Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 339/2023-T
Data da decisão: 2023-12-11  IRS  
Valor do pedido: € 12.169,13
Tema: Tributação em IRS de rendimentos obtidos no estrangeiro. Obrigatoriedade de apresentação de certificado de residência fiscal em país terceiro para fazer prova da não residência em Portugal.
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SUMÁRIO: Nos termos e para os efeitos do disposto no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (artº. 15 a 18º.) a prova de residência fiscal num país terceiro pode ser feita por intermédio da apresentação de meios complementares de prova não cabendo ao certificado de residência fiscal exigido pela Autoridade Tributária esse exclusivo.

 

DECISÃO ARBITRAL

I. Relatório

 

  1. Em 8 de maio de 2023, A..., com o número de identificação fiscal ..., residente na ..., Estados Unidos da América (‘EUA’), casado com B..., com o número de identificação fiscal..., residente, também, na ..., EUA, adiante designado “Requerente”, veio, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, do n.º 2 do artigo 5.º, da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (‘RJAT’), em conjugação com o artigo 99.º e com o n.º 1 do artigo 102.º do Código do Procedimento e Processo Tributário (‘CPPT’), aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, solicitar a constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária com vista à anulação do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (‘IRS’) n.º 2020..., referente ao exercício de 2016, nos termos do qual se apurou imposto a pagar no valor de € 12.169,13 (doze mil cento e sessenta e nove euros e treze cêntimos), e, ainda, com vista à anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra a referida liquidação adicional de IRS, tudo com as demais consequências legais nomeadamente o pagamento de juros indemnizatórios.
  2. O objeto mediato do presente pedido de pronúncia arbitral é o indeferimento da referida reclamação, notificado em 6.02.2023 e o objeto imediato a apreciação da legalidade das retenções na fonte em sede de IRC, com os fundamentos de direito a seguir sintetizados e que foram transpostos para o presente pedido arbitral.

 

  1. O Requerente é representado, no âmbito dos presentes autos, pelas suas mandatárias, Drª. C..., Dr.ª D... e Drª. E..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT) é representada pelas juristas, Drª. F... e Drª. G... .

 

  1. Verificada a regularidade formal do pedido, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, foi o signatário designado como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.

 

  1. O Árbitro aceitou a designação efetuada, ao que as partes não se opuseram, tendo o Tribunal Arbitral sido constituído no dia 17 de julho de 2023, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme comunicação da constituição do tribunal arbitral que se encontra junta aos presentes autos.

 

  1. No dia 22 de setembro de 2023, depois de notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua Resposta e juntou o processo administrativo.

 

  1. Em 27 de setembro de 2023, o Tribunal lavrou o seguinte Despacho:

Atendendo à vasta prova documental junta aos autos e à posição assumida pela entidade Requerida na sua resposta, solicita-se à Requerente que indique os factos constantes do Pedido de Pronúncia Arbitral relativamente aos quais considera útil e indispensável a inquirição das testemunhas arroladas.

Prazo: 5 dias”

 

  1. Por requerimento junto aos autos em 9 de outubro de 2023 o Requente veio indicar os factos a que cada testemunha por si arrolada iria depor.
  2. Em 17 de outubro de 2023 o Tribunal lavrou o seguinte Despacho:

“Designo o dia 8-11-2023, pelas 10h, para a reunião prevista no artigo 18º. do RJAT, bem como para a audição das testemunhas arroladas pela Requerente.

Notifique-se igualmente o Requerente para vir aos autos esclarecer se as testemunhas arroladas dominam a língua portuguesa e em caso negativo para indicarem tradutor credenciado que apresentarão no dia da sua inquirição.

Mais se notifica o Requerente para indicar se as testemunhas irão comparecer nas instalações do CAAD, ou pretende requerer outra modalidade para as mesmas serem ouvidas.”

 

  1.  Por requerimento apresentado ao Tribunal no dia 31 de outubro de 2023, o Requerente requereu que:

“…, com fundamento nas disposições legais mencionadas, adiar a data da diligência designada para 8.11.2023 para a semana seguinte, a fim de facilitar a acomodação das agendas das testemunhas arroladas e superar as diferenças de fuso horário que afetam a maioria das testemunhas ou alterar o horário da diligência, permitindo que a audição das testemunhas ocorra mais tarde, conforme explicado, tudo com as legais consequências.”

 

  1.  Face à pretensão do Requerente nesse mesmo dia o Tribunal lavrou o seguinte Despacho:

“Face ao teor do Requerimento apresentado hoje (31/10/2023) pela Requerente, o Tribunal esclarece e determina o seguinte:

De acordo com os dados disponibilizados no SGP do CAAD o Requerente foi notificado do Despacho proferido em 17.10.2023 no dia seguinte, ou seja, no dia 18.10.2023, como aliás é procedimento habitual no CAAD.

Atendendo ao facto da Requerente ter indicado testemunhas residentes e a trabalhar nos EUA, que sabia não dominarem a língua portuguesa, deveria ter levado o Requerente a cuidar atempadamente da apresentação de tradutor credenciado, sabendo-se igualmente à partida da diferença de fusos horários das diferentes geografias em questão.

Por dificuldade de agenda do Tribunal e da disponibilização de salas no CAAD para o efeito e inexistindo razões válidas para adiar a diligência, mantêm-se a data e hora constantes do Despacho de 17.10.2023.

Admite-se que o Requerente pretenda que a testemunha H... seja ouvida nas instalações do CAAD em Lisboa.

 

  1.  Em 6 de novembro de 2023 o Requerente indicou a intérprete que deveria estar presente aquando da inquirição das testemunhas arroladas, atendendo ao facto de que duas delas não dominavam a língua portuguesa, o que o Tribunal admitiu por Despacho do dia seguinte.

