Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 35/2013-T
Data da decisão: 2014-03-14  IRS  
Valor do pedido: € 12.074,37
Tema: IRS - Residência fiscal / Retenção na fonte / Dupla tributação internacional
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Decisão Arbitral

 

Processo n.º 35/2013 – T

Requerente: A...

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

Tema: IRS - Residência fiscal / Retenção na fonte / Dupla tributação internacional   

 

I - RELATÓRIO

 

I.1. Em 8 de Março de 2013, A..., com o número de identificação fiscal (NIF) …, representado fiscalmente por B..., com o NIF …, (de ora em diante o “Requerente”), apresentou ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) um pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”), tendo em vista:  

a)      A anulação do indeferimento da reclamação graciosa de que o Requerente foi notificado em 12 de Dezembro de 2012, através do Ofício n.º ..., de 10 de Dezembro de 2012, nos termos do qual foi rejeitado o reembolso de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), no montante de €12.074,37 (doze mil e setenta e quatro euros e trinta e sete cêntimos), retido na fonte, alegadamente em excesso, relativo ao ano de 2010;

b)      A condenação da Requerida na devolução de IRS, alegadamente retido em excesso, no montante de €12.074,37 (doze mil e setenta e quatro euros e trinta e sete cêntimos).      

I.2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) em 11 de Março de 2013.

I.3. A Requerente não procedeu à designação de árbitro. Assim, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, proferida ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, o signatário foi designado como árbitro para integrar o presente tribunal arbitral singular, tendo aceite nos termos legalmente previstos. 

I.4. O Tribunal ficou constituído em 14 de Maio de 2013, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, que se encontra junta aos autos.

I.5. Notificada para o efeito, ao abrigo do artigo 17.º do RJAT, a AT apresentou a sua resposta e juntou o processo administrativo. Para a Requerida, e com os fundamentos que mais à frente se explicitarão, não houve qualquer retenção de IRS em excesso, pelo que deve o pedido ser julgado totalmente improcedente e não provado e, consequentemente, deverá ser mantido na íntegra o despacho recorrido que indeferiu a reclamação graciosa da liquidação de IRS relativa ao ano de 2010. 

I.6. No dia 9 de Julho de 2013, pelas 15 horas, decorreu na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, a primeira reunião do Tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º do RJAT, tendo sido lavrada acta da mesma, que se encontra junta aos autos. Nessa reunião, as partes declararam prescindir da apresentação de alegações, tendo o Tribunal designado o dia 1 de Outubro de 2013 como data para a prolação da decisão final.

I.7. Em 23 de Setembro de 2013, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 134.º do Código de Processo Civil (CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Tribunal ordenou a notificação do Requerente para juntar aos autos a tradução em português dos documentos em língua estrangeira que havia junto, fixando para o efeito o prazo de 15 dias, e deu consequentemente sem efeito a data anteriormente marcada para a prolação da decisão arbitral.

I.8. Por despacho de 9 de Outubro de 2013, o Tribunal deferiu a junção aos autos da tradução de documentos requerida pelo Requerente e deu prazo de 10 dias à Requerida para se pronunciar, querendo.

I.9. Em 4 de Novembro de 2013, o Tribunal proferiu despacho, ao abrigo do disposto no artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, a determinar a prorrogação por 2 meses do prazo para a prolação da decisão arbitral, contados a partir de 14 de Novembro, data em que se perfaziam 6 meses sobre a data da sua constituição. Em 13 de Janeiro de 2014, foi prorrogada por 2 meses a data para a prolação da decisão arbitral.      

I.10. O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

I.10.1. No ano de 2010, o Requerente teve um vínculo laboral com a empresa C..., Lda. (“C...”), que vigorou de 1 de Janeiro de 2010 a 30 de Junho de 2010.

I.10.2. Não obstante o referido vínculo laboral, o Requerente ausentou-se por diversas vezes de Portugal, quer por razões profissionais, quer por razões pessoais, pelo que não teria permanecido em Portugal por mais de 183 dias no ano de 2010.

I.10.3. Em 5 de Julho de 2010, o Requerente assinou um contrato de trabalho com a C... Trading Services Italy, s.r.l. (C... Itália) com efeitos a 1 de Setembro de 2010.

I.10.4. O Requerente registou-se como residente fiscal em Itália no dia 29 de Junho de 2010 tendo passado a residir, em conjunto com a sua família, em Itália assim que terminou o seu vínculo laboral com a C... em Portugal.  

I.10.5. Não obstante o Requerente não cumprir as condições previstas no Código do IRS para efeitos da sua qualificação como pessoa singular residente em Portugal, sobre a remuneração auferida pelo Requerente em resultado do trabalho prestado à C... durante o ano de 2010, no montante global de € 98.568,13, incidiram retenções na fonte de IRS no montante de € 31.788,00.

