Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 18/2013-T
Data da decisão: 2013-10-09  IVA  
Valor do pedido: € 656.285,73
Tema: Direito à dedução, operação de fusão
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DECISÃO ARBITRAL

 

Processo n.º 18/2013 – T/CAAD

 

 

A – Relatório

 

 

Acordam, nestes autos, os juízes-árbitros, Manuel Luís Macaísta Malheiros, presidente, António Nunes dos Reis e Clotilde Celorico Palma, adjuntos:

 

 

1. RELATÓRIO

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 11/2012-T

1 – A…, S.A. (anteriormente designada B…, S.A.), pessoa colectiva número …, com sede Rua …, … (doravante “A…”), requereu a pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (de ora em diante Regime Jurídico da Arbitragem Tributária-RJAT), sobre a questão que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), pedindo a anulação, por erro nos pressupostos de facto e de direito, dos actos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.ºs …, bem como a anulação das liquidações dos correspondentes juros compensatórios n.ºs …, em virtude de serem indevidos os ajustamentos ao montante de IVA deduzido pela Requerente.

 

2 – Fundamentando estes pedidos a Requerente alegou, em resumo, que:

 

  1. Realizou uma operação de reorganização societária (“Transacção”) que se consubstanciou em diversos actos, entre os quais a entrada de um novo accionista, a fusão, por incorporação, de diversas entidades na Requerente (“Reestruturação”) e a contracção de um financiamento, actos estes que considera todos como fazendo parte da Transacção;

 

  1. No âmbito da Transacção incorreu numa série de custos com serviços (“Serviços”) sujeitos a IVA (v.g., assessoria jurídica, bancária e financeira, de consultadoria de gestão, etc.) tendo procedido à dedução do respectivo imposto;


 

  1. Para o efeito teve em consideração os seguintes factos: (i) é um sujeito passivo de IVA realizando exclusivamente actividades sujeitas e não isentas deste imposto; (ii) os Serviços têm uma ligação directa e imediata à sua actividade e / ou estão afectos a um financiamento cujos fundos foram afectos à sua actividade e / ou são despesas gerais e enquanto tais elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta e, (iii) entendimento diverso sempre seria violador da lógica global do imposto e, nomeadamente, do principio da neutralidade;

 

  1. Como invoca, todas as sociedades objecto da fusão actuavam no âmbito do sector farmacêutico, cada uma desenvolvendo as múltiplas actividades complementares e integrantes da cadeia de produção (incluindo o licenciamento e produção para terceiros) e comercialização de medicamentos genéricos (tanto para o segmento ambulatório, como para o segmento hospitalar);

 

  1. A dispersão destas sociedades, conjuntamente com a entrada do novo accionista – a C…, L.P. (“C…”) – veio suscitar a necessidade da reestruturação do grupo, com vista à optimização da sua performance económica e financeira e à maximização do seu respectivo valor;

 

  1. A descida, em 2008, de 30% dos preços dos medicamentos genéricos implementada pelo Governo Português veio reforçar ainda mais a necessidade de deter conjuntamente as actividades comerciais e produtivas realizadas pelas sociedades em causa, permitindo mitigar o impacto negativo nas margens que a descida de preços acarretou;

 

  1. A conjuntura política e económica do sector e das empresas, aliada às perspectivas das economias de escala, experiência e afins decorrentes de uma fusão, esteve, assim, na origem da Reestruturação;


 

  1. Ora, os custos com os Serviços em que incorreu no contexto da operação de reestruturação não só mantêm uma relação directa e imediata com o financiamento e a fusão, como mantêm ainda uma relação directa e imediata com a actividade económica prosseguida pelo sujeito passivo;


 

  1. Sem os estudos e relatórios relativos às empresas e ao sector onde actuam não seria de todo possível obter o financiamento atribuído pelos bancos e, com esses meios financeiros, levar a cabo uma reestruturação que maximizou a sua eficiência e valor, sendo que tais estudos e relatórios fazem parte integrante e essencial da actividade económica da empresa;


 

  1. Como se infere da jurisprudência do TJUE, nomeadamente do Acórdão AB SKF, o IVA incorrido em operações de financiamento é dedutível na medida em que os respectivos fundos se destinem a actividades económicas que confiram direito à dedução;


 

  1. Determina o referido Acórdão (cfr. § 71), aludindo a conclusão já obtida no Acórdão Securenta, que: “ (…) o direito à dedução é conferido relativamente ao IVA pago a montante pelas prestações realizadas no quadro de operações financeiras se o capital adquirido com estas últimas operações tiver sido afectado às actividades económicas do interessado.”;


 

  1. Ainda em conformidade com o Acórdão SKF, “admite-se igualmente o direito à dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de uma relação directa e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo.”;


 

  1. A C… interfere nas decisões estratégicas da A..., acompanhando de perto a sua gestão corrente e comandando a gestão estratégica da empresa como é tipicamente próprio de um accionista maioritário;


 

  1. Mesmo onde se conclua não estarem os Serviços ligados à actividade da A…, seja directamente, seja via financiamento ou fusão, algo que não se perspectiva, o respectivo IVA será sempre dedutível na medida em que esses custos façam parte das despesas gerais da A… e sejam, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta;


 

  1. Assim sendo, a AT não poderia ter considerado indevida a dedução do imposto subjacente aos Serviços os quais, na sua opinião, estariam conexos com um processo de aquisição de acções não apresentando uma ligação directa e imediata à actividade da Requerente.

 

Ad cautelem, para o caso de subsistirem dúvidas sobre a interpretação do Direito da União Europeia implicado nas disposições do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) convocáveis para a decisão, pede a Requerente a formulação do reenvio interpretativo prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

3 – O Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros os Doutores Manuel Luís Macaísta Malheiros, (presidente), António Nunes dos Reis e Clotilde Celorico Palma, (adjuntos), considerando-se constituído o tribunal arbitral colectivo em 9 de Abril de 2013.