 

  1.   No dia 8 de novembro realizou–se a reunião a que se refere o artº. 18º. do RJAT, tendo sido ouvidas as testemunhas indicadas, com a intervenção de Tradutora credenciada, relativamente a duas delas, tudo conforme melhor consta da ata junta aos autos.

 

  1.  O Tribunal notificou nesse mesmo dia as Partes para, de modo simultâneo e no prazo de 15 dias, apresentarem as suas alegações escritas e para que o Requerente procedesse ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

  1.  O Tribunal designou o dia 17 de janeiro de 2024 para prolação da Decisão Arbitral.

 

  1.  Em 22 e 23 de novembro, Requerida e Requerente, respetivamente, apresentaram as suas alegações.

 

 

II. O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

O Requerente sustenta o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), no montante de € 12.169,13 (doze mil cento e sessenta e nove euros e treze cêntimos) com a consequente anulação das liquidações impugnadas e, ainda, com vista à anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra a referida liquidação adicional de IRS, com base no facto de não ser possível considerar o Reclamante como residente em território português no ano de 2016 e como tal não sujeito em Portugal ao pagamento do imposto referente a rendimentos obtidos fora de Portugal, com exclusão dos resultante dos rendimentos do trabalho obtidos como quadro do I..., porquanto os mesmos beneficiam de um regime especial de isenção, oponível ao Estado Português.

Subsidiariamente, o Requerente solicita, se o pedido principal não for atendido, e se o Requerente vier a ser considerado parcialmente residente em Portugal, que a liquidação em causa seja parcialmente anulada, em valor que não quantifica.

Entende o Requerente que as liquidações em causa estão feridas de erros de fato e de direito.

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

A Requerida na sua Resposta pugna pela legalidade das liquidações impugnadas face à competência do Estado Português para liquidar o IRS com base em rendimentos obtidos fora do território nacional, porquanto o contribuinte não procedeu à junção de certificado de residência fiscal em país terceiro, documento imprescindível para fazer prova da não residência em Portugal e consequentemente da não tributação dos rendimentos obtidos no estrangeiro.

 

IV. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. Matéria de Facto

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, o depoimento das testemunhas e o processo administrativo.

Ademais, é de salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral e Resposta da Requerida), à prova documental junta aos autos e ao depoimento das testemunhas inquiridas, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. Factos dados como provados

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

  1. O Requerente tem nacionalidade portuguesa.

 

  1.  Até 2008, o Requerente foi residente, para efeitos fiscais, em Portugal (facto não impugnado).

 

  1. No ano de 2008, o Requerente deslocou-se para os Estados Unidos da América (“EUA”), na qualidade de estudante (facto não impugnado e depoimento da testemunha H...).

 

  1. O Requerente não procedeu, em Portugal, nesse momento, à alteração do seu domicílio fiscal para o estrangeiro (cf. RIT e facto assumido pelo Requerente).

 

  1. No ano de 2012, o Requerente recenseou-se junto da Secção Consular da Embaixada de Portugal em Washington, onde passou assim a poder exercer o seu direito de voto (cf. Documento 3).

 

  1. Em 9.03.2013, o Requerente iniciou a sua atividade profissional junto do Fundo I... (“I...”), instituição onde ainda exerce funções à presente data (cf. Documento 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral e depoimento de todas as testemunhas inquiridas).

 

  1. De 2014, inclusive, em diante, o Requerente submeteu as suas declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS na qualidade de não residente em território português, as quais foram rececionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (cf. Documento 20 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Em 2016, após ter diligenciado no sentido de se recensear nos EUA, o Requerente diligenciou também no sentido da atualização da sua morada fiscal junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, para Washington, indicando como representante fiscal o seu pai, H...(cf. Documento 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Tal pedido produziu efeitos em 15.06.2016 (Cf. Documento 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. O Requerente entregou o formulário W-8BEN junto das Autoridades Americanas, do qual consta a sua morada americana (Cf. Documento 23 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

 

  1. O Requerente é detentor do visto G4 (Documento 22 junto com o pedido de pronúncia arbitral e factos referenciados pelas testemunhas J... e K...).

 

  1. O Requerente obtém rendimentos nos EUA os quais estão sujeitos a tributação nos EUA, com exceção dos rendimentos do trabalho, que estão isentos, o que conduz à entrega de uma Declaração fiscal e ao pagamento de imposto (Cf. Documento 24 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1.  Já em 2020, o Requerente foi notificado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no sentido de que esta havia recebido indicação das autoridades fiscais dos EUA no sentido de que o Requerente havia auferido rendimentos nos EUA no ano de 2016 (Cf. Processo Administrativo).

 

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira considerou que tais rendimentos deveriam ser objeto de tributação em Portugal, na medida em que o Requerente era, segundo esta última, aí residente para efeitos fiscais (Cf. Processo Administrativo).

 

  1. Estamos perante rendimentos sujeitos sob Cat G e que os mesmos resultaram da realização/alienação de valores mobiliários concretizada em Março de 2016 e rendimentos disponibilizados por entidade financeira e enquadrados na Cat E. (Cf. RIT, sendo este o entendimento da AT não contraditado pelo Requerente).

 

  1. O Requerente apresentou, documentação que visava demonstrar a sua residência nos EUA desde há vários anos, tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira entendido que o Requerente havia feito um pedido de alteração do cadastro em 2016, e como tal, era, naquele ano –2016 – residente, para efeitos fiscais, em Portugal, apenas a título parcial (Cf Processo Administrativo).

