Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 335/2023-T
Data da decisão: 2024-02-02  IMI Outros 
Valor do pedido: € 141.184,06
Tema: IMI e AIMI - Impugnação da liquidação, com fundamento em erro na determinação do valor patrimonial tributário. Excepção dilatória.
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SUMÁRIO:
 

1. Os actos de avaliação para efeitos da determinação do valor patrimonial tributário, previstos no Código do IMI, constituem actos destacáveis, sendo objecto de impugnação autónoma.

2. A não impugnação tempestiva dos referidos actos de avaliação conduz à formação de caso administrativo resolvido quanto a estes.

3. Uma vez formado caso administrativo resolvido, não é possível ao particular vir, mais tarde, pedir ao Tribunal a apreciação da legalidade do valor patrimonial tributário que serviu de matéria colectável à liquidação impugnada.

4. Verifica-se, assim, excepção inominada de caso administrativo resolvido, quanto aos invocados erros na determinação da matéria colectável, excepção essa dilatória, que obsta ao prosseguimento do processo e determina a absolvição da instância da Requerida - artigos 89.º, n.º 4, alínea l), segunda parte, do CPTA e  577.º, alínea i), segunda parte, do CPC.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros José Poças Falcão (Presidente), Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz e Martins Alfaro (vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 17-07-2023, acordam no seguinte:

 

A - RELATÓRIO

 

A.1 - Requerente da constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT): A... S.A., com o número único de matrícula e de identificação fiscal..., com sede no Edifício da Administração,  ..., ...-... ... .

 

A.2 - Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

A.3 - Objecto do pedido de pronúncia arbitral:

Os seguintes actos de liquidação:

a) Liquidação de IMI referente ao ano de 2016, que deu origem aos actos tributários n.ºs 2016..., 2016... e 2016... (1.ª, 2.ª e 3.ª prestações, respectivamente), no qual se apurou o montante total de imposto a pagar de € 40.988,97 - sendo que no presente pedido de pronúncia arbitral apenas se contesta o montante de € 29.603,79, relativamente aos prédios urbanos e artigos matriciais U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-...Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...: Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...Almancil.

 

b) Liquidação de IMI referente ao ano de 2017, que deu origem aos actos tributários n.ºs 2017..., 2017 ... e 2017 ... (1.ª, 2.ª e 3.ª prestações, respectivamente), no qual se apurou o montante total de imposto a pagar de € 41.001,63 - sendo que no presente pedido de pronúncia arbitral apenas se contesta o montante de € 29.656,00, relativamente aos prédios urbanos e artigos matriciais U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-...Almancil; U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...: Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-... Almancil.

 

c)Liquidação de IMI referente ao ano de 2018, que deu origem aos actos tributários n.ºs 2018..., 2018... e 2018 ... (1.ª, 2.ª e 3.ª prestações, respectivamente), o qual foi, entretanto corrigido pelas liquidações correctivas n.ºs  2018 ... e 2018..., emitidas em 28.10.2021 e 19.07.2022, respectivamente, tendo-se apurado, a final, o montante total de imposto a pagar de € 13.560,04 - sendo que no presente pedido de pronúncia arbitral apenas se contesta o montante relativo aos 25% da majoração a que alude o n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI, no valor de € 2.853,59, relativamente aos prédios urbanos e artigos matriciais U-... Almancil; U-... Almancil; U-...; Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-...; Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...: Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-... Almancil.

 

d) Liquidação de AIMI n.º 2017..., referente ao ano de 2017, no qual se apurou o montante total de imposto a pagar de € 54.648,88 - sendo que no presente pedido de pronúncia arbitral apenas se contesta o montante de € 39.529,35, relativamente aos prédios urbanos e artigos matriciais U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...: Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-... Almancil.

 

e) Liquidação de AIMI n.º 2018..., referente ao ano de 2018, no qual se apurou o montante total de imposto a pagar de € 54.665,76 - sendo que no presente pedido de pronúncia arbitral apenas se contesta o montante de € 39.541,33, relativamente aos prédios urbanos e artigos matriciais U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...: Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-... Almancil.

