRS, foi sancionado por aquela Direcção - na informação n.º .../2011 - que os rendimentos auferidos pelo marido da Requerente ao serviço da Organização para a ..., não reuniam os pressupostos para poder beneficiar da isenção prevista no artigo 37.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

  25. O marido da Requerente, entendendo que não tinha obrigação de declarar os rendimentos por si auferidos em território nacional por - de facto - ser um sujeito passivo "não residente em Portugal", optou por formalizar, em 31 de Outubro de 2011, o seu estatuto de não residente junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, inicialmente indicando ter sido residente no Sudão, com efeitos a 1 de Janeiro de 2007, e posteriormente em Roma, Itália, tendo nomeado a ora Requerente como sua representante fiscal.

  26. De acordo com a alteração do cadastro - a qual foi admitida pela Administração Tributária - o marido da Requerente passou a constar como "não residente em Portugal" com efeitos a 1 de Janeiro de 2007.

  27. Na sequência da alteração do domicílio fiscal do marido da Requerente, a mesma procedeu, em 9 de Novembro de 2011, via internet, à entrega das declarações de substituição referentes aos anos de 2007 a 2010, nas quais, para além do mais, alterou o estado civil de "casada" para "separada de facto", as quais vieram a ser recusadas por "erro na declaração".

  28. Pelo Ofício n.º ..., datado de 5 de Dezembro de 2011, a Requerente foi notificada da informação n.º 273/2011 elaborada pela Direcção de Finanças de …, na qual se expunham as razões para se ter procedido à correcção dos valores constantes da sua declaração de rendimentos referentes ao ano de 2008.

  29. Pelo Ofício n.º ..., datado de 10 de Novembro de 2011, a Requerente foi igualmente notificada para se pronunciar sobre a proposta de correcção dos valores constantes da sua declaração de rendimentos referentes ao ano de 2010.

  30. Em resposta aos citados Ofícios, a Requerente informou que, ainda antes da recepção dos mesmos, havia procedido, em 9 de Novembro de 2011, à submissão de declarações de substituição referentes aos anos de 2008 e de 2010, nas quais apenas foram declarados os rendimentos da Requerente, uma vez que o marido desta era considerado um sujeito passivo não residente em território nacional nos termos do artigo 16.º, n.º 3 do Código do IRS, não tendo quaisquer rendimentos tributáveis a declarar em Portugal.

  31. No dia 6 de Dezembro de 2011, a Requerente foi notificada do Ofício n.º ..., datado de 30 de Novembro, no qual o Serviço de Finanças informava que, relativamente à declaração de substituição referente ao ano de 2010, a mesma apresentava erros, por divergência do agregado familiar, pelo que os mesmos deveriam ser corrigidos no prazo de 30 dias. Mais informava que não tendo sido invocados novos factos no exercício do direito de audição prévia quanto às correcções propostas, iria ser elaborado o respectivo documento de correcção.

  32. Por requerimento remetido em 16 de Dezembro de 2011, a Requerente informou o Serviço de Finanças de …-... que não existia qualquer erro na declaração de substituição entregue pela mesma, em virtude de o agregado familiar da Requerente, para efeitos fiscais, ser constituído por si (Sujeito Passivo A) e pelos seus dois filhos dependentes - os quais apenas residem em Itália desde Setembro 2010, pelo que ainda eram considerados como dependentes no ano de 2010, sendo que o seu marido, por ser não residente em Portugal desde há mais de 5 anos, havia optado por exercer a opção prevista no artigo 16.º, n.º 3 do Código do IRS, na medida em que não teria qualquer ligação, ao nível dos rendimentos que aufere, com o território nacional, vivendo mais de 183 dias por ano em Itália e entendendo não preencher nenhum dos critérios previstos no artigo 16.º, n.º 1 do Código do IRS, que o fizesse considerar como residente em Portugal.

  33. No dia 28 e 22 de Dezembro de 2011, a Requerente foi notificada, por si e na qualidade de representante fiscal do seu marido, da demonstração de liquidação de IRS n.º 2011 ... e da demonstração de liquidação de juros, referentes ao ano de 2008, bem como da demonstração de liquidação de IRS n.º 2011 ... e da demonstração de liquidação de juros referentes ao ano de 2010.

  34. No dia 29 e 22 de Dezembro de 2011, a Requerente foi notificada da demonstração de acerto de contas, na qual se apurava o montante de €30.208,21 a pagar até 1 de Fevereiro de 2012, referente ao ano de 2008 e da demonstração de acerto de contas referente ao ano de 2010, na qual se apurava o montante de€ 21.100,18 a pagar até 25 de Janeiro de 2012.

  35. A Requerente apresentou, em 28 e 21 de Maio de 2011, respectivamente ao acto de liquidação n.º 2011 ... (2008) e acto de liquidação n.º 2011 ... (2010), Reclamações Graciosas com vista à anulação dos actos tributários correspondentes.

  36. Em 11 de Julho de 2012, a Requerente foi notificada dos projectos de decisão relativos às Reclamações apresentadas, no sentido do seu indeferimento, no qual a Administração Tributária rejeita toda a argumentação apresentada pela Requerente.

  37. A ora Requerente apresentou a sua participação no procedimento, exercendo o seu direito de audição prévia.

  38. Em 15 de Setembro de 2012, a Requerente foi notificada das decisões de indeferimento das Reclamações Graciosas apresentadas, tendo a Administração Tributária reiterado a posição anteriormente assumida.

  39. Em 16.10.2012, a Requerente interpôs Recurso Hierárquico contra cada um dos actos de indeferimento das Reclamações Graciosas apresentadas contra as liquidações de imposto acima identificadas.

  40. Decorridos 60 dias, os Recursos Hierárquicos interpostos não foram alvo de qualquer decisão, que fosse notificada à Requerente.

 

B.2. Factos dados como não provados:

  1. Em conversa telefónica (em Dezembro de 2009 ou início de 2010), o marido da Requerente foi informado, pela Direcção de Serviços das Relações Internacionais (pela funcionária ... ) que "não teria nada a pagar" (por se tratarem de rendimentos isentos de tributação).

  2. No ano de 2010, o marido da Requerente contactou telefonicamente a Direcção-Geral dos Impostos a fim de esclarecer a forma como deveria submeter a declaração de IRS e evitar quaisquer problemas de interpretação sobre os seus rendimentos.

  3. Não obstante tal contacto - e depois de o marido da Requerente ser transferido de funcionário em funcionário - o mesmo não conseguiu esclarecer a dúvida colocada.

  4. O marido da Requerente considerou sempre os seus rendimentos auferidos de 2005 em diante, como isentos de tributação em Portugal, ao abrigo do Acordo celebrado, em Dezembro de 1975, entre Portugal e o Programa Alimentar Mundial e, ainda, por aplicação da Convenção dos Privilégios e Imunidades das Nações Unidas.


 

B.3. Fundamentação - da matéria de facto provada e não provada

 

A matéria de facto dada como provada, que é pacificamente reconhecida e aceite pelas partes, assenta na prova documental apresentada.

A matéria de facto dada como não provada resulta da inexistência ou insuficiência de prova apresentada a seu respeito.

 

C. DO DIREITO

A situação em causa nos autos, pode resumir-se, nos seus elementos essenciais, da seguinte maneira:

  • A Requerente e marido apresentaram declaração conjunta de IRS, enquanto agregado familiar, para os anos de 2008 e 2010, na qual incluíram rendimentos auferidos por aquele no estrangeiro;

  • A Requerente e marido estavam convencidos de que, em virtude de serem auferidos no estrangeiro e ao serviço de uma ONG, integrada nas Nações Unidas, os rendimentos auferidos por aquele estariam isentos de tributação em Portugal, pelo que liquidaram o imposto, nas referidas declarações, em conformidade com aquele seu entendimento;

  • Confrontados com outro entendimento por parte da AT, a Requerente e marido, em finais de 2011, apresentaram declarações de substituição das atrás referidas, e procederam à alteração da residência fiscal do marido da Requerente, reportando a sua declaração a 1/1/2007;

  • Confrontados com liquidações adicionais de imposto, baseadas nas declarações fiscais originariamente por si prestadas, a Requerente e marido apresentaram reclamações graciosas, que vieram a ser indeferidas.

A questão fundamental que se coloca nos presentes autos é a de saber se, neste quadro, os rendimentos auferidos no estrangeiro pelo marido da Requerente nos anos de 2008 e 2010, deverão, ou não, ser objecto de tributação em Portugal, em sede de IRS.

***

Nos presentes autos misturam-se duas questões distintas que convém desde já separar devidamente.

Com efeito convém ter sempre presente que o contencioso tributário, incluindo-se aí o contencioso tributário arbitral, se reveste de natureza objectivista, continuando a ser, principalmente e na sua essência, um processo a um acto.

Isto mesmo é confirmado pelo artigo 2.º do RJAT, que define o objecto do processo arbitral tributário como incluindo, exclusivamente:

“a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.

Os actos tributários estão, desta forma, no centro da acção (arbitral, no caso) tributária, constituindo o respectivo objecto.

Ora, como se começou por referir, nos presentes autos, são trazidos à liça diferentes situações potencialmente relevantes, sendo portanto imperioso delimitar com rigor o objecto do processo, antes de seguir adiante.

Analisada a petição inicial, verifica-se então que a Requerente dirige a sua argumentação:

  1. à liquidação de IRS do seu agregado familiar, relativa aos anos de 2008 e 2010, corrigidas oficiosamente pela ATA (pontos 32 e 33 da matéria de facto), relativamente às quais apresentou reclamação graciosa (ponto 34 da matéria de facto); e

  2. às declarações de substituição apresentadas relativamente àqueles mesmos anos, e à recusa da ATA em receber essas mesmas declarações de substituição (pontos 26, 29 e 30 da matéria de facto).

Estes últimos actos, supra-descritos na alínea b) que antecede, não integrarão o objecto dos presentes autos.

Com efeito, tal objecto, nos termos da já transcrita alínea a) do artigo 2.º do RJAT, corresponderá às liquidações de IRS dos anos de 2008 e 2010 do agregado familiar da Requerente (objecto mediato) e respectivas reclamações graciosas (objecto imediato).

Já o acto de recusa de aceitação das declarações de substituição apresentadas pela Requerente, será um acto distinto e autónomo, ao que se sabe não impugnado oportunamente, por qualquer forma, pela Requerente, e que, como tal se terá consolidado na ordem jurídica, devendo aceitar-se como bom, tanto mais que o conhecimento da respectiva legalidade não se insere no âmbito da competência dos tribunais arbitrais, nos termos do supra-citado artigo 2.º do RJAT.

Como se escreveu no Ac. do STA de 23-11-2011, proferido no processo 0717/11, e disponível em www.dgsi.pt:

“I – A declaração de substituição não é uma circunstância posterior que por si só determine a invalidade da liquidação efectuada com base na primeira declaração de IRS.

II – O que pode originar a invalidade dessa liquidação não é a declaração de substituição em si, mas a decisão que sobre ela for tomada pela administração tributária, pois só com esta decisão é se poderá saber se a liquidação impugnada se deve ou não manter ab initio na ordem jurídica.”

Ou seja, e em suma, não cumprirá nestes autos apurar se as declarações de substituição para os anos de 2008 e 2010, apresentadas pela Requerente e marido foram, ou não, legalmente recusadas, mas unicamente apurar se as liquidações adicionais de IRS n.º 2011 … e n.º 2011 … foram ou não legalmente efectuadas.

***

Ainda antes de prosseguir, contudo, convém ter presente com clareza determinados conceitos relevantes para a análise a levar a cabo adiante.

Como refere Alberto Xavier1:

“Os conceitos de residência ou domicílio, ocupam posição fulcral no Direito Tributário Internacional, porventura só comparável à da nacionalidade em matéria de conflitos de leis privadas.

Importa desde logo salientar que as noções de domicílio ou residência, de que agora nos vamos ocupar, gozam de autonomia relativamente a idênticos conceitos utilizados noutros ramos do direito, como o direito civil, administrativo, do trabalho ou internacional privado, cada um dos quais os modelam tendo em vista os seus interesses e objectivos próprios.

Mais: a noção de residência ou domicílio para efeitos de delimitação da esfera de incidência das normas tributárias de cada Estado é também distinta da noção de domicílio tributário de direito interno e que é um domicílio especial pelo qual a lei se refere a um lugar bem determinado, o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres estabelecidos pelas normas tributárias, localizando o sujeito passivo com vista a fixar a circunscrição territorial em cuja área se situem os serviços de administração competentes para a prática de actos relativos à situação fiscal do contribuinte.”

Mais adiante, na mesma obra2, lê-se com interesse para a matéria que ora se aprecia, que: “O direito português define expressamente o conceito de residência no que concerne às pessoas singulares, acolhendo uma noção de residência que se situa a meio caminho entre a noção meramente objectiva, que se contenta com o simples corpus, e a noção subjectiva, que exige a presença cumulativa dos dois requisitos: o corpus e o animus.”.

Ou seja, para a compreensão da matéria em análise é necessário ter presente que, face ao direito português, o conceito de residência não se preenche pela mera verificação de um conjunto de factos (acontecimentos) objectivos, mas atende, concomitantemente, a uma manifestação de vontade.

Continua aquele Professor, esclarecendo que “O estatuto de residente adquire-se, alternativamente, pela permanência no território português por mais de 183 dias, seguidos ou interpolados - sejam quais forem as intenções do sujeito - ou pela intenção de residência em Portugal, expressa por aqueles que, tendo embora permanecido por menos tempo, disponham no território português, em 31 de Dezembro, "de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual" (CIRS, artigo 16.º, n.º 1, "a" e "b")”

Mais refere Alberto Xavier, que a Lei “exige que tal habitação se destine a "residência habitual", pelo que não preenche tal condição uma simples habitação secundária, de férias ou similar. A intenção de manter e ocupar a habitação como residência habitual, não é objecto de prova directa, antes resulta de condições objectivas que a façam supor.”.

Conclui, por fim, o mesmo Autor: “São estabelecidas presunções juris tantum de residência em Portugal em relação (...) as pessoas que constituem o agregado familiar, desde que naquele resida qualquer das pessoas a quem incumbe a direcção do mesmo (CIRS, artigo 16.º , n.º 2). Esta última situação, tem como consequência, que basta a residência em Portugal de um dos chefes do agregado familiar, aferida face aos critérios do artigo 16.º do CIRS, para que este arraste, por um princípio de atracção da unidade familiar, a residência dos demais (residência dependência). Assim, por exemplo, o emigrante português que reside efectivamente na Alemanha, mas cuja mulher permanece em Portugal, será por dependência, considerado residente em Portugal e aqui sujeito a tributação numa base universal, incluindo portanto os rendimentos obtidos na Alemanha”.

Quanto à cessação da residência, escreve-se ainda na obra em causa que “A perda do estatuto de residente em Portugal ocorre por duas causas distintas, de verificação cumulativa: (i) a ausência prolongada do território nacional; e (ii) a perda da habitação. No primeiro caso, por cessação do corpus, no segundo por cessação do animus. Assim, passam a considerar-se não-residentes, os residentes no País que estiverem ausentes no estrangeiro por mais de 183 dias (seguidos ou interpolados), desde que, nesse mesmo ano, tenham perdido no dia 31 de Dezembro a disponibilidade de habitação destinada a residência habitual.

No que concerne aos casos de residência presumida, a perda das condições que servem de base à presunção (ser tripulante de navios, membro de agregado familiar) faz cessar a presunção, pelo que a residência deverá ser aferida face aos critérios gerais. A Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2006 (Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro), veio permitir que a condição de residente possa ser afastada pelo cônjuge que não permaneça no território nacional mais de 183 dias seguidos ou interpolados, desde que faça prova da inexistência de uma ligação entre a maior parte das suas actividades económicas e o território português (CIRS, artigo 16.º , n.º 3). Em tais circunstâncias, o cônjuge é sujeito a tributação como não-residente relativamente aos rendimentos de que seja titular e que se considerem obtidos em território português nos termos do CIRS.”.

***

Com relevo para o enquadramento das questões a enfrentar nos autos, cumpre, igualmente, ter presente o artigo 13.º e 16.º do CIRS, que dispondo sobre a questão do sujeito passivo e da residência para efeitos de IRS, referem, respectivamente que:

“1 - Ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.

2 - Existindo agregado familiar, o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando-se como sujeitos passivos aquelas a quem incumbe a sua direcção.

3 - O agregado familiar é constituído por:

  1. Os cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e os seus dependentes; (...)

6 - As pessoas referidas nos números anteriores não podem, simultaneamente, fazer parte de mais de um agregado familiar nem, integrando um agregado familiar, ser consideradas sujeitos passivos autónomos.

7 - A situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevante para efeitos de tributação é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeite.”;

e que

“1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, em 31 de Dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual; (...)

2 - São sempre havidas como residentes em território português as pessoas que constituem o agregado familiar, desde que naquele resida qualquer das pessoas a quem incumbe a direcção do mesmo.

3 - A condição de residente resultante da aplicação do disposto no número anterior pode ser afastada pelo cônjuge que não preencha o critério previsto na alínea a) do n.º 1, desde que efectue prova da inexistência de uma ligação entre a maior parte das suas actividades económicas e o território português, caso em que é sujeito a tributação como não residente relativamente aos rendimentos de que seja titular e que se considerem obtidos em território português nos termos do artigo 18º.

4 - Sendo feita a prova referida no número anterior, o cônjuge residente em território português apresenta uma única declaração dos seus próprios rendimentos, da sua parte nos rendimentos comuns e dos rendimentos dos dependentes a seu cargo segundo o regime aplicável às pessoas na situação de separados de facto nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 59.º.”

***

De tudo o que vem de se expor pode-se então concluir que existe uma regime regra, quanto à determinação da condição de residente, que passa pela permanência em território nacional por mais de 183 dias num mesmo ano, ou pela verificação de determinadas condições objectivas, correspondentes à disponibilidade de uma habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual.

Para além disso, e no que para o caso interessa, relativamente às pessoas integrantes de um agregado familiar para efeitos de IRS, existe um regime especial de determinação da condição de residente em território nacional, que passa pela outorga de tal condição a todos os elementos do agregado, independentemente da verificação das sobreditas condições, desde que estas condições se verifiquem relativamente a qualquer das pessoas a quem incumbe a direcção do agregado.

A este nível, dever-se-á considerar que a questão da condição de residente ou não residente é matéria fáctica, no sentido de que decorre de factos que ou se verificaram ou não, e não uma questão de opção. Em coerência, tal questão há-de ser dirimida em função do que ocorreu ou não em determinado ano, e não em funções de opções ou decisões posteriores dos interessados, ainda que, de um ponto de vista jurídico, essas opções ou decisões possam ter determinados efeitos, já que, mesmo assim, não terão a virtualidade de alterar factos passados.

Sob esta perspectiva, faria sentido a alegação da Requerente e marido, segundo a qual este, de facto, não seria residente em território nacional. Contudo, e face ao quadro normativo em questão, o marida Requerente era, à data dos factos tributários em apreço, de facto, residente em Portugal, na medida em que integrava um agregado familiar em que um dos elementos dirigentes ali residia.

Contudo, para além do regime geral e especial acima apontados, com interesse para a presente causa, existe um regime adicional relativamente aos cônjuges que integram um agregado familiar, que confere a possibilidade de afastarem a condição de residente resultante da aplicação do referido regime especial, desde que não tenham permanecido mais de 183 dias em território nacional no ano em causa, e seja efectuada prova da inexistência de uma ligação entre a maior parte das suas actividades económicas e o território português.

Este último regime, ao contrário dos anteriores, já não decorre da mera verificação de condições objectivas, como os restantes que se abordaram, mas está condicionado a uma opção do interessado (“A condição de residente resultante da aplicação do disposto no número anterior pode ser afastada”).

Aqui, na medida em que este regime se reporta, então, a uma opção – a uma manifestação de vontade, e já não à mera consequência da verificação objectiva de determinados factos, não se poderá discutir a questão sobre o prisma estritamente factual, nesse sentido, tendo-se, antes, de averiguar, face à faculdade que a lei fiscal lhe conferia, qual a opção validamente tomada pelo marido da Requerente3.

Ou seja, em suma, tratar-se-á já não de saber se, de facto, o marido da Requerente era, ou não, residente fiscal à data dos factos tributários, mas qual a opção que o mesmo tomou, face à condição de residente resultante de, de facto, integrar, enquanto cônjuge, um agregado familiar com a Requerente.

*

Sob a perspectiva que se vem de expor, estaremos aqui perante uma situação análoga àquilo que, no âmbito do direito privado se designa por direito potestativo, ou seja, o poder jurídico “de, por um acto de livre vontade, só de per si ... produzir efeitos jurídicos que inelutavelmente se impõem à contraparte.”4.

Ou seja, verificados os condicionalismos elencados na lei, o cônjuge que integra um agregado familiar pode afastar a condição de residente que para si decorreria de o outro cônjuge a possuir, se for essa a sua vontade.

Contudo, sendo a vontade uma realidade estritamente subjectiva, a mesma apenas poderá operar juridicamente se for exteriorizada através de um facto que a revele, que, por definição, será um facto voluntário (na medida em que exprime e, portanto, resulta da vontade), sendo portanto qualificável como acto jurídico5.

Ora estes, conforme explica Mota Pinto6, podem dividir-se entre aqueles cujos “efeitos jurídicos respectivos são produzidos por terem sido queridos e na medida em que o foram”, e aqueles “cujos efeitos se produzem, mesmo que não tenham sido previstos ou queridos pelos seus autores”. Estes serão os chamados simples actos jurídicos, ou seja, “factos voluntários cujos efeitos se produzem, mesmo que não tenham sido previstos ou queridos pelos seus autores, embora muitas vezes haja concordância entre a vontade destes e os referidos efeitos”, enquanto os primeiros serão os designados negócios jurídicos (que poderão ser unilaterais ou bilaterais), ou seja, “factos voluntários cujo núcleo essencial é integrado por uma ou mais declarações de vontade a que o ordenamento jurídico atribui efeitos jurídicos concordantes com o conteúdo da vontade das partes, tal como este é objectivamente (de fora) apercebido.”.

Deverá ser fundamentalmente desta forma, pensa-se, que deverá ser entendido o “poder” conferido pelo artigo 16.º/3 do CIRS. Como um acto de vontade do cônjuge, em consequência do qual se produzem determinados efeitos jurídicos (o afastamento da condição de residente decorrente do disposto no artigo 16.º/2 do CIRS).

Sucede, contudo, que a lei não concretiza nem tempo nem modo do exercício do poder jurídico em causa.

Contudo, para que a vontade de produção dos efeitos jurídicos inerentes ao poder em causa se exteriorize, terá a mesma de ser declarada, ou seja, corporizada “num comportamento que, exteriormente observado, cria a aparência de exteriorização de um certo conteúdo de vontade”7. Aquilo que na Teoria Geral do Direito Civil se designa por declaração negocial.

Ora, a respeito desta, dispõe o Código Civil, no seu 224.º/1 que “A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida.”. Esta disposição, referente aos negócios jurídicos (integra o e o Capítulo I – “Negócio Jurídico” – do Subtítulo III – “Dos factos jurídicos”, do Código Civil), é aplicável aos meros actos jurídicos, por força do artigo 295.º do Código Civil8.

Deverá, então ser esta solução para questão de saber como e quando se deve considerar como feita a opção pelo afastamento, ou não, da condição de residente resultante da aplicação do artigo 16.º/2 do CIRS, cuja resposta o legislador fiscal directamente não dá, seja por via da analogia (não se encontrando esta questão, manifestamente no âmbito da proibição do artigo 11.º/4 da LGT), seja por aplicação subsidiária do normativo indicado, nos termos do disposto no artigo 2.º/d) da LGT.

Assim, estará aqui em causa o exercício de uma opção que, como se viu, o legislador confere ao cônjuge não separado de pessoas e bens, que não tenha permanecido mais de 183 dias em território nacional no ano em causa, e efectue prova da inexistência de uma ligação entre a maior parte das suas actividades económicas e o território português, de, querendo, afastar a condição de residente que deriva da sua integração num agregado familiar em que o outro elemento a quem incumbe a direcção daquele reside em Portugal.

Esta opção só será, então, passível de se considerar exercida quando comunicada à Administração Fiscal, sua destinatária. Até esse momento, será uma mera intenção ou projecto de acção, mas não se poderá considerar como exercida tal opção.

Comunicada à Administração fiscal a opção de afastar ou não afastar a condição de residente derivada da norma do artigo 16.º/2 do CIRS, a mesma haverá que considerar-se eficaz logo que chega ao poder da Administração Fiscal, ou dela é conhecida.

Produzindo, deste modo, os seus efeitos a opção em causa logo que comunicada à Administração Fiscal, dever-se-á concluir que será a partir dessa altura que o titular dessa faculdade de opção passa a considerar-se não residente (se por tal tiver optado) ou residente (se não tiver exercido a opção de afastar tal condição).

No caso, a opção que nos ocupa é exercida através da apresentação da declaração de rendimentos. Nela, o titular da opção, exercê-la-á ao apresentar uma declaração autónoma dos seus próprios rendimentos que hajam de ser tributados em Portugal, ou ao não apresentar qualquer declaração de rendimentos, caso não tenha nenhum a declarar.

Pelo contrário, se o titular da opção em causa apresentar uma declaração de rendimentos conjuntamente com o elemento do agregado familiar residente em território nacional estará, pelo menos tacitamente9, a optar por ser integrado em tal agregado, não afastando a condição de residente que, nos termos legais, daí deriva.

***

Posto tudo isto, é já possível assentar numa série de conclusões que permitirão desde logo indicar o caminho para a solução das questões colocadas nos autos.

Assim, e em primeiro lugar, decorre do artigo 13.º/2 do CIRS aplicável, que, existindo agregado familiar, é o imposto devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem.

Acresce que, nos termos do n.º 3 do mesmo normativo, haverá agregado familiar para efeitos de IRS, e para além do mais, quando se esteja perante cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens.

Já o n.º 2 do artigo 16.º do CIRS aplicável, impõe que são sempre havidas como residentes em território português as pessoas que constituem o agregado familiar, desde que naquele resida qualquer das pessoas a quem incumbe a direcção do mesmo.

Ora, aplicando-se à matéria de facto apurada o direito que se vem de invocar, haverá que concluir que:

  1. Sendo casado e não separado de pessoas e bens com a Requerente, o seu marido integrava, nos anos de 2008 e 2010, por força do n.º 3 do artigo 13.º do CIRS o respectivo agregado familiar;

  2. Que o rendimento do agregado familiar integrado pela Requerente e marido era, como e enquanto tal, devedor de IRS pelo conjunto dos rendimentos daqueles, nos anos em referência, nos termos do n.º daquele mesmo artigo 13.º;

  3. Que, integrando o referido agregado familiar, o marido da Requerente deverá ser sempre havido como residente em território português, nos termos do artigo 16.º/ do CIRS aplicável.

Isto que vem de se dizer, tem tido correspondência na jurisprudência do STA, que, no seu Acórdão de 06-06-2001, proferido no processo 025985, publicado em www.dgsi.pt, escreveu que:

“Nos termos do artigo 16° nº 2 do CIRS, consideram-se residentes em Portugal todas as pessoas que constituem o agregado familiar , desde que aqui resida qualquer das pessoas a quem incumbe a direcção do mesmo.”.

Este entendimento tem sido confirmado por jurisprudência mais recente que tem admitido um desvio à imposição do artigo 16.º/2 do CIRS, no caso de existência de uma norma que revista natureza especial em relação àquela, no âmbito de uma Convenção para evitar a Dupla Tributação. No âmbito de tal jurisprudência, reafirmando-se o princípio daquela norma, entende-se que havendo uma norma convencional que colida com tal princípio deve o mesmo ser afastado, para efeitos da aplicação da Convenção. Continua-a a reafirmar-se, contudo, que “O conceito de residência (fiscal) para efeitos de direito interno será plenamente aplicável nas situações que apenas apresentem conexão com a ordem jurídica nacional ou nas situações em que, havendo embora conexão com outra ordem jurídica, não há vinculação por via convencional do Estado Português com o Estado com o qual essa conexão se verifica.10.

Deste modo, e existindo uma Convenção para evitar a Dupla Tributação entre Portugal e Itália11, poderia, eventualmente e sendo caso disso, o marido da Requerente alegar e provar que face à mesma deveria ser considerado residente em Itália, e, como tal, ser tributado nesse país. Não foi essa, contudo a sua opção, pelo é uma via de análise inútil de prosseguir.

*

Como refere Alberto Xavier, na obra citada, estamos aqui perante o chamado princípio da atracção da unidade familiar, em que a residência de um dos elementos do agregado familiar (a Requerente) “arrasta” a residência dos demais.

Seguindo a lição daquele Ilustre Professor, haverá, todavia, de considerar que tal princípio integra uma presunção iuris tantum, susceptível portanto, de prova em contrário.

O iter de infirmação da presunção em causa é igualmente apontado por aquele lente, que, tendo presente que, face ao direito português, o conceito de residência no que concerne às pessoas singulares, exige a presença cumulativa dos dois requisitos, o corpus e o animus, indica que a perda do estatuto de residente em Portugal ocorre por duas causas distintas, de verificação cumulativa, a saber:

  1. a ausência prolongada do território nacional (cessação do corpus); e

  2. a perda da habitação, entendida como a perda condições que façam supor a intenção de manter e ocupar uma residência habitual (cessação do animus).

No caso dos autos, tratando-se de cônjuges que integram um agregado familiar, a perda do animus, corresponderá à vontade de deixar de integrar aquele mesmo agregado.

Com efeito, não será seguramente por acaso, que o legislador fiscal dispõe que os cônjuges se tributarão, por princípio, enquanto agregado, e que se um dos cônjuges residir em Portugal, se considerará o outro como residente. É que tal decorre da própria natureza da união conjugal, como resulta, por exemplo, dos artigos 1672.º12 e 1673.º/213 do Código Civil.

Deste modo, estando-se perante marido e mulher, e apresentando-se os mesmos como um agregado, dever-se-á entender que ambos têm residência conjunta, ou seja, que têm a intenção de manter e ocupar uma residência habitual comum.

No caso, verifica-se que foi isso que ocorreu, ou seja, que a Requerente e marido, nos anos de 2008 e 2010, sendo casados, apresentaram a respectiva declaração de IRS enquanto agregado.

Deste modo, haverá que entender que o marido da Requerente (que é o que para o caso ora interessa), nos anos em questão, tinha o corpus (a ausência prolongada do território nacional) mas não o animus (ausência de uma habitação com intenção de a utilizar como residência habitual) de não residente em território nacional.

*

Para lá do modo geral de afastamento da presunção iuris tantum de residência em território português, o ordenamento jurídico-tributário nacional dispunha já à data dos factos tributários em análise, como se viu, de um meio especial de afastamento da condição de residente resultante da aplicação do disposto no número 2 do artigo 16.º do CIRS, pelo cônjuge que não preencha o critério previsto na alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo, desde que efectue prova da inexistência de uma ligação entre a maior parte das suas actividades económicas e o território português (artigo 16.º/3 do CIRS).

Contudo, e na sequência do que se referiu já, dever-se-á considerar que o marido da Requerente optou por não afastar a condição de residente, ao apresentar as declarações de imposto de forma conjunta (enquanto agregado), com aquela.

E tal opção, diga-se, não terá (ou pelo menos não terá sido objectivamente) inocente ou desinteressada. Com efeito, a inclusão de mais um membro no agregado familiar acarreta não só encargos, como também benefícios, como sejam o da aplicação do quociente conjugal, da atendibilidade de determinadas despesas relacionadas com aquele membro, etc.

Ora, a inclusão do marido da Requerente em agregado familiar comum, permitiu reunir as condições à obtenção de tais benefícios, que, enquanto casal, favoreceram ambos. Só quando confrontados com a possibilidade de tais benefícios serem ofuscados pelos encargos inerentes à decisão que tomaram, é que a Requerente e marido pretenderam desfazer a opção que tinham tomado. Aliás, sem qualquer intenção de censura e de um ponto de vista meramente objectivo, a Requerente e marido apresentam-se, em suma, como dizendo: “Nós queremos que o marido da Requerente seja contribuinte português se não tiver que contribuir, e ainda puder aliviar a carga fiscal do agregado familiar. Se não, não!

Deste modo, se todos os cidadão são, obviamente, livres de tomar as decisões pessoais, patrimoniais e profissionais que entendam, tendo em conta a repercussão fiscal que as mesmas tenham, já não poderão legitimamente pretender que, tomadas tais decisões as possam alterar depois de tais efeitos verificados, e à medida que se vão apercebendo dos mesmos.

Aliás, no limite do absurdo, seria como se duas pessoas que vivessem em união de facto e reunissem os pressupostos constantes da lei respectiva, no exercício da opção que legalmente lhes cabe, fossem, sucessivamente e para o mesmo ano, apresentando declarações autónomas e conjuntas (pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens), nos termos do artigo 14.º/1 do CIRS.

A Requerente e marido, pelas razões que entenderam (boas ou más, certas ou erradas), decidiram, nos anos de 2008 e 2010, constituírem-se como agregado familiar, com tudo o que daí decorre. Se, a posteriori, se aperceberam que essa foi uma decisão fiscalmente onerosa, não podem pretender alterar o passado, mas, simplesmente, actuar no futuro em função das consequências da respectiva actuação passada.

*

Como já anteriormente se apontou, foram pela Requerente apresentadas, em 9 de Novembro de 2011 declarações de substituição relativas aos anos de 2008 e 2010.

A propósito das declarações de substituição, pode-se ler no artigo 59.º/3 do CPPT aplicável que:

“Em caso de erro de facto ou de direito nas declarações dos contribuintes, estas podem ser substituídas:

  1. Seja qual for a situação da declaração a substituir, se ainda decorrer o prazo legal da respectiva entrega;

  2. Sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional que ao caso couber, quando desta declaração resultar imposto superior ou reembolso inferior ao anteriormente apurado, nos seguintes prazos:

  3. Nos 30 dias seguintes ao termo do prazo legal, seja qual for a situação da declaração a substituir;

  4. Até ao termo do prazo legal de reclamação graciosa ou impugnação judicial do acto de liquidação, para a correcção de erros ou omissões imputáveis aos sujeitos passivos de que resulte imposto de montante inferior ao liquidado com base na declaração apresentada;

  5. Até 60 dias antes do termo do prazo de caducidade, para a correcção de erros imputáveis aos sujeitos passivos de que resulte imposto superior ao anteriormente liquidado.”

Ou seja, nos termos da norma transcrita, a declaração de substituição apenas é susceptível de ser apresentada livremente, sem qualquer condicionalismo, enquanto decorrer o prazo legal da respectiva entrega, e nos 30 dias seguintes ao termo daquele prazo (neste caso, sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional que ao caso possa caber).

Após este prazo, e poderá ainda ser apresentada declaração de substituição até ao termo do prazo de impugnação ou reclamação graciosa, para a correcção de erros ou omissões imputáveis aos sujeitos passivos de que resulte imposto de montante inferior ao liquidado com base na declaração apresentada.

Apenas nos casos em que da declaração de substituição resulte imposto superior ao anteriormente liquidado, é que aquela declaração poderá ser apresentada até 60 dias antes do termo do prazo de caducidade.

No caso, as novas declarações apresentadas pela Requerente redundariam na liquidação de imposto inferior ao que resultaria das declarações originárias (sendo, precisamente, essa a razão da sua apresentação), pelo que teriam de ser apresentadas dentro do respectivo prazo de impugnação ou reclamação graciosa.

Não importa, contudo, escalpelizar se as declarações de substituição foram ou não tempestivamente apresentadas, já que, como se disse, não foi em tempo e sede próprios contestada a recusa da ATA em receber as declarações em causa, pelo que tal recusa se deverá ter por definitiva.

Note-se contudo que, ainda que tal declaração fosse aceitável e tivesse sido aceite, ou determinada a sua aceitação, a mesma deveria, nos termos do artigo 16.º/4 do CIRS, incluir a sua parte nos rendimentos comuns do casal, sendo certo que, no caso do regime de comunhão de adquiridos (regime regra no ordenamento português), os rendimentos do trabalho dos cônjuges são rendimentos comuns (artigo 1724.º/a) do Código Civil), pelo, sendo esse o caso, sempre deveriam ser incluídos na declaração da Requerente a parte eventualmente comum dos rendimentos auferidos pelo seu cônjuge, ainda que no estrangeiro, já que, nessa medida seriam, por força do regime de bens matrimonial, igualmente rendimentos seus.

*

Aqui chegados, e concluindo que, uma vez que à data mantinha em Portugal uma habitação com intenção de a utilizar como residência habitual (a sua residência familiar) e integrava um agregado familiar com a Requerente sua esposa, os rendimentos do marido da Requerente deveriam ser tributados conjuntamente com os desta, nos termos do artigo 13.º/2 do CIRS, resta apurar se, como entendiam a Requerente e marido, tais rendimentos beneficiavam, ou não, de alguma isenção.

A este respeito, alegam a Requerente e marido que sendo este um funcionário da D..., os seus privilégios de tratamento e de imunidades devem ser salvaguardados, face aos princípios e normas internacionais vigentes, devendo ainda ser dotado de tratamento igual aos demais funcionários de outras nacionalidades e cujos Estados de origem não exigem qualquer tributação sob o exercício da sua actividade ao serviço de organizações das Nações Unidas.

Mais alegam que o regulamento e regras internas da referida Organização obrigam à igualdade de tratamento, nomeadamente em matérias fiscais, dos seus funcionários, pelo que caso o presente processo de reclamação venha a ser considerado improcedente, a D... irá num primeiro momento reembolsar o marido da Requerente do imposto suportado em Portugal e, num segundo momento, solicitar o reembolso deste valor ao Estado Português.

Referem, por fim, a Requerente e marido, que, no sentido de uniformização e igualdade de tratamento entre os funcionários, das diversas nacionalidades, ao serviço das Organizações Especializadas das Nações Unidas, Portugal, por Resolução da Assembleia da República n.º 124/2012, de 25 de Setembro revogou a reserva que havia efectuado à Convenção sobre os Privilégios e Imunidades das Organizações Especializadas das Nações Unidas, nos termos da qual não se permitia a aplicação da isenção de tributação aos nacionais portugueses.

Estas alegações da Requerente e marido, que se espraiam dos pontos 99 a 105 da petição inicial, contudo, carecem de qualquer suporte legal (não é invocada qualquer norma que tenha sido violada) sendo que, por um lado, as normas internas das organizações por si referidas, não vincularão o Estado Português, e que, mesmo que este seja, em qualquer sede obrigado a ressarcir de qualquer forma tais organizações, isso não justificará (e muito menos imporá) que se “atalhe caminho” e se proceda já no sentido em que, a final e por outras vias, a Requerente e marido crêem que se virá a decidir.

Por outro lado, como refere a ATA, a circunstância de não terem sido atribuídos efeitos retroactivos à Resolução da Assembleia da República n.º 124/2012, de 25 de Setembro, esclarece, justamente, que o regime desta apenas se destina a vigorar para o futuro.

***

Em suma: conforme se começou por apontar, o objecto dos presentes autos são as liquidações adicionais de IRS n.º 2011 … e n.º 2011 … .

Como tal, importa apurar se as mesmas foram ou não legalmente efectuadas.

Nos termos do artigo 59.º/2 do CPPT, “apuramento da matéria tributável far-se-á com base nas declarações dos contribuintes, desde que estes as apresentem nos termos previstos na lei e forneçam à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária.”.

Tendo as liquidações impugnadas sido efectivamente feitas com base nas declarações apresentadas pela Requerente e marido, enquanto agregado familiar, limitando-se, unicamente, a AT a alargar a tributação a rendimentos declarados como isentos, mas que se entendeu não o estarem, nada haverá a censurar a tais liquidações.

A impugnação da recusa de substituição das declarações apresentadas, era um ónus da Requerente e marido, que, face à recusa da ATA em aceitá-las, deveriam, oportunamente, ter reagido contra tal recusa de modo a, assistindo-lhes razão, assegurar que tal substituição operava.

Deste modo, não tendo operado as declarações de substituição, continuaram na ordem jurídica as primitivas declarações, que, nos termos da lei, devem servir (e serviram) de base ás correspondentes liquidações.

Com a apresentação da declaração de rendimentos conjunta, nos anos de 2008 e 2010, o marido da Requerente optou por não afastar a sua condição de residente, decorrente da sua integração num agregado familiar em que o outro elemento dirigente era residente em Portugal.

Deste modo, as liquidações impugnadas não enfermam de qualquer erro de facto ou de direito, designadamente no que diz respeito à tributação como residente do marido da Requerente nos anos de 2008 e 2010, uma vez que procedeu a uma correcta aplicação das normas jurídicas aos factos, ou seja, às circunstâncias de o marido da Requerente, nos anos referidos, ser casado e não separado judicialmente de pessoas e bens com aquela, dessa forma integrando com ela um agregado familiar, e de a Requerente ser residente em território nacional, não tendo oportunamente, o marido da Requerente exercido a sua opção de afastar a condição de residente que daquela situação derivava, antes, pelo contrário, ao apresentar conjuntamente a declaração de rendimentos para aqueles anos, ter manifestado de forma inequívoca a vontade de integrar um agregado familiar com a Requerente.

Deste modo, em conclusão, nada haverá que censurar às liquidações impugnadas que, por legais, se devem manter na ordem jurídica.

 

D. Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 51.308,39.

 

E. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €2.142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

F. Decisão

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a) julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, não declarar ilegais as liquidações de IRS com os n.ºs 2011 … (2008) e 2011 … (2010), nem as respectivas liquidações dos juros compensatórios, e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido; e

b) condenar a Requerente nas custas do processo, no montante de €2.142,00,00, devendo ter-se em conta os pagamentos entretanto efectuados.

 

Lisboa, 23-09-2013

 

O Árbitro

 

(José Pedro Carvalho)

1 “Direito Tributário Internacional”, 2.ª Ed. Actualizada, Almedina 2011, pp. 280 e ss.

2 Páginas 285 e ss.

3 Uma outra situação próxima e análoga à que se analisa, é a prevista no artigo 14.º/1 do CIRS, onde se prevê que “As pessoas que vivendo em união de facto preencham os pressupostos constantes da lei respectiva, podem optar pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens.”. Também aqui é conferido uma opção aos unidos de facto, entre serem tributados como agregado à Administração Fiscal.

4 Carlos Alberto da Mota Pinto, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, 3.ª Edição Actualizada, Coimbra Editora, 1989, p. 174.

5 Segue-se aqui a lição de Mota Pinto, na obra citada (p. 353), que qualifica os factos voluntários juridicamente relevantes como actos jurídicos.

6 Op. cit., pp. 354 e s.

7 Mota Pinto, op. cit., p. 416.

8 “Aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, as disposições do capítulo precedente.”

9 Artigo 217.º/1 do Código Civil: “A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam”.

10 Ac. do STA de 25-03-2009, proferido no processo 068/09, disponível em www.dgsi.pt, cuja doutrina foi seguida numa série de arestos posteriores.

11 Lei 10/82 de 1 de Junho.

12 “Os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência.”

13 “Salvo motivos ponderosos em contrário, os cônjuges devem adoptar a residência da família.”