 

  1. No seguimento deste entendimento, a AT notificou o Requerente da demonstração de liquidação de IRS n.º 2020 ..., relativa ao ano de 2016, totalizando o montante de € 12.169,13 (cf. Documento 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. O Requerente apresentou, em 14.12.2020, uma reclamação graciosa com vista à declaração de ilegalidade do referido ato e sua consequente anulação (cf. Documento 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Em 24.01.2021, após ser informado de que a alteração de morada previamente realizada, em 2016, apenas produziria efeitos para o futuro (i.e., antes dessa data, o Requerente seria considerado residente, para efeitos fiscais, em Portugal), aquele apresentou, via e-Balcão, um pedido de alteração de morada com efeitos retroativos, reportados a 19.08.2013 (cf. Documento 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. O pedido de alteração de morada com efeitos retroativos apresentado pelo Requerente foi inicialmente deferido através do ofício n.º ...de 14.04.2021 (cf. Documento 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que “[m]ostram-se (…) reunidos os condicionalismos previstos para a validação da morada e de produção de efeitos à data de 19/08/2013 a 11/09/2018, de acordo com a Instrução de Serviço nº .../20177 (…) pelo que me parece ser de deferir” (cf. citado Documento 6).

 

  1. Este entendimento veio a ser revogado, através do ofício n.º ..., de 19.07.2021, porquanto o Requerente não procedeu à entrega do “certificado de residência fiscal emitido pela (…) Autoridade Fiscal dos EUA”, enquanto “documento internacionalmente acolhido para se procurar comprovar a residência fiscal”, (cf. Documento 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. De acordo com o teor do referido Despacho de revogação da decisão: “[p]or Despacho de 31/03/2021 foi o pedido deferido com os elementos juntos ao pedido, não tendo sido entregue Certidão de Residência Fiscal nos EUA, como havia sido solicitado (no âmbito do procedimento de liquidação oficiosa de IRS do ano de 2016) pela Direção de Serviços de Relações Internacionais (Processo ...2020...) (…)” (cf. citado Documento 7).

 

  1. Prossegue a Autoridade Tributária no identificado Despacho que: “(…) pressupõe-se a residência parcial, em função da informação prestada pela Autoridade Fiscal do EUA, à Autoridade Tributária Portuguesa. Salienta-se que a Autoridade Fiscal dos EUA, prestou informação à Autoridade Tributária Portuguesa relativa ao Contribuinte e ao ano de tributação de 2016, pressupondo-se que o fez na medida em que o Contribuinte não foi considerado pela Autoridade Fiscal dos EUA como residente no território dos EUA, mas sim como um residente fiscal de Portugal.” (cf. citado Documento 7).

 

  1. Mais que “(…) pressupõe-se que a informação assim prestada pela Autoridade Fiscal dos EUA à Autoridade Tributária Portuguesa, respeitante aos rendimentos de dividendos e juros da titularidade do Contribuinte, com fonte nos EUA, é relativa ao período em que o Contribuinte é considerado residente fiscal de Portugal em 2016, isto é, entre 1 de janeiro e 15 de junho. (…) Sucede que o contribuinte, no exercício de Audição, mesmo com a diligência em apreço, não apresentou certificado de residência fiscal nos EUA, para todo o ano de 2016” (cf. citado Documento 7).

 

  1. Considera a Direção de Finanças de Lisboa que “(…) verifica-se assim que a Autoridade Fiscal dos EUA, considerou o Contribuinte como residente em Portugal durante o ano de 2016 e em consequência, comunicou rendimentos obtidos por não residentes nesse país relativamente ao contribuinte A...” - e ora Requerente – (cf. citado Documento 7).

 

  1. Verificando-se “(…) igualmente que o contribuinte não apresentou certidão de residência fiscal nos EUA no ano de 2016 (nem qualquer outro)” (cf. citado Documento 7).

 

  1. Prossegue o referido Despacho que: “Mais se informa que de acordo com aquela informação, na falta de certificado de residência fiscal, deverá ser o sujeito passivo notificado para efeitos de audição previa no âmbito o processo de Reclamação Graciosa entretanto instaurado.” (cf. citado Documento 7).

 

  1. O Requerente apresentou um recurso hierárquico em 19.08.2021, o qual veio a ser indeferido em 05.12.2022 (cf. Documentos 8 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Paralelamente, o Requerente foi notificado, em 6.02.2023, da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação de IRS em crise, referente ao ano de 2016 (cf. citado Documento), em que foi alegado o seguinte:

 

- “Conforme já mencionado no projeto, o indeferimento proposto tem como base, entre outros elementos expostos, informação elaborada pela Direção de Serviços das Relações Internacionais (DSRI), com despacho datado de 2020-10-28 (Informação n.º .../2020), por falta de entrega pelo sujeito passivo de comprovativo de residência fiscal emitido pela autoridade fiscal dos EUA – na sequência da qual foram elaboradas as liquidações aqui objeto de reclamação” (cf. ponto 8. do citado Documento 2);

 

– “Com efeito, esse despacho, corroborado por outro datado de 2020-12-29 (Informação n.º .../2020) referem que o reclamante tinha como seu domicílio fiscal Portugal até à sua comunicação da alteração de domicílio para o território dos EUA, com efeitos a partir de 2016-06-16” (cf. ponto 9. do citado Documento 2);

 

 – “Desde o exercício do direito de audição do reclamante, no procedimento ocorrido na DLIRD, não foi em momento algum apresentou [SIC] certificado de residência fiscal nos EUA, para todo o ano de tributação de 2016, emitido pelas autoridades fiscais dos EUA, em consonância com o exigido pela Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os EUA” (cf. ponto 13. do citado Documento 2);

 

– “(…) na falta de certificado de residência fiscal como prova bastante para sustentar o peticionado, resta manter-se a residência fiscal parcial em território português no ano de tributação de 2016” (cf. ponto 15. do citado Documento 2);

 

  1. O Requerente não apresentou junto das Autoridades Fiscais Portuguesas o “certificado de residência fiscal emitido pela (…) Autoridade Fiscal dos EUA” (facto não controvertido e assumido pelas partes).