 

A.4 - Pedido: A Requerente formulou os seguintes pedidos: Deverá o pedido de constituição do tribunal arbitral ser julgado totalmente procedente, por provado, e, em consequência, serem anuladas as decisões de indeferimento dos dois procedimentos administrativos sub judice (revisões oficiosas n.ºs ...2020... e ...2021...), bem como a anulação parcial das liquidações de IMI (2016-2018) e de AIMI (2017-2018) melhor identificados, tudo com as legais consequências, nomeadamente, o reembolso do montante indevidamente pago pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento até ao seu efectivo reembolso.

 

 

A.5 - Fundamentação do pedido:

 

O pedido de abertura do procedimento de revisão oficiosa a que coube o n.º ...2021..., quanto ao AIMI 2017, foi tempestivamente apresentado, contrariamente ao que constituiu entendimento da AT.

 

A legalidade das liquidações objecto do pedido de pronúncia arbitral podem ser alvo de escrutínio, mesmo quando tenham por base um valor patrimonial tributário cuja avaliação não foi contestada, uma vez que a própria liquidação será irremediavelmente ilegal.

 

A posição assumida pela Autoridade Tributária nos procedimentos de revisão oficiosa, perpetua, na ordem jurídica, um acto ilegal e lesivo da esfera patrimonial dos sujeitos passivos, resultando na negação da tutela jurisdicional efectiva e das garantias dos contribuintes, previstos no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição.

 

Verifica-se a ilegalidade das liquidações de IMI e de AIMI por errónea quantificação do valor patrimonial tributário dos prédios em questão no presente pedido de pronúncia arbitral, sendo que, nos termos do artigo 45.º, do Código do IMI, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção deve atender-se, para efeitos de cálculo, apenas (i) ao valor da área de implantação do edifício a construir e (ii) ao valor do terreno adjacente.

 

A majoração de 25% do valor médio de construção por metro quadrado - artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI, preceito legal previsto para prédios urbanos já edificados e não terrenos para construção - não pode ser considerada para efeitos do cálculo do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

 

A Requerente, embora considere que as liquidações de IMI e de AIMI impugnadas se afiguram ilegais, procedeu ao seu pagamento, pelo que, de acordo com o n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios sobre o montante que foi, indevidamente, pago.

 

 

A.6 - Resposta da Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira:

 

A presente acção não é fundamentada em qualquer vício dos actos de liquidação ou da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

 

Com efeito, a Requerente pretende a anulação dos actos impugnado com fundamento em vícios, não dos actos de liquidação, mas sim dos actos que fixaram o valor patrimonial tributário, os quais constituem actos finais do procedimento de avaliação.

 

Aos actos impugnados não é imputado, pela Requerente, qualquer vício específico da operação de liquidação ou do seu procedimento.

 

O que está em causa, ou seja, o que a Requerente contesta é, apenas e só, os actos destacáveis de fixação do valor patrimonial tributário e não os actos de liquidação.

 

Os vícios do acto que definiu o valor patrimonial tributário não são susceptíveis de ser invocados na impugnação do acto de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

 

Uma vez que os vícios da fixação do valor patrimonial tributário não são sindicáveis na análise da legalidade do acto de liquidação, porquanto os mesmos já se consolidaram na ordem jurídica, não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correcção do valor patrimonial tributário em sede de impugnação do acto de liquidação.

 

Caso o acto que fixa o valor patrimonial tributário não seja impugnado nos termos e prazo fixado, consolida-se na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher.

 

Ou seja, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação e não na posterior liquidação consequente.

 

Caso dúvidas ainda houvesse, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo Uniformizador de Jurisprudência, proferido no processo n.º 122/22.8BALSB, veio esclarecer de uma vez por todas estas questões, pondo fim à discussão jurídica que esta matéria tem vindo a suscitar.