I.10.6. O Requerente deduziu, no dia 20 de Junho de 2012, reclamação graciosa no sentido de solicitar o reembolso do imposto alegadamente retido em excesso, no valor de € 12.074,37.   

I.10.7. Em 15 de Novembro de 2012, o Requerente foi notificado do projecto de indeferimento de reclamação graciosa, baseado no facto de não ter anexado elementos capazes de demonstrar e provar os fundamentos da sua pretensão.  

I.10.8. O Requerente exerceu o competente direito de audição, nos termos do qual veio juntar ao processo elementos que a Autoridade Tributária alertou que não tinham sido apresentados anteriormente, considerando ter assim comprovado o seu estatuto de não residente em Portugal.

I.10.9. Ainda assim, no entanto, a reclamação graciosa foi expressamente indeferida com base no facto de o Requerente “continuar a não apresentar os elementos solicitados, sendo que as actuais alegações são semelhantes às que já haviam sido explanadas na petição inicialmente apresentada”.

I.10.10. Do disposto no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no artigo 77.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT) entende o Requerente que é possível inferir que a exigência de fundamentação pretende possibilitar ao administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência ou não de impugnar o acto e funciona como garantia da transparência e da ponderação da actuação da Autoridade Tributária, assegurando ainda o necessário controlo hierárquico e jurisdicional do acto, entendimento que tem respaldo em diversa jurisprudência que indica.

I.10.11. Nestes termos, entende o Requerente que a fundamentação deve permitir ao interessado aprender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão para decidir no sentido em que decidiu e não em qualquer outro, situação que não ocorreria no presente caso.

I.10.12. Considerando o facto de o Requerente ter, em sede de direito de audição, anexado vários documentos que, a seu ver, comprovam a sua não residência para efeitos fiscais em Portugal, nunca a decisão se poderia fundamentar com base no projecto de indeferimento, antes obrigando a que um novo indeferimento da reclamação graciosa merecesse uma fundamentação diversa, o que manifestamente não sucedeu, violando assim também o disposto no artigo 56.º, n.º 1, da LGT.

I.10.13. Conclui, por isso, quanto a este ponto, que o indeferimento da reclamação graciosa enferma do vício de falta de fundamentação, na medida em que a mesma não permite aferir a razão pela qual os factos e argumentos por si aduzidos em sede de direito de audição não merecem acolhimento pela AT, carecendo assim de uma formalidade essencial que é a necessidade de fundamentação por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram.

I.10.14. Quanto aos aspectos substanciais, entende o Requerente que não pode ser considerado residente em Portugal para efeitos fiscais, à luz do disposto no artigo 16.º, n.º 1, alíneas a) e b), e no n.º 2 do Código do IRS.    

 

 

I.10.15. Por um lado, considera ter feito prova de que o Requerente não permaneceu em Portugal por um período superior a 183 dias, não se encontrando, portanto, cumprido o requisito previsto na alínea a) do supra citado artigo 16.º do Código do IRS, e, por outro, não dispunha, a 31 de Dezembro de 2010, qualquer residência em Portugal, sendo que, nessa data, o mesmo já residia com a sua família em Itália, pelo que também o requisito de residência previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS não se encontra preenchido, porquanto, a 31 de Dezembro de 2010, a residência habitual do Requerente não era localizada em território português, mas sim em território italiano.

I.10.16. Além disso, sustenta, mesmo que o Requerente tivesse permanecido mais do que 183 dias em território português, o que lhe poderia atribuir a residência fiscal portuguesa de acordo com legislação doméstica, o facto de o Requerente ser (nesse caso, também) residente fiscal em Itália obrigar-nos-ia a recorrer à Convenção entre a República Portuguesa e a República Italiana para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento (de ora em diante abreviadamente designada por “CDT”) para determinar qual o Estado com competência para o tributar enquanto residente por referência a 2010 (na medida em que a CDT prevalece sobre a legislação interna, nos termos do n.º 2 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa).

I.10.17. Com efeito, o n.º 2 do artigo 4.º da referida CDT dispõe que quando (…) uma pessoa singular for residente de ambos os Estados contratantes, a situação será resolvida de acordo com as seguintes regras: (i) Será considerada residente do Estado em que tenha uma habitação permanente à sua disposição; se tiver uma habitação permanente à sua disposição em ambos os Estados, será considerada residente do Estado com o qual sejam mais estreitas as suas relações pessoais e económicas (centro de interesses vitais) ”.

I.10.18. Pelo que, mesmo que o Requerente pudesse ser considerado residente fiscal em Portugal de acordo com a legislação doméstica portuguesa, o facto de ter uma localização permanente em território italiano e de o centro dos seus interesses vitais estar localizado em Itália (nomeadamente o seu trabalho e a sua família), determinaria que o Requerente fosse considerado residente fiscal em Itália.