 

  1. O Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 8 maio de 2023.

 

  1. O imposto impugnado encontra-se pago (Vd. Documentos nº. 10, 11,12 e 13 e facto não contestado pela Requerida).

 

  1.  Factos dados como não provados.

 

Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispõe o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.ºs 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram, como acima se referiu, escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo outra factualidade alegada que seja relevante para a correta composição da lide processual.

 

VI. Do Direito

 

A título introdutório entende o presente Tribunal que deve, desde já, referir que se reserva, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) (Vide Acórdão do Pleno da 2.ª Secção do STA, de 07.06.1995, Recurso n.º 5239), artigos 607.º, n.º 2 e 3 do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 123.º, 1.ª parte, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicáveis ao processo arbitral tributário por força do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT),  ao direito de apreciar apenas os argumentos formulados pelas partes que entende pertinentes para a apreciação da questão aqui em causa, o que fará depois de ter identificado as partes e o objeto do litígio, ter enunciado as questões decidendas, e, depois de fundamentar a decisão discriminando os factos provados e os não provados,  mais, indicando, interpretando e aplicando as normas jurídicas correspondentes e, por fim, apresentando a sua conclusão final (decisão).

 

Vejamos,

 

a). Questão decidenda

 

  1. A questão controvertida nos presentes autos é a de saber se a apresentação de um certificado de residência fiscal emitido por um país terceiro é a única forma de um contribuinte demonstrar que é residente nesse outro Estado e consequentemente não é aqui considerado como residente fiscal, não havendo lugar em Portugal à tributação dos rendimentos obtidos no estrangeiro.

 

  1. Recorde-se que o objeto mediato do presente pedido de pronúncia arbitral é o indeferimento da referida reclamação, notificado em 6.02.2023 e o objeto imediato a apreciação da legalidade da liquidação adicional do IRS do ano de 2016 no montante de € 12.169,13 (doze mil cento e sessenta e nove euros e treze cêntimos).

 

Ora, vejamos,

b). Legislação aplicável

 

  1. O Requerente toma por base como legislação aplicável ao caso concreto o disposto nos artigos 15º. e 16º, do CIRS, que rezam do seguinte modo:

 

Artigo 15.º
Âmbito da sujeição

1 - Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.

 

2 - Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.

 

3 - O disposto nos números anteriores aplica-se aos casos de residência parcial previstos nos n.os 3 e 4 do artigo seguinte, relativamente a cada um dos estatutos de residência.

 

Artigo 16.º
Residência

1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
 

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

 

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;

 

c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;

 

d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.
 

… … …

14 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, um sujeito passivo considera-se residente em território português durante a totalidade do ano no qual perca a qualidade de residente quando se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições:

 

a) Permaneça em território português mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, nesse ano; e
 

b) Obtenha, no decorrer desse ano e após o último dia de permanência em território português, quaisquer rendimentos que fossem sujeitos e não isentos de IRS, caso o sujeito passivo mantivesse a sua qualidade de residente em território português.

 

15 - O disposto no número anterior não é aplicável caso o sujeito passivo demonstre que os rendimentos a que se refere a alínea b) do mesmo número sejam tributados por um imposto sobre o rendimento idêntico ou substancialmente similar ao IRS aplicado devido ao domicílio ou residência:
 

a) Noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal e que se preveja a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade; ou

 

b) Noutro Estado, não abrangido na alínea anterior, em que a taxa de tributação aplicável àqueles rendimentos não seja inferior a 60 % daquela que lhes seria aplicável caso o sujeito passivo mantivesse a sua residência em território português.

 

c). A posição do Requerente.

 

  1.   O Requerente alega que:

a). Durante o ano de 2016 aqui em causa não esteve em Portugal mais de que 183 dias;

b). Não possuía em Portugal em 2016 qualquer habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual”.

c). Em 31 de dezembro de 2016 não era tripulante de navios ou aeronaves ao serviço de entidades com sede ou direção efetiva em território português;

d). Em 2016 o Requerente não desempenhava no estrangeiro funções ou comissões de carácter público ao serviço do Estado Português.  

 

  1. Por estes motivos o Requerente entende que as autoridades fiscais portuguesas não podiam considerar que, no ano de 2016, o mesmo possuía a sua residência fiscal em Portugal.

 

  1. Tudo isto, visto que reside desde 2012 nos EUA, onde passou a exercer funções no I..., desde 2013, funções essas que o obrigam a permanecer nos EUA, e a residir na área Metropolitana onde se localizam as instalações daquela instituição (Washington DC).

 

  1. Aí possuía a sua residência deslocando-se apenas a Portugal durante as suas férias.

 

  1. Argumenta o Requerente que o facto de não ter atualizado o seu cadastro fiscal ou por tê-lo feito tardiamente, não pode ser utilizado pela AT para o considerar com residente em território nacional no ano de 2016 e consequentemente considerar com aqui tributados os rendimentos por si obtidos nos EUA.

 

  1. Invoca, para tal, diversa Jurisprudência dos nossos Tribunais, incluindo Arbitral.

 

  1. Aborda de seguida o Requerente a questão da prova da residência fiscal, porquanto a AT coloca a tónica na ausência de certificado de residência fiscal nos EUA.

 

  1. Tráz em seu auxílio jurisprudência do CAAD em que se defende que:

 “III. Os meios de prova não se encontram limitados, por norma legal, incluindo as normas constantes do Código do IRS. Pelo que, o contribuinte pode comprovar a sua residência fiscal, por outros meios de prova além do certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais de outro país.” Procº. nº. 85/2022-T do CAAD).

 

  1. E prossegue o Requerente invocando que a prova que produziu ao longo do processo permite concluir que “…. a sua residência fiscal, no ano de 2016, não se reconduz ao território nacional.”