 

O artigo 78.º da LGT não abrange os actos de avaliação patrimonial, que não são actos tributários, previstos no n.º 1, nem são actos de apuramento da matéria tributável previstos no n.º 4 daquela norma.

 

Em face do artigo 168, n.º 1, do CPA, as avaliações em que foram considerados os coeficientes de localização e afectação na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, efectuadas há mais de cinco, anos já não podem ser objecto de anulação administrativa por determinação legal, pelo que, para os imóveis em causa já se encontra precludido o prazo para anulação administrativa do acto que fixe valor patrimonial tributário, o qual se encontra sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo de IMI.

 

No que se refere à desaplicação, no caso concreto, da norma pretensamente extraída do artigo 45.º, do Código do IMI, por violação do princípio da legalidade tributária, o que importa referir nesta sede não é a violação do princípio da igualdade tributária, mas sim a constitucionalidade do regime da consolidação dos actos administrativos tributários por falta da sua impugnação atempada.

 

A prevalecer a argumentação da Requerente, essa sim, acarretaria uma violação do princípio da igualdade tributária, privilegiando os contribuintes que em tempo não contestaram o valor patrimonial tributário, face àqueles que o fizeram tempestivamente.

 

Conclui pugnando por dever o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado e, consequentemente, ser a Requerida absolvida quanto a todos os pedidos.

 

 

 

A.7 - Alegações:

 

Requerente e Requerida foram notificadas para produzir alegações escritas, mas apenas a Requerente o fez, alegando o seguinte:

 

A Autoridade Tributária apenas se insurge contra a possibilidade de ser apresentado um pedido de revisão oficiosa (incluindo por injustiça grave e notória, nos termos do n.º 4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária), em virtude de os valores patrimoniais tributários estarem consolidados na ordem jurídica e, consequentemente, não poder ser discutida a liquidação de IMI/AIMI feita com base nos mesmos (cf. o artigo 59.º da Resposta da Autoridade Tributária), não tendo, porém, posto em causa, nem a possibilidade de convolar os pedidos (IMI/AIMI) nos termos em que a Requerente o fez, nem a intempestividade do pedido de revisão quanto ao AIMI 2017.

 

Não obstante o acima exposto e, caso este Tribunal arbitral entenda que não seria aplicável ao caso sub judice o conceito de “erro imputável aos serviços” constante do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, mas, antes, o de “injustiça grave e notória” a que aludem os n.ºs 4 e 5 do mesmo preceito legal, sempre deverá o mérito das demais liquidações (em particular o IMI e AIMI de 2018) ser conhecido.

 

Independentemente da posição assumida pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0102/22.2BALSB quanto à impossibilidade de rever os actos tributários de IMI/AIMI por erro imputável aos serviços, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, sempre será de admitir a sua revisão, por injustiça grave ou notória, nos termos dos n.ºs 4 e 5 do mesmo preceito legal (in casu, quanto ao IMI e AIMI de 2018), na medida em que esta questão não foi apreciada por aquele Tribunal.

 

Na restante matéria, a Requerente manteve e reiterou essencialmente a sua posição.

 

Em momento ulterior, a Requerida veio juntar aos autos, «em face do disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil e ao abrigo do princípio da colaboração», cópia do Acórdão do STA, proferido em 22-11-2023, no processo 115/23.7BALSB.

 

B - SANEAMENTO:

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAMT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.


As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo a Requerida manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAMT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAMT, o tribunal arbitral colectivo foi regularmente constituído em 17-07-2023.

 

Por despacho de 15-01-2024, o Tribunal decidiu proceder à prorrogação do prazo para a prolação e notificação da decisão por dois meses.

 

O Tribunal Arbitral é materialmente competente, atenta a conformação do objecto do processo e à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAMT).

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAMT.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Considera o Tribunal que se suscita, nos presentes autos uma questão prévia, de conhecimento oficioso, a qual, a proceder, constituirá excepção dilatória que obstará a que se conheça de mérito nos presentes autos, pelo que haverá, antes de mais, que apreciar tal questão.

 

A questão prévia a decidir é a seguinte: Verifica-se a excepção dilatória de caso administrativo resolvido relativamente aos actos objecto do pedido de pronúncia arbitral, decorrente de os erros na determinação da matéria colectável invocados pela Requerente serem insusceptíveis de invocação na impugnação das liquidações, excepção essa que determina a absolvição da instância da Requerida?

 

O Tribunal entende que a Requerente se pronunciou expressamente sobre tal excepção, aquando da apresentação das suas alegações, pelo que não se determinou a notificação desta para, de novo, se pronunciar sobre tal matéria.

 

 

C - FUNDAMENTAÇÃO:

 

C.1 - Matéria de facto - Factos provados: Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:

 

 

 

A Requerente é proprietária dos prédios urbanos a que correspondem os artigos matriciais U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-... Almancil; U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...: Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-...; Almancil U-... Almancil.

 

À data dos factos, os referidos prédios urbanos encontravam-se todos qualificados na matriz predial como prédio urbano - terreno para construção.

 

As liquidações de IMI e AIMI, na parte que constitui objecto do presente pedido de pronúncia arbitral - ver supra -, assentaram nos valores patrimoniais tributários inscritos nas respectivas matrizes prediais em 31 de Dezembro dos respectivos anos.

 

A Requerente apresentou, em 28-12-2020, pedido de revisão oficiosa no Serviço de Finanças de Loulé 1, referente às liquidações de IMI relativas ao ano de 2016 e, em 30-06-2021, apresentou pedido de revisão oficiosa no mesmo Serviço de Finanças ..., referente às liquidações de IMI relativas aos anos de 2017 e 2018 e de AIMI relativas aos anos de 2017 e 2018.

 

No procedimento de revisão oficiosa, referente às liquidações de IMI relativas ao ano de 2016, foi proferida decisão final de indeferimento, em 30-01-2023.

 

Desta decisão, foi a Requerente notificada por carta, com registo postal efectivado em 01-02-2023 - Processo Administrativo - Parte 1, pág. 122.

 

No procedimento de revisão oficiosa, referente às liquidações de IMI e de AIMI relativas aos anos de 2017 e 2018, foi proferida decisão final de indeferimento, em 15-04-2023.

A Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral em 08-05-2023.

 

C.2 - Factos dados como não provados;

 

Não se provou que a Requerente tenha solicitado segunda avaliação dos prédios a que se referem as liquidações impugnadas e/ou impugnado administrativa ou judicialmente o resultado da mesma.

 

Não existem outros factos relevantes para a decisão que não devam considerar-se provados.

 

C.3 - Matéria de direito:

 

C.3.1 - Questão prévia a decidir - Existência de excepção dilatória inominada, impeditiva da apreciação de mérito, quanto aos actos objecto do pedido de pronúncia arbitral:

 

Na sua resposta - e referindo-se aos actos objecto do pedido de pronúncia arbitral -, a Requerida alegou que «os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo».

 

O Tribunal considera que tal alegação, a proceder, consubstancia excepção dilatória de caso resolvido administrativo, determinante da inimpugnabilidade dos actos objecto do pedido de pronúncia arbitral e da absolvição da instância da Requerida - artigos 89.º, n.º 4, alínea l), segunda parte, do CPTA e  577.º, alínea i), segunda parte, do CPC.

 

Por esses motivos, começará por apreciar-se tal excepção. Vejamos:

 

Tal como conformado pela Requerente, o objecto do pedido de pronúncia arbitral recai sobre as liquidações anteriormente identificadas, sendo quanto a estas que incide a pretensão anulatória da Requerente.

Objecto do presente pedido de pronúncia arbitral são, pois, os actos tributários de liquidação e não a respectiva matéria tributável - no caso, o valor patrimonial tributário.

