Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 49/2013-T
Data da decisão: 2013-09-18  Selo  
Valor do pedido: € 25.781,81
Tema: Terrenos para construção - Verba 28.º da TGIS - Cumulação de pedidos.
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Processo n.º 49/2013-T

 

 

DECISÃO ARBITRAL

A presente decisão vai proferida de acordo com a ortografia antiga

 

 

Relatório.

 

1. A …, S.A., NIPC …, com sede social na …, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária, com vista à anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo n.º 2012 … e 2012 …, no montante global de € 25.781,81, relativos aos prédios urbanos da espécie "terrenos para construção" inscritos na matriz predial respectiva da freguesia de … sob os artigos … e …. As referidas liquidações, efectuadas com base na norma do art. 1.º do Código do Imposto do Selo, conjugada com a Verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral e art. 6.º da Lei n.º55-A/2012, de 29 de Outubro, reportam-se ao ano de 2012 e foram oportunamente notificadas à requerente, conforme documento n.º 1 anexo ao requerimento.

 

2. Como fundamento do pedido, alega a requerente, em síntese, que a tributação prevista nas citadas normas tem como objecto os prédios urbanos "com afectação habitacional", dela ficando excluídos os "terrenos para construção" que, por natureza, não revelam tal aptidão. Por seu lado, a requerida (Administração Tributária e Aduaneira – AT), em resposta pronuncia-se pela improcedência do pedido e, consequentemente, pela manutenção dos questionados actos de liquidação, com fundamento na circunstância de na avaliação dos terrenos para construção dever tomar-se em consideração o valor das edificações neles autorizadas ou previstas segundo o respectivo projecto de urbanização e construção, sendo este o elemento relevante para a determinação da "afectação habitacional" do prédio, prevista na norma de incidência.

 

3. O tribunal arbitral foi regularmente constituído em 22-05-2013 e é materialmente competente à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT.

 

4. Em 11-09-2013, teve lugar a 1.ª (e única) reunião do tribunal arbitral. Não foram proferidas alegações orais por desnecessárias. O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

5. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

Matéria de facto.

 

6. Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, destacam-se os seguintes elementos factuais:

 

6.1. A requerente é proprietária do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …, a que correspondem, na matriz predial respectiva, os artigos … e ….

 

6.2. O referido prédio não tem qualquer edifício ou construção erigida sobre o seu solo.

 

6.3. Segundo o respectivo alvará de loteamento é autorizada, nos terrenos em causa, a edificação de imóveis destinados a habitação colectiva, comércio e escritórios.

 

6.4. Para efeitos de inscrição matricial, em avaliação efectuada ao abrigo das normas pertinentes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), foram atribuídos os seguintes valores patrimoniais:

- Artigo … - € 2 542 473,50

- Artigo … - € 2 813 888,90

6.5. Na determinação dos referidos valores foram considerados, entre outros elementos, um coeficiente de afectação corresponde à utilização habitacional dos prédios a construir.

 

6.6. Considerando o valor patrimonial definitivamente apurado e o coeficiente de afectação considerado na avaliação dos terrenos, entendeu a Administração Tributária e Aduaneira (AT) estarem verificados os pressupostos de incidência do imposto do selo previsto na Verba 28 da respectiva Tabela, operando a corresponde liquidação pelos montantes supra referidos, atendendo ao regime transitório estabelecido no art. 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

 

Cumulação de pedidos.

 

7. Considerando que os questionados actos de liquidação de imposto do selo se reportam a um mesmo período de tributação e se suportam numa mesma base factual e de direito, a requerente, invocando o princípio da economia processual, optou por pedir a sua apreciação conjunta.

 

8. Considerada a identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, nada obsta, face ao disposto nos arts. 104.º do CPPT e 3.º do RJAT à pretendida cumulação de pedidos.

 

Matéria de direito.

 

9.No pedido de pronúncia arbitral a requerente sustenta, no essencial, que um terreno para construção, onde não existem quaisquer edificações, não tem, por natureza, a afectação habitacional exigida pela norma de incidência, para daí concluir pela ilegalidade dos questionados actos de liquidação.

 

Vejamos, com maior detalhe, a argumentação expendida pela requerente, em abono da sua posição.

 

Posição da requerente.

 

10. De acordo com o art. 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que aditou à TGIS a Verba 28, a tributação nesta prevista é, no ano de 2012, efectuada à taxa de 0,5% sobre o valor patrimonial tributário, desde que igual ou superior a € 1 000 000, de prédios urbanos com afectação habitacional.

 

11. Resulta da norma de incidência que, no caso de sujeitos passivos residentes, a obrigação de imposto ocorre apenas relativamente a prédios que tenham "afectação habitacional".

 

12. No caso concreto, está-se perante "terrenos para construção", cujo conceito, por não se encontrar preenchido no Código do Imposto do Selo (CIS), será o que consta do Código do Imposto sobre Imóveis (CIMI), por remissão expressa do art. 67.º, n.º2, daquele Código.

 

13. Assim, nos termos do n.º 3 do art. 6.º do CIMI, consideram-se terrenos para construção "os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos".

 

14. O conceito de terreno para construção, para efeitos fiscais, não é um conceito formal, mas antes um conceito material, dirigido às realidades para que foi formulado, traduzindo, no caso, a destinação potencial à construção.

 

15. Pela sua própria natureza elementar, no terreno para construção não existe ainda qualquer prédio susceptível de ser utilizado para fins habitacionais, comerciais, serviços, etc., havendo apenas uma mera expectativa potencial ou meramente virtual de tal vir a acontecer.

 

16. A qualificação de um prédio, ou a sua afectação, dependem da utilização normal que lhe pode ser dada face às suas características actuais e reais. Sendo que num terreno para construção a utilização normal não poderá ser, como é lógico, a habitação, porquanto não existe nenhum prédio edificado apto a permitir tal utilização.

 

17. Refere ainda a requerente que do alvará de loteamento do prédio em questão decorre que o mesmo se destina a habitação colectiva, comércio e escritórios, não se podendo daí concluir que o mesmo se destine exclusivamente a fins meramente habitacionais.

 

18. Daí, considera a requerente, não estar em conformidade com a lei a atribuição de coeficientes de afectação aos terrenos para construção, citando, em abono do seu ponto de vista, a orientação jurisprudencial fixada em acórdão do STA de 18 de Novembro de 2009, na medida em que expressa entendimento no sentido de que "Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração de coeficientes de afectação (ca) e de qualidade e conforto /cq)."

 

19. Com base na argumentação acima sintetizada, conclui a requerente, resultar claro que a AT não pode exigir, sem incorrer em ostensiva ilegalidade, imposto do selo, com base na Verba 28 da TGIS, a um titular de um terreno para construção. Acresce, ainda, segundo a requerente, que interpretação diversa seria inconstitucional, por violação dos princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade, consignados nos arts. 262.º, n.º2, 13.º e 104.º, n.º 3, da CRP.

 

 

 

 

Posição da requerida.

 

20. Ao alegado pela requerente, respondeu a AT no sentido de que "os prédios inscritos sob os artigos ….º e ….º nas matrizes prediais da freguesia e concelho de …, têm natureza jurídica de prédios com afectação habitacional, pelo que os actos de liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral devem ser mantidos por consubstanciarem correcta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral aditada pela Lei 55-A/2012, de 29/12."

 

21. Depois de referir, nas suas linhas essenciais, as alterações introduzidas ao Código e Tabela Geral do Imposto do Selo pela referida Lei, diz a requerida que "Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional sem sede de IS há que recorrer ao CIMI na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS de acordo com o previsto no artigo 67.º do n.º 2 do CIS, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10." De acordo com esta norma, as matérias não reguladas no CIS respeitantes à Verba 28 da TGIS aplica-se subsidiariamente o disposto no CIMI.

 

22. Depois de referir as normas pertinentes deste Código relativas aos conceitos relevantes de prédio e de terreno para construção, sustenta a requerida que "A noção de afectação de prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação."

 

23. Entende, pois, a requerida que, "Conforme resulta da expressão "... valor das edificações autorizadas" constante do art. 45.º, n.º 2, do CIMI, o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral à avaliação de terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no artigo 41.º do CIMI."

 

24. Ao contrário do entendimento da requerente, " a AT entende que o conceito de "prédios com afectação habitacional" para efeitos do disposto na Verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma. "

 

25. A requerida suporta este entendimento em duas ordens de razões: Por um lado, o legislador (da Verba 28 da TGIS) " não refere "prédios destinados a habitação", tendo optado pela noção "afectação habitacional". Expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI."; por outro lado, "a lei fiscal considera como elemento integrante para efeitos de avaliação dos terrenos para construção o valor da área de implantação, a qual varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas com base no projecto de urbanização e construção".

 

26. Seguindo esta linha de argumentação, conclui a requerente que "Assim, para efeitos de determinação do valor patrimonial dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da Verba 28 da TGIS não pode ser ignorada, valendo neste sentido esta ordem de considerações:

a. Na aplicação da lei aos casos concretos importa determinar o exacto sentido e alcance da norma, de modo a que se revele a regra nela contida, condição indispensável para que possa ser aplicada, de acordo com o disposto no art. 9.º do CC, ex vi art. 11° da LGT.

b. O art. 67.º n.º 2 do CIS manda aplicar subsidiariamente o disposto no CIM!.

c. A afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção;

d. A própria verba 28 TGIS remete para a expressão "prédios com afectação habitacional", apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º1 do art. 6° do CIM!. "

 

27. Das posições expressas pela requerente e requerida, acima sumariadas e parcialmente transcritas, decorre estar em causa a apreciação de matéria estritamente jurídica, sendo desnecessária a produção de prova, para além dos elementos documentais juntos ao processo.

 

28. Com efeito, a questão a decidir centra-se, tão-somente, em saber se no âmbito da incidência do imposto do selo a que se refere a Verba 28 da TGIS se contêm, ou não, os terrenos para construção, ou seja, se, para tal efeito, os terrenos que integram esta espécie podem, ou não, ser considerados como "prédios urbanos com afectação habitacional".

 

29. Importa, assim, antes de mais, proceder a uma análise da norma de incidência do imposto do selo sobre prédios urbanos "com afectação habitacional", com recurso às normas fiscais relevantes para a definição dos respectivos conceitos legais.

 

Da incidência tributária.

 

30. Através da Lei n.º 55-A/2912, de 29/10, foi aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo a Verba 28, sujeitando a este tributo os prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000.

 

31. A base tributável é constituída pelo valor patrimonial tributário considerado para efeitos do IMI, sendo aquele tributo anualmente liquidado pela AT relativamente a cada prédio urbano (CIS, art.23.º, n.º7), à taxa de:

- 1%, por prédio urbano com afectação habitacional;

- 7,5%, por prédio, quando os sujeitos passivos, não sendo pessoas singulares, sejam residentes em país, território ou região sujeitos a regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.1

32. Relativamente ao ano de 2012, é aplicável o regime transitório previsto no art. 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, com as seguintes especificidades;

a) O facto tributário considera-se verificado no dia 31 de Outubro de 2012;

b) O valor patrimonial a considerar na liquidação corresponde ao que resulta das regras previstas no CIMI, por referência ao ano de 2011;

c) A taxa aplicável é de 0,5%, 0,8% ou 7,5%, consoante se trate, respectivamente, de prédios urbanos com afectação habitacional avaliados nos termos do CIMI, de prédios urbanos com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do referido Código ou de prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

 

33. São sujeitos passivos, e devedores do imposto, os proprietários, usufrutuários ou superficiários dos prédios em 31 de Dezembro do ano a que o tributo respeita - relativamente a 2012, de acordo com o regime transitório referido no ponto anterior, esta data é antecipada para 31 de Outubro - conforme decorre do art. 8.º do CIMI, por remissão expressa dos arts. 3.º, n.º 3, alínea u), e 2.º, n.º4, do Código do Imposto do Selo.

 

34. No tocante à data da constituição da obrigação tributária, conexão fiscal, liquidação e pagamento do imposto do selo em causa, são aplicáveis as correspondentes regras do CIMI, por remissão expressa dos arts. 5.º, n.º1, alínea u), 4.º, n.º 6, 23.º, n.º 7, 44.º, n.º 5, 46.º, n.º 5 e 49.º, n.º 3, do CIS. Em geral, por remissão do art. 67.º, n.º2, do mesmo Código, são de aplicação supletiva às matérias não especialmente reguladas, as disposições do CIMI.

 

Da noção de prédio, sua classificação e espécies.

 

35. Referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos, importa ter-se presente que o conceito relevante é o que consta do art. 2.º do CIMI, conforme, aliás, prevê o n.º 6 do art. 1.º do CIS.

36. Apelando a elementos de natureza física, patrimonial e económica, aquele preceito do CIMI define como prédio "toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico..."

 

37. Para efeitos do IMI, os prédios são classificados como rústicos, urbanos ou mistos. Esta classificação é particularmente relevante quer para efeitos de aplicação das regras de determinação do respectivo valor patrimonial tributário quer para efeitos de aplicação das taxas de tributação. Por isso, o CIMI fixa regras precisas para a sua classificação.

 

38. Assim, o CIMI estabelece, no seu art. 3.º, uma definição positiva de prédio rústico, definindo prédio urbano e misto, nos seus arts. 4.º e 5.º em termos meramente residuais: são assim classificados todas aquelas realidades que, integrando o conceito fiscal de prédio, não sejam de classificar como prédios rústicos.

 

39. De acordo com aquele preceito, são prédios rústicos os que, situados fora de um aglomerado urbano, preencham um dos seguintes requisitos:

- Não sejam de classificar como terrenos para construção;

- Estejam afectos, ou tenham como utilização normal, a produção de rendimentos agrícolas, tal como considerados para efeitos de IRS;

- Não tendo afectação agrícola, não se encontrem construídos ou disponham, apenas, de edifícios ou construções meramente acessórias, sem autonomia económica e de reduzido valor.

 

40. São, ainda, assim classificados os prédios situados dentro de um aglomerado urbano que, por força de disposição legal, não possam ter utilização geradora de rendimentos (caso de espaços verdes, jardins, etc.) ou só possam ser utilizados em actividades agrícolas e tenham efectivamente, essa concreta afectação.

 

41. Um prédio que não reúna os requisitos acima referidos é classificado como urbano. Se for composto de partes rústica e urbana, é classificado de acordo com a parte principal. Não sendo possível classificar uma das partes como principal, o prédio é considerado misto (CIMI, arts. 4.º e 5.º).

 

42. Operando com os conceitos acima referidos pode, assim, concluir-se que um terreno para construção é um prédio urbano, porquanto, reúne os requisitos integrantes do conceito de prédio - realidade física, patrimonialidade e valor económico - e, qualquer que seja a afectação ou uso que esteja a ter, no caso de terrenos expectantes, é expressamente excluído do conceito de prédio rústico.

 

Das espécies de prédios urbanos.

 

43. De acordo com o n.º 1 do art. 6.º do CIMI, os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

 

44. Esta distinção assume particular relevância para aplicação das regras de determinação do respectivo valor patrimonial tributário (CIMI, arts. 38.º e segts.).

 

45. Para o efeito, são considerados:

- "habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços" os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um desses fins (CIMI, art. 6.º, n.º 2).

- "terrenos para construção", os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou a equipamentos públicos. (CIMI, art. 6.º, n.º 3, redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12).

- "Outros", são como tal considerados os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem sejam classificados como prédio rústicos, de acordo com o respectivo conceito legal, e ainda os edifícios e construções licenciados, ou na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os acima referidos (CIMI, art. 6.º, n.º 4).

 

46. Dos conceitos e elementos referidos nos pontos anteriores podem-se extrair as seguintes conclusões:

a) O critério relevante para a distinção entre prédios rústicos e urbanos assenta, em especial, na sua afectação efectiva ou, na falta desta, no destino normal (art.3.º, n.º 1, do CIMI);

b) Os terrenos para construção são expressamente excluídos do conceito de prédios rústicos constituindo uma espécie autónoma de prédios urbanos, de acordo com o conceito especificamente previsto no n.º 3 do art. 6.º do CIMI.

 

47. O conceito de terreno para construção, delineado naquele preceito, assenta em pressupostos de natureza objectiva e subjectiva. Independentemente de estarem situados dentro ou fora de um aglomerado urbano são considerados terrenos para construção todos aqueles para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de loteamento ou de construção ou, ainda, quando relativamente a essas operações tenha sido admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável. Verificada qualquer das referidas situações, contempladas no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12, o terreno é, desde logo, classificado como terreno para construção, para efeitos tributários.

 

48. São, também, classificados como terrenos para construção, os terrenos que, no título aquisitivo (escritura, documento particular autenticado ou outro documento que titule a aquisição) sejam como tal declarados. A classificação por via da declaração do sujeito passivo é, contudo, afastada nos casos em que as autoridades competentes vedem toda e qualquer daquelas operações.

 

49. A verificação de quaisquer dos elementos contidos no conceito de terreno para construção, determina, de imediato, uma alteração da sua anterior classificação - geralmente prédio rústico - determinando a consequente alteração da inscrição matricial (arts. 13.º, n.º 1, al. b), e 37.º do CIMI).

 

50. Esta alteração envolve não só a descrição do novo prédio, mas igualmente a sua avaliação, de acordo com as regras especificamente previstas no art. 45.º do CIMI.

 

51. Concluídas as obras de edificação, é o prédio construído inscrito na matriz predial respectiva, sendo determinado o respectivo valor patrimonial tributário de acordo com as regras previstas no art. 38.º e segts. do CIMI (art. 13.º, n.º 1, al. d), do CIMI). O prédio classificado como "terreno para construção" deixa de existir autonomamente, sendo eliminada da matriz a corresponde inscrição (art. 106.º, al. h), do CIMI).

 

52. Do exposto se conclui que um prédio é classificado como terreno para construção sempre que se verifiquem um conjunto de circunstâncias, em regra correspondentes à aplicação de normas pertinentes do regime de jurídico que regula as edificações urbanas ou o fraccionamento de prédios rústicas, que, em qualquer caso, indiciem a intenção de nele se construir, salvo de, por força de legislação aplicável, tal intenção não seja passível de efectiva concretização.

 

Da afectação habitacional.

 

53. Na definição do âmbito da tributação do património a que se refere a Verba 28 da TGIS, o legislador considera, como elemento relevante de capacidade contributiva, os prédios de elevado valor que, no segmento relativo a sujeitos passivos residentes em território o português, sejam detidos para efeitos habitacionais.

 

54. Todavia, fazendo aquela tributação incidir sobre prédios urbanos "com afectação habitacional", o legislador do imposto do selo não estabelece qualquer conceito específico do que como tal deva, para o efeito, ser entendido, remetendo, antes, para as normas do CIMI.

 

55. No tocante à definição das diferentes espécies de prédios urbanos, o referido Código prevê, no n.º 1 do seu art. 6.º, a distinção clara entre prédios "habitacionais" e "terrenos para construção". Os primeiros são classificados em função da respectiva licença autárquica, ou, não existindo esta, em decorrência do uso normal. Os segundos são definidos em função da sua potencialidade legal.

 

56. Considerada a legislação relativa à construção e edificação urbana, designadamente no que respeita aos diversos tipos de licenciamento, a classificação de um prédio como "habitacional", para efeitos tributários, não apresenta qualquer particularidade: são habitacionais os que, nos termos legais, assim forem classificados.

 

57. Na ausência de licenciamento, releva para a classificação o destino normal do prédio. Também aqui a lei fiscal não oferece qualquer conceito específico. Resulta, porém, quer do conhecimento geral quer da legislação aplicável às edificações urbanas, que o destino a habitação pressupõe a existência de um mínimo de condições que preservem a intimidade pessoal e a privacidade familiar (art. 65.º da CRP).

 

58. O licenciamento, pela entidade competente, ou o uso normal de um prédio, cujo destino seja a habitação referem-se, como não podia deixar de ser, a prédios edificados que reúnam as características exigíveis para como tal serem classificados.

 

59. Um terreno para construção - qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida - não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal.

 

60. Referindo-se, pois, a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com "afectação habitacional", sem que seja estabelecido qualquer conceito especifico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

 

61. A expressão "com afectação habitacional" inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente. Da norma em causa não é possível extrair-se, por interpretação, que, como se afirma na resposta da requerida, a opção do legislador por aquela expressão tenha em vista integrar "outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI." Tal interpretação não tem apoio legal, face aos princípios contidos os arts. 9.º do Código Civil e 11.º da Lei Geral Tributária.

 

62. Com efeito, se o legislador pretendesse abarcar no âmbito de incidência do imposto outras realidades que não as que resultam da classificação regida pelo art. 6.º do CIMI, tê-lo dito expressamente. Mas não o faz, antes remetendo, em bloco, para os conceitos e procedimentos previstos no referido Código.

 

63. Por outro lado, não pode também ser acolhido o entendimento da requerida no sentido de que o conceito de "afectação habitacional" decorre da norma do art. 45.º do CIMI.

 

64. Refere-se este artigo às regras aplicáveis na determinação do valor patrimonial dos terrenos para construção estabelecendo que este é o que resulta do valor da área de implantação do edifício a construir adicionado do terreno adjacente à implantação. Na fixação do valor daquela área considera-se uma percentagem variável entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

 

65. Segundo a requerida, na fixação dos valor das edificações autorizadas ou previstas no terreno a avaliar são utilizados os coeficientes aplicáveis na determinação do valor patrimonial tributário, designadamente o coeficiente de afectação previsto no art. 1.º daquele Código.

66. Concluindo daí que a consideração de um tal coeficiente, dependente do tipo de utilização prevista para o prédio a edificar no terreno, será determinante para efeitos de aplicação da Verba 28 da TGIS.

 

67. Suporta-se esta conclusão no pressuposto de que a expressão "prédios com afectação habitacional" apela a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do art. 6.º do CIMI.

 

68. Não é possível, porém, acompanhar tal conclusão. Por um lado, porque nada na lei permite concluir que o legislador do imposto do selo tenha pretendido alargar, para efeitos da incidência deste tributo, as espécies previstas no n.º 1 do art. 6.º do CIMI, como já acima se referiu; por outro lado, porque a aplicação de um coeficiente de afectação - na hipótese de ser admitida 2 - se reporta a um dos elementos a considerar na avaliação no terreno, ou seja, na determinação do valor das edificações autorizados ou previstas.

 

69. Independentemente de na determinação do valor edificações autorizadas ou previstas para um terreno para construção deva ou não ser considerado um coeficiente de afectação, admite-se, por ser óbvio e do conhecimento geral, que o valor de um terreno é determinantemente influenciado pelo tipo e características dessas edificações. Porém, é matéria que extravasa a questão sobre que incide o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

70. Nas condições referidas, a circunstância de para um determinado terreno para construção estar autorizada a edificação de prédio destinado a habitação, ou a qualquer outro finalidade, ainda que deva ser considerada na sua avaliação, não determina qualquer alteração na classificação do terreno que, para efeitos tributários, continua a ser como tal considerado.

 

71. Nestes termos, resultando do art. 6.º, do CIMI uma clara distinção entre prédios urbanos "habitacionais" e "terrenos para construção", não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo, como "prédios com afectação habitacional".

 

Decisão.

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação das liquidações questionadas.

 

Valor do processo: € 25.781,81.

Custas: Ao abrigo do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 1.530,00, a cargo da requerida (AT).

 

Lisboa, 18 de Setembro de 2013,

 

O árbitro,

Álvaro Caneira.

1 Esta lista consta da Portaria n.º 150/2004, de 18/02, com alterações introduzidas pela Portaria n.º 292/2011, de 8/11.

2 Sobre esta matéria conhecem-se decisões judiciais contraditórias, designadamente os acórdãos. de 18.11.2009, proc. 765/09, do STA, referido pela requerente, e de 14.2.2002, proc. 4950/11, do TCAS, citado pela requerida.