 

  1. Mas o Requerente entende que mesmo que se não se desse como provado que o contribuinte possa ser considerado residente fiscal nos EUA, o que é facto é que o o mesmo é lá tributado pelos rendimentos que aí obtém, sempre excluídos os rendimentos provenientes do I..., porque isentos.

 

  1. E tomando por base as suas alegações o Requerente conclui do seguinte modo:

“Face ao exposto, e uma vez que se encontra demonstrado que, por referência a 2016, o Requerente não era residente em território português, a liquidação de IRS sub judice, antes identificada, carece de base legal para subsistir no ordenamento jurídico e, como tal, deve ser anulada por este Tribunal, o que se invoca nos termos do disposto na alínea a) do artigo 99.º do CPPT, aplicável ex vi do disposto no artigo 29.º do RJAT, bem como a decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada pelo Requerente contra o mencionado ato de liquidação, com as legais consequências.”

 

 

  1. Aborda de seguida o Requerente a questão relacionada com as especificidades do exercício de funções no I..., sendo de reter o seguinte:

a). Aos funcionários das organizações internacionais que residam no país é atribuído o visto G-4, emitido pelo Departamento de Estado;

b). Estes funcionários, apesar de residirem nos EUA estão sujeitos a regras específicas de tributação;

c). Os rendimentos, com origem nos EUA, com exceção dos rendimentos do trabalho, são tributados a uma taxa única de 30%;

d). A estes funcionários as autoridades americanas não passam a certificação como US TAX PERSON, o que seria feito através do formulário W-9;

e). Atenta a particularidade da sua situação tais contribuintes apresentam um formulário diferente: -W-8BEN.

 

  1. Daqui resulta, no entender do Requerente, que o facto de não lhe ser possível a entrega do formulário W-9 e conseguintemente não conseguir obter a qualificação como US Tax Person e correspondente emissão do certificado de residência fiscal, o que não o torna num “contribuinte americano”, “…mas também não tem o condão de o tornar, a contrario, um residente para efeitos fiscais, em Portugal.”

 

  1. Mas acontece que as autoridades fiscais portuguesas apenas estariam disponíveis para admitir a não tributação em Portugal dos rendimentos obtidos nos EUA, se os EUA considerassem o contribuinte como “US Person”, o que leva o Requerente a concluir do seguinte modo nas suas alegações:

“De facto, resulta demonstrado que o Requerente pode não ser, à luz do estatuto especial ao abrigo do qual se encontra, uma US Tax Person em sentido próprio, mas é, face a esse estatuto, sujeito a tributação, relativamente a todos os seus rendimentos (com exceção daqueles provenientes do seu trabalho que são objeto de uma reconhecida isenção), nos EUA.”

 

d). A posição da Requerida.

 

  1. Por seu turno, a entidade Requerida ao longo do seu articulado e em sede e alegações mantém a sua tese de que o contribuinte tem que ser considerado residente fiscal noutro Estado, para que não seja tributado em Portugal pelos rendimentos obtidos nesse outro Estado.

 

  1. E como único meio de prova, apenas admite a exibição do respetivo certificado de residência fiscal, o que o Requerente não exibiu.

 

  1. A Requerida reporta-se ao entendimentos do serviço da AT, mais propriamente da “…DSRI – informação nº 1940 com despacho concordante de 28.10.2020, confirmada posteriormente em DEZ desse mesmo ano na informação nº .../20, já junta ao processo…, que não tendo sido apresentado o certificado de residência fiscal nos EUA emitido pela Autoridade Tributária desse país e tendo esta mesma entidade comunicado a disponibilização de rendimentos da Categoria E com origem nos EUA ao requerente enquanto não residente nesse território, que a sua situação de residência conforme resultava dos SRC deveria ser confirmada nos termos em que se mostra concretizada e com a tradução dessa realidade em sede da liquidação IRS do ano de 2016 na qual foi atendido a situação de residência parcial, bem como na decisão final que veio a ser produzida por parte da DSRC, ao não aceitar o pedido formulado de ser o contribuinte considerado “não residente” em Portugal com efeitos retroativos.”

 

  1. A Requerida não põe em causa que o Requerente tenha residência nos EUA e aí exerça funções no I..., “….no entanto tal não se traduz na consideração de que os EUA considerem a sua situação pessoal para efeitos tributários, como sendo residente fiscal nesse território; efetivamente, tal como é reconhecido pelo requerente, o exercício funcional junto do I... encontra enquadramento sob um regime especial de tributação que admite, inclusive, que o funcionário possa deter residência permanente nesse território, mas sem que tal possa ser equivalente à natureza de residente fiscal.

 

  1. Em sede de alegações a Requerida particulariza os rendimentos cuja tributação está aqui em causa, o que faz do seguinte modo:

“Relativamente aos rendimentos sujeitos a tributação nos termos que constam na liquidação oficiosa controvertida, em particular atendendo ao disposto no art.º 15º, 3 CIRS, e tendo por base a informação passível de ser conhecida por parte da AT, verifica-se que relativamente aos rendimentos sujeitos sob Cat G, os mesmos resultaram da realização/alienação de valores mobiliários concretizada em Março de 2016 e aos disponibilizados por entidade financeira e enquadrados na Cat E, tendo origem nos EUA, tendo presente que a sujeição na situação de residente abrange os rendimentos que também sejam obtidos fora do território nacional (art.º 15, nº 1 CRS) que estes devem ser objeto de sujeição,”

 

  1.  E o Requerente não demonstrou junto da AT que os rendimentos aqui em causa diziam respeito a um período do ano de 2016 – face à atribuída residência parcial - em que não era residente em Portugal. 

 

  1. Recorde-se que, na sequência das diligências levadas a cabo pelo Requerente, embora tardiamente, a AT reconheceu os efeitos retroativos de pedido de alteração da residência fiscal, determinando a sua produção de efeitos a partir de 16.06.2016. Ou seja, até essa data o contribuinte é considerado residente em território português, a partir dessa data é considerado residente nos EUA.

 

  1. Retomado a matéria da prova a Requerida conclui:

“Isto porque, quer documental quer por via da prova testemunhal, não foi feita prova inabalável de que o requerente no ano de 2016 era residente nos EUA, ou seja não era residente em Portugal.”

 

  1.  A Requerida invoca em favor da sua tese um Acórdão do CAAD (Proc. 570/2022-T) do qual pretende extrair a conclusão de que um contribuinte só pode solicitar o reconhecimento de uma situação de dupla residência perante dois documentos, emitidos pelos dois Estados em causa, e que:

“3. Na falta de elementos probatórios inequívocos e concludentes, a fé pública de uma declaração oficial de uma autoridade fiscal estrangeira só se considera infirmada, nos seus efeitos probatórios, mediante a emissão de outra declaração oficial de sentido contrário, de valor jurídico equivalente.”

 

  1.   Estes são os argumentos tecidos pelas partes para defesa da sua posição quanto à questão controvertida dos presentes autos. Vejamos, então, a quem assiste razão.

 

e). O que está em causa

 

  1. Está em causa, no presente pedido de pronúncia arbitral, a determinação da residência fiscal do Requerente para o ano de 2016, quando a AT fixou uma residência parcial (15.06.2016) e o contribuinte invoca que, nesse mesmo ano, não foi de todo residente fiscal em Portugal.

 

  1. A entidade Requerida enquadra deste modo os rendimentos e a situação que está aqui em causa:

“Relativamente aos rendimentos sujeitos a tributação nos termos que constam na liquidação oficiosa controvertida, em particular atendendo ao disposto no art.º 15º, 3 CIRS, e tendo por base a informação passível de ser conhecida por parte da AT, verifica-se que relativamente aos rendimentos sujeitos sob Cat G, os mesmos resultaram da realização/alienação de valores mobiliários concretizada em Março de 2016 e aos disponibilizados por entidade financeira e enquadrados na Cat E, tendo origem nos EUA, tendo presente que a sujeição na situação de residente abrange os rendimentos que também sejam obtidos fora do território nacional (art.º 15, nº 1 CRS) que estes devem ser objeto de sujeição, porquanto não apenas a entidade que comunicou a sua disponibilização não apresenta qualquer diferenciação, como o requerente e interessado não comprova minimamente que estes não respeitam a período que não o correspondente à situação de residente para efeitos fiscais em Portugal, sendo certo que o ónus da prova recai na sua esfera jurídica nos termos do art.º 74º LGT.”

 

  1. A entidade Requerida entende que o contribuinte ao longo de todo o processo administrativo e mesmo no decurso deste processo arbitral não fez prova de que possui uma residência fiscal noutro estado terceiro, que não Portugal, considerando como documento único que suporta tal prova considerada necessária para o efeito a exibição de um certificado de residência fiscal nesse tal país terceiro, neste caso os EUA.

 

  1. O Requerente considera, pelas razões a que alude no PPA que apesar de não conseguir exibir o documento solicitado pela AT, é residente fiscal nos EUA, e admite que tal prova possa ser feita pelo vasto conjunto de documentos que apresentou, retirando a exclusividade para esse efeito ao certificado de residência fiscal.

 

  1. Tais questões revestem-se de suprema importância no caso concreto, porquanto a AT procedeu a uma liquidação adicional do IRS do ano de 2016, em função da informação fornecida pelas autoridades fiscais americanas de que o Requerente teria obtido outros rendimentos nos EUA, para além daqueles que resultavam do exercício das suas funções numa organização internacional – rendimentos do trabalho pagos pelo I...– constando igualmente desse informação que se tratava de um contribuinte não residente naquele país.

 

Vejamos a quem assiste razão.

 

f). Decisão

 

  1. Nos termos do artigo 13.º, n.º 1 do Código do IRS (CIRS), são sujeitos passivos deste imposto «(…) as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.»

 

  1. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 15.º do Código do IRS, “[s]endo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos incluindo os obtidos fora desse território”.

 

  1. Assim, Portugal tributa os residentes no seu território de acordo com o princípio da universalidade da tributação e princípio da atração.

 

  1. Como ensina o Prof. Rui Duarte Morais, “A condição de residentes supõe, por regra, a presença física, real ou presumida, no território de um determinado Estado, a implicar uma ligação económica e um certo grau de integração social. A residência é, hoje, geralmente aceite como constituindo o elemento de conexão que expressa a mais íntima ligação económica entre a pessoa e um Estado.”[1]

 

  1. Ora, no caso em concreto, no ano de 2016, o Requerente era residente em Washington, nos Estados Unidos da América, o que acontecia desde 2013, a assim se mantém até hoje, aí residindo e trabalhando e onde se encontra a respetiva família.

 

  1. O CIRS considera residentes em Portugal, em determinado ano, as pessoas físicas que, nesse período, permaneçam mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em território nacional, bem como aquelas que, tendo permanecido menos tempo, aqui disponham de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual (art.º 16.º/1, alíneas a) e b)).

 

  1. Utilizando, agora, o critério português plasmado na legislação portuguesa, constatamos que o Requerente não era residente em Portugal, no ano de 2016, aqui em causa, já que não se verificam nenhum dos requisitos para tal.

 

  1. O Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 24 de fevereiro de 2011, rec. nº 0876/10, relatado por Isabel Marques da Silva entendeu e, na nossa opinião, bem, que “não podem ser havidos como residentes em Portugal aqueles, nomeadamente os emigrantes, que, dispondo aqui de uma habitação que poderão vir a ocupar como sua residência habitual quando, em definitivo, voltarem a Portugal apenas a ocupem por ocasião das suas férias ou deslocações pontuais e fortuitas.

(…) A intenção que a lei exige não é uma intenção para o futuro, é, desde logo, uma intenção imediatista para o presente.”

 

  1. Ora, na situação em apreço, nem sequer ficou provado que o “emigrante” possuísse qualquer habitação em Portugal, pelo que não se suscita qualquer conflito internacional de residência!

 

  1. Apesar dos EUA não reconhecerem formalmente o Requerente como residente fiscal (vide Doc. n.º 5) não nos podemos limitar a uma noção de “não-residente” português apenas apurada a contrario,

 

  1. Pelo que resulta da vasta documentação junta aos autos podemos concluir que o Requerente, no ano de 2016, era residente fiscal nos EUA.

 

  1. Também porque, não é nem pode ser considerado como residente em Portugal, já que, nomeadamente, aqui não permaneceu 183 dias, nem aqui possuía qualquer habitação, conforme exige o artigo 16.º do CIRS.

 

  1. O Requerente, para além, do pedido de alteração de morada com efeitos retroativos que fez junto da AT, mediante o qual juntou documentos que comprovam que, desde, pelo menos 2013, foi residente nos EUA, junta, ainda, alguns outros documentos que reforçam a sua residência fiscal fora de Portugal, como sejam:

a). Cópia do documento comprovativo da inscrição do Requerente como residente nos EUA e do seu recenseamento na Secção Consular da Embaixada de Portugal em Washington (Documento 3);

b). Cópia do certificado de residência emitido pela Secção Consular da Embaixada de Portugal em Washington que comprova que o Requerente reside e trabalha continuamente nos EUA, pelo menos, desde agosto de 2013 (Documento 16);

c). Cópia da página de identificação de um passaporte do Requerente que contém o carimbo de inscrição na Embaixada de Portugal em Washington, que, uma vez caducado em 17.03.2013, demonstra que, à data, já se encontrava inscrito junto da referida Embaixada e, como tal, residiu nos EUA (Documento 17);

d). Cópia de declaração a atestar que o Requerente, no período compreendido entre agosto de 2013 e setembro de 2018, residiu em ..., Washington, DC...;

e). Cópia da carta de condução emitida pelo Distrito de Columbia em 11.10.2013 (Documento 19);

f). Cópias da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, referentes aos anos de 2015 e de 2016, entregues pelo Requerente, constando o mesmo como não residente fiscal em Portugal (Documento 20);

g). Cópia de documento comprovativo de que o Requerente exerce funções junto do I..., localizado em Washington, desde 09.03.2013 (Documento 21);

h). Cópia do visto G-4 do Requerente, atribuído aos funcionários de organizações internacionais, como o I..., o qual é emitido pelo Departamento de Estado dos EUA (o equivalente ao Ministério dos Negócios Estrangeiros em Portugal, na medida em que é o departamento executivo federal responsável pelas relações internacionais do país) (Documento 22);

i). Cópia do formulário W-8BEN do Requerente (Documento 23);

j). Cópia do comprovativo do pagamento de impostos, pelo Requerente, nos EUA para o ano fiscal de 2016, emitido pelo Internal Revenue Service (Documento 24).

 

  1. O Tribunal admite que a prova apresentada pelo Requerente é mais do que suficiente para demonstrar a sua residência nos EUA no ano de 2016.

 

  1.  Aí o Requerente possui o seu centro de interesses vitais, como bem ficou demonstrado pela prova documental e testemunhal.

 

  1. O que a própria Autoridade Fiscal admitiu de início, com produção de efeitos a 19/08/2013, apenas tendo revogado tal decisão por falta de apresentação do certificado de residência fiscal nos EUA.

 

  1. E o mesmo vem admitido no teor da Resposta apresentada pela entidade Requerida quando afirma:

“Dos elementos documentais que têm vindo a ser carreados para os autos permitem inferir que o requerente detém residência nos EUA, aí exercendo funções junto do organismo internacional I... ,…”

 

  1. Para depois clarificar que:

“…no entanto tal não se traduz na consideração de que os EUA considerem a sua situação pessoal para efeitos tributários, como sendo residente fiscal nesse território; efetivamente, tal como é reconhecido pelo requerente, o exercício funcional junto do I... encontra enquadramento sob um regime especial de tributação que admite, inclusive, que o funcionário posso deter residência permanente nesse território, mas sem que tal possa ser equivalente à natureza de residente fiscal.”

 

  1. Não queremos admitir que o facto do Requerente ser funcionário de uma instituição internacional e desse modo beneficiar de um regime fiscal favorável exclusivamente quanto aos rendimentos do trabalho, tenha que necessariamente conduzir a que deva ser tributado em Portugal, onde o contribuinte não é fiscalmente residente, e relativamente a rendimentos para os quais se demonstrou que já foram tributados nos EUA.

 

  1. O Tribunal considera que se trata de uma residência fiscal nos EUA aí tendo sido pagos os impostos relativos a rendimentos de fonte americana (não sabemos se tributados em função do regime de taxas aplicável aos residentes ou aos não residentes), entendendo como residência fiscal…

Embora se trate da sempre diabólica prova de facto negativo o Tribunal dá como provado, sem esforço, que o Requerente não residiu em Portugal do ano de 2016.

 

  1. O Tribunal entende que a prova da residência fiscal pode ser feita com suporte em base documental diferente do certificado de residência fiscal, que, aliás, nem todos os países onde vivam trabalhadores portugueses emitem.

 

  1. Louvamo-nos na jurisprudência do CAAD referenciada pelo requerente:

"(…) o artigo 16.º do CIRS em lugar nenhum faz referência aos elementos probatórios necessários, nem estabelece qualquer noção de residência por defeito. De facto, o foco é colocado na situação concreta do sujeito passivo - do Requerente - a qual pode ser demonstrada pelos meios disponíveis e que possam suportar, com um elevado grau de certeza, a convicção de que não se encontram preenchidos nenhum dos critérios de residência legalmente previstos" (cf. Decisão Arbitral de 06.09.2018, proferida no processo n.º 634/2017-T, disponível em www.caad.org.pt).

 

  1. O Tribunal não atribui a esse certificado a importância que as Autoridades Fiscais Portugueses lhe querem imputar, como instrumento único e exclusivo de prova de um local de residência fora de Portugal.

"[i]ndependentemente, da apresentação, ou não, do referido certificado de residência fiscal [...], o que exclui a residência do Requerente em Portugal e a não verificação dos requisitos e pressupostos previstos no artigo 16.º do Código do IRS, os quais são, naturalmente, suscetíveis de ser provados por qualquer meio de prova ao dispor do sujeito passivo." (cf. Decisão Arbitral de 28.04.2016, proferida no processo n.º 662/2015-T, disponível em www.caad.org.pt).

 

  1. No mesmo sentido, continua a entender o CAAD ao determina que o "(…) relevante no caso concreto e a pretensão da AT de tributar um cidadão português não residente em território nacional, relativamente a rendimentos obtidos fora do território nacional, apenas com base no Sistema de 12 Registo de Contribuintes. Mas a AT não tem razão. Primeiramente porque o dito certificado é exigido para efeitos de prova de impostos pagos no exterior tendo em vista o afastamento da dupla tributação internacional, e, por outro lado, a prova em contrário possível de ser realizada, dada a omissão da lei fiscal quanto a essa matéria, nomeadamente o art.º 19° do CIRS, pode sê-lo por todos os meios admissíveis em direito (art.º 72° da LGT e art.0 115° do CPPT).” (cf. Decisão Arbitral de 10.01.2019, proferida no processo n.º 307/2018-T, disponível em www.caad.org.pt).

 

  1. O Tribunal entende que a prova formal de residência fiscal num Estado terceiro não é o único modo de provar a não residência em Portugal.

 

  1. Considerando, por tudo isso que os rendimentos do Requerente obtidos de fonte americana no ano de 2016 não podem ser computados para efeitos de apuramento do imposto, em sede de IRS, nesse mesmo ano, em Portugal, porquanto:
  1. não obteve, o mesmo, qualquer rendimento em Portugal, se atendermos ao disposto no artigo 18.º do CIRS;
  2. nem era residente fiscal em território nacional.

 

  1. Assim sendo, tendo em consideração que a liquidação de IRS que aqui se sindicada contempla os rendimentos auferidos pelo Requerente, sem que seja o mesmo residente fiscal em Portugal e que aqui tenha auferido qualquer rendimento, deve a mesma ser anulada por ilegal, face ao vício de violação do disposto nos artigos 13.º, 15.º, 16.º e 18.º do CIRS.

 

  1. Nesta sequência, encontra-se a liquidação sindicada ferida de ilegalidade, em virtude de contemplar rendimentos do Requerente como se o mesmo, no ano de 2016, mesmo que parcialmente, fosse residente fiscal em território nacional e aqui auferisse rendimentos (mesmo que obtidos no estrangeiro).

 

  1. Em função do decidido não vai o Tribunal apreciar o pedido subsidiário apresentado pelo Requerente, o que assim fica prejudicado.

 

VII – Dos juros indemnizatórios

 

  1. O Requerente peticiona ainda que seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

  1. Dispõe o n.º 1 do artigo 43.º da LGT e o artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que são devidos juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

  1. Considera-se erro imputável à administração, quando o erro não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto que não sejam da responsabilidade do contribuinte.

 

  1. Ora, resultando dos atos tributários impugnados a obrigação de pagamento de imposto superior ao que seria devido, são devidos juros indemnizatórios nos termos legalmente previstos, presumindo o legislador, nestes casos, em que se verifica a anulação da liquidação, que ocorreu na esfera do contribuinte um prejuízo em virtude de ter sido privado da quantia patrimonial que teve que entregar ao Estado em virtude de uma liquidação ilegal. Em consequência, tem o contribuinte direito a essa indemnização, independentemente de qualquer alegação ou prova do prejuízo sofrido.

 

  1. No caso presente, será inquestionável que, na sequência da consagração da ilegalidade dos atos de liquidação, haverá lugar a reembolso do imposto por força do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, e do artigo 100.º da LGT passando, necessariamente por aí o restabelecimento da “situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

 

  1. Do mesmo modo, entende-se que será isento de dúvidas que a ilegalidade do ato é imputável à Autoridade Tributária, que autonomamente o praticou de forma ilegal.

 

  1. Quanto ao conceito de “erro”, tem sido entendido que só em casos de anulações fundadas em vícios respeitantes à relação jurídica tributária haverá lugar a pagamento de juros indemnizatórios, não sendo reconhecido tal direito no caso de anulações por vícios procedimentais ou de forma.

 

  1. Assim sendo, estando-se perante um vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos de direito, imputável à Autoridade Tributária, tem o Requerente direito a juros indemnizatórios, de acordo com os artigos 43.º, n.º 1 da LGT, e 61.º do CPPT, contados desde o pagamento do imposto até ao integral reembolso do referido montante.

 

VIII. DECISÃO

De harmonia com o exposto, decide-se:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente, e em consequência, anular os atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares incidente sobre os rendimentos obtidos nos EUA, com exclusão dos rendimentos do trabalho pagos pelo I..., relativos ao ano de 2016, no montante de € 12.169,13 (doze mil cento e sessenta e nove euros e treze cêntimos).
  2.  Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 12.169,13 (doze mil cento e sessenta e nove euros e treze cêntimos) nos termos artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo da Requerida de acordo com o artigo 22.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 918,00.

 

Notifique-se.

Lisboa, 11 de dezembro de 2023

***

O Árbitro

 

 

(Jorge Carita)

 



[1] Morais, Rui Duarte, Sobre o IRS, 3ª Edição, 2016, p. 11