 

Ainda assim, a Requerente, enquanto fundamento impugnatório, assaca aos actos objecto do pedido de pronúncia arbitral, vícios atinentes - todos eles - à formação ou determinação da matéria tributável (no caso, o valor patrimonial tributário dos prédios em questão).

 

Ora, como bem refere a Requerida, a questão de saber se, precludidos os prazos de impugnação do acto de fixação do valor patrimonial tributário, os vícios de tal acto podem servir de fundamento a uma posterior impugnação das liquidações de imposto que nele se baseiem, foi já objecto de um acórdão de uniformização de jurisprudência, proferido pelo Pleno do STA, em 23-02-2023, em sede de oposição de julgados, num caso com contornos factuais muito semelhantes ao presente, em que se discutia  a anulação de liquidações de AIMI no contexto da invocada errada aplicação de coeficientes na fixação do valor patrimonial tributário de terrenos para construção.

 

E, de tal acórdão, proferido no âmbito do processo n.º 0102/22.2BALSB, resulta que:

 

Vigora no contencioso tributário o princípio da impugnação unitária segundo o qual só há lugar a impugnação contenciosa do ato final do procedimento, que tem assento legal nos artigos 66.º da LGT e 54.º do CPPT. [Neste] segundo, com a epígrafe “impugnação unitária”, estabelece[-se] que «Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.» O princípio da impugnação unitária tem, assim, duas exceções, admitindo a lei adjetiva tributária a impugnação imediata dos atos interlocutórios (i) «quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte», e (ii) quando «exista disposição expressa em sentido diferente», ou seja, quando exista lei que admita expressamente a impugnação imediata do ato interlocutório.

Ora, a avaliação direta é um dos casos em que o legislador afastou o princípio da impugnação unitária e admitiu a impugnação imediata do ato de avaliação. […]

Particularizando ainda mais, e centrando-nos no caso sub judice, o procedimento de determinação do valor patrimonial tributário (ato de fixação de valores patrimoniais – artigo 37.º a 46.º, e 71.º a 77.º, do Código do IMI) é uma espécie de procedimento de avaliação direta, prevendo o Código do IMI um expediente especial de reação contra as ilegalidades da avaliação.

Assim, quando o sujeito passivo não concorda com o resultado da avaliação (primeira avaliação) pode requerer uma segunda avaliação, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 76.º do Código do IMI. E do resultado desta segunda avaliação cabe impugnação judicial, tal como o prevê o artigo 77.º do mesmo Código.

O disposto nestes dois artigos 76.º e 77.º do Código do IMI devem ser interpretados em conjugação com o disposto no referido artigo 134.º do CPPT, que prevê, como atrás referimos, a impugnação dos atos de fixação dos valores patrimoniais, e no seu n.º 7 condiciona a impugnabilidade ao esgotamento dos meios graciosos («7- A impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação»), que por sua vez está em consonância com o artigo 86.º, n.º 2, da LGT, que determina, como também já se referiu, que os atos de avaliação direta só são contenciosamente impugnáveis quando estiverem esgotados os meios administrativos previstos para a sua revisão. Esta necessidade de esgotamento dos meios graciosos como condição de impugnação do valor fixado através de avaliação direta, reiterada nas diferentes disposições legais, evidencia que a segunda avaliação não é, para efeitos de impugnação, uma mera faculdade.

Tendo em conta o que fica dito duas conclusões se podem retirar, desde já, no que toca à impugnabilidade do ato de fixação do valor tributário: (i) as ilegalidades de que possa padecer a primeira avaliação no que tange à fixação do valor patrimonial não é diretamente impugnável – admitindo o Supremo Tribunal Administrativo que poderá ser impugnada com fundamento em vícios de forma ou com base em erro de facto ou de direito, designadamente errada classificação do prédio (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16/04/2008, proferido no processo 004/08, de 30/05/2012, proferido no processo 01109/11, de 27/06/2012, proferido no processo 01004/11 e de 27/11/12, de 27/11/2013); (ii) do resultado da segunda avaliação, que esgota os meios graciosos à disposição dos interessados, cabe impugnação judicial que pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial do prédio.

E uma terceira conclusão se impõe: a de que prevendo a lei um modo especial de reação contra as ilegalidades do ato de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação.

Na verdade, o ato que fixa o valor patrimonial tributário encerra um procedimento autónomo de avaliação que servirá de base a uma pluralidade de atos de liquidação que venham a ser praticados enquanto o valor dela resultante se mantiver, designadamente às liquidações de impostos sobre o património (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/10/2020, proferido no processo 050/11.1BEAVR, consultável em www.dgsi.pt).

Distingue-se daqueles outros procedimentos em que o ato de avaliação direta se insere num procedimento tributário tendente à liquidação do tributo, e que assim assumem a natureza de atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, isto é, apesar de serem atos preparatórios da decisão final (liquidação) por disposição legal especial são direta e imediatamente impugnáveis. No caso, como referimos, o ato final do procedimento de avaliação é o ato que fixa o valor patrimonial. […] O mesmo é dizer que para além de a impugnação judicial do ato de fixação do valor patrimonial depender do esgotamento dos meios graciosos, a não impugnação do ato preclude que, em sede de impugnação judicial do ato de liquidação do imposto, possa ser questionada a quantificação do valor fixado. Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/01/2011, proferido no processo 0758/10). […] Acrescenta-se que a solução contrária traria, por um lado, irracionalidade ao sistema, que exige para a impugnação do resultado da avaliação direta, uma segunda avaliação (visando eliminar a carga subjetiva inerente à avaliação e promover a fixação tão objetiva quanto possível da matéria coletável), e já a dispensaria se as ilegalidades a ela inerentes pudessem ser tratadas em sede de impugnação da liquidação do tributo; e por outro, deixaria sem sentido a previsão de impugnação autónoma do ato de fixação do valor patrimonial tributário, pois o corolário lógico da sua previsão só pode ser a preclusão da possibilidade de impugnação posterior.

Em face do que fica dito é de concluir que deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.

 

Ainda a propósito e no âmbito da discussão do presente ponto - e abordando expressamente a aplicabilidade do artigo 78.º, da LGT, à impugnação de actos tributários de liquidação com fundamento em vícios da determinação do valor patrimonial tributário -, o STA, por Acórdão uniformizador de jurisprudência, de 22-11-2023, processo n.º 115/23.7BALSB, veio entender o seguinte:

[…] estarão abrangidos pela expressão “actos tributários” que consta da epígrafe do artigo 78.º quer os actos de liquidação, quer os de fixação da matéria tributável, se ela tiver autonomia, o que significa que o artigo 78º é inaplicável aos actos de fixação do valor patrimonial tributário (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação de qualquer tributo.

Assim sendo, uma boa leitura do Acórdão deste Supremo Tribunal (Pleno) de 23-02-2023, proferido no Proc.º n.º 0102/22.2BALSB, www.dgsi.pt, no sentido de que - o artigo 78º é inaplicável aos actos de fixação do valor patrimonial tributário (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação de qualquer tributo - teria permitido ao Tribunal Arbitral decidir a questão.

Ora assim sendo, tendo o STA uniformizado jurisprudência tão recentemente e em termos tão incisivos, e resultando do pedido de constituição do Tribunal arbitral que a Requerente não imputa aos actos de liquidação impugnados (e ao indeferimento do pedido de revisão oficiosa) qualquer vício que não advenha dos actos de fixação do valor patrimonial tributário dos prédios em questão, o Tribunal entende que se verifica, quanto a todos os actos impugnados, excepção dilatória de caso resolvido administrativo, determinante da inimpugnabilidade dos actos objecto do pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, irá decidir não conhecer do pedido de pronúncia arbitral e absolver a Requerida, da instância.

 

A propósito do caso administrativo resolvido, o Tribunal Constitucional já decidiu expressamente em diversos acórdãos que, «nesta última hipótese, tal consolidação, mesmo não constituindo caso julgado em sentido estrito, por não proceder de decisão judicial, há-de, no entanto, a ele ser equiparada para efeito do disposto no artigo 282º, n.º 3 da Constituição».

[...]

«O que significa, no caso vertente, que aqueles casos em que não foi oportunamente interposto recurso contencioso constituem agora caso administrativo resolvido e se encontram já consolidados [...]».[1]

 

Para o TCA-Sul - processo n.º 2647/14.9BELSB - «a formação de “caso decidido” encontra justificação no facto de o vício que pretensamente afetaria a validade do ato em causa ser gerador de mera anulabilidade e de ser característico desta figura a existência de um prazo para a sua impugnação, sob pena de se produzir a sanação do ato e, portanto, a eliminação da ilegalidade».[2]

 

E, por fim, conforme resulta do acórdão de uniformização de jurisprudência, proferido pelo Pleno do STA, em 23-02-2023, mais atrás citado, a existência de caso resolvido quanto aos valores fixados no procedimento de avaliação impede a sua reapreciação em sede de impugnação da liquidação.

A solução desta questão prévia prejudica a apreciação das demais questões suscitadas pela Requerente - artigo 608.º, n.º 1, primeiro segmento, do CPC, aplicável ex vi o artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT.[3]

 

 

D - DECISÃO:

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar verificada a excepção dilatória de caso resolvido administrativo, quanto a todos os actos impugnados, determinante da inimpugnabilidade dos actos objecto do pedido de pronúncia arbitral, assim obstando ao prosseguimento do processo e, em consequência, decidem não conhecer do pedido de pronúncia arbitral e absolver a Requerida da instância, assim se extinguindo esta - artigos 89.º, n.º 4, alínea l), segunda parte, do CPTA e  577.º, alínea l), segunda parte, do CPC.

 

 

E - VALOR DA CAUSA:

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 141.184,06, correspondente às liquidações impugnadas, objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 

O valor indicado pela Requerente não foi impugnado e não considera o Tribunal existir fundamento para o alterar, pelo que se fixa à presente causa o valor de € 141.184,06.

 

 

 

 

F - CUSTAS:

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAMT, e da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, indo a Requerente, que foi vencida, condenada nas custas do processo.

 

Notifique.

 

Lisboa, em 2 de fevereiro de 2024.

Os Árbitros,

 

 

(José Poças Falcão - Presidente)

 

 

 

 

(Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz)

 

 

(Martins Alfaro, com declaração de voto)

 

Declaração de voto

Salvo o devido respeito, tenho entendido - e continuo a entender - que, para efeitos da sindicabilidade da legalidade dos pressupostos legais dos actos tributários impugnados, é possível ao Tribunal Arbitral apreciar os vícios atinentes à determinação da matéria colectável, vícios esses a conhecer a título incidental, enquanto vícios que se projectam nos actos tributários impugnados.

Não obstante, recentemente, os Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, proferidos em 23-02-2023, processo n.º 0102/22.2BALSB e em 22-11-2023, processo n.º 115/23.7BALSB uniformizaram a jurisprudência no sentido de que «deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável» e que «o artigo 78º é inaplicável aos actos de fixação do valor patrimonial tributário»,  pelo que, em consonância com as decisões vindas de referir, votei favoravelmente a presente decisão arbitral.

 

 



[3] Neste sentido, veja-se o Acórdão do STA, de 07-12-2011, processo n.º 0241/11, onde se concluiu - aqui, a propósito da intempestividade - que «a intempestividade do meio impugnatório implica a não pronúncia do tribunal sobre as questões suscitadas na petição inicial, ainda que de conhecimento oficioso, na medida em que a lide impugnatória não chega a ter o seu início».

Disponível em: https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dd9c50bf589c00e580257975003a5cac?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1