I.10.19. Conclui, portanto, que, em 2010, o Requerente deve ser considerado residente fiscal em Itália.

I.10.20. Não obstante, sobre a remuneração auferida pelo Requerente em resultado do trabalho prestado à C... durante o ano de 2010, no montante global de € 98.568,13, incidiram retenções na fonte de IRS no montante de € 31.788,00.

I.10.21. Ou seja, a taxa de retenção na fonte aplicada (cerca de 32%) teve por base o errado pressuposto de que o Requerente era residente, para efeitos fiscais, em Portugal, erro confirmado também pelo facto de a C... ter incluído os rendimentos pagos pelo Requerente na sua declaração Modelo 10 e não na declaração Modelo 30.

I.10.22. Enquanto pessoa singular não residente para efeitos fiscais em Portugal, os rendimentos auferidos pelo Requerente deveriam ter sido objecto de retenção na fonte à taxa de 20%, conforme decorre do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 71.º do Código do IRS, com a redacção em vigor à data dos factos.

I.10.23. Assim sendo, ao invés do montante de € 31.788,00 retido na fonte pela C..., deveria ter sido retido na fonte o montante de € 19.713,63 (€ 98.568,13 x 20%).

I.10.24. Por todos estes motivos, o Requerente tem direito a ser reembolsado pela diferença, no valor de € 12.074,37, retido na fonte em excesso, e, consequentemente, a AT deverá ser condenada a efectuar essa restituição.

I.11. Na sua Resposta a AT, invocou, em síntese, o seguinte:

I.11.1. A fundamentação ou motivação de uma decisão administrativa tem apenas sentido como forma de documentação do percurso decisório no sentido de tornar possível verificar se a Administração respeitou os pressupostos definidos na lei para justificar a sua forma de actuação e se agiu para a realização dos fins que justificaram que lhe fossem atribuídos determinados poderes.

I.11.2. Desse modo, para a AT, a fundamentação deverá servir para que o interessado possa saber “porque se decidiu neste sentido não noutro qualquer”, sublinhando ser esse o entendimento uniforme e pacífico da jurisprudência, dando-lhe assim meios para impugnar a decisão no caso de considerar que esta viola um seu direito ou interesse legalmente protegido.

I.11.3. Ou seja, estribando-se na jurisprudência constante do Acórdão do Pleno do STA n.º 1126/02, de 06/12/05, a Requerida sustenta que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação”.

I.11.4. Para a AT, a reclamação apresentada revela-se omissa quanto aos documentos comprovativos do montante dos rendimentos provenientes da actividade exercida ao serviço do C..., respectivos descontos efectuados e, sobretudo, o montante das respectivas retenções na fonte efectuadas ao longo do período em que se encontrou a prestar colaboração com a empresa “C...”, durante o ano de 2010, para além de que na mesma apenas consta uma mera declaração dando conhecimento de que no ano em causa o montante total auferido teria sido de € 98.568,00, pelo que não seria não seria susceptível de ser deferida, por não se fazer prova inequívoca do alegado, conforme impõe o artigo 74.º da LGT.

I.11.5. Por outro lado, de acordo com o registo cadastral do contribuinte, o Requerente apenas mudou a sua residência fiscal para Itália em 15 de Outubro de 2010.

I.11.6. Acrescendo que no âmbito do procedimento tributário os documentos apresentados pelo Requerente pretensamente comprovativos da sua alegada residência em Itália não se encontram redigidos em língua portuguesa, o que, sendo obrigatório, nos termos do definido no CPC, não os tornavam relevantes para efeitos de decisão da AT, tendo, por isso, feito bem em não os tomar em consideração em sede de audição prévia.

I.11.7. Tendo em conta o disposto nos artigos 139.º e 140.º do CPC, a Requerida impugna os documentos redigidos em língua estrangeira, juntos pelo Requerente, os quais, enquanto não forem devidamente traduzidos, não poderão ser aceites como prova, já que, aparentemente, não foram devidamente legalizados conforme é obrigatório, nos termos do artigo 540.º do CPC.

I.11.8. Por outro lado, argumenta a Requerida, os sujeitos passivos têm a obrigação de comunicar o domicílio fiscal à administração tributária, sempre que intervenham ou possam intervir em quaisquer procedimentos ou processos nos serviços da administração tributária ou nos tribunais tributários, tendo 15 dias para cumprir essa obrigação, sempre que haja qualquer alteração do seu domicílio, sede ou caixa postal electrónica (cfr. n.º 3 do artigo 19.º da LGT e artigo 43.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

I.11.9. E, nos termos do artigo 19.º, n.º 4, da LGT, enquanto não for dado cumprimento a essa obrigação, tal mudança de domicílio por parte do Requerente é ineficaz.