4 – Notificada nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, veio a AT responder, pugnando pela improcedência de todos os pedidos, invocando, em síntese, o seguinte:

a) Houve gastos inerentes à tomada de participações sociais da C… num timing e procedimento anteriores ao processo de concentração, parte dos quais em nada relacionados com a fusão;

 

b) A Requerente, para além de confundir esta realidade, também confunde o que se prevê no n.º4 do artigo 3.º do CIVA;

 

c) As correcções efectuadas que originaram as liquidações adicionais em nada se relacionam com o processo de fusão por incorporação, mas apenas com a compra de participações sociais efectuada por parte da C… ao adquirir as acções da D… APS;

 

d) Ora, como o TJUE já decidiu, “a simples tomada de participações financeiras noutras empresas (aquisição com posterior fusão) não constitui exploração de um bem com o fim de auferir receitas com carácter de permanência, dado que os eventuais dividendos, fruto de tal participação, resultam da simples propriedade/incorporação do bem e não são contrapartida de nenhuma actividade económica na acepção da directiva”;

 

e) Assim sendo, traduzindo-se a operação de aquisição de partes sociais numa operação cujos outputs são a obtenção de lucros que se traduzem em dividendos e, eventualmente, mais-valias, ou seja, em operações fora do campo de incidência do imposto, o IVA incorrido nas despesas conexas com a referida aquisição de partes sociais não é dedutível nos termos do n.º1 do artigo 20.º do CIVA;

 

f) Não estando estes outputs sujeitos a Imposto sobre o Valor Acrescentado, forçoso é concluir que o IVA suportado nas despesas referentes à aquisição dos respectivos inputs (aquisição das participações sociais), não é dedutível nos termos do artigo 20.º do CIVA;

 

g) Esta disposição legal exige um nexo de causalidade entre o imposto suportado e dedutível e a realização, por parte do sujeito passivo, de operações sujeitas a imposto e dele não isentas;

h) Ora, no caso controvertido não há, ab initio, por parte da sociedade incorporada (num processo anterior à fusão – o grupo C… ), uma qualquer actividade económica susceptível de produzir valor acrescentado, mas uma mera aquisição e detenção de participações sociais com o propósito de se tornar como accionista maioritário no grupo D… APS;

i) No caso concreto está-se perante uma actividade fora do campo de aplicação do imposto, tendo consequências quer ao nível da sujeição – não liquidação de imposto nas operações activas – alienação das referidas participações e obtenção de mais-valias, percepção de dividendos etc. – quer na impossibilidade de deduzir o imposto suportado a montante.

 

5 – A 9 de Setembro de 2013 realizou-se audiência de produção da prova testemunhal oferecida pela Requerente, nos termos constantes da respectiva acta, tendo os depoimentos prestados sido gravados em registo audiográfico, tendo igualmente sido apresentadas alegações orais.

 

B – Saneamento do Processo

 

O Tribunal é competente.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas. Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo.

 

C – Fundamentação

 

1 – Questões decidendas

 

As questões cuja pronúncia se impõe ao Tribunal Arbitral são, no essencial, as seguintes:

 

  1. As correcções efectuadas que originaram as liquidações adicionais em causa nos presentes autos relacionam-se com o processo de fusão por incorporação, ou, tão apenas e tão somente, com a compra de participações sociais efectuada por parte da C… ao adquirir as acções da D … APS?

 

  1. Poderá a Requerente A… deduzir as despesas suportadas relativamente à aquisição das participações sociais?

 

2 – Matéria de facto

 

Em face das posições das partes expressas nos articulados, dos documentos integrantes do processo administrativo anexo e dos depoimentos das testemunhas inquiridas, julgam-se como provados os seguintes factos pertinentes para a decisão da causa (os documentos indicados infra reportam-se àqueles que foram anexos pela Requerente no seu pedido de constituição deste Tribunal):

 

a) A Requerente A… é uma sociedade anónima, constituída em 20 de Fevereiro de 2007, que tem como actividade principal a “Fabricação de medicamentos”, (CAE 21201), tendo por objecto o fabrico e comercialização de especialidades farmacêuticas, diagnósticos e material clínico e hospitalar, bem como de produtos preparados decorrentes de investigação biotecnológica e nanotecnológica;

 

b) A A… encontra-se enquadrada para efeitos de IVA no regime normal, não isento, de periodicidade mensal;

 

c) Até 2009, a estrutura societária da Requerente (ex-B…) era a seguinte:

 

E…

G…

D…

B…

A …

F…

 

d) A A…, S.A., com o NIPC … (“A…”), a G…, S.A., com o NIPC … (“ G…”), a D…APS., com o NIPC … (“D… APS”) e a F…, S.A., com o NIPC … (“F…”), realizaram uma operação de reestruturação empresarial, na modalidade de fusão por incorporação na A..., a qual foi registada no dia 2 de Dezembro de 2009 com efeitos a 1 de Janeiro desse ano (cfr. escritura da fusão que se juntou como Doc. 13);

 

e) A operação de fusão realizou-se em 7 de Dezembro de 2009, mediante a transferência global para a A…, na altura B…, do património pertencente a cada uma das sociedades D…APS, E…, G… e …, que, nos termos do artigo 97.º, n.º 4, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais, transferiram para a A… a universalidade dos direitos e obrigações das sociedades incorporadas, as quais se extinguiram na sequência da fusão;

 

f) Em termos fiscais, a operação de fusão foi feita com neutralidade fiscal, nos termos do disposto no artigo 67.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas;

 

d) A aludida fusão foi antecedida de uma operação de concentração realizada em 21 de Janeiro de 2009, que consistiu na aquisição efectuada pela C…, LP e pelo accionista H…, através da sociedade B… SA (detidas a 100% pela D… APS, que por sua vez é detida a 100% pela B… ) e de outra sociedade constituída para esse efeito;

 

e) A concentração das empresas foi autorizada pela Autoridade da Concorrência (Doc. 15), mereceu por parte da Direcção-Geral das Actividades Económicas a consideração de que a mesma permitiria maximizar o valor do grupo, aumentar as suas vendas, com redução significativa dos custos e acréscimo de eficiência e produtividade (Doc. 16), tendo ainda sido apresentada para a concessão dos benefícios fiscais à concentração de empresas por parte da AT (Doc. 17);

 

f) No contexto da reestruturação, a Requerente solicitou o financiamento a um sindicato bancário o qual ascendeu a um valor total de EUR 74.500.000 (setenta e quatro milhões e quinhentos mil euros) (cfr. págs. 31 e 32 do contrato de financiamento - Doc. 18);

 

g) Para a realização do financiamento, o sindicato bancário estabeleceu diversas condições para o financiamento, exigindo inter alia que fossem realizadas auditorias e estudos elaborados por entidades independentes, com vista à aferição da situação fiscal, jurídica, de seguros, de mercado e ambiental do grupo cujo encargo ficaria a cargo das mutuárias (cfr. págs. 33, 58 e Anexo V do contrato de financiamento (Doc. 18)), a apresentação de um plano de negócios (cfr. pág. 33 e Anexos V e XV do contrato de financiamento (Doc. 18)), e o compromisso de realização da reestruturação acima mencionada a breve trecho (cfr. pág. 49 do contrato de financiamento (Doc. 18));

 

h) Considerando que os beneficiários dos estudos e auditorias eram as empresas reestruturadas, o encargo desses serviços foi suportado pelas mesmas, na qualidade de mutuárias – cfr. pág. 4 (“Condições Precedentes”) do Term Sheet acordado com o sindicato bancário (Doc. 19);

 

i) Adicionalmente, cada entidade bancária membro do sindicato bancário cobrou uma comissão de organização, montagem e tomada firme, no montante de 3,25%, indexada ao montante total do financiamento (vide pág. 4 do Doc. 19);

 

j) As empresas objecto da reestruturação e mutuárias do financiamento incorreram em diversos custos no âmbito e para os efeitos dessas operações relacionados, em termos gerais, com estudos e relatórios exigidos pelo sindicato bancário, nas comissões cobradas pelos bancos, e nas despesas com advogados relativamente à preparação, execução e implementação das operações, v.g., reestruturação e financiamento;

 

k) As despesas em causa totalizavam um imposto, que ascendia a EUR 886.637,89 (oitocentos e oitenta e seis mil seiscentos e trinta e sete euros e oitenta e nove cêntimos), que foi deduzido pela Requerente (e sociedades incorporadas quando aplicável) – sujeitos passivos de IVA com direito à dedução integral de imposto – nos termos gerais;

 

l) A Requerente foi objecto de uma acção de inspecção IVA relativamente ao exercício de 2009 e parte de 2010 que teve início a 25 de Julho de 2011, tendo, nesse âmbito, sido notificada para identificar todas as aquisições de participações sociais realizadas no ano de 2009 e, ainda, todos os gastos relativos às referidas aquisições;

 

m) A AT aceitou de imediato a dedução de EUR 288.539,63 (duzentos e oitenta e oitos mil quinhentos e trinta e nove euros e sessenta e três cêntimos) correspondente a parte do IVA das despesas relativas ao refinanciamento da dívida bancária e assessoria ao processo de reestruturação;

 

n) A 25 de Novembro de 2011, a Requerente foi notificada do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária (“Relatório”) contendo as conclusões da acção de inspecção levada a cabo, no qual se determinaram correcções técnicas em sede de IVA, num valor global de EUR 598.098,26 (quinhentos e noventa e oito mil noventa e oito cêntimos e vinte e seis cêntimos), correspondente a IVA, no entender da AT, indevidamente deduzido;

 

o) A Requerente exerceu o direito de audição em 13 de Dezembro de 2011;

 

p) A AT manteve as correcções propostas tendo emitido o Relatório final de Inspecção Tributária (Doc. 24) nesse sentido, o qual foi recebido pela Requerente em 28 de Dezembro de 2011, tendo sido foi notificada de liquidações adicionais que totalizam o montante de EUR 656.285,17 (seiscentos e cinquenta e seis mil duzentos e oitenta e cinco euros e dezassete cêntimos);

 

q) As correcções técnicas consubstanciam-se nos actos de liquidação de IVA n.ºs … e das liquidações de juros compensatórios n.ºs …;

 

r) A Requerente apresentou reclamação das liquidações de IVA e juros compensatórios acima identificadas (Doc. n.º 25);

 

  1. A reclamação veio a ser indeferida pela AT conforme decisão notificada à ora Requerente em 7 de Novembro de 2011.

 

 

Para dar como assentes os factos fixados nas alíneas anteriores, o Tribunal Arbitral baseou-se numa ponderação crítica dos documentos do processo administrativo e do processo de reclamação graciosa juntos aos autos, bem como nos depoimentos das testemunhas indicadas pela Requerente, … .

 

 

Não há factos relevantes para decisão que não se tenham provado.

 

3 – Das questões de direito

Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada, importa seguidamente determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões supra.

Interessa, em especial, decidir quanto à principal questão a analisar nos presentes autos, a saber: aferir se as correcções efectuadas que originaram as liquidações adicionais em causa se conexionam com o processo de fusão por incorporação, ou se, antes pelo contrário, se reportam apenas e tão somente à compra de participações sociais efectuada por parte da C… ao adquirir as acções da D… APS. Esta questão será decisiva para aferirmos se a A… tem ou não direito à dedução do imposto suportado relativamente a estas despesas, questão nuclear nestes autos.

Importa, pois, indagar se as despesas em causa deverão ou não ser dedutíveis para efeitos de IVA, tendo em consideração as regras que regem este imposto de acordo com o Direito da União Europeia, com a respectiva transposição a nível interno e com a interpretação administrativa e judicial que sobre as mesmas tem vindo a ser levada a cabo, especialmente pelo TJUE.

Com efeito, como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia1.

 

 

3.1 Da natureza e amplitude do exercício do direito à dedução

 

No que concerne ao exercício do direito à dedução em IVA, justifica-se tecer algumas considerações prévias, quer sobre a respectiva natureza, quer no que tange ao respectivo âmbito de aplicação e exercício pelos sujeitos passivos, pelo que iremos aqui reproduzir as considerações gerais já antes tecidas por este mesmo Tribunal na sua Decisão Arbitral relativa ao Processo 148/2012-T/CAAD.

Como é sabido, o IVA é um imposto indirecto de matriz comunitária, plurifásico, que atinge tendencialmente todo o acto de consumo (imposto geral sobre o consumo) 2.

O direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica – a neutralidade.

Na realidade, o direito à dedução consubstancia-se como o elemento essencial do funcionamento do imposto, a “trave-mestra do sistema do imposto sobre o valor acrescentado3, assentando no designado método da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtractivo indirecto ou ainda método das facturas. De acordo com este método, e em conformidade com o disposto no artigo 19.º do CIVA, através de uma operação aritmética de subtracção, ao imposto apurado nas vendas e prestações de serviços (outputs) e identificável nas respectivas facturas, deduz-se o imposto suportado nas compras e outros gastos (inputs).Como determina o 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º, da Directiva IVA (de ora em diante DIVA)4, “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço bem o serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.” O mecanismo do exercício do direito à dedução permite ao sujeito passivo expurgar do seu encargo o IVA suportado a montante, não o reflectindo assim como custo operacional da sua actividade, retirando, desta forma, o efeito cumulativo ou de cascata, propiciando a neutralidade económica do imposto.

De acordo com o previsto na DIVA, o Código do IVA determina, como regra geral, a dedutibilidade do imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas a outros sujeitos passivos.

As situações expressas de exclusão do direito à dedução são excepcionais e reportam-se a casos específicos enunciados pelo legislador nacional em termos taxativos, de acordo com o estatuído na DIVA, em função do tipo de despesas em causa5.

As regras do exercício do direito à dedução do imposto contemplam requisitos objectivos, mais ligados ao tipo de despesas, subjectivos, relativos ao sujeito passivo, e temporais, atinentes ao período em que é possível exercer o direito à dedução do IVA, os quais se devem verificar em simultâneo para se exercer o direito à dedução6.

Como requisitos objectivos do exercício do direito à dedução do imposto temos, nomeadamente, o facto de o imposto suportado dever constar de factura passada na forma legal (ou seja, deverá obedecer, nos seus requisitos, aos termos gerais previstos no artigo 36.º, n.º5, do CIVA), de se tratar de IVA português, e de a despesa, por si, conferir o direito à dedução do IVA (isto é, não se deve tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21.º do CIVA).

Como requisitos subjectivos do exercício do direito à dedução do imposto determina-se, nomeadamente, que os bens e serviços deverão estar directamente relacionados com o exercício da actividade em causa. Em conformidade com o disposto no artigo 168.º da DIVA, transposto, em parte, pelo artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIVA, o sujeito passivo pode deduzir o IVA suportado no Estado-membro em que se encontra estabelecido nas transmissões de bens e prestações de serviços, assim como nas operações assimiladas nas aquisições intracomunitárias de bens e nas importações ali localizadas, “Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas (…) ”.

Este normativo, em conformidade com as regras do Direito da União Europeia, vem assim exigir que exista um nexo de causalidade entre o bem ou serviço adquirido (input) e o output tributado, para que o IVA seja susceptível de ser dedutível.

Isto é, o IVA suportado a montante numa determinada operação só é dedutível na medida em que possa estar relacionada a jusante com uma operação efectivamente tributada, devendo a relação ser aferida em função do reporte e inclusão do custo suportado, no preço da operação tributada.

Neste contexto o TJUE, no Caso BLP7, concluiu que os bens ou serviços a montante devem apresentar uma relação directa e imediata com uma ou diversas operações sujeita(s) a imposto a jusante, sendo que o direito à dedução do IVA pressupõe que as despesas em causa devam constituir parte integrante dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas.

Inevitavelmente, a análise do alcance daquela expressão “ (…) relação directa e imediata (…)”, deverá ser efectuada casuisticamente, competindo aos órgãos jurisdicionais nacionais aplicar o critério aos factos de cada processo que lhes seja presente e tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenrolam as operações em causa8.

Não obstante, como concluiu o Advogado-geral no Caso Midland Bank, o emprego dos dois adjectivos «directo» e «imediato» não pode deixar de significar uma relação especialmente próxima entre as operações tributáveis efectuadas por um sujeito passivo e os bens ou serviços fornecidos por outro sujeito passivo9.

Contudo, a densidade dessa relação pode ser diferente consoante a qualidade do sujeito passivo e a natureza das operações efectuadas e estas variáveis podem também ter repercussões sobre o ónus da prova da existência da relação, o qual cabe ao operador interessado na dedução.

Assim, de acordo com a jurisprudência do TJUE, sempre que um sujeito passivo exercer actividades económicas destinadas a realizar exclusivamente operações tributáveis, não é necessário, para que se possa deduzir na totalidade o imposto, estabelecer, quanto a cada operação a montante, a existência de uma relação directa e imediata com a operação específica sujeita a imposto10.

O que o legislador apenas exige é que os bens e serviços sejam utilizados ou susceptíveis de o ser “para os fins das próprias operações tributáveis”. Não é necessária a existência de uma relação com uma operação específica tributável, sendo suficiente que exista uma relação com a actividade da empresa.

Quanto ao adjectivo “imediata”, este denota uma grande proximidade temporal entre as duas operações. No entanto, isto não significa que o imposto sobre a operação a montante deva tornar-se exigível antes de a operação a jusante ter sido realizada: basta que o período de tempo entre as duas operações não seja demasiado longo, facto que reforça o carácter financeiro da dedução.

Assim, numa primeira fase, deverá aferir-se se a operação a montante sujeita a IVA apresenta uma relação directa e imediata com uma ou várias operações que confiram direito a dedução, pressupondo o reporte do custo daquele no preço das operações.

Caso tal não se verifique, importa então analisar se as despesas realizadas para a aquisição dos bens ou serviços a montante fazem parte das despesas gerais ligadas ao conjunto da actividade económica do sujeito passivo, pressupondo a incorporação do seu custo nos preços dos bens ou serviços fornecidos pelo sujeito passivo no âmbito das suas actividades económicas.

Por último, como requisito do exercício do direito à dedução temos ainda o requisito temporal, nos termos do qual “O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível”, permanecendo, no entanto, o requisito cumulativo da posse da factura, ou do recibo de pagamento do IVA que faz parte das declarações de importação.

Por sua vez, de acordo com as regras do n.º 1 do artigo 19.º do CIVA, estipula-se que confere direito à dedução, designadamente, o imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas a outros sujeitos passivos e o imposto pago pela aquisição dos serviços referidos nas alíneas e), h), i), j) e l) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.

Em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 20.º do CIVA, conferem, nomeadamente, direito à dedução do IVA as transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas e as transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em operações efectuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se fossem efectuadas em Portugal.

 

 

É reconhecido de forma unânime pela jurisprudência do TJUE que o mecanismo do direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do IVA tal como foi desenhado nas Directivas IVA, assumindo um papel fundamental de garantia da neutralidade do imposto e da igualdade de tratamento fiscal11. Assim, é jurisprudência constante do TJUE que, sendo o direito à dedução um elemento fundamental do regime de IVA, só é possível limitar este direito nos casos expressamente previstos pela DIVA e, ainda assim, com respeito pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade, não se podendo esvaziar o sistema comum do IVA do seu conteúdo.

Tal como se salienta no Acórdão BP Soupergaz, o chamado método subtractivo indirecto, das facturas, do crédito de imposto ou sistema dos pagamentos fraccionados, é o mecanismo essencial de funcionamento deste tipo de imposto. Como se refere nas conclusões deste Acórdão, “A este respeito, o direito à dedução previsto nos artigos 17. e seguintes da Sexta Directiva, que faz parte integrante do mecanismo do imposto sobre o valor acrescentado, não pode, em princípio, ser limitado e exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante, tem incidência no nível do encargo fiscal e deve aplicar-se similarmente em todos os Estados-Membros, de modo que só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela directiva” 12.

E no Acórdão Comissão/França, o TJUE acrescenta que, “As características do imposto sobre o valor acrescentado (…) permitem inferir que o regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas actividades económicas. O sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado garante, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA” 13.

Note-se ainda que, conforme se salienta no Acórdão Metropol, “59. As disposições que prevêem derrogações ao princípio do direito à dedução do IVA, que garante a neutralidade deste imposto, são de interpretação restrita” 14.

A amplitude do direito à dedução em IVA é tão grande, que constitui acto claro na jurisprudência do TJUE que este deve inclusive ser concedido no tocante às chamadas actividades preparatórias, não se exigindo que a actividade tenha já começado para se poder deduzir o IVA, podendo ser deduzido relativamente a este tipo de acti­vidades15.

Note-se a este propósito que, de acordo com o entendimento do TJUE, posição que já foi, aliás, subscrita pela Administração Tributária16, o direito à dedução, uma vez adquirido, subsiste mesmo que a actividade económica projectada não dê origem a operações tributáveis ou o sujeito passivo, por motivos alheios à sua vontade, não tenha podido utilizar os bens ou serviços que deram origem à dedução no âmbito de operações tribu­tá­veis17.

Como o TJUE salienta, é a aquisição do bem pelo sujeito passivo, agindo nessa qualidade, que determina a aplicação do sistema do IVA e, portanto, do mecanismo de dedução18. O sujeito passivo actua nessa qualidade quando age para os fins da sua actividade económica, na acepção do artigo 9.°, n.° 1, segundo parágrafo, da DIVA19. Acresce que, como se conclui no Caso Intiem, o mecanismo da dedução do IVA regulado pela Sexta Directiva “deve ser aplicado de tal forma que o seu âmbito de aplicação corresponda, na medida do possível, ao âmbito das actividades profissionais do sujeito passivo”20.

Isto é, como nota o TJUE, o princípio da neutralidade do IVA, no que se refere à carga fiscal da empresa, exige que as despesas de investimento efectuadas para as necessidades e para os objectivos de uma empresa sejam consideradas actividades económicas conferindo um direito à dedução do IVA imediato21.

Importa ainda notar que, em conformidade com a jurisprudência do TJUE, o princípio da neutralidade do IVA exige que a dedução do imposto pago a montante seja concedida caso os requisitos substanciais tenham sido cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Neste contexto, de acordo com o TJUE, desde que a Administração Fiscal disponha dos dados necessários para determinar que o sujeito passivo, enquanto destinatário das operações, é devedor do IVA, não pode impor, no que diz respeito ao seu direito à dedução, condições adicionais que possam ter por efeito a inviabilização absoluta do exercício desse direito22.

 

 

Em resumo, da jurisprudência do TJUE resulta claro que o exercício do direito à dedução do IVA é um direito fundamental, que não pode ser limitado senão nos casos expressamente permitidos pelas normas do Direito da União Europeia ou pelos princípios gerais de direito aceites neste domínio, como o princípio do abuso de direito.

 

3.2 Do conceito de actividade económica e sua relação com o direito à dedução relativo à aquisição de participações sociais


 

O TJUE tem vindo a classificar as operações desenvolvidas por um sujeito passivo de IVA em actividades não económicas, que deverão ficar à margem da DIVA, não conferindo direito à dedução, e em actividades económicas. Só as actividades económicas é que estão abrangidas no âmbito da Directiva, distinguindo-se em actividades não sujeitas, sujeitas e isentas e em actividades sujeitas e não isentas (ou seja, efectivamente tributadas).

Como salienta o Advogado Geral Mengozzi no Caso VNLTO23, atendendo ao princípio da neutralidade que enforma o sistema comum do IVA, uma pessoa só deve suportar o IVA se este tiver incidido sobre os bens e serviços que utilizou para o consumo privado e não para as suas actividades profissionais tributáveis.

Isto é, não é possível deduzir o IVA suportado a montante caso este respeite à actividade do sujeito passivo que não reveste a natureza de actividade económica na acepção da DIVA.

Tal como referimos supra quanto à amplitude da “relação directa e imediata” entre os inputs que contêm IVA objecto de dedução e as operações tributadas do sujeito passivo, o TJUE tem vindo a acolher uma interpretação cada vez mais abrangente, nomeadamente, para os feitos que ora nos interessam no que se refere à gestão de participações sociais, sendo que o estabelecimento de um nexo causal entre o IVA dedutível e uma determinada operação, individualizada e concretizada, não poderá ser acolhido24.

Como vimos, de acordo com a jurisprudência do TJUE, “admite‑se igualmente um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo25. Contudo, é imperativo que exista uma relação com a actividade económica do sujeito passivo, subsistindo a necessidade da sua demonstração inequívoca.

Como se notou no Caso Cibo26, “1) A interferência de uma holding na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma actividade económica na acepção do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, na medida em que implique a realização de transacções sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado nos termos do artigo 2.° dessa directiva, tais como o fornecimento, pela holding às suas filiais, de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos.

2) As despesas efectuadas por uma holding com os vários serviços que adquiriu no âmbito de uma tomada de participação numa filial fazem parte das suas despesas gerais, pelo que têm, em princípio, um nexo directo e imediato com o conjunto da sua actividade económica. Portanto, se a holding efectuar tanto operações com direito a dedução como operações sem direito a dedução, decorre do artigo 17.°, n.°5, primeiro parágrafo, da Sexta Directiva 77/388 que pode unicamente deduzir-se a parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.” (cfr. §§ 1 a 3 das conclusões)


 

Tal como salienta o TJUE no Caso I/S Fini y Skatteministeriet27, o conceito de sujeito passivo está sempre vinculado ao de actividade económica, sendo precisamente esta actividade económica a que justifica a qualificação do sujeito passivo com direito a deduzir. Ora, se o exercício, de forma independente, de uma actividade económica é, por si só, condição de incidência subjectiva deste imposto, logo da possibilidade de conferir direito à dedução e se o direito à dedução é, como vimos, o garante da neutralidade do imposto, a delimitação daquele conceito deverá necessariamente ser o mais lata possível.

Para os efeitos que ora nos ocupam, interessa em particular sublinhar que o TJUE, no Caso Gabalfrisa28, recorrendo a uma “linha jurisprudencial consolidada”, defendeu que, em respeito ao princípio da neutralidade do IVA relativamente ao encargo fiscal de uma empresa, as despesas de investimento efectuadas e necessárias à sua criação deverão ser qualificadas como actividade económica, não estando sequer a dedutibilidade do IVA condicionada à exploração efectiva por parte da empresa.

Por outro lado, como se extrai das conclusões do referido Caso I/S Fini y Skatteministeriet29, os pagamentos que uma empresa tenha de efectuar durante o período de liquidação, após o encerramento da sua exploração efectiva, fazem parte do conceito de actividade económica, na medida em que o lapso de tempo seja o estritamente necessário para levar a bom termo a operação de liquidação e se acredite que não existe a intenção de actuar de forma fraudulenta ou abusiva (no caso concreto a operação de liquidação durou cinco anos). Consequentemente, não se poderá efectuar uma distinção arbitrária entre os gastos efectuados por uma empresa antes da sua exploração efectiva e durante esta, e os gastos incorridos para colocar fim à referida exploração.

Como se prevê no artigo 9.º, n.º1, 2.º parágrafo, 2.ª parte, da DIVA, na definição de sujeito passivo de IVA “(…) É em especial considerada actividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência (…).”

Ora, é ao nível da gestão das participações sociais que se tem discutido bastante a determinação do alcance deste conceito, sendo especialmente relevantes neste contexto as conclusões do Caso EDM 30.

Como nota o Advogado-geral Philipe Léger nas sua conclusões neste Caso31, “ (…) constitui jurisprudência constante que o simples exercício do direito de propriedade pelo seu titular não pode, por si só, ser considerado uma actividade económica”.

Já antes no Caso Polystar32,relativo a uma holding pura, o TJUE tinha concluído que a mera aquisição e detenção de participações sociais, sem intervenção na gestão de outras empresas, não devem ser consideradas uma actividade económica, na acepção da Sexta Directiva, não conferindo ao seu autor a qualidade de sujeito passivo.

Nas conclusões do Caso EDM33 refere ainda o TJUE que a simples venda de acções e outros títulos negociáveis, tais como participações em fundos de investimento, assim como os rendimentos inerentes a estes fundos, não constituem uma “actividade económica” na acepção da Sexta Directiva, pelo que não se encontram abrangidos pelo âmbito da sua aplicação.

Em conformidade com este arresto, a simples tomada de uma participação financeira noutra empresa não constitui uma exploração de um bem com o fim de auferir receitas com carácter de permanência, na medida em que o eventual dividendo, fruto de tal participação, resulta da simples propriedade do bem e não a contrapartida de uma qualquer actividade económica34. Já relativamente aos juros recebidos por uma holding relativamente a empréstimos concedidos às suas sociedades participadas não podem, de acordo com as conclusões daquele Acórdão, ser excluídos do âmbito de aplicação de IVA.

Na mesma lógica, a cedência das referidas participações não preenchem igualmente o conceito de actividade económica, conforme se refere no Caso Satam/Sofitam35. Não sendo contrapartida de uma actividade económica, no sentido da Sexta Directiva, a percepção de dividendos não entra no campo da aplicação do IVA, nem pode ser qualificada como uma contraprestação de eventuais serviços prestados pela SGPS à sua filial, que se consumam numa intervenção na sua gestão (vg. serviços de apoio técnico à gestão).

Interessa em particular salientar que no Caso Floridienne e Berginvest36, que tem subjacente uma sociedade holding, o TJUE refere que se deve considerar como actividade económica a intervenção na gestão das filiais, na medida em que implique transacções sujeitas a IVA, tais como o fornecimento de serviços administrativos, contabilísticos e informáticos.

Isto é, interessa em especial sublinhar que o TJUE, no tocante à aquisição de participações financeiras, já decidiu que a situação é distinta, inserindo-se no âmbito do exercício de uma actividade económica, no caso de a aquisição de uma participação financeira numa sociedade ser acompanhada pela “ (…) interferência directa ou indirecta na gestão das sociedades (…)”37 em que se verificou a tomada de participação, sem prejuízo dos direitos que o detentor da participação tenha na qualidade de accionista ou de sócio38, na medida em que tal interferência implique a realização de transacções sujeitas ao IVA nos termos da DIVA, tais como o fornecimento de serviços administrativos, contabilísticos e informáticos.

O TJUE distingue, nesta medida, as holdings que interferem, directa ou indirectamente, na gestão das participadas, daquelas que não o façam39.

Quanto ao tratamento a conceder à gestão (aquisição, detenção e alienação) de participações sociais para além do caso das holdings, no contexto das participações de uma sociedade-mãe em filiais ou associadas, decorre da jurisprudência do TJUE que as operações relativas às acções ou participações em sociedades são abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA quando efectuadas no quadro de uma actividade comercial de negociação de títulos ou quando constituem o prolongamento directo, permanente e necessário da actividade tributável40.

Sendo a aquisição de participações sociais uma operação passiva, para aferirmos da dedutibilidade do IVA relativa às despesas associadas teremos, necessariamente, de analisar em que medida aquela participação é detida e quais são as operações a jusante que decorreram daquelas despesas – serão ou não tais operações actividades económicas sujeitas e não isentas de IVA?

Como refere Rui Bastos41, “Assim sendo, a aquisição de participações numa perspectiva pura de investimento, tendo em vista a obtenção de receitas como dividendos, remete a sua detenção para fora do conceito de actividade económica, sendo que a aquisição num contexto de comercialização de títulos remeteria para o exercício de uma actividade sujeita, embora isenta.

O mesmo não deverá suceder num contexto de aquisição de uma participação que represente o prolongamento natural e necessário da actividade comercial ou industrial da sociedade adquirente, num contexto de reestruturação empresarial ou num processo de expansão, optando pela aquisição de uma filial, em detrimento da constituição de um estabelecimento estável, o mesmo não sucedendo num contexto de intervenção na gestão das participadas e, concomitantemente, em actividades tributadas por elas exercidas.”

No Caso SKF, o TJUE, invocando o princípio da igualdade de tratamento e neutralidade fiscal, conclui pela natureza económica das tomadas de participações acompanhadas com a interferência pela sociedade-mãe na gestão das participadas que deve ser estendida às situações de transmissão de participações que põem termo a essa interferência.

No quadro da transmissão de acções, considera o TJUE no Caso SKF que o direito à dedução do IVA pago a montante sobre prestações destinadas a realizar uma transmissão de acções42 é conferido, por força do artigo 168.° da DIVA, se existir uma relação directa e imediata entre as despesas relacionadas com as prestações a montante e o conjunto das actividades económicas (tributadas) do sujeito passivo, as denominadas “despesas gerais”.

Naquele processo, a transmissão de acções em causa43, realizada com vista à reestruturação de um grupo de sociedades pela sociedade‑mãe, foi considerada uma operação de obtenção de receitas com carácter permanente de actividades que excedem o quadro da simples venda de acções. Esta operação apresentava um nexo directo com a organização da actividade industrial exercida pelo grupo e constitui assim o prolongamento directo, permanente e necessário da actividade tributável do sujeito passivo, pelo que aquela operação de venda de acções seria abrangida pelo âmbito de aplicação do IVA, susceptível de conferir direito à dedução do IVA dos respectivos inputs.

O TJUE considera que estas prestações têm uma relação directa e imediata com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo, permitindo o direito à dedução da totalidade do IVA das referidas prestações.

Debateu-se se os inputs associados à alienação de participações sociais poderão ser susceptíveis de permitir a dedução do IVA, por via da respectiva qualificação como despesas gerais da actividade, no caso daquela alienação não estar sujeita a IVA, situação mais frequente, como vimos, nas holdings, ou então, estar sujeita mas isenta, como acontece com a sociedade‑mãe que gere um grupo de sociedades.

No caso da não sujeição, o Advogado-geral, apoiando-se nas conclusões do Caso Krettztechnik, n.º 36, considera susceptível este tipo de despesas serem qualificadas como despesas gerais, possuindo portanto uma relação directa e imediata com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo, possibilitando a sua dedução.

Pelo contrário, no caso de a alienação de participações sociais se qualificar como isenta de IVA, tal como aconteceu no Caso SKF, o Advogado-geral, apoiando-se nas conclusões do Caso BLP Group, considerou que o IVA pago a montante das prestações adquiridas possuem uma relação directa e imediata com a operação isenta, interrompendo assim a cadeia do IVA.

Ora o TJUE, no Caso SKF, vem pôr o acento tónico no facto de se saber se a sociedade que é sujeito passivo do IVA está ou não envolvida na gestão das sociedades em que tiver ocorrido a tomada de participação, sociedades estas que desenvolvem actividades tributadas.

Neste sentido, considerou o Tribunal que recusar o direito à dedução de IVA pago a montante por despesas de consultoria ligadas a uma transmissão de acções isenta em razão da envolvência na gestão da sociedade cujas acções são cedidas e admitir este direito à dedução para tais despesas ligadas a uma transmissão que se situa fora do âmbito da aplicação do IVA pelo facto de constituírem despesas gerais do sujeito passivo levaria a um tratamento fiscal diferente de operações objectivamente semelhantes, em violação do princípio da neutralidade fiscal44.

No que toca à dedução do IVA, o TJUE já concluiu no Caso Kretztechnik 45 que numa emissão de acções (apesar de ser, por si só, uma operação que não é abrangida pelo âmbito de aplicação do IVA, dado não se qualificar como transmissão de bens ou prestação de serviços) efectuada num contexto de reforço de capital em proveito da actividade económica geral de uma sociedade, se considera que os custos das prestações adquiridas46 por uma sociedade fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos seus produtos.

Como decidiu o TJUE neste Caso, “O direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito à dedução (…).

Porém, admite-se igualmente o direito à dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de uma relação directa e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, uma relação directa e imediata com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo.” (cfr. §§ 57 e 58)

 

Por fim, importa lembrar que o direito à dedução é conferido relativamente ao IVA pago a montante pelas prestações realizadas no quadro de operações financeiras se o capital adquirido com estas últimas operações tiver sido afectado às actividades económicas do interessado. Por outro lado, as despesas relacionadas com as prestações a montante têm uma ligação directa e imediata com as actividades económicas do sujeito passivo nos casos em que são exclusivamente imputáveis a actividades económicas efectuadas a jusante e, portanto, são parte apenas dos elementos constitutivos do preço das operações abrangidas pelas referidas actividades (v. acórdão Securenta, já referido, n.os 28 e 29).

 

Decorre do que antecede que deve responder se à terceira questão que o direito à dedução do IVA pago a montante sobre prestações destinadas a realizar uma transmissão de acções é conferido, por força do artigo 17.°, n.os 1 e 2, da Sexta Directiva, na redacção resultante do seu artigo 28.° F, n.° 1, e do artigo 168.° da Directiva 2006/112, se existir uma relação directa e imediata entre as despesas relacionadas com as prestações a montante e o conjunto das actividades económicas do sujeito passivo.” (cfr. §§ 71 a 73)


 

Também no que se refere à aquisição e detenção de acções, as despesas incorridas serão dedutíveis como despesas gerais, na medida em que tenham “um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica [da holding]”, como poderão ser os serviços de apoio à gestão das suas participadas47.

Como vimos, no âmbito da aquisição e detenção de participações sociais, a existência, pela participante, de uma interferência directa ou indirecta na gestão da participada condiciona o enquadramento no âmbito da actividade económica das holding, suscitando o direito à dedução do IVA suportado com as despesas relacionadas a montante.

Nesta medida, sendo a aquisição uma operação, por natureza, passiva, a dedutibilidade do IVA das despesas associadas, no todo ou em parte, à mesma, estaria, em rigor, condicionada à forma como a titularidade da mesma será exercida no futuro, ou seja, de forma meramente passiva, limitando-se ao recebimento dos lucros a ela associados ou, alternativamente, de forma activa, com interferência directa ou indirecta na gestão da mesma, dela resultando um prolongamento de uma actividade tributada.

Como salienta Rui Bastos48, “Não se deverá ver condicionado o direito à dedução das despesas gerais susceptíveis de ser imputadas à componente tributada da actividade económica do sujeito passivo (serviços de apoio à gestão), como poderá acontecer com assistência jurídica contratada a terceiros, estudos em matéria de internacionalização do grupo, gastos administrativos, etc., desde que se comprove a afectação de recursos, como poderão ser os recursos humanos, à referida actividade tributada, qualificando-se aqueles encargos como gastos gerais da actividade e, como tal, respercutíveis no preço das operações tributadas e, portanto, susceptíveis de conferirem integral dedução do IVA, sendo que não se vislumbra, a este nível, nenhuma razão para um tratamento diferenciado de uma holding mista de uma sociedade operacional”.

Como se nota o autor, seja numa holding mista, seja numa sociedade-mãe, seja ao nível da aquisição ou detenção, ou no plano da sua alienação, o tratamento em sede de IVA da dedutibilidade dos inputs deverá ser o mesmo. Tratar de forma diferente a dedutibilidade do IVA de inputs consoante a opção estratégia de organização empresarial ou um plano de negócios de expansão de uma actividade económica, seja pela constituição de uma filial ou a criação de uma mera sucursal, gerir directamente uma actividade tributada ou, por via indirecta, mediante a intermediação de uma participação, conduziria a um tratamento discriminatório de situações objectivamente idênticas.

Por sua vez, como o TJUE notou no Caso Abbey49, “fazem parte das despesas gerais do sujeito passivo e, como tais, são elementos constitutivos do preço dos produtos de uma empresa. Com efeito, mesmo no caso de transferência de uma universalidade de bens, quando o sujeito passivo não realiza mais operações após a utilização dos referidos serviços, os custos destes últimos devem ser considerados inerentes ao conjunto da actividade económica da empresa antes da transmissão.” (cfr. § 35)

(…)

qualquer outra interpretação (…) seria contrária ao princípio que exige que o sistema do IVA seja de uma perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas da empresa, na condição de estas estarem elas próprias sujeitas ao IVA, e poria a cargo do operador económico o custo do IVA no âmbito da sua actividade económica sem lhe dar a possibilidade de o deduzir (ver neste sentido, acórdão Gabalfrisa (…)). Assim, proceder-se-ia a uma distinção arbitrária entre, por um lado as despesas efectuadas para os fins de uma empresa antes da exploração efectiva desta e das efectuadas no decurso da referida exploração e, por outro lado, as despesas efectuadas para pôr termo a esta exploração. Os diversos serviços utilizados (…) para os fins da transferência duma universalidade de bens ou de parte dela mantêm portanto, em princípio, uma relação directa e imediata com o conjunto da actividade económica deste sujeito passivo.” (cfr. §§ 35 e 36)

 

Em Processo similar ao controvertido (Processo n.º 128/2012-T) já este Tribunal teve ocasião de se pronunciar, em 23 de Abril de 2013, sobre a dedutibilidade de despesas suportadas por uma sociedade operacional, “que tem como actividades principais a fabricação de … e produtos destinados à sua produção e adquire participações noutras sociedades e intervém na sua gestão com o objectivo de potenciar a sua actividade principal, designadamente expandindo internacionalmente a sua área de vendas a novos mercados e assegurando condições para a comercialização dos seus produtos”.

A questão que se colocou foi a de saber se a Requerente poderia deduzir o IVA suportado com a aquisição de bens e serviços necessários à aquisição dessas participações sociais e intervenção noutras empresas.

Neste Caso invocou-se o Acórdão do TJUE de 6 de Setembro de 2012 proferido no Caso Portugal Telecom50, que conclui no sentido de o direito à dedução nascer de uma relação de utilização: se os recursos foram utilizados pela Requerente em actividades que conferem direito à dedução, o IVA será dedutível, independentemente do peso relativo em termos de valor gerado por essa actividade no confronto com a totalidade dos proveitos.

Como se nota, a interferência da Requerente «na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma actividade económica», para efeitos de tributação em IVA, estando a Requerente autorizada a deduzir o IVA pago a montante, na condição de os serviços adquiridos a montante apresentarem um nexo directo e imediato com operações económicas a jusante com direito à dedução.

Para além disso, como se refere no mesmo Acórdão, «admite-se igualmente um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo».

Nestes termos, conclui este Tribunal que “Assim, tem cobertura legal a dedução pela Requerente de todo o IVA suportado com serviços e bens adquiridos que tenham nexo directo e imediato com os serviços prestados às suas participadas com direito a dedução ou que, não tendo nexo directo e imediato com determinados serviços, seja IVA suportado com custos que fazem parte das despesas gerais da Requerente que tenham nexo directo e imediato com o conjunto da sua actividade económica.

No caso em apreço, provou-se a aquisição de participações e os estudos relacionados com elas, bem como a intervenção de colaboradores da Requerente em sociedades participadas, fiscalizando a actividade desenvolvida e a formação de recursos humanos destas, se inserem na sua estratégia global de comercialização dos seus produtos (… e …), tendo em vista obtenção de novos mercados com ligação com empresas locais (Líbano e vários países africanos) e assegurar o transporte desse produtos (terminal portuário de …) em comercialização interna (caso da aquisição da J... –, S.A.)

Assim, apesar de não se ter provado um nexo directo e imediato entre as despesas de consultadoria que foram objecto das correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, provou-se que a existência de um nexo directo e imediato entre essas despesas e o conjunto da actividade económica da Requerente, pelo que os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta, tratando-se, portanto, de custos com «um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo», o que, na perspectiva da referida jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia basta para conferir o direito à dedução.”

 

3.3 Da dedução do IVA suportado no contexto de operações de fusão de sociedades

 

3.3.1 Não sujeição a IVA das operações de fusão

 

Conforme estatui o n.º 1 do artigo 97.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), a fusão é um instituto através do qual duas ou mais sociedades, ainda que de tipo diverso, se reúnem numa só, podendo revestir a modalidade de fusão por incorporação ou fusão por concentração. A fusão por incorporação consubstancia-se na integração de uma ou várias sociedades noutra já existente, concretizando-se através da transferência global do património de uma ou várias sociedades para outra e da atribuição aos sócios das sociedades incorporadas de partes, quotas ou acções da sociedade incorporante (cfr. alínea a) do n.º 4 do artigo 97.º do CSC).Por sua vez, a fusão por concentração traduz-se na constituição de uma nova sociedade para a qual se transferem globalmente os patrimónios de duas ou mais sociedades, sendo aos sócios destas atribuídas partes, acções ou quotas da nova sociedade (cfr. alínea b) do mesmo preceito).

A fusão produz efeitos com a efectivação do registo definitivo a que se refere o artigo 111.º do CSC. De acordo com o disposto no artigo 112.º do aludido diploma legal, com a inscrição da fusão no registo comercial extinguem-se as sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de uma nova sociedade, de todas as sociedades fundidas, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou a nova sociedade e os sócios das sociedades extintas tornam-se sócios da sociedade incorporante ou da nova sociedade.

Apesar da natureza jurídica da “fusão” ter vindo a ser discutida pela doutrina, qualquer que seja a tese acolhida quanto à respectiva natureza, não tem repercussões na sua qualificação em sede de IVA, e na evidência de que os direitos e obrigações das sociedades fundidas estão integrados, após a fusão, na esfera da sociedade incorporante ou da nova sociedade.

 

As fusões estão abrangidas pela regra de não sujeição constante do n.º 4 do artigo 3.º do CIVA (cuja base jurídica é o artigo 19.º da DIVA), que prescreve que não são consideradas transmissões de bens “as cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele que seja susceptível de constituir um ramo de actividade independente, quando, em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo do imposto de entre os referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º” (transfer of business as going concern rule).

Ao permitir aos Estados membros a não tributação das transmissões de empresas ou partes de empresas (nomeadamente, o trespasse do estabelecimento comercial, fusão e cisão de sociedades, cedência de quotas que envolva a transferência total dos activos da empresa, mas também doações e sucessão por morte do respectivo titular), esta regra visa, essencialmente, simplificar a mecânica do imposto, evitando onerar a tesouraria do cessionário com o pagamento do IVA ao cedente, facilitando, desta forma, as operações de reorganização empresarial.  Neste contexto, o TJUE conclui que esta disposição visa permitir aos Estados membros facilitar as transmissões de empresas ou de partes de empresas, simplificando‑as e evitando sobrecarregar a tesouraria do beneficiário através de um encargo fiscal excessivo que, de qualquer forma, recuperará posteriormente mediante a dedução do IVA pago a montante51.

Isto é, o legislador não dá relevância às transmissões de bens, desde que exista uma certa continuidade no exercício da actividade exercida, situação que não influencia a economia do imposto, atendendo à dedutