Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 314/2023-T
Data da decisão: 2024-01-08  IRC  
Valor do pedido: € 1.115.378,90
Tema: IRC – sociedades não residentes sem estabelecimento estável; mais-valias na venda de sociedades com imóveis em Portugal.
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SUMÁRIO

  1. Para a verificação da condição de não tributação em sede de IRC prevista na parte final do artigo 4.º, n. º 3, alínea f), do Código do IRC, cabe ao sujeito passivo, e não à AT, o ónus de provar que os bens imóveis se encontravam afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial que não consista na compra e venda de bens imóveis.
  2. Para saber se o regime fiscal aplicável à Requerente constitui uma violação do princípio da liberdade de circulação de capitais prevista no TFUE, pelo facto de o artigo 4.º, n.º 3, alínea f), do Código do IRC prever a tributação das mais valias em sociedades que tenham imóveis em Portugal, mesmo que tais imóveis tenham sido adquiridos anteriormente a 01/01/2014, o Requerente teria de fazer prova de que se encontra numa situação equiparável a um sujeito passivo de IRC que pudesse beneficiar do regime de “participation exemption” previsto no artigo 51.º-C do Código do IRC.
  3. O disposto no artigo 43.º, n.º 3 do Código do IRS (integração na matéria coletável de apenas 50% do valor das mais-valias na venda de micro e pequenas empresas) aplica-se apenas a sujeitos passivos de IRS e não a sujeitos passivos de IRC.

 

***

DECISÃO ARBITRAL

 

            Os árbitros Regina de Almeida Monteiro (árbitro-presidente), Jorge Belchior de Campos Laires e Júlio Tormenta (árbitros adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

 

I. RELATÓRIO       

[1]. A...1 com o NIF ..., sede em ..., ..., Malta (doravante designada por "Requerente"), nos termos e para os efeitos, designadamente, do artigo 268.º n.º4 da Constituição da República Portuguesa ("CRP"), do artigo 95.º n.ºs 1 e 2, alíneas a) e d) da Lei Geral Tributária ("LGT") e, bem assim, dos artigos 2.º n.º1 alínea a) e 10.º, n.º1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que estatui o Regime Jurídico de Arbitragem em Matéria Tributária ("RJAT"), deduziu o presente PPA, em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA e ADUANEIRA, tendo em vista:

 

  1. a declaração de ilegalidade, e
  2. consequente anulação do ato de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ("IRC") n.º..., cf. Doc. 9 anexo ao PPA, referente ao ano de 2021, no valor de € l.115.378,90 (um milhão, cento e quinze mil, trezentos e setenta e oito euros e noventa cêntimos).

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), aqui identificada como Requerida.
  2. Requerente e Requerida não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 21 de junho de 2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
  3. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 10 de julho de 2023.

 

Posição da Requerente

  1. Na defesa da procedência do seu pedido de anulação, total ou parcial, da autoliquidação de IRC referente ao ano de 2021, em que foi apurado um valor a pagar de €l.115.378,90 (um milhão, cento e quinze mil, trezentos e setenta e oito euros e noventa cêntimos), a Requerente vem defender que:
    1. É uma entidade não residente fiscal em Portugal, foi até 31/08/2021 detentora da totalidade do capital social da C... Limited, com o NIF ... (doravante, "Sociedade"), estando esta Sociedade registada em Malta e aí residente para efeitos fiscais, como se pode comprovar nos títulos de ações, extrato do registo comercial e no Certificado de Residência Fiscal emitido em 26/08/2019 pela Administração Fiscal de Malta («Certificate»), com aposição da Apostilha de Haia pelo órgão competente, conforme Doc.1 anexo ao PPA.
    2. A Sociedade tinha por objeto social:

“a. To act as a holding company, to its subsidiary companies and to participate in joint-venture companies, or into any arrangement for the sharing of profits, union of interests, co-operation, reciprocal concession, or otherwise with any person, partnership, enterprise or otherwise and specifically for the holding of assets, particularly, real estate property;

b. To purchase, acquire, develop, own, hold, manager lease, license, administer, sell or otherwise dispose of real estate property and other property of any kind;

c. To obtain loans, overdrafts, credits and other financial and monetary facilities, without limitation, and otherwise borrow or raise money in such manner as the Company shall think fit; (…)”, de acordo com os seus estatutos em vigor em 2018 e 2021, conforme Doc. 2 anexo ao PPA;

  1. A Sociedade, em 21/10/1988, adquiriu um prédio urbano, com a seguinte descrição: por escritura pública de compra e venda, levado a registo através da AP. 36 de 13/01/1989:

“-urbano, térreo, para habitação, com vários compartimentos, com a superfície coberta de trezentos metros quadrados e logradouro com piscina, com dois mil trezentos e sessenta metros quadrados e o valor matricial de dois mil oitocentos e oitenta contos.

  • situado na ..., freguesia de ..., concelho de Loulé;
  • inscrito sob o artigo ...;

- descrito sob o número..., do livro B-noventa e cinco; - inscrito a seu favor pelas inscrições números dezassete mil oitocentos e catorze, do livro G-...  e um do livro G-trinta e três, e

- a que foi concedida licença de habitabilidade pelo alvará número cento e quinze, emitido pela Câmara Municipal deste concelho em nove de novembro de mil novecentos e setenta e seis”, conforme escritura pública de compra e venda e registo na Conservatória do Registo Predial de Loulé constante da Certidão Permanente do Registo Predial, identificada com o código de acesso PP-..., cf. Doc. 3 anexo ao PPA.

  1. A Sociedade, em 27/3/2009, obteve o Alvará de Autorização de Construção junto da Câmara Municipal de Loulé, tendo a Sociedade procedido à demolição do imóvel adquirido em 1988 e procedido à construção de uma nova moradia com piscina com a descrição “Edifício de três pisos para habitação, tipo T5, com garagem”, conforme o previsto no n. º1 da cláusula primeira do contrato de empreitada celebrado em setembro de 2009, cf. Doc. 4 anexo ao PPA.
  2. Por força da demolição do imóvel adquirido em 1988 e a construção da nova moradia, tipo T5 com garagem e piscina, o artigo da matriz fiscal urbana n.º ... (correspondente ao imóvel adquirido em 1988) foi substituído pelo artigo ... e este pelo artigo ..., do qual consta a descrição da nova tipologia do imóvel construído, cf. artigo 11.º do PPA.
  3. Na prossecução do seu objeto social, a Requerente realizou uma atividade de promoção e desenvolvimento imobiliário - com alterações físicas, materiais e jurídicas do imóvel - através da prática de atos físicos, de comércio e jurídicos que demonstram a intenção empresarial de transformar, valorizar e afetar o imóvel a uma atividade comercial de arrendamento ou turística. Defende igualmente que desde a data de aquisição do imóvel pela Sociedade, o mesmo nunca esteve afeto a uma atividade de compra de imóveis para revenda.
  4. Em 31/08/2021, a Requerente procedeu à venda da totalidade da participação que tinha na Sociedade, pelo preço de €8.800.000 (oito milhões e oitocentos mil euros), tendo as despesas inerentes à venda ascendido a € 365.798,35 (trezentos e sessenta cinco mil euros setecentos noventa oito euros trinta cinco cêntimos).
  5. Em 31/5/2022 apurou na declaração Modelo 22 de IRC referente ao ano de 2021 um montante de €1.135.378,90 (um milhão, cento e quinze mil, trezentos e setenta e oito euros e noventa cêntimos), tendo o mesmo sido pago em 01/06/2022.
  6. Defende que, relativamente a 2021, apresentou um volume de negócios inferior a €10.000.000 (dez milhões de euros) e que não teve colaboradores ou funcionários ao seu serviço, conforme o Anual Report and Financial Statements e a Declaração Fiscal de Imposto apresentadas em Malta, cf. Doc. 10 anexo ao PPA, os quais podem ser obtidos ex officio junto das Autoridades Fiscais de Malta, por força do estipulado na Convenção celebrada entre a República de Malta e a República Portuguesa.
  7. Em 28/09/2022, apresentou Reclamação Graciosa contra autoliquidação de IRC de 2021 tendo a mesma sido rececionada pela AT em 29/9/2022.

Densificando os diversos fundamentos quanto à ilegalidade do ato tributário acima referido (ponto 5), a Requerente fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

  1. Exclusão de tributação: artigo 4.º n. º 3, alínea f) do Código do IRC
  2. Isenção de tributação: artigo 27.º n.º 2, alínea d) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”) e artigo 51.º -C n.º 4 do Código do IRC
  3. Consideração do saldo por 50%: artigo 43.º n.º 3 do Código do IRS

 

  1. Exclusão de tributação: artigo 4.º n.º 3, alínea f) do Código do IRC
  1. Em defesa da sua posição, argui que a primeira parte do artigo 4.º n.º 3 alínea f) do CIRC está preenchida (ganhos resultantes da transmissão onerosa de partes de capital …situados em território português) porque:
    1. Quer a Requerente quer a Sociedade (proprietária do imóvel sito em Portugal), não são residentes fiscais em Portugal por não terem sede ou direção efetiva no território português; e
    2. O valor das partes de capital transmitidas resulta em mais de 50% do imóvel sito em Portugal, quer à data da venda, quer em qualquer dia dos 365 dias anteriores à transmissão.
  2. Por outro lado, também defende que está preenchida a norma de não tributação em sede de IRC prevista na parte final do artigo 4.º n. º3 alínea f) do CIRC [(…) com exceção dos bens imóveis afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial que não consista na compra e venda de bens imóveis], uma vez que a atividade comercial da Requerente não consiste na compra e venda de imóveis.
  3. Conclui que tendo os ganhos sido declarados no Modelo 22 de IRC, através da autoliquidação de IRC em causa, a mesma está inquinada de manifesto erro, devendo por isso ser anulada, nos termos do artigo 163.º n.º1 do CPA[2], com a consequente devolução da totalidade de imposto indevidamente pago.
  1. Isenção de Tributação: artigo 27.º n.º 2, alínea d) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”) e artigo 51.º-C n.º 4 do Código do IRC
  1. Defende que o artigo 27.º n.º 2 alínea d) do EBF é idêntico ao artigo 4.º n.º 3 alínea f) do CIRC e este é por sua vez idêntico ao artigo 51.º-C n.º 4 do CIRC.
  2. O artigo 51.º-C n.º 4 do CIRC faz uma remissão para o n.º 1 do mesmo normativo, onde está previsto o regime do “participation exemption” (regime do “privilégio de afiliação”), que prevê “(…) não é aplicável às mais-valias e menos-valias realizadas mediante transmissão onerosa de partes sociais, bem como à transmissão de outros instrumentos de capital próprio associados às partes sociais, designadamente prestações suplementares, quando o valor dos bens imóveis ou dos direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, com exceção dos bens imóveis afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial que não consista na compra e venda de bens imóveis, represente, direta ou indiretamente, mais de 50 % do ativo.”. De acordo com o artigo 12.º n.º12[3] da Lei 2/2014, de 16 de janeiro, está plasmado que “12. Para efeitos do cálculo da percentagem a que se refere o n.º 4 do artigo 51.º-C do Código do IRC apenas se consideram os imóveis adquiridos em ou após 1 de janeiro de 2014”.
  3. Conjugando as diferentes disposições legais, conclui que:
    1. A exceção à isenção prevista no artigo 27.º do EBF aplica-se, sempre, às entidades não residentes em território português, independentemente da data de aquisição dos imóveis na sociedade alienada;
    2. O regime de “participation exemption” previsto no artigo 51.º -C do Código do IRC aplica-se, sempre, às mais-valias auferidas por entidades residentes com a alienação de veículos imobiliários cujos imóveis tenham sido adquiridos em Portugal até 31/12/2013, independentemente da afetação do imóvel;
    3. São tributadas as mais-valias obtidas por não residentes com veículos imobiliários portugueses, independentemente da data em que os imóveis tenham sido adquiridos;
    4.  Das conclusões acima, constata-se que as mesmas são incompatíveis com o Direito da União Europeia no que toca às liberdades fundamentais do mercado interno, nomeadamente, as previstas no artigo 26.º n.º 2, 63.º e 110.º, todos do TFUE[4].

Assim, conclui que a Sociedade adquiriu o seu ativo imobiliário antes de 2014, devendo por isso beneficiar do mesmo regime de “participation exemption” que tem um residente detentor de sociedade portuguesa que detenha um ativo imobiliário em Portugal, independentemente da afetação do imóvel em causa, e, consequentemente, as mais valias apuradas pela Requerente com a alienação da Sociedade não devem concorrer para a determinação do seu lucro tributável. A não ser assim, seria totalmente contrário ao Direito da União Europeia permitir que o regime do “participation exemption” se aplique aos ganhos decorrentes das transmissões de sociedades residentes cujo ativo seja representado maioritariamente por imóveis sitos em Portugal, adquiridos até 31/12/2013, mas tributando as mais-valias auferidas por não residentes com veículos imobiliários portugueses, cujos imóveis tenham sido adquiridos também em data anterior a 2014, o que constituiria, em verdade, um tratamento discriminatório entre investimentos imobiliários realizados por entidades não residentes através de veículos residentes e veículos residentes em outro Estado-Membro da União Europeia, com a consequente violação dos já mencionados artigos 26.º n.º2, 63.º e 110.º, todos do TFUE, os quais, determina a Lei Fundamental, são imperativamente aplicáveis na nossa ordem interna (cf. artigo 8.º n.º 4 da CRP).

  1. Deste modo, as mais-valias declaradas no Modelo 22 de IRC, através da autoliquidação de IRC efetuada, está inquinada de manifesto erro, devendo por isso ser anulada, nos termos do artigo 163.º n.º 1 do CPA, com a consequente devolução da totalidade de imposto indevidamente pago.
  1. Consideração do saldo por 50%: artigo 43.º n.º 3 do Código do IRS
  1. A Requerente entende que os rendimentos obtidos por não residentes não imputáveis a estabelecimento estável situado em território português são determinados de acordo com as regras estabelecidas para as categorias correspondentes para efeitos de IRS.
  2. Entende que a mais-valia realizada com a transmissão da participação social na sociedade de direito maltês, identificada nos presentes autos como Sociedade (C... Limited), deve ser tributada de acordo com o regime aplicável a micro e pequenas empresas, devendo a mesma ser considerada em metade do seu valor nos termos do artigo 43.º n.ºs 1 e 3 do CIRS.
  3. Considera que deve ser qualificada como pequena empresa ao abrigo do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, não havendo qualquer restrição de âmbito territorial, isto é, considerar-se que o regime legal aí previsto só se aplicaria a partes de capital de sociedades com sede e direção efetiva em Portugal, o que a verificar-se constituiria uma violação do Direito da União Europeia. A sua posição respalda-se quer em jurisprudência arbitral - Processo n.º 597/2018-T- quer em jurisprudência do TJUE: Acórdão Weidert e Paulos, de 15/7/2004 Processo C-242/03; Acórdão Hollmann de 11/10/2007, Processo C-443/06; Acórdão Lenz, de 15/7/2004, Processo C-315/02 e Acórdão K. de 7/11/2013, Processo C-322/11, quer em jurisprudência nacional – Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) de 14/10/2020, Processo n.º 01273/08.6BELRS, que vêm defender que qualquer diferença de tratamento entre sujeitos passivos, baseada apenas na sua residência fiscal dentro da União Europeia, sem qualquer outra razão atendível, como seja o interesse geral, ou a coerência do sistema fiscal, é um meio de discriminação arbitrária desconforme com o direito europeu. Conclui que o ato de autoliquidação de IRC de 2021 deve ser ad minus parcialmente anulado, por erro de direito, ao abrigo do artigo 163.º n.º 1 do CPA, com a consequente devolução proporcional do imposto indevidamente pago.
  1. Do reembolso do IRC indevidamente pago e dos juros indemnizatórios
  1. Uma vez que a Requerente procedeu ao pagamento integral da autoliquidação de IRC de 2021 controvertida, no montante de € l.115.378,90 (um milhão, cento e quinze mil, trezentos e setenta e oito euros e noventa cêntimos), anulando-se total ou parcialmente o ato de autoliquidação, haverá lugar ao reembolso total ou parcial do imposto suportado indevidamente, de molde a restabelecer a situação tributária que deveria ter existido, caso não tivesse sido cometido o erro na autoliquidação de 2021.
  2. A Requerente entende igualmente que tem direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º n.º 3, alínea a) da LGT e artigo 61.º n.º3 do CPPT, bem como do artigo 24.º n.º1, alínea b) e n.º5 do RJAT e artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º1, alínea a) do RJAT, relativamente ao montante que for efetivamente reembolsado, calculado desde a data em que terminou o prazo para a Autoridade Tributária decidir a Reclamação Graciosa - 30/01/2023 - até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos, à taxa legal supletiva, conforme estipulado nos artigos 43.º, n.º4 e 5 e 35.º n.º10 da LGT, no artigo 559.º do Código Civil e na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

Conclui peticionando a procedência do PPA, nos seguintes termos:

  • dar provimento ao presente pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral, declarando ilegal o ato de autoliquidação de IRC do ano de 2021, no valor de €1.115.378,90 (um milhão, cento e quinze mil, trezentos e setenta e oito euros e noventa cêntimos) e, em conformidade,
  • anular o referido ato de autoliquidação de IRC ou, subsidiariamente, proceder à sua anulação parcial,
  • Condenar a Requerida a restituir a totalidade do imposto pago pela Requerente, ou, subsidiariamente, condenar à sua restituição parcial,
  • Condenar a Requerida a pagar à Requerente juros indemnizatórios à taxa legal sobre o valor de imposto pago ou, ad minus, sobre parte deste imposto, desde 30/01/2023, términus do prazo legal para decisão da Reclamação Graciosa, até à integral restituição,
  • Condenar a Requerida ao pagamento das custas do processo.

 

Posição da Requerida

  1. Tendo sido devidamente notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua Resposta em 28/09/2023, acompanhada do Processo Administrativo (PA), sendo a mesma notificada à Requerente na mesma data.
  2. Defende-se por impugnação arguindo que:
    1. A Requerente é uma entidade não residente em termos fiscais em Portugal e foi, até 31/8/2021, a detentora da totalidade do capital do capital social da C... Limited com o NIF..., residente para efeitos fiscais em Malta e não residente para efeitos fiscais em Portugal.
    2. Em 31/5/2022, apresentou a Declaração Modelo 22, referente ao período de tributação de 2021, tendo apurado um valor a pagar de €1.115.378,90 (um milhão, cento e quinze mil, trezentos e setenta e oito euros e noventa cêntimos), tendo o mesmo sido pago em 27/08/2022, conforme consta do sistema informático da AT.
    3.  Em 29/9/2022, deu entrada no Serviço de Finanças de Loulé ..., a reclamação graciosa n.º ...2022...relativa à autoliquidação de IRC referente ao período de tributação de 2021;
    4. A Requerente presumiu o indeferimento tácito da reclamação graciosa, tendo apresentado o presente PPA;
    5. Relativamente aos fundamentos de direito apresentados pela Requerente em relação a:

- A. Exclusão de Tributação: Artigo 4.º n. º3, alínea f) do Código do IRC

- B. Isenção de Tributação: Artigo 27.º n.º 2, alínea d) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”) e artigo 51.º- C n.º 4 do Código do IRC

- C. Consideração do saldo por 50%: Artigo 43.º n.º 3 do Código do IRS,

contesta a posição assumida pela Requerente.

 

Assim,

 

  1. Exclusão de Tributação: Artigo 4.º n. º3, alínea f) do Código do IRC
  1. Entende que para excecionar a aplicação do disposto no artigo 4.º n.º 3 alínea f) do CIRC, os seguintes requisitos têm de se verificar:
    1. O imóvel tem de estar afeto à atividade da sociedade cuja participação é alienada; e
    2. Estando afeto à atividade da sociedade que se aliena, essa atividade não pode consistir na compra e venda de bens imóveis.
  2. No caso controvertido a Requerente não conseguiu provar que os imóveis localizados em Portugal estavam afetos à atividade da sociedade C... Limited e que, ainda que se admitisse que o estavam, não ficou demonstrado que o imóvel não estaria afeto à atividade de compra e venda de imóveis.
  1. Isenção de Tributação: Artigo 27.º n.º 2, alínea d) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”) e artigo 51.º- C n.º4 do Código do IRC
  1. Não concorda com a posição da Requerente de que as situações previstas no artigo 27.º n.º 2 al. d) do EBF e artigo 51. º-C n.º 4 do CIRC são “situações fácticas exatamente iguais no que ao essencial concerne”. Assim, no artigo 51.º-C n.º4 do CIRC está plasmado “(..) quando o valor dos bens imóveis […] situados em território português […] represente , direta ou indiretamente , mais de 50% do ativo” faz-se referência ao peso do valor dos bens imóveis no ativo da sociedade cujas participações se querem transmitir. No caso do artigo 27.º n.º 2 alínea d) do EBF está plasmado “quando, … […] o valor dessas partes de capital [… resulte, direta ou indiretamente, em mais de 50% de bens imóveis […] situados em território português” faz-se referência ao peso do valor dos imóveis na formação do valor das participações sociais que foram transmitidas. Deste modo, as duas disposições não divergem somente na limitação de se aplicar ou não a imóveis adquiridos em anos posteriores a 2013, mas são exceções à não tributação de mais valias que decorrem de factos diferentes, não podendo ser comparáveis, e, por isso, não se poder invocar a incompatibilidade com o direito da União Europeia, por se tributar de forma discriminatória situações fáticas exatamente iguais.

 

  1. Da Consideração do Saldo por 50%: Artigo 43.º n.º 3 do CIRS 
  1. Não concorda com a posição da Requerente porque:
    1. Para efeitos de aplicação do artigo 43.º n.º 3 do CIRS, a sociedade que deve ficar abrangida por aquela norma, é a sociedade cujas participações sociais são transmitidas e que deve ser classificada como micro ou pequena empresa. No caso controvertido, a sociedade cujas participações foram transmitidas é uma sociedade de direito maltês – C... Limited – residente em Malta para efeitos fiscais e seria esta a ter em conta quanto a ser considerada como micro ou pequena empresa, para efeitos daquela norma, a ser aplicável, e não a Requerente. Assim, o regime legal previsto no artigo 43.º n.ºs 3 e 4 do CIRS, não é aplicável às mais-valias obtidas pela Requerente.
    2. Entende que a não aplicabilidade do artigo 43.º n.ºs 3 e 4 do CIRS tem respaldo na Lei 15/2010, de 26 de julho, ao abrigo da qual se pretendeu criar um regime fiscal mais favorável para as mais valias obtidas na alienação de participações sociais de micro ou pequenas empresas sediadas em Portugal e não de sociedades não residentes em Portugal. Defende que a redação do artigo 43.º dos n.s 3 e 4 do CIRS plasmada na Lei 15/2010, de 26 de julho, teve origem na Proposta de Lei n.º 257/XI, em cujo preâmbulo consta: “Finalmente, porque importa nesta ocasião significar a urgência da recuperação financeira das empresas, em particular das pequenas e médias empresas nacionais, muitas delas  de matriz familiar, preconiza-se um regime fiscal mais favorável às mais-valias geradas na alienação onerosa de partes sociais, nos termos definidos no artigo 10.º n.º1, alínea b), do Código do IRS.”. Pode-se concluir que da leitura do preâmbulo da Proposta 257/XI que o objetivo do artigo 43.ºn.º 3  do CIRS, foi beneficiar, incrementar e desenvolver as micro e pequenas empresas nacionais. A mesma conclusão retira-se do artigo 43.º do n.º 4 do CIRS, por força da remissão que aí é feita para as micro e pequenas entidades definidas no anexo do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro. As micro e pequenas empresas definidas no diploma em causa, Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, referem-se às empresas localizadas em Portugal, não podendo aplicar-se o regime previsto no referido diploma, à sociedade C... Limited por a mesma ser uma sociedade de direito maltês e ser residente para efeitos fiscais em Malta. 
    3. Adicionalmente refere que o disposto no anexo do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, deriva da Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão Europeia, de 6 de maio, e, como tal, não há qualquer desconformidade com o direito europeu.
    4. Conclui que quanto ao pedido efetuado pela Requerente para que lhe seja aplicado o disposto no artigo 43.º n.º 3 do CIRS, por força do n.º 4 do mesmo artigo, o mesmo não se aplica porque o que releva para efeitos do artigo 43.º n.º3 do CIRS não é a dimensão da Requerente, mas sim, a entidade cujas participações sociais estão a ser transmitidas o que no caso controvertido é a sociedade C... Limited, mas esta não é elegível para efeitos do Decreto-Lei n.º 372/2007, uma vez que não é residente em território nacional.
    5. Conclui que os vícios imputáveis à atuação administrativa, devem ser considerados improcedentes assim como o ato impugnado não padece de qualquer ilegalidade, devendo o mesmo manter-se na ordem jurídico-tributária ao abrigo do artigo 4.º n.º 3 alínea f) do CIRC e por isso peticiona a improcedência do presente PPA.
  2. Por despacho arbitral de 28 de setembro de 2023 (28.09.2023) foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT. As partes foram notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas, de modo simultâneo, no prazo de 20 dias, contados da notificação do despacho arbitral. A Requerente deverá, ao abrigo do artigo 4.º n.º4 do Regulamento de Custas nos Processos Arbitrais, igualmente proceder oportunamente ao depósito da taxa arbitral remanescente . A decisão arbitral final será proferida até ao termo do prazo fixado no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT.
  3. Quer a Requerente quer a Requerida, apresentaram as suas alegações reiterando, em suma, o já alegado nos seus articulados.

 

II. SANEAMENTO

  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do artigo 2.º n.º 1 e artigo10.º n.º 1 alínea a), ambos do RJAT.
  2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto no artigo 4.º e do artigo10.º n. º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  3. O processo não enferma de nulidades processuais, nem existem exceções dilatórias ou perentórias ou questões prévias que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

III.1. Factos provados

  1. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
    1. A Requerente é entidade não residente fiscalmente em Portugal, que se encontra registada como um “Trust” em Malta, e foi, até 31/08/2021, detentora da totalidade do capital social da sociedade C... Limited (“Sociedade”), com NIF..., residente em Malta e não residente para efeitos fiscais em Portugal, cf. Docs. 1 e 10 anexos ao PPA.
    2. De acordo com os seus estatutos (“Memorandum of Association”) em vigor em 2018 e 2021, a Sociedade tinha por objeto social:

«a. To act as a holding company, to its subsidiary companies and to participate in joint-venture companies, or into any arrangemenf for the sharing of profits, union of interests, co-operation, reciprocal concession, or otherwise with any person, partnership, enterprise or otherwise and specifically for the holding of assets, particularly, real estate property;

b.To purchase, acquire, develop, own, hold, manager lease, license, administer, sell or otherwise dispose of real estate property and other property of any kind;

c.To obtain loans, overdrafts, credits and other financial and monetary facilities, without limitation, and otherwise borrow or raise money in such manner as the Company shall think fit; , cf. doc. 2 anexo ao PPA.

  1. Em 21/10/1988, a Sociedade adquiriu o seguinte prédio (Imóvel 1), descrito nos termos da escritura pública de compra e venda, levado a registo através da AP. 36 de 13/01/1989:

- urbano, térreo, para habitação, com vários compartimentos, com a superfície coberta de trezentos metros quadrados e logradouro com piscina, com dois mil trezentos e sessenta metros quadrados e o valor matricial de dois mil oitocentos e oitenta contos com a seguinte descrição:

  • situado na ..., freguesia de ..., concelho de Loulé;
  • inscrito sob o artigo ...;
  • descrito sob o número trinta e sete mil duzentos e treze, do livro B-noventa e cinco; - inscrito a seu favor pelas inscrições números dezassete mil oitocentos e catorze, do livro G-...  e um do livro G-trinta e três, e a que foi concedida licença de habitabilidade pelo alvará número cento e quinze, emitido pela Câmara Municipal deste concelho em nove de novembro de mil novecentos e setenta e seis.”, conforme escritura pública de compra e venda supra e na Certidão Permanente do Registo Predial identificada com o código de acesso PP-...-...-... –..., cf. Doc. 3 anexo ao PPA.
  1. O imóvel adquirido, em 1988 (21/10/1988), pela Sociedade (C... Limited) foi demolido e construído uma nova edificação (Imóvel 2) correspondente a uma moradia unifamiliar com piscina, conforme cláusula primeira do contrato de empreitada celebrado entre a Sociedade (Dona da Obra) e o empreiteiro D..., Lda, cf. Doc. 4 anexo ao PPA. O prazo de execução da empreitada acordado foi de 14 meses, com início em 1 de setembro de 2009 e terminus em final de outubro de 2010, podendo haver prorrogações quanto ao prazo de execução da empreitada, conforme n.º 1 e 4 da cláusula terceira do contrato de empreitada celebrado pela Requerente, cf. Doc. 4 anexo ao PPA. De acordo com a caderneta predial urbana emitida pela AT em 20/10/2023, o titular do novo imóvel é a Sociedade (C... Limited) com inscrição na matriz no ano de 2012, correspondendo ao artigo matricial: ... e descrito na Conservatória Predial de Loulé sob o registo n.º ..., cf. doc. I anexo às Alegações da Requerente e Schedule 2 do Doc. 5 anexo ao PPA.
  2. Em 31/8/2021 a Requerente vendeu a Sociedade por €8.800.000 (oito milhões oitocentos mil euros), cf. doc. 5 anexo ao PPA.
  3. Relativamente ao período de tributação de 2021, a Requerente apresentou a Declaração Modelo 22 de IRC, cf. Doc. 7 anexo ao PPA. Da autoliquidação referente ao período de tributação de IRC em 2021, a Requerente apurou um montante total a pagar de €1.115.387,90 (um milhão cento e quinze mil trezentos oitenta sete euros e noventa cêntimos), cf. Doc. 8 anexo ao PPA, tendo o mesmo sido pago em 1/6/2022, cf. Doc. 9 anexo ao PPA.
  4. A Requerente apresentou o “Annual Report and Financial Statements” (ARFS), em libras esterlinas (GBP), conforme ponto 1.2 “Functional and presentation currency” pg. 8 do ARFS, relativo ao ano de 2021, onde está referido que “The financial statements are presented in GBP, which is the trust´s functional currency.”, cf. Doc.10 anexo ao PPA. O ARFS é um documento estatutário anual que contém informação de natureza contabilística e financeira relativo à Requerente, tendo sido objeto de auditoria contabilística e financeira por parte do auditor externo E... LIMITED, conforme “Independent Auditor Report” em 17/6/2022, pg. 5 do ARFS. No “Income Statement” do ARFS relativamente a 2021, não aparece registado qualquer valor referente a valor de negócios. Igualmente no DOC. 10 anexo ao PPA, consta um documento “Wages Reconciliation (UE Directive 2011/16)” onde não há referência a qualquer funcionário ou colaborador da Requerente. O Doc. 10 anexo ao PPA diz respeito ao ARFS da Requerente e não da Sociedade (C... Limited).
  5. Em sede de Alegações escritas, a Requerente alega que a Sociedade transmitida – C... Limited - reúne os requisitos para ser considerada uma pequena empresa e por isso ser-lhe aplicável o regime previsto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 43.º do CIRS, conforme artigos 93.º a 137.º das Alegações, anexando o Doc. II às ditas Alegações. O Doc. II diz respeito ao ARFS da C... Limited, sociedade transmitida pela Requerente em 31/8/2021, reportado a 30/8/2020, em libras esterlinas (GBP), aprovado pelo órgão de gestão em 31/5/2021 conforme pg. 7 do ARFS, não tendo o mesmo sido auditado por parte do auditor externo E... LIMITED, conforme “Independent Auditor Report”, conforme pg. 5 do ARFS.
  6. Em 28/9/2022, a Requerente apresentou reclamação graciosa n.º ...2022... relativa à autoliquidação de IRC referente ao período de tributação de 2021, no montante de €1.115.387,90 (um milhão cento e quinze mil trezentos oitenta sete euros e noventa cêntimos). A referida reclamação graciosa foi rececionada em 29/9/2022 pela AT, não tendo a mesma sido respondida pela AT no prazo previsto no artigo 57.º n.º 1 da LGT, dando origem ao indeferimento tácito previsto no artigo 106.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).
  7. A Requerente apresentou PPA tendo o mesmo sido validado e aceite pelo CAAD em 2 de maio de 2023 (2/5/2023).

 

III.1.2. Factos não provados

  1. Com relevo para a decisão da causa, consideram-se como não provados os seguintes factos:
    1. Para efeitos de exclusão de tributação ao abrigo do artigo 4.º n.º 3 alínea f) do CIRC, os imóveis têm de estar afetos à atividade da sociedade que vai ser alienada, no caso controvertido, da C... Limited e por outo lado, estando afeta à atividade da mesma, esta não pode consistir na compra e venda de imóveis. Ora, como ficou provado, a C... Limited adquiriu um imóvel em 1988, demoliu-o e construiu um novo imóvel, com início em 2009, conforme contrato de empreitada constante nos autos- Doc. 4 anexo ao PPA - com a descrição de moradia unifamiliar com piscina que correspondeu à matriz predial urbana n.º ... . De acordo com o material probatório carreado para os autos, não ficou provado que o imóvel reconstruído estivesse afeto à atividade da C... Limited, e, mesmo que estivesse, não ficou demonstrado que o mesmo não estivesse afeto à atividade de compra e venda de imóveis, atividade essa que consta do objeto social da C... Limited da referida sociedade.

 

III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

  1. Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º n.º 2 do CPPT e do artigo 607.º n.ºs 3 e 4, do CPC[5], aplicáveis ex vi do artigo 29.º n.º 1 alínea a) e e), do RJAT).
  2. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência de vida (cfr. artigo 16.º alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º n.º 1 alínea e), do RJAT). Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica dos documentos juntos aos autos.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

Questões Decidendas

o presente PPA tem por objeto o ato de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º... referente ao ano de 2021, no valor de €1.115.378,90 (um milhão, cento e quinze mil, trezentos e setenta e oito euros e noventa cêntimos), relativamente à qual se pede a declaração de ilegalidade e a consequente anulação total ou parcial, acompanhada da restituição da total ou parcial do imposto pago, assim como dos juros indemnizatórios correspondentes. A Requerente pede igualmente a condenação da Requerida no pagamento de custas do processo.

Tendo em conta a posição das partes e a matéria de facto dada como assente, as questões a decidir são:

  1. A aplicação do disposto no artigo 4.º n.º 3 alínea f) do CIRC não se aplica aos ganhos obtidos pela Requerente com a transmissão da C... Limited (Sociedade), sua sociedade subsidiária constituída segundo o direito de Malta
  2. A título subsidiário se o regime de isenção previsto no artigo 27.º n.º 2 alínea d) do EBF e no artigo 51.º -C n.º 4 do CIRC são aplicáveis ao caso controvertido
  3. O regime previsto no artigo 43.º n.º 3 do CIRS deve ser aplicado ao ganho obtido pela Requerente, devendo só 50% do ganho obtido com a venda da sua subsidiária C... Limited ser tributado em Portugal
  4. Do reembolso do IRC indevidamente pago e dos juros indemnizatórios.

 

Tendo em conta o exposto acima, há que analisar:

 

  1. A aplicação do disposto no artigo 4.º n.º 3 alínea f) do CIRC não se aplica aos ganhos obtidos pela Requerente com a transmissão da C... Limited (Sociedade), sua sociedade subsidiária constituída segundo o direito de Malta

 

Quer a Requerente quer a sua subsidiária – C... Limited - são sociedades constituídas segundo o direito de Malta, residentes fiscais em Malta e não residentes fiscais em Portugal, à data de 31/8/2023, momento em que se apurou um ganho sob a forma de mais-valia fiscal obtido com a transmissão da totalidade da participação social detida pela Requerente na sua subsidiária –C... Limited.

De acordo com os estatutos da sociedade C... Limited em vigor em 2018 e 2021, aquela tinha por objeto social, nomeadamente, entre outros atos a praticar para efeitos de realização do seu objeto social “To purchase, acquire, develop, own, hold, manager lease, license, administer, sell or otherwise dispose of real estate property and other property of any kind”, conforme consta do Doc. 2 anexo ao PPA, o que pressupõe que uma parte da sua atividade seja de compra e venda de bens imóveis.

Em 1988 (21/10/1988) a C... Limited adquiriu um prédio “urbano, térreo, para habitação, com vários compartimentos, com a superfície coberta de trezentos metros quadrados e logradouro com piscina (…)”, tendo o mesmo posteriormente sido demolido e construída uma nova edificação correspondente a uma moradia unifamiliar com piscina, conforme artigo matricial da caderneta predial urbana fiscal n.º ... e correspondendo à inscrição na Conservatória Predial de Loulé com o registo n.º..., conforme provado.

 No artigo 4.º n.º 3 alínea f) do CIRC está plasmado que “Ganhos resultantes da transmissão onerosa de partes de capital ou de direitos similares em sociedades ou outras entidades, não abrangidas pela alínea b), quando, em qualquer momento durante os 365 dias anteriores, o valor dessas partes de capital ou direitos resulte, direta ou indiretamente, em mais de 50 %, de bens imóveis ou direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, com exceção dos bens imóveis afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial que não consista na compra e venda de bens imóveis” o que implica que, para se aplicar a exceção prevista no artigo 4.º n.º3 alínea f) do CIRC [“(…) com exceção dos bens imóveis afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial que não consista na compra e venda de bens imóveis”], os imóveis pertencentes ao património da sociedade transmitida – C... Limited – deviam estar afetos a uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e que a mesma não consistisse na compra e venda de bens imóveis. Assim sendo, se o imóvel fizer parte do património duma sociedade não residente - Sociedade B (por exemplo a C... Limited) - detida por outra sociedade não residente – Sociedade A (a Requerente) - e a atividade da sociedade B seja realizada em Portugal através desse imóvel sito em Portugal e a atividade exercida também em Portugal, seja de natureza comercial, industrial ou agrícola, e essa atividade não consista na venda e compra de bens imóveis, então, o ganho obtido pela Sociedade A (Requerente) com a alienação da participação social na Sociedade B (C... Limited) não se considera obtido em Portugal, não sendo esse ganho tributado em IRC. 

No caso controvertido, ficou provado que a C... Limited adquiriu um imóvel (prédio urbano) em 1988 (21/10/1988), demoliu-o e construiu outro imóvel (prédio urbano) correspondente a uma moradia unifamiliar com piscina, conforme artigo matricial da caderneta predial urbana fiscal n.º ... e inscrição na Conservatória Predial de Loulé com o registo n.º ..., cf. DOC. I anexo às Alegações da Requerente e Schedule 2 do Doc. 5 anexo ao PPA.

A questão que se levanta é a de saber com que fim é que foi feita a aquisição do imóvel originário (Imóvel 1) adquirido em 1988 (21/10/1988), posterior demolição desse imóvel e subsequente construção de um novo imóvel (Imóvel 2) por parte da C... Limited, com vista a escrutinar se há lugar ou não à exclusão de tributação por força do artigo 4.º n.º 3 alínea f) do CIRC do ganho obtido pela Requerente, em 31/8/2021, com a transmissão da participação total na C... Limited, proprietária do imóvel reconstruído (Imóvel 2). A Requerente entende que todas as vicissitudes relativas aos imóveis localizados em Portugal, compreendendo a aquisição do imóvel em 1988 (Imóvel 1), subsequente demolição e construção dum novo imóvel (Imóvel 2), se enquadram numa perspetiva de “(…) desenvolvimento imobiliário, com vista, designadamente à sua afetação a uma atividade comercial de arrendamento ou turística, nunca tendo o mesmo sido afeta (nem nunca fui sequer planeada a sua afetação) a compra e venda”, conforme artigo 21.º das Alegações por parte da Requerente. Adicionalmente, a Requerente entende que “Dos autos não resulta aliás (nem poderia resultar) nenhum indício da afetação (ou intenção de afetação) do imóvel a tal atividade de compra e venda”, conforme artigo 22.º das Alegações, reforçando a ideia que “Pelo contrário! Dos autos resulta um conjunto de operações imobiliárias - ergo alterações físicas, materiais e jurídicas do imóvel- que provam a intencionalidade de transformar física e juridicamente o imóvel, valorizando o comercialmente”, conforme artigo 23.º das Alegações, e que, por isso, os CAE’s utilizados a nível dos imóveis sitos em Portugal: 43110[6] e 41200[7] espelham as mudanças estruturais ocorridas nos referidos imóveis levadas a cabo pela C... Limited. Tal facto levou a que a Requerente no quadro 04 da sua IES relativa ao ano de 2021 indicasse o CAE 41200 como a sua atividade principal e que correspondia à atividade exercida pela C... Limited, não se devendo confundir com a atividade de compra e venda de imóveis, típicas da atividade imobiliária, ao qual corresponde o CAE 68100[8], defendendo que a C... Limited não se limitou a comprar um imóvel e depois vendê-lo no estado em que o comprou, mas, sim, procedeu a alterações estruturais que implicaram a demolição dum imóvel e a reconstrução de outro, conforme artigos 29.º a 38.º das Alegações. Defende ainda igualmente que toda a história cadastral dos imóveis detidos pela C... Limited era conhecida da AT, por força do artigo 74.º n.º2  da LGT, não entendendo como a AT pode vir alegar que não foi feita prova de que o imóvel existente, pertencente à C... Limited, não estivesse afeto à compra e venda. Igualmente defende que a C... Limited paga IMI todos os anos do imóvel reconstruído (Imóvel 2) por ser proprietária do mesmo e que conforme DOC. I anexo às Alegações (documento emitido via Internet em 20/10/2023) à data da presente PPA continua a ser proprietária do referido imóvel reconstruído (Imóvel 2). Por outro lado, a Requerente defende que o objeto social da C... Limited compreende diversas atividades, para além da compra e venda de imóveis e não concorda com a alegação da AT de que a Requerente não conseguiu provar que a atividade de compra e venda de imóveis exercida pela C... Limited não foi efetivamente exercida. A prova do não exercício da atividade de compra e venda de imóveis foi feita a contrario, isto é, a C... Limited, exercendo atividades de construção imobiliária, não se podia considerar que estava a exercer a atividade de compra e venda de imóveis. Entende que se a AT considera que a atividade exercida pela C... Limited não é a atividade de construção de imóveis, mas sim, a compra e venda de imóveis, compete à AT carrear para os autos material probatório de que a atividade efetivamente exercida foi a compra e venda de imóveis, ao abrigo do ónus da prova previsto no artigo 74.º n.º 1 da LGT e do artigo 342.º n.º 1 do Código Civil, uma vez que é a AT que tem o direito constitutivo de tributar. Assim, as atividades exercidas pela C... Limited não podem ser incluídas na atividade de compra e venda de imóveis incluídas no CAE 68100, que não inclui promoção imobiliária, nem transformações jurídicas e materiais compreendendo nestas, demolições, construções ou melhoramentos, que deram origem a uma nova matriz predial urbana, e, consequentemente, o ganho obtido pela Requerente com a venda da totalidade da participação social na C... Limited em 2021, não tem enquadramento legal no artigo 4.º n.º 3 alínea f) do CIRC porque esse ganho não se pode considerar obtido em Portugal e como tal estar incluído na incidência do IRC, uma vez que a exclusão da incidência do IRC se verifica por força da exceção prevista no artigo 4.º n.º 3 alínea f) do CIRC [“(…) com exceção dos bens imóveis afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial que não consista na compra e venda de bens imóveis”].

Ora, uma vez que a Requerente pretende abranger o imóvel na exceção prevista no artigo 4.º n.º 3 alínea f) do CIRC [“(…) com exceção dos bens imóveis afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial que não consista na compra e venda de bens imóveis”], competiria à mesma provar que:

  • Os imóveis apesar de pertencerem ao património da C... Limited, estavam afetos à sua atividade; e
  • Caso se provasse tal afetação, caberia fazer prova de que a C... Limited não se dedicava à compra e venda de imóveis.

No caso controvertido, a Requerente fez prova de que a C... Limited foi a proprietária de um imóvel adquirido em 21/10/1988 (Imóvel 1), posteriormente foi demolido e construído um novo imóvel (Imóvel 2). Qual o fim? Qual o propósito da demolição e construção dum novo imóvel? De facto, como a AT refere quer na Resposta/Contestação, quer em sede de Alegações, dos factos relatados e elementos probatórios carreados para os autos, não resulta qualquer evidência de que o imóvel esteja afeto à atividade da C... Limited. Por outro lado, admitindo-se que o imóvel estivesse afeto à atividade da C... Limited, é convicção deste Tribunal que a Requerente não logrou provar que esse imóvel não estivesse afeto à compra e venda de bens imóveis levada a cabo pela C... Limited. De facto, uma das atividades previstas no objeto social daquela sociedade era a compra e venda de imóveis e descritas no Doc. 2 anexo ao PPA como sendo atividades a serem exercidas pela C... Limited. O facto de ter havido uma demolição, reconstrução de um imóvel e à data da venda da C... Limited, a propriedade do imóvel continuar a pertencer à referida sociedade – C... Limited - por si só afasta a hipótese de a atividade da referida sociedade não ser a compra e venda de imóveis? Repare-se que no artigo 21.º e seguintes das Alegações apresentadas pela Requerente é alegado que as mudanças jurídicas e estruturais efetuadas nos imóveis localizados em Portugal e pertencentes à C... Limited tinham como objetivo “[(..) a sua afetação a uma atividade comercial de arrendamento ou turística, nunca tendo o mesmo sido afecto (nem nunca foi sequer planeada a sua afetação) à compra e venda.]”, mas, não se encontra nos autos evidência disto mesmo, nem de o imóvel reconstruído (Imóvel 2) não poder estar afeto à atividade de compra e venda, uma vez que uma das atividades da C... Limited era a compra e venda de bens imóveis.

 

Assim, tendo por base o exposto, é convicção deste Tribunal que se deve aplicar o artigo 4.º n.º 3 alínea f) do CIRC, não se devendo aplicar a exceção in fine  do normativo referido, e, consequentemente, o ganho obtido pela Requerente com a venda da totalidade da participação social da C... Limited dever ser considerado obtido em Portugal e estar sujeito a IRC, improcedendo o pedido da Requerente, com base neste argumento, quanto à ilegalidade da autoliquidação de IRC.

 

  1. A título subsidiário se o regime de isenção previsto no artigo 27.º n.º 2 alínea d) do EBF e no artigo 51.º -C n.º 4 do CIRC são aplicáveis ao caso controvertido

A Requerente considera que o artigo 27.º n.º 2  alínea d) do EBF é idêntico ao artigo 4.º n.º3 alínea f) do CIRC, bem como com ao artigo 51.º -C n.º 4 do CIRC (o disposto no número 1 não é aplicável às mais-valias e menos valias realizadas mediante Transmissão onerosa de partes sociais, bem como a Transmissão de outros instrumentos de capital próprio associados às partes sociais, designadamente prestações suplementares, quando o valor dos bens imóveis ou dos direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, com exceção dos bens imóveis afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial que não consista na compra e venda de bens imóveis, represente, direta ou indiretamente, mais de 50% do ativo.) em que o n.º1[9] da norma de IRC referida anteriormente se refere ao regime de “participation exemption” em vigor em Portugal. Defende que este artigo 51.º -C n.º4 do CIRC se aplica a imóveis adquiridos em ou após 1 de janeiro de 2014, por força do artigo 12.º n.º 12 da Lei 2/2014, de 16 de janeiro, o que significa que para imóveis adquiridos até 31/12/2023, não há afastamento da aplicação do regime do “participation exemption”, podendo haver para imóveis adquiridos em ou após 1 de janeiro de 2014. Adicionalmente, comparando o regime do artigo 27.º do EBF com o artigo 51.º - C do CIRC, pode concluir-se que:

  • a exceção à isenção prevista no artigo 27.º n.º 2 alínea d) do EBF aplica-se sempre a entidades não residentes em território português, independentemente da data de aquisição dos imóveis na sociedade alienada;
  • o regime de “participation exemption” previsto no artigo 51.º-C do CIRC aplica-se sempre às mais-valias auferidas por entidades residentes com a alienação de ativos imobiliários cujos imóveis tenham sido adquiridos até 31/12/2013, independentemente da afetação do imóvel;
  • são tributadas as mais-valias obtidas por não residentes com veículos imobiliários portugueses, independentemente da data em que os imóveis tenham sido adquiridos.

Comparando os diferentes regimes tributários acima referidos, os mesmos são incompatíveis com o Direito da União Europeia, por desconformidade com os  artigos 26.º n.º2, 63.º e 110.º da TFUE.

De facto, segundo a Requerente, se ela fosse detentora da participação na C... Limited (sociedade não residente sem estabelecimento estável em Portugal) e esta tivesse adquirido um imóvel localizado em Portugal até 31/12/2013, então, a Requerente deveria usufruir do mesmo regime de “participation exemption” e não tributar o ganho (mais-valia fiscal) com a alienação da C... Limited, uma vez que, se uma sociedade residente em Portugal (Sociedade A) detentora de outra sociedade residente fiscalmente em Portugal (Sociedade B), proprietária do mesmo imóvel, independentemente da afetação desse imóvel por força do disposto no artigo 51.º-C n.º 4 do CIRC, alienar a sociedade residente fiscalmente em Portugal (Sociedade B), o ganho (mais-valia fiscal) obtido não estaria sujeito a IRC em Portugal por força do regime de “participation exemption” para não haver discriminação a favor das sociedades residentes.

A Requerida defende que as disposições do artigo 27.º n.º 2 alínea d) do EBF e do artigo 51.º-C n.ºs 1 e 4 do CIRC, quanto ao seu enquadramento fático são diferentes, conforme resulta dos artigos 29.º a 31.º da Resposta/Contestação e conclui no artigo 31,º do articulado anteriormente referido que “Em suma, são exceções à não tributação das mais-valias que decorrem de factos diferentes, não podendo ser comparáveis e muito menos, vir a ser invocada, como faz a requerente, em compatibilidade com o direito da União Europeia, por se tributar de forma discriminatória situações fácticas exatamente iguais.”

 

Vejamos.

 

No caso de mais-valias realizadas por entidades não residentes na transmissão onerosa de partes de capital, cujo valor derive de bens imóveis situados em Portugal (não afetos a uma atividade), rege a seguinte norma do Código do IRC:

Artigo 4.º

3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, a seguir se indicam:

(…)

f) Ganhos resultantes da transmissão onerosa de partes de capital ou de direitos similares em sociedades ou outras entidades, não abrangidas pela alínea b), quando, em qualquer momento durante os 365 dias anteriores, o valor dessas partes de capital ou direitos resulte, direta ou indiretamente, em mais de 50 %, de bens imóveis ou direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, com exceção dos bens imóveis afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial que não consista na compra e venda de bens imóveis.

As mais valias-realizadas por entidades residentes em idêntica situação são também tributadas em IRC, uma vez que, nesse caso, não se aplica a isenção prevista no artigo 51.º-C n.º 4 do Código do IRC (regime do “participation exemption”). 

De facto, o artigo 51.º-C n.º 4 exclui a possibilidade de isenção:

“4 - O disposto no n.º 1 não é aplicável [ou seja, não há isenção] às mais-valias e menos-valias realizadas mediante transmissão onerosa de partes sociais, bem como à transmissão de outros instrumentos de capital próprio associados às partes sociais, designadamente prestações suplementares, quando o valor dos bens imóveis ou dos direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, com exceção dos bens imóveis afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial que não consista na compra e venda de bens imóveis, represente, direta ou indiretamente, mais de 50 % do ativo”.

Porém, o artigo 12.º n.º 12 da Lei n.º 2/2014, estipula:

12 - Para efeitos do cálculo da percentagem a que se refere o n.º 4 do artigo 51.º-C do Código do IRC apenas se consideram os imóveis adquiridos em ou após 1 de janeiro de 2014. 

Ou seja, e em termos práticos, no caso de mais-valias realizadas por residentes na venda de participações sociais em sociedades que detenham, direta ou indiretamente, imóveis em Portugal, as mesmas podem beneficiar de isenção, caso o imóvel tenha sido adquirido antes de 01/01/2014, uma vez que estes não são considerados para o cômputo do valor dos imóveis detidos, direta ou indiretamente, pela sociedade.

Concretizando para o caso dos autos, se a Requerente fosse uma empresa residente em Portugal que detém uma sociedade em Malta, que por sua vez detém um imóvel em Portugal (não afeto a uma atividade) adquirido antes de 2014, desde que verificadas as condições do artigo 51.º-C, não haveria tributação em IRC sobre as mais-valias geradas na venda da participação na entidade em Malta, porque poderia beneficiar do regime de isenção previsto no artigo 51.º-C do CIRC, conjugado com o artigo 12.º da Lei n.º 2/2014.

Ora, no caso dos autos a entidade que vende é residente em Malta. Como o regime do artigo 51.º-C do CIRC não se aplica a entidades não residentes sem estabelecimento estável, mas sim o do artigo 4.º, nº 3, alínea f), a tributação ocorre independentemente da data de aquisição do imóvel.

 

Quanto ao princípio do TFUE, o artigo 63.º dispõe que:

“1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.”

No Acórdão do TJUE  de 11 de outubro de 2007, proferido no processo C 443/06 (caso Hollman), o TJUE sustenta que “uma operação de liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa no processo principal, constitui um movimento de capitais”, e que “por conseguinte, este tipo de operação é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 56.° CE e é, por isso, com base neste artigo que importa examinar a questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio”, (cfr. pontos 31 e 32, correspondendo o artigo citado ao atual artigo 63.º do TFUE).

Porém, para que se pudesse concluir se, na situação concreta da Requerente, a legislação portuguesa representa uma restrição ao movimento de capitais, conforme a norma referida do TFUE, a Requerente teria de ter demonstrado que se encontra nas mesmas condições de um sujeito passivo de IRC residente em Portugal a que fosse aplicável a norma do artigo 51.º-C do Código do IRC.

Ora, para esse efeito, a Requerente teria de ser uma pessoa coletiva ou outra entidade que exercesse, a título principal, atividade comercial, industrial ou agrícola, uma vez que apenas a estas seria aplicável a norma do artigo 51.º-C, caso contrário a tributação incidiria, conforme o disposto no artigo 3.º, n.º 1, b), do Código do IRC “sobre o rendimento global, correspondente à soma algébrica dos rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito”.

A este respeito, as demonstrações financeiras juntas aos autos (Doc. 10) referem que a Requerente “is registered as a trust, which has opted to be treated as a company for income tax purposes as from 1st January 2019”. Não é, porém, suficiente para a prova referida, uma vez que seria necessário desenvolver e provar que, tal como uma sociedade em Portugal, a Requerente, apesar de se encontrar registada como “Trust”, desenvolve uma atividade comercial.   

Em todo o caso, ainda que a Requerente exercesse, a título principal, atividade comercial, industrial ou agrícola, o que não demonstrou, o n.º 1 do artigo 51.º-C dispõe que só beneficiam da isenção nas mais-valias quando cumpridos os requisitos previstos nas alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 51.º, bem como o requisito previsto na alínea d) do n.º 1 ou no n.º 2 do mesmo artigo. De notar, que uma das exigências, a que consta da alínea c), é de que a entidade não esteja sujeita a um regime de transparência fiscal, o que ocorre, por exemplo, quando se trate de uma sociedade de “simples administração de bens, cuja maioria do capital social pertença, direta ou indiretamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo familiar, ou cujo capital social pertença, em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não superior a cinco” (cf. artigo 6.º n.º 1 c) do CIRC).

Ora, não só a Requerente não fez esta prova, como a sua própria natureza de “Trust” suscita dúvidas quanto à possibilidade de beneficiar do regime de “participation exemption”, caso fosse uma entidade residente em Portugal.

Tendo por base o acima exposto, improcede o pedido da Requerente, também com base neste argumento, quanto à ilegalidade da autoliquidação de IRC.

 

  1. O regime previsto no artigo 43.º n.º 3 do CIRS deve ser aplicado ao ganho obtido pela Requerente devendo só 50% do ganho obtido com a venda da sua subsidiária C... Limited ser tributado em Portugal

A Requerente considera, em sede do PPA e de Alegações, que, nos termos do artigo 3.º n.º1 alínea d) , do artigo 15.º n.º1 alínea d) e artigo 56.º, todos do IRC, os rendimentos obtidos por não residentes, não imputáveis a estabelecimento estável situado em território português, são determinados de acordo com as regras estabelecidas para as categorias correspondentes para efeitos de IRS.

Assim, segundo a Requerente, em sede de PPA, a mais-valia fiscal obtida com a transmissão da totalidade da participação social da C... Limited que detinha, deve ser tributada de acordo com o regime aplicável a micro e pequenas empresas, devendo a mesma ser considerada apenas em metade do seu valor, nos termos do artigo 43.º n.s 1 e 3 do CIRS. De acordo com o n.º 4 do mesmo artigo do CIRS, entende-se por micro e pequena empresas, as entidades definidas no Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 novembro. Nos termos do artigo 2.º do Anexo do Decreto-Lei n.º 372/2007:

“1 - A categoria das micro, pequenas e médias empresas (PME) é constituída por empresas que empregam menos de 250 pessoas e cujo volume de negócios anual não excede 50 milhões de euros ou cujo balanço total anual não excede 43 milhões de euros.

2 -Na categoria das PME, uma pequena empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou Balanço total anual não excede 10 milhões de euros.

3 - Na categoria das PME, uma microempresa é definida como uma empresa que emprega menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros.”

Assim, a Requerente defende que em 2021 não tinha ao seu serviço funcionários, nem o respetivo volume de negócios ascendeu aos €10.000.000 (dez milhões euros), conforme Doc. 10 anexo ao PPA, devendo por isso ser qualificada como pequena empresa, nos termos do artigo 2.º n.º2 do Anexo do Decreto-Lei 372/2007, de 6 de novembro. Defende que o disposto no Decreto-Lei acima referido se lhe aplica porque, caso contrário, violava o Direito da União Europeia e o estatuído no artigo 43.º n.ºs 1, 3 e 4 do CIRS. A sua posição tem respaldo quer a nível da jurisprudência arbitral (Processo 597/2018-T) quer a nível da jurisprudência europeia identificada no artigo 82.º do PPA. Igualmente defende que qualquer diferença de tratamento entre sujeitos passivos, baseada apenas na sua residência fiscal dentro da União Europeia, sem qualquer outra razão atendível, como seja o interesse geral ou a coerência do sistema fiscal, é um meio de discriminação arbitrária violadora do Direito Europeu, fundamentando a sua posição quer no Acórdão do STA de 14/10/2020 Processo n.º 01273/08.6BELRS quer na jurisprudência do TJUE referido no artigo 85.º do PPA.

A Requerente em sede de Alegações veio defender que, tendo em atenção o defendido quer nos artigos 71.º e 86.º do PPA quer nos artigos 33.º a 46.º da Resposta/Contestação, à mais-valia fiscal apurada por si na alienação da totalidade da participação na C... Limited, era aplicável o plasmado no artigo 43.º n.s 1 e 3 do Código do IRS e que de acordo com o n.º 4 do mesmo artigo do CIRS.

A classificação de micro ou pequena empresa também devia ser aplicada à sociedade transmitida – C... Limited, por força do Doc.10 anexo ao PPA, ao abrigo do qual se prova que a C... Limited não tinha ao seu serviço funcionários, nem o seu volume de negócios tinha ascendido a 10 milhões de euros, uma vez que a C... Limited era o único ativo da Requerente e que o valor de balanço da Requerente não ultrapassava o limiar dos 10 milhões de euros, pode concluir-se que o requisito dos 10 milhões está observado na esfera da C... Limited. Refere ainda que os Doc. 5 e 10 anexos ao PPA provam o alegado anteriormente.

Adicionalmente anexa às Alegações o DOC.II - ARFS da C... Limited reportado a 30/5/2020 e aprovado em 31/5/2021 pelo seu órgão de gestão, conforme pg. 7 do ARFS e artigo 105.º das Alegações, para provar que o balanço da C... Limited (sociedade transmitida pela Requerente) nunca atingiu os 8 milhões de euros, pelo que o requisito legal dos 10 milhões de euros está cumprido, provando-se assim no caso controvertido que a C... Limited reunia os requisitos para ser considerada um pequena empresa ao abrigo do artigo 2.º n.º 2 do Anexo do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 novembro (artigo 2.º n.º 2 - Na categoria das PME, uma pequena empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total ou anual não excede 10 milhões de euros). Peticiona igualmente que, havendo deficit probatório quanto a alguns dos requisitos do artigo 43.º n.º 4 do CIRS, por impossibilidade de obtenção por parte da Requerente, a AT deve providenciar a sua obtenção junto da Autoridade Tributária Maltesa ao abrigo do artigo 25.º n.º1 da CDT, artigos 55.º e do artigo 74.º n.º2 , ambos da LGT.

A Requerida em sede de Resposta/Contestação e Alegações defende que para efeitos de aplicação do disposto no artigo 43.º n.º 3 do CIRS “O saldo referido no n.º1[10] , respeitantes às transmissões previstas na alínea b) do n.º1 do artigo 10.º[11] , relativo a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é igualmente considerado em 50% do seu valor.” , o que seria relevante se a sociedade cujas participações sociais foram transmitidas fosse classificada como micro ou pequena empresa, isto é, no caso controvertido, as respeitantes à sociedade C... Limited e não a Requerente.

De acordo com o artigo 43.º n.º4 do CIRS “Para efeitos do disposto no número anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao decreto-lei número 372/2007, de 6 novembro”. Assim, para efeitos do regime previsto no artigo 43.º n.º 3 do CIRS devem considerar-se as micro e pequenas empresas nacionais, tal como são definidas no Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, localizadas em Portugal, atendendo ao preâmbulo da Lei n.º 257/XI, em que se escreve “Finalmente, porque importa nesta ocasião significar a urgência da recuperação financeira das empresas, em particular das pequenas e médias empresas nacionais, muitas delas de matriz familiar, preconiza se um regime fiscal mais favorável às mais-valias geradas na alienação onerosa de partes sociais, nos termos definidos no artigo 10.º n.º1  alínea b), do Código do IRS”, pelo que o Decreto-Lei 372/2007, de 6 de novembro, quando define os conceitos de micro, pequenas e médias empresas, está a referir-se ao universo de empresas localizadas em Portugal, ou seja, dentro dos limites da sua competência territorial. Por outro lado, defende que o disposto no Anexo do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, não belisca o Direito Comunitário, na medida em que o diploma português, Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, resulta do que está plasmado na Recomendação n.º 2003/361CE da Comissão Europeia, de 6 de maio, que permitiu a cada Estado-Membro definir quais os requisitos para uma entidade ser elegível como PME. Conclui que o pedido efetuado por parte da Requerente, a aplicação do previsto no artigo 43.º n.º 3 do CIRS (O saldo referido no n.º1[12], respeitantes às transmissões previstas na alínea b) do n.º1 do artigo 10.º[13] , relativo a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é igualmente considerado em 50% do seu valor.”) por remissão do seu n.º 4, é infundado na medida em que o que releva para efeitos do artigo 43.º n.º 3 do CIRS, é a entidade transmitida –C... Limited – e não a Requerente. No entanto, para efeitos do disposto no Anexo do Decreto-Lei 372/2007, de 6 de novembro, as entidades aí referidas devem ser as que são consideradas residentes em Portugal pelas razões supra.

Do acima exposto, verifica-se que a Requerente é uma entidade não residente em sem estabelecimento estável em Portugal e que, em termos de incidência, para efeitos de IRC, está sujeito às alíneas c) do n.º1 do artigo 2.º n.º 1 alínea c) e artigo 3.º n.º 1 alínea d), todos do CIRC. Por outro lado, em termos de determinação da matéria coletável para efeitos de IRC, é aplicável à Requerente o estatuído no artigo 15.º n.º1 alínea d) do IRC “relativamente às entidades não residentes que obtenham em território português rendimentos não imputáveis a estabelecimento estável aí situado, a matéria coletável é constituída pelos rendimentos das várias categorias e, bem assim, pelos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito, determinados nos termos do artigo 56.º”, o que implica que se analise o conteúdo do artigo 56.º do CIRC. Assim, está plasmado no artigo 56.º do CIRC sob a epígrafe “Rendimentos não imputáveis a estabelecimento estável” no seu n.º1, no que é relevante para o caso controvertido, está plasmado que “Os rendimentos não imputáveis a estabelecimento estável situado em território português, obtidos por sociedades e outras entidades não residentes, são determinados de acordo com as regras estabelecidas para as categorias correspondentes para efeitos de IRS”.

Relativamente ao artigo 56.º do CIRC, este Tribunal acompanha e sufraga a análise efetuada a nível de jurisprudência arbitral no Processo 685/2022-T[14] quando esta se pronuncia no sentido de “Há que começar pela razão de ser desta norma e, consequentemente, o âmbito da remissão para o CIRS por ela operada.

Como é sabido, relativamente a sociedades residentes (e aos estabelecimentos estáveis de não residentes), o IRC incide sobre o lucro (art. 3º, nº 1, al a), do CIRC).

Sem maiores desenvolvimentos, que entendemos desnecessários, diremos que para a formação do lucro tributável concorrem todo o tipo de variações patrimoniais positivas obtidas pelo sujeito passivo, salvo as excetuadas por lei. Há pois um fenómeno de atração: rendimentos sem intrínseca natureza empresarial – como é o caso das mais-valias - passam a integrar o lucro tributável dada a qualidade empresarial (escopo lucrativo) do titular. E é possível determinar essa totalidade de rendimentos dada a obrigação de existência de contabilidade organizada.

Relativamente às sociedades não residentes sem estabelecimento estável, o CIRC remete para o CIRS pois o legislador terá considerado não se justificar o referido fenómeno de atração, dado o carácter esporádico da obtenção de rendimentos no nosso país, e não existir, à normal disposição da AT, contabilidade que permita identificar todos os rendimentos obtidos e proceder ao cálculo do lucro tributável a partir das regras contabilísticas (princípio da dependência parcial).

A remissão feita pelo art. 56º do CIRC opera, pois, por duas vias:

- só integram a matéria coletável destes sujeitos passivos os rendimentos, obtidos em Portugal, tipificados nas diferentes categorias do IRS, o que é particularmente relevante no caso das mais-valias uma vez que este imposto só considera tributáveis algumas mais-valias (entre as quais as imobiliárias), quando, estando em causa a tributação do lucro, todas as mais-valias concorrem para o cálculo da matéria coletável.

- as regras de quantificação aplicáveis (no caso, para o cálculo do valor da mais-valia obtidas) são as previstas no CIRC e não as regras contabilísticas com eventuais ajustes ditados por normas fiscais como sucede relativamente às sociedades residentes e aos estabelecimentos estáveis de sociedades não residentes.

O importante é salientar que as sociedades não residentes sem estabelecimento estável não são (não passam a ser por força do art. 56º do CIRS) sujeitos passivos de IRS, continuam a ser sujeitos passivos de IRC, como expressa o art. 2º, n.1, c) do CIRC. Apenas o âmbito da incidência real, em sentido amplo (incluindo as normas relativas à quantificação matéria coletável) é determinado por aplicação das regras do CIRS (art. 3º, d) do CIRC).”,

A Requerente, como pessoa jurídica coletiva, está sujeita a IRC e não a IRS, posição igualmente defendida a nível de jurisprudência arbitral no Processo 303/2022-T[15] que se pronunciou no sentido de

Tal nada tem a ver com a situação da Requerente pois que esta, independentemente de dever ser havida como residente ou não residente, enquanto pessoa jurídica, está sujeita a IRC e não a IRS. A remissão para as normas do CIRS operada pela alínea d) n.º1 do artigo 3.º do CIRC cinge-se à determinação da matéria coletável: as sociedades não residentes sem estabelecimento estável apenas são sujeitos a imposto, no nosso país, pelos rendimentos que que o CIRS considera tributáveis e não pelo seu rendimento global (lucro), como sucede relativamente à generalidade dos sujeitos passivos de IRC. Tal remissão é apenas para as regras de incidência strito sensu, do IRS e não, também para as regras deste código relativas à quantificação da matéria coletável de cada uma das categorias”.

 

Assim sendo, conforme é sustentado igualmente a nível de jurisprudência arbitral no Processo 757/2022-T[16] que se pronunciou no sentido de que “(…) a determinação da matéria coletável do rendimento de mais valias obtidas pela Requerente segue as regras previstas para o cálculo do rendimento, previstas no código do IRS, que respeitam essencialmente à incidência de imposto. Não obstante, o rendimento das mais-valias ser determinado vir por remissão do artigo 56.º do código do IRC, de acordo com as regras estabelecidas quanto à determinação do rendimento coletável previstas no código do IRS, o rendimento das mais-valias obtidas pela Requerente, enquanto sociedade comercial, está sujeito a IRC e não a IRS.

Sobre a tributação da matéria coletável das sociedades comerciais, não residentes e sem estabelecimento estável em Portugal, determina-se no artigo 87.º n.º4 do Código do IRC que a taxa de IRC é de 25%. No caso de esses rendimentos serem obtidos por uma sociedade residente em Portugal, a taxa de IRC é de 21%.

Não se prevê no Código do IRC nenhuma dedução de 50% das mais-valias a sujeitar a imposto, nem para residentes nem para não residentes, contrariamente ao que sucede em sede de IRS, como salienta a Requerente.”

Verifica-se que à tributação de sujeitos passivos de IRC não residentes sem estabelecimento estável em Portugal, como é o caso da Requerente, não se lhe pode aplicar a isenção de 50%, como previsto para sujeitos passivos de IRS.

Adicionalmente, refira-se que no aresto do Processo 685/2022-T, já anteriormente referido, o argumento aí usado para a não aplicabilidade a sujeitos passivos de IRC sem estabelecimento estável em Portugal, como é o caso da Requerente, da tributação das mais-valias imobiliárias em apenas 50% para efeitos de IRS, ao abrigo do artigo 43.º n.º2 alínea b) do CIRS,  os fundamentos aí usados podem ser aplicados ao caso controvertido e que, pela sua relevância, se transcrevem:

Importa agora saber qual a razão pela qual, por regra, as mais-valias imobiliárias apenas são consideradas em 50% para efeitos da sua integração na matéria coletável de IRS.

Está em causa a “resposta” que a lei entendeu dar para minorar os efeitos nefastos que, de outro modo, ocorreriam em resultado de as mais-valias apenas serem tributadas no momento da sua realização, no caso, no momento da alienação de um imóvel. Sendo certo que a obtenção desse rendimento, ainda que apenas de forma latente (o mesmo é dizer, o aumento da capacidade contributiva) acontece ao longo de vários anos, por vezes muitos, durante o tempo que mediou entre a aquisição e a alienação onerosa.

Abstendo-nos, por desnecessário, de explicitar as razões pelas quais o legislador adotou o princípio da realização para definir o momento temporal da tributação, temos que a concentração da tributação num determinado ano (o da alienação onerosa) de um rendimento que foi gerado numa pluralidade de anos, origina dois efeitos perversos[17]:

- Um é o efeito de concentração (brunching effect): num imposto progressivo, a taxa, no ano em que a realização acontece, tende a disparar (a ser anormalmente elevada); ou seja, o sujeito passivo pagará mais imposto que aquele que pagaria se a tributação acontecesse anualmente, à medida que a mais-valia foi gerada.

- Outro é o efeito de imobilização (lock in effect): sabendo que vão ser abrangidos por uma tributação elevada no momento da realização (que o preço obtido, líquido de imposto, resultará), os sujeitos passivos tendem a não alienar os bens, mesmo que não lhes sejam úteis, com todo o desperdício que, em termos económicos e sociais, assim se gera.

A “resposta” que o legislador encontrou foi, precisamente, a de determinar que só integrassem a matéria coletável de IRS 50% do saldo das mais e menos valais imobiliárias obtidas em cada ano.

Damos, agora, a palavra a Gustavo Courinha[18]:

[Com efeito, esta solução de consideração a 50% de tais valores para efeitos da base tributável foi pensada – e só nessa medida faz que o legislador entendido – para casos de aplicação das taxas progressivas e no pressuposto do englobamento da generalidade dos rendimentos obtidos pelo sujeito passivo, pois só nesses casos se verifica o risco de as muito elevadas taxas dos escalões superiores de IRS se estenderem às demais categorias de rendimentos. Não havendo, manifestamente, um tal risco no caso dos sujeitos não residentes, não faz sentido a aplicação obrigatória deste regime a tais sujeitos.]

Cremos que dificilmente alguém poderá refutar esta argumentação, com a qual nos identificamos totalmente.

Em suma, a al.) b) do nº 2 do artº 43º do CIRS não cabe na remissão operada pelo artº 56º do CIRC, pois não integra as normas de incidência real, em sentido amplo (as regras de determinação, no dizer de tal norma) deste imposto.

Não está, também, em causa um benefício fiscal, pois a redução da tributação das mais-valias obtidas por pessoas singulares não surge ditada por quaisquer motivações extra-fiscais (que dificilmente se justificariam, atenta a natureza deste tipo de rendimento).

A al.) b) do nº 2 do artº 43º do CIRS tem a natureza de desagravamento estrutural, é uma medida normativa que estabelece uma limitação negativa da incidência normal (vd. art. 4º, nº 2, do EBF), visando eliminar “perversões” (no caso, situações de sobretributação ofensivas do princípio da capacidade contributiva) que, de outro modo ocorreriam no imposto em que se insere.

Em resumo, por ser uma medida que integra a estrutura do IRS, aí necessária por estar causa um tipo de rendimento – mais-valia imobiliária- obrigatoriamente sujeito a englobamento e, consequentemente, à aplicação de taxas progressivas, a mesma não pode ser estendida ao IRC, o qual não a prevê dado que a sua diferente estrutura (maxime, inexistência de taxas progressivas) o torna desnecessário.”,

 

Assim sendo, fica prejudicada a análise da argumentação apresentada pela Requerente quanto à eventual inclusão no benefício fiscal da venda de micro e pequenas empresas sedeadas fora de Portugal, uma vez que, como se viu, tal benefício fiscal não é aplicável a sujeitos passivos de IRC.  

 

Tendo por base o acima exposto, improcede o pedido da Requerente quanto à ilegalidade da autoliquidação de IRC relativa a 2021 no montante de €1.115.387,90 (um milhão cento e quinze mil trezentos oitenta sete euros e noventa cêntimos).

 

  1. Do reembolso do IRC indevidamente pago e dos juros indemnizatórios

Uma vez tendo improcedido todos os pedidos efetuados pela Requerente, não há lugar ao reembolso do IRC pago no montante de €1.115.378,90 (um milhão, cento e quinze mil, trezentos e setenta e oito euros e noventa cêntimos) nem a juros indemnizatórios previstos no artigo 43.º da LGT.

 

V.  Decisão

Pelo exposto, conclui-se pela total improcedência dos pedidos formulados pela Requerente.

 

VI. VALOR DO PROCESSO:

 

Fixa-se o valor do processo em €1.115.378,90 (um milhão, cento e quinze mil, trezentos e setenta e oito euros e noventa cêntimos) em conformidade com o disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VII. CUSTAS:

Fixa-se o valor das Custas em 15.300€ (quinze mil trezentos euros), calculadas em conformidade com a Tabela I do regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente por decaimento, nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e ainda art.º 4.º, n.º 5 do RCPAT e art.º 527, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi do art.º 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 08 de janeiro de 2024.

 

Os Árbitros

_________________________________

(Prof. Doutora Regina Almeida Monteiro – Presidente)

__________________________

(Dr. Jorge Belchior de Campos Laires – Adjunto)

_________________________________

(Prof. Doutor Júlio Tormenta – Adjunto/Relator)

 



[1] A... (Requerente) é um “trust” registado em Malta que tem como único “trustee” a entidade B... Limited, entidade registada igualmente em Malta. A Requerente tinha nos seus ativos uma participação social de C... Limited, sociedade de direito maltês e com residência fiscal em Malta e sujeita a uma taxa de imposto em Malta de 35% sobre o seu rendimento tributável, cf. Doc. 1 anexo ao Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA).

[2] CPA- Código do Procedimento Administrativo.

[3] Por lapso a Requerente menciona o artigo 12.º n.º 2 da Lei 2/2014, de 16 de janeiro, quando deve ler-se n.º 12 do artigo 12.º n.º12 da Lei 2/2014, de 16 de janeiro. O artigo 12.º - Disposições Finais e Transitórias- n.º 12 da Lei 2/2014, de 16 de janeiro estatui que: “12 - Para efeitos do cálculo da percentagem a que se refere o n.º 4 do artigo 51.º-C do Código do IRC apenas se consideram os imóveis adquiridos em ou após 1 de janeiro de 2014.”

[4] TFUE-Tratado de Funcionamento da União Europeia.

[5] CPC-Código Processo Civil

[6] CAE 43110 - Compreende as atividades de demolição de edifícios e de outras construções.

[7] CAE: 41200 - Compreende a construção de todos os tipos de edifícios residenciais(edifícios de habitação unifamiliar e multifamiliar) e não residenciais(edifícios cobertos para a produção industrial, hospitais, escolas, edifícios para escritórios, hotéis, armazéns, edifícios comerciais, restaurantes, edifícios dos aeroportos, edifícios para Desportos em locais cobertos, piscinas cobertas, garagens, edifícios para fins religiosos e outros, executados por conta própria ou em regime de empreitada ou subempreitada, de parte ou de todo o processo de construção. Inclui também a ampliação reparação transformação e restauro de edifícios assim como montagem de edifícios pré-fabricados. Não inclui:

[8] CAE: 68100- compreende as atividades de compra e venda de bens imobiliários (possuídos pelo próprio), nomeadamente, edifícios residenciais e não residenciais e de terreno. Inclui atividades de subdivisão de terrenos em lotes sem interrupção de melhoramentos.

[9] Artigo 51.º -C n.º 1 do CIRC: Não concorrem para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português as mais-valias e menos- valias realizadas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e independentemente da percentagem da participação transmitida, de partes sociais detidas ininterruptamente por um período não inferior a um ano, desde que, na data da respetiva transmissão, se mostrem cumpridos os requisitos previstos nas alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 51.º, bem como o requisito previsto na alínea d) do n.º 1 ou no número 2 do mesmo artigo.

[10] Artigo 43.º n.º 1 do CIRS: O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes. […] 

[11] Artigo 10.º n.º 1 alínea b) do CIRS:

1.  Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

b) Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, incluindo: (…)  

[12] Artigo 43.º n.º 1 do CIRS: O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes. […] 

[13] Artigo 10.º n.º 1 alínea b) do CIRS:

1.  Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

b) Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, incluindo: (…).

[14] Disponível em www.dgsi.pt. Neste aresto, o Requerente é uma pessoa coletiva não residente sem estabelecimento estável em Portugal e que detinha um imóvel igualmente em Portugal que foi alienado em 2001.

[15] Disponível em www.dgsi.pt.

[16] Disponível em www.caad.org.pt

[17] Por todos, J. G. Xavier de Basto, «Imposto de Mais-Valias e efeito de imobilização», Boletim de Ciências Económicas, FDUC, 1971, pág. 123 ss.

[18] Declaração de voto no acórdão do STA, proc. 064/20, já citado. O ilustre Conselheiro e Professor, subscrevendo o teor deste acórdão dado o carater vinculativo das decisões do TJUE, aproveitou para manifestar a sua discordância com o entendimento deste tribunal, que apreciou a questão apenas à luz da restrição de uma das liberdades da União (livre circulação de capitais). Para Gustavo Courinha, tal decisão “é anti-sistemática e afeta inexoravelmente a coerência do sistema fiscal nacional”.