I.11.10. Pelo que, no caso aqui em apreço, a mudança de domicílio do A. para Itália só produz efeitos perante a AT a partir de 15/10/2010, ou seja, da data em que tomou conhecimento de tal facto.

I.11.11. Reconhecendo embora que tal disposição não impõe a sujeição do Requerente a IRS como residente, a AT sustenta que a mesma releva para determinar sobre quem incide o ónus da prova, no tocante à questão sub judice.

I.11.12. Tendo em conta o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, e a elaboração doutrinária que convoca em apoio da sua tese, entende a Requerida que cabia ao Requerente fazer prova de que, para efeitos fiscais, não era residente em Portugal. E, afirma, não a fez.  

I.11.13. Pelo que se impõe concluir que o Requerente era residente em Portugal sendo, pois, sujeito passivo de IRS como residente fiscal em Portugal e sujeito às retenções na fonte do imposto nessa condição.

I.11.14. A Requerida conclui a sua Resposta da seguinte forma:

“34.º

A reclamação graciosa foi correctamente decidida, e encontra-se adequadamente fundamentada.

35.º

No ano de 2010 o A. era, face às normas do Código do IRS, residente em Portugal, onde teve um contrato de trabalho entre 01.01.2010 e 30.06.2010;

36.º

E tendo apenas mudado a sua residência fiscal para Itália no dia 15.10.2010, data a partir da qual, aliás, nos termos da lei, tal modificação é eficaz,

37.º

Data também em que, aliás, procedeu à nomeação de um representante fiscal em Portugal.

38.º

O ónus da prova da residência fiscal é da responsabilidade do A., sendo que alguns dos documentos por si juntos tão pouco se encontram redigidos em língua portuguesa, e não podem, por isso, ser admitidos enquanto tal.

39.º

Não existe assim qualquer dúvida de que à data do pagamento das remunerações e da realização das retenções na fonte, o Requerente trabalhava e residia em Portugal, tendo ainda prolongado a sua residência fiscal em Portugal por mais 3,5 meses para além do termo do contrato de trabalho, ou seja, desde 01.01.2010 a 15.10.2010.

40.º

Ora, não existindo qualquer dúvida relativamente ao local da residência fiscal do A., não há qualquer concorrência entre dois sistemas fiscais de países distintos, pelo que não há que proceder à aplicação da referida convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e a Itália”.

 

 

 

II. SANEAMENTO

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. Não há quaisquer vícios que invalidem o processo.

 

Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.

 

III. MATÉRIA DE FACTO   

III.1. Valor probatório dos documentos juntos pelo Requerente e impugnados pela Requerida

Conforme já se referiu, este Tribunal, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 134.º do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, ordenou a notificação do Requerente para juntar aos autos a tradução em português dos documentos em língua estrangeira que havia junto.

No prazo fixado para o efeito, o Requerente veio juntar a tradução para português, certificada pelo Solicitador …, dos documentos n.ºs 4 a 8, juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

Não tem o Tribunal qualquer dúvida sobre a idoneidade da tradução e da respectiva certificação, pelo que não há nenhuma razão para pôr em causa o seu valor probatório.

Especificamente quanto ao documento n.º 4, certificado de atribuição ao Requerente de número de identificação fiscal pelas autoridades italianas, na medida em que se trata de um documento lavrado por autoridade estrangeira, coloca-se a questão de saber se seria ou não necessária a aposição da apostilha da Convenção da Haia de 1961. 

Na esteira dos acórdãos proferidos por tribunal arbitral colectivo nos processos n.º 11/2012-T e n.º 108/2012-T, ambos do CAAD, acolhe-se como boa a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) no seu Acórdão de 12 de julho de 2011, proferido no Proc. n.º 987/10.5YRSLB.S1 (disponível para consulta em www.dgsi.pt):

O artigo 365.º do Código Civil (CC) determina:

1.      Os documentos autênticos particulares passados em país estrangeiro, na conformidade da respetiva lei, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal.

2.      Se o documento não estiver legalizado, nos termos da lei processual, e houver dúvidas acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do seu reconhecimento, pode ser exigida a sua legalização.

Nos termos do n.º 1 do art. 540º do CPC «Os documentos autênticos passados em país estrangeiro, na conformidade da lei desse país, consideram-se legalizados desde que a assinatura do funcionário público esteja reconhecida por agente diplomático ou consular português no Estado respectivo e a assinatura deste agente esteja autenticada com o selo branco consular respectivo.»

No domínio da Convenção de Haia de 5 de Outubro de 1961 a legalização do documento faz-se através da aposição duma apostilha pela entidade pública que o Estado de origem para o efeito tenha designado.

Em anotação ao art. 365º do Código Civil explicam Pires de Lima e Antunes Varela: «A obrigatoriedade da legalização dos documentos passados em país estrangeiro, na conformidade da lei desse país, foi, em princípio, abolida. Os tribunais, como quaisquer repartições públicas devem, pois, atribuir a esses documentos todo o seu valor probatório, independentemente de legalização. Esta, porém, pode tornar-se obrigatória, se vierem a suscitar-se dúvidas acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do reconhecimento» (cfr. Código Civil anotado, vol. I, 4ª ed., pág.324 e no mesmo sentido, Ac. do STJ de 25/10/1974 – BMJ 240-199, citado também no Ac. do STJ de 8/5/2003 – Proc. 03B1123 – in www.dgsi.pt) (No mesmo sentido deste arresto pode surpreender-se, também, o Acórdão do STJ, de 17/06/1998, proferido no Proc. n.º 988313, com sumário disponível no mesmo sítio informático)

Também a este respeito escrevem José Lebre de Freitas, A. Montalvão e Rui Pinto: «A legalização não é indispensável para que o documento passado em país estrangeiro faça prova em Portugal.

O art.º 365º do CC confere a tal documento, quer seja autêntico quer seja particular, desde que elaborado em conformidade com a lex loci, a mesma força probatória que têm os documentos da mesma natureza elaborados em Portugal; e só se houver fundadas dúvidas acerca da sua autenticidade, ou da autenticidade do reconhecimento, é que pode ser exigida a sua legalização nos termos do art.540º).» (in Código de Processo Civil anotado, Vol.2º, 2ª ed., pág.474).”

Nestes termos, e em sintonia com a mencionada jurisprudência arbitral e do STJ, entende o Tribunal atribuir também ao referido documento a força probatória conferível, de acordo com o artigo 371.º do Código Civil, aos documentos emitidos pelas autoridades fiscais em Portugal.

III.2. Factos provados

III.2.1. O Requerente foi trabalhador da empresa C..., Lda. (“C...”) entre 1 de Janeiro de 2010 e 30 de Junho de 2010 (há acordo das partes e consta dos Documentos n.ºs 1 e 2 junto pelo Requerente e do processo administrativo junto pela Requerida).  

III.2.2. O Requerente, em contrapartida desse vínculo laboral, auferiu o valor global de € 98.568,13, tendo sido efectuada a retenção na fonte de IRS às taxas em vigor para os residentes fiscais em Portugal, no montante global de € 31.788,00 (cf. Documento n.º 9 junto pelo Requerente).

III.2.3. Em 6 de Junho de 2010, o Requerente inscreveu o filho D... na English School of …, em Itália, para o ano lectivo de 2010/2011, tendo procedido ao pagamento da correspondente propina (cf. documento n.º 8 junto pelo Requerente).  

III.2.4. Em 29 de Junho de 2010, as autoridades fiscais italianas atribuíram ao Requerente número de identificação fiscal (cf. Documento n.º 4 junto pelo Requerente).  

III.2.5. Em 5 de Julho de 2010, o Requerente assinou um contrato de trabalho com a C... Trading Services Italy, s.r.l. (C... Itália), com sede em …., Itália, com efeitos a 1 de Setembro de 2010 (cf. Documento n.º 6 junto pelo Requerente).   

III.2.6. Em 16 de Setembro de 2010, a C... Trading Services Italy, s.r.l. (C... Itália), entidade patronal do Requerente, a partir do dia 1 de Setembro do mesmo ano, conforme contrato referido em III.2.5., arrendou um imóvel sito em …, com a duração de 4 anos, destinado a uso habitacional do Requerente (cf. Documento n.º 7).

III.2.7. Em 15 de Outubro de 2010, o Requerente comunicou às autoridades fiscais portuguesas que deixava de ser residente fiscal em Portugal, dando como nova residência o local da habitação que lhe foi disponibilizada C... Trading Services Italy, s.r.l. (C... Itália), conforme referido em III.2.6., tendo a sua situação cadastral no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes – que até essa data o dava como residente em Portugal - sido alterada em conformidade, passando também a indicar o representante fiscal, que nessa mesma data foi nomeado (cf. processo administrativo junto pela Requerida).   

III.2.8. Em 20 de Junho de 2012, o Requerente apresentou reclamação graciosa n.º ... solicitando o reembolso de € 12.074,37, a título de IRS alegadamente retido em excesso.

III.2.9. Em 15 de Novembro de 2012, o Requerente foi notificado do projecto de indeferimento de reclamação graciosa, baseado no facto de o Impugnante não ter junto elementos comprovativos dos factos alegados.

III.2.10. O Requerente exerceu o direito de audição prévia e nesse contexto juntou diversos documentos.

III.211. A reclamação graciosa foi indeferida com a justificação de que o Requerente continuou a não apresentar os elementos solicitados, “sendo que as actuais alegações são semelhantes às que já haviam sido explanadas na petição inicialmente apresentada”.

III.3. Factos dados como não provados

O Tribunal considera não se ter feito prova de que, no ano de 2010, o Requerente não permaneceu em Portugal por mais de 183 dias.        

III.4. Motivação da matéria de facto

III.4.1. Conforme acima se explicitou, os factos dados como provados resultam de matéria não contestada e demonstrada pelos documentos juntos aos autos, bem como dos elementos do processo administrativo junto pela Requerida.

III.4.2. Centremo-nos então no facto dado como não provado.

O artigo 16.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, estatui que são residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos, “hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados”. Trata-se de um critério objcetivo. Como refere Manuel Faustino, “uma vez atingido o limite máximo dos 183 dias de permanência em território português, opera-se automaticamente a aquisição da residência”[1].    

Sem sombra de dúvida, era ao Requerente de que cabia fazer prova de que se não verificou essa permanência. Com efeito, como se assinala no Acórdão do STA de 18 de Janeiro de 2006, proferido no processo n.º 01102/05, “provando-se que o contribuinte tem número fiscal em Portugal e aqui reside, é dele o ónus da prova de que residiu em Portugal menos de 183 dias”, pois, “estamos perante um facto impeditivo, pelo que a prova de tal facto, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, compete àquele contra quem a invocação é feita”.

Ora, é esse, precisamente, o caso dos autos. O Requerente tinha número fiscal em Portugal, e aqui residiu, no quadro do contrato de trabalho que manteve no primeiro semestre de 2010 com a C... Portugal.    

A circunstância de só em 15 de Outubro de 2010 ter comunicado a mudança do seu domicílio fiscal, não pode, como é evidente, fundar qualquer tributação, nem pode substituir-se às regras que definem a residência fiscal. A “ineficácia” da mudança de domicílio (e repare-se que se diz “domicílio” e não residência) referida no n.º 4 do artigo 19.º da LGT não tem – só por si - o alcance de converter o contribuinte em residente para efeitos fiscais, se o mesmo fizer prova em sentido contrário.   

De resto, ao pretender demonstrar como o Documento junto sob o n.º 3, que não permaneceu em Portugal por mais de 183 dias, o Requerente assumiu – e bem – que era seu o ónus da prova quanto a esse ponto.  

Sucede, porém, que tal documento – um print do website da Star Alliance – de modo nenhum constitui prova do que invoca. Curiosamente, o documento não foi objecto de tradução e devia tê-lo sido. Mas mesmo que o tivesse sido, seria sempre prova claramente insuficiente de que o Requerente em 2010 não permaneceu em Portugal por mais de 183 dias.

Com efeito, a lei fala em dias seguidos ou interpolados. Ora, não sabemos, por exemplo, se o Requerente no segundo semestre de 2010 permaneceu mais dias em Portugal, a título de férias ou qualquer outro, compensando assim as ausências que diz ter tido no primeiro semestre, mas que não ficam de modo algum provadas.

Trata-se, sem dúvida, de uma prova difícil. Reconhecemos, como refere Manuel Faustino, que “a manutenção do critério da permanência de 183 dias, seguidos ou interpolados, em território português, revela-se cada vez mais problemática em sede de controlo efetivo, uma vez que a eliminação do passaporte, e dos carimbos que neste eram colocados à entrada e à saída do território nacional, para a circulação na União Europeia acabou com o meio mais fácil e credível de prova, quer do ponto de vista as autoridades fiscais, quer do ponto de vista dos próprios visados. A contagem dos 183 dias não deixa também, ela mesma, de ser problemática, pois a nossa legislação é completamente omissa sobre como devem considerar-se as ausências esporádicas (v.g., deslocações de fim de semana ao país da “residência”), ausências por motivos de doença comprovada ou ausência do território nacional para gozo de férias”[2].

Mas, à luz das normas em vigor, é inequívoco que o Requerente não fez prova de que não residiu em Portugal por mais de 183 dias.   

IV. MATÉRIA DE DIREITO

IV.1. O Requerente invoca duas ordens de vícios ao acto impugnado:  

i)        Formal, por preterição de formalidades essenciais do acto de indeferimento da reclamação graciosa, em virtude de falta de fundamentação; e

ii)      Substancial, por violação de lei em virtude de não poder ser considerado residente fiscal em Portugal, no ano de 2010, à luz de qualquer dos critérios previstos no artigo 16.º do Código do IRS ou, admitindo que lhe poderia ser atribuída residência fiscal em Portugal por se considerar que permaneceu no território nacional por mais do que 183 dias, por violação de convenção internacional, mais concretamente do artigo 4.º, n.º 2, da CDT (que prevalece sobre a legislação interna por força do disposto no artigo 8.º, n.º 2, da CRP), o qual determinaria, atento o facto de o Requerente ter uma localização permanente em território italiano e de o centro dos seus interesses vitais estar localizado em Itália (nomeadamente o seu trabalho e a sua família), que fosse considerado residente fiscal italiano.

 

IV.2. Assim sendo, uma primeira referência se impõe quanto à ordem de conhecimento dos vícios invocados. Com efeito, tendo em conta o disposto no artigo 124.º, n.º 2, do CPPT, aqui aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, entende o Tribunal que deve conhecer primeiro dos vícios substanciais uma vez que essa ordem é a que assegura uma mais eficaz tutela dos direitos do contribuinte. De facto, a anulação do acto impugnado em virtude de falta de fundamentação não impede a sua renovação se esse vício for suprido. Já a entender-se que o acto impugnado violou a lei, em termos substanciais, essa renovação não será possível. Em qualquer caso, de resto, atento o pedido de condenação da AT na devolução do imposto alegadamente retido em excesso sempre se teria de conhecer dos vícios substanciais invocados[3].   

IV.3. Sobre os vícios substanciais

IV.3.1. Conforme já se referiu, o Requerente não logrou fazer prova de que não permaneceu em Portugal por mais de 183 dias no ano de 2010 e, desse modo, deve ser considerado residente fiscal em Portugal à luz do disposto no artigo 16.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS.

IV.3.2. A convocação para dirimir o presente litígio da CDT só se justifica, como, aliás, Requerente e Requerida reconhecem, se se considerar que o Requerente, no ano de 2010, foi também considerado residente fiscal em Itália, caso em que teríamos de aplicar as regras da Convenção, designadamente o n.º 2 do seu artigo 4.º.  

É verdade que o Requerente fez prova de alguns indícios importantes: o contrato de trabalho celebrado com entidade com sede em Itália, com efeitos a 1 de Setembro de 2010, o contrato de arrendamento celebrado pela sua entidade patronal, nos termos do qual é disponibilizada uma habitação ao Requerente, bem como a inscrição do seu filho numa escola sita na cidade de ….

Falta, porém, a prova de que as autoridades italianas consideraram e trataram o Requerente como residente em Itália. 

O Requerente juntou – é certo – prova inequívoca de que as autoridades fiscais italianas lhe atribuíram um número de identificação fiscal. Mas isso não chega para provar que é residente fiscal em Itália.

Tal poderia ser alcançado, por exemplo, através da junção do certificado de residência fiscal em Itália ou de qualquer outra prova de que resultasse inequivocamente que as autoridades italianas, no ano de 2010, à luz da lei italiana, o consideraram como tal. De facto, é próprio Requerente que, relativamente a Portugal, não obstante o número de identificação fiscal que lhe foi atribuído, entende que não deve ser considerado residente fiscal em Portugal, pelo que – há-de convir-se – o mesmo se pode passar relativamente à sua situação em Itália. 

Admite-se que isso possa ter acontecido. Mas, no entender do Tribunal, não há nos autos prova cabal dessa situação.

Como assinala Rui Duarte Morais[4], “se em ambos os Estados tiver ocorrido uma tributação a título de residente, haverá que recorrer às regras de desempate previstas na própria convenção (...) ”.

Ora, esse pressuposto não se mostra verificado nos presentes autos por não se ter feito prova de que a Itália tributou o Requerente enquanto residente nesse país[5].

Assim sendo, não tendo o Requerente feito prova bastante de que no ano de 2010 foi também considerado residente fiscal em Itália, condição indispensável para que passássemos à aplicação das regras da CDT não há lugar à análise do conteúdo dessa Convenção.   

Sendo assim, com os elementos disponíveis nos autos, outra não pode ser a conclusão de que a retenção na fonte de IRS parcialmente impugnada não merece censura ao ter tratado o Requerente como residente fiscal em Portugal, não havendo, pois, qualquer excesso a devolver, assim se impondo a absolvição da Requerida quanto ao segundo pedido.  

IV.4. Sobre a preterição de formalidades essenciais

IV.4.1. Em 20 de Junho de 2012, o Requerente apresentou reclamação graciosa n.º ... solicitando o reembolso de € 12.074,37, a título de IRS alegadamente retido em excesso.

IV.4.2. Em 15 de Novembro de 2012, o Requerente foi notificado do projecto de indeferimento de reclamação graciosa, baseado no facto de o Impugnante não ter junto elementos capazes de demonstrar e comprovar o fundamento das suas alegações, afirmando-se que lhe cabia “provar de forma inequívoca o que afirma, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária” (cf. ponto VI. 7. do projecto de indeferimento), explicitando-se que deveria o Requerente ser notificado para exercer o direito de audição prévia previsto no artigo 60.º da LGT, “aproveitando o ensejo para juntar os comprovativos (...) dos quais dependerá o deferimento, ou não, do pedido apresentado em sede dos presentes autos de reclamação graciosa” (cf. ponto VII.).

IV.4.3. Analisados os autos, verifica-se que o Requerente exerceu o direito de audição e nesse contexto juntou diversos documentos, alguns dos quais redigidos em língua estrangeira.

IV.4.4. A este respeito, importa atentar no conteúdo dos artigos 11.º e 12.º da Resposta da AT. Aí se diz, com efeito:

“11.º

Acresce que no âmbito do procedimento tributário os documentos apresentados pelo A. pretensamente comprovativos da sua alegada residência em Itália não se encontram redigidos em língua portuguesa, o que, sendo obrigatório, nos termos do definido no Código do Processo Civil (CPC), não os tornariam relevantes para efeitos de decisão da AT.

12.º

Concluindo-se, dessa forma, que bem decidiu a AT quando não teve em consideração no procedimento tributário os elementos juntos pelo A. em sede de audiência prévia”.

 

IV.4.5. Ou seja, é a própria AT que confirma que os elementos juntos pelo Requerente em sede de audição prévia não foram considerados. E apresenta um motivo: não se encontravam “redigidos em língua portuguesa”.

IV.4.6. Sucede, porém, que debalde se procurará na fundamentação do indeferimento qualquer referência a esse aspecto. A única coisa que aí se diz é que a pretensão foi indeferida por o Requerente “continuar a não apresentar os elementos solicitados, sendo que as actuais alegações são semelhantes às que já haviam sido explanadas na petição inicialmente apresentada”.

IV.4.7. É assim evidente que os documentos juntos pelo Requerente em sede de audição prévia, levada a efeito nos termos do artigo 60.º da LGT, foram desconsiderados sem se indicar nenhum motivo para isso. Vício que, naturalmente, não pode ser suprido em sede de Resposta ao pedido de pronúncia arbitral.

IV.4.8. Os documentos juntos pelo Requerente eram elementos novos e deveriam, pois, ter sido objecto de apreciação, necessariamente refletida no despacho final da reclamação graciosa. Se assim não fosse, perder-se-iam completamente de vista as finalidades do procedimento de audição prévia.

IV.4.9. É isso, aliás, que resulta de forma cristalina e expressa do estatuído no n.º 7 do artigo 60.º da LGT: “Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”.

IV.4.10. Como referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa[6], em anotação a este preceito, “ a falta de apreciação dos elementos factuais ou jurídicos novos invocados pelos interessados constituirá vício de forma, por deficiência de fundamentação, susceptível de levar à anulação da decisão do procedimento”.      

IV.4.11. Deste modo, ao não se pronunciar sobre os documentos juntos pelo Requerente em sede de audição prévia, o despacho de indeferimento da reclamação graciosa preteriu formalidades essenciais, padecendo de vício de forma por falta de fundamentação, violando de forma inequívoca o disposto nos artigos 60.º, n.º 7, e 77.º, n.º 1, ambos da LGT.

 

 

V. DECISÃO

Em face de tudo quanto se deixa exposto, decide-se:

a)      Julgar totalmente improcedente, por não provado, o pedido de condenação da Requerida na devolução de IRS, alegadamente retido em excesso, no montante de €12.074,37 (doze mil e setenta e quatro euros e trinta e sete cêntimos).

b)      Anular, por vício de forma, em virtude falta de fundamentação, o impugnado acto de indeferimento da reclamação graciosa n.º ... apresentada pelo Requerente.  

 

VI. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 12.074,37, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VII. Taxa de arbitragem

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente e pela Requerida, na proporção de 50%, tendo em conta que o Requerente obteve vencimento apenas num dos pedidos que formulou, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa, 14 de Março de 2014  

O Árbitro,

 

 

Luís Máximo dos Santos

 

A redacção da presente Decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.



[1] Cf. Manuel Faustino, “Os Residentes no Imposto sobre o Rendimento Pessoal (IRS) Português”, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 424, Julho – Dezembro, 2009, p. 116. 

[2] Cf. Manuel Faustino, loc. cit., p.122.

[3] Na linha do entendimento adoptado, cf. os Acórdãos do STA de 12 de Julho de 2010, 7 de Junho de 2011 e 9 de Julho de 2011, proferidos, respectivamente, nos processos n.ºs 0569/10, 0355/11 e 023/11.    

[4] Cf. Rui Duarte Morais, “Dupla Tributação Internacional em IRS – Notas de uma leitura de jurisprudência”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano 1, n.º 1, Primavera, 2008, p. 115. 

[5] É verdade que no Documento n.º 5 junto pelo Requerente – “Certificado Único de Rendimentos do Trabalho Dependente / Pensões”, relativo ao ano de 2010, mas o documento não nos diz se a tributação do Requerente que revela foi efectuada enquanto residente em Itália.       

[6] Cf. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – Anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, Lisboa, 2012, p. 513.