Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 315/2023-T
Data da decisão: 2023-10-22  IRS  
Valor do pedido: € 26.138,69
Tema: IRS de 2021 – Revogação do ato – Extinção da instância.
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SUMÁRIO:

 

1. Revogando a Requerida, nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT, o ato tributário de liquidação dando total satisfação às pretensões que o Requerente formulara nestes autos, a decisão arbitral que normalmente seria proferida, conhecendo do mérito das pretensões deduzidas, afigura-se destituída de qualquer efeito útil, não se justificando a sua prolação por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

2. Proferido despacho de revogação do ato, a 23-07-2023, o qual foi notificado após constituição do tribunal arbitral, em 10-07-2023, ficam as custas a cargo da Requerida.

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

A..., contribuinte n.º ..., residente no n.º ..., da Rua ...,  ..., em França, tendo sido notificada da liquidação com o número 2022..., de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), relativa ao exercício de 2021, no valor de 26.138,69€ (vinte e seis mil cento e trinta e oito euros e sessenta e nove cêntimos), veio requerer pedido de pronúncia arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que regula o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante RJAT), com vista a anular o ato tributário de liquidação de IRS acima identificado, e a condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira ao reembolso das quantias indevidamente pagas, bem como ao pagamento dos respetivos juros indemnizatórios.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA  

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e
automaticamente enviado email à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), a
informar da entrada de um pedido de constituição de tribunal arbitral e do n.º do processo
atribuído, em 02-05-2023, tendo por sua vez a AT sido notificada, em 08-05-2022.

Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo
11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de
dezembro, a signatária foi designada pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho
Deontológico do CAAD para integrar o presente tribunal arbitral singular, tendo aceitado nos
termos legalmente previstos. 

Em 21-06-2022, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo
manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º
n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico

 

Síntese da posição das Partes:

 

  1. Da Requerente

A Requerente auferiu, no ano de 2021, rendimentos da categoria G resultantes da alienação onerosa de imóveis sitos em Portugal, entendendo que a inclusão no rendimento coletável da totalidade da mais valia resultante de venda das frações, enfermava de erro de direito, uma vez que deveria ter sido considerado apenas 50% do respetivo valor, por aplicação do n.º 1 e n.º 2, do artigo 43.º do Código do IRS (doravante CIRS).

Nestes termos, solicitou que o ato de liquidação do IRS, referente ao ano de 2021, fosse anulado na medida do excesso liquidado, considerando o saldo das mais valias em apenas 50% do seu valor. Mais peticionou, que fosse restituído do valor do imposto indevidamente pago acrescido do pagamento de juros indemnizatórios.

A matéria relativamente à qual foi suscitada a apreciação do Tribunal Arbitral reporta-se, assim, à tributação da totalidade de mais valias apurado com a venda de imóveis por um não residente em Portugal, solicitando a exclusão de 50% do saldo das mais-valias, tal como acontece com os residentes.

 

2. Da Requerida

Em 04-09-2023, e para os efeitos previstos no artigo 13.º-1, do RJAT, a
Requerida veio informar que por despacho, de 23-07-2023, foi revogado o ato objeto de
impugnação em consequência da aplicação à liquidação do disposto na alínea b), do n.º 2, do
artigo 43.º do CIRS, considerando-se o saldo das mais valias imobiliárias em apenas 50% do
seu valor, e restituindo-se o imposto pago a mais, assim como o pagamento dos respetivos
juros indemnizatórios.

***

 

  1. SANEAMENTO

Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular, foi constituído em 10-07-2023, notificando se ambas as partes, na mesma data.

Nos termos dos n.ºs 1 e 2, do artigo 17.º do RJAT, o tribunal arbitral notificou, em
12-07-2023, o dirigente máximo da Administração Tributária do despacho arbitral, de 11-07-2023, para no prazo de 30 dias apresentar resposta, acrescentando que deveria ser remetido ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo, dentro do mesmo prazo.

Em 04-09-2023, a AT veio ao abrigo do artigo 13.º do RJAT informar o tribunal arbitral que o ato de liquidação impugnado fora anulado, por despacho de 23-07-2023, dando ainda nota de ter diligenciado pela notificação do Requerente, no mesmo sentido.

Em 07-09-2023, face à anulação do ato de liquidação impugnado, proferida, em 23-07-2023, a mesma acompanhada do reconhecimento por parte da AT do seu direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto, nos termos peticionados, convidou-se a Requerente a pronunciar-se relativamente ao prosseguimento, ou não, dos presentes autos, nos termos do artigo 16.º, do RJAT, vindo o Requerente a responder que no decorrer satisfação integral da sua pretensão não pretendia a prossecução dos autos.

Mais solicitou, que fosse declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide decorrente da revogação total do ato de liquidação impugnado nos termos do artigo 277.º, alínea e) do CPC, aplicável por força do disposto no art.º 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

Em 07-10-2023, foi proferido pelo tribunal arbitral, despacho, no qual se dispensou a reunião prevista no artigo 18.º, n.º 1 do RJAT, tal como a produção de alegações a que se refere o n.º 2 do mesmo artigo, considerando o que o Requerente veio informar no seguimento da anulação da liquidação em crise.

No mesmo despacho o tribunal arbitral estimou ainda que, a prolação de decisão arbitral ocorresse dentro do prazo máximo previsto no n.º 1, do artigo 21.º do RJAT, convidando o Requerente, a pagar a taxa arbitral subsequente prevista no artigo 4.º, n.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 III. MATÉRIA DE FACTO

1. Factos provados:

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

A Requerente encontra-se inscrita em Portugal como não residente possuindo residência em França. 

Em 27-05-2022, submeteu a declaração de IRS, modelo 3, n.º ... - 2021 -... - ..., referente ao ano de 2021, com o anexo G. 

No anexo G, quadro 4, declarou a alienação de vários imóveis com os valores totais: 

•Realização o montante de 520.000,00€; 

•Aquisição, o montante de 415.300,85€, correspondendo a 1994/06, 171.711,00€ e a 2013/10, 243.589,50€; 

•Despesas e encargos o montante de 38.560,50€. -No quadro 8 B, do rosto do mod.3 do IRS, assinalou: 

•O campo 4: Não residente; 

•O campo 6: País de residência: “250”; 

•O campo 7: pretende a tributação pelo regime geral. 

Em 17-05-2022, a referida declaração, deu origem à liquidação n.º 2022..., sem qualquer valor apurado. 

Em 19-05-2022, é iniciado um procedimento de divergências, notificando-se a Requerente para a necessidade de comprovação dos valores declarados referente aos imóveis alienados. 

Pelo que, veio a Requerente ao procedimento apresentar documentos justificativos referentes às despesas efetuadas. 

Após análise, foi aconselhada a entregar declaração de substituição, com correção de valores respeitantes às percentagens que herdou, à data em que faleceram seus Pais. 

Em 30-11-2022, foi elaborada uma declaração oficiosa, n.º ... - 2021 - ... – ..., corrigindo-se os valores respeitantes à realização e aquisição, atendendo às percentagens de que era titular e aos valores patrimoniais às datas de aquisição. 

Em 09-12-2022, a declaração oficiosa deu origem à liquidação n.º 2022..., com um montante a pagar no valor de 26.138,69€ (vinte e seis mil cento e trinta e oito euros e sessenta e nove cêntimos).

A Requerente realizou o pagamento do montante referido.

A matéria relativamente à qual foi suscitada a apreciação do Tribunal Arbitral, reporta-se à tributação da totalidade de mais-valias apurado com a venda de imóveis por um não residente em Portugal, solicitando a exclusão de 50% do saldo das mais-valias, tal como acontece com os residentes.

Foi proferido despacho de revogação do ato, a 23-07-2023, o qual foi notificado ao Requerente, a coberto de ofício n.º..., de 27-07-2023, após constituição do tribunal arbitral, em 10-07-2023. A este tribunal o despacho de revogação do ato foi notificado, em 04-09-2023.

2. Factos não provados:

Com relevo para a decisão da causa, não existem outros factos que não tenham ficado provados.

 

IV. DO DIREITO

1. A questão a decidir:

Por parte da Requerida foi expresso o entendimento de que se verifica a inutilidade superveniente da lide, no caso em apreço, «em face da inexistência do acto tributário impugnado». 

O Requerente pediu, ainda, a restituição do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

A questão a decidir previamente é, pois, a da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

Cumpre apreciar e decidir.

2.      A Impossibilidade/Inutilidade da Lide:

Dispõe o artigo 277.º do Código de Processo Civil (doravante CPC), que são causas de extinção da instância: a) O julgamento; b) O compromisso arbitral; c) A deserção; d) A desistência, confissão ou transação; e) A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
Nos termos do disposto na alínea e), do artigo 277.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, por conseguinte, a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.

A impossibilidade da lide ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objeto do processo ou por extinção de um dos interesses em conflito. Se o objeto da lide deixou de existir, a instância deve ser extinta.

A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo, ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio. 

Segundo Lebre de Freitas, «a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a proveniência deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios” — Cfr. “Código de Processo Civil Anotado”, pág. 633. No mesmo sentido, Lopes do Rego, Comentários, pág. 611 e Remédio Marques, “Curso de Processo Executivo Comum”, pág. 381».

Como é sabido, «A instância inicia-se pela proposição da ação e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria do CAAD, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral (artigo 259.º, n.º 1, do CPC, adaptado ao processo arbitral)» (Cfr. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Guia da Arbitragem Tributária, 3.ª Edição, pág. 155).

A anulação do ato de liquidação controvertida do imposto proveio de um ato da AT, praticado em 23-07-2023, na pendência da presente instância – e notificado ao tribunal arbitral, em     05-09-2023, após a constituição do mesmo, como vimos, em 10-07-2023 –, o qual determinou a inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido da respetiva declaração de ilegalidade e anulação.

A impossibilidade e/ou inutilidade da lide traduz-se, assim, numa impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído na lei.


V. DAS CUSTAS

Colocada a questão das Custas, atendamos ao disposto no artigo 536.º, n.º 3 do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT:

Nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide  (fora das situações expressas no n.º 2 da mencionada norma), a responsabilidade pelas custas fica a cargo do Requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável à Requerida, caso em que é esta a responsável pela totalidade das custas.

Ficou claro que anulação do ato de liquidação controvertida do imposto, proveio de um ato da AT, praticado na pendência da presente instância –, e notificado ao tribunal arbitral após a constituição do mesmo.

Por tudo o que vem exposto, as custas deste processo devem ser imputáveis à Requerida.

 

VI. DECISÃO

  1. Termos em que o presente Tribunal Arbitral declara verificada a causa de extinção da instância arbitral, prevista no artigo 277.º, alínea e) do CPC, por impossibilidade/inutilidade superveniente da lide.
  2. De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, e 3.º, n.ºs 2 e 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 26.138,69€ (vinte e seis mil, cento e trinta e oito euros e sessenta e nove cêntimos), atendendo ao valor económico aferido pelo montante da liquidação de imposto impugnada.
  3. Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas, em 1.530,00€ (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, imputáveis à Requerida.

     

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de outubro de 2023     

 

 

A Árbitra

 

/Alexandra Iglésias/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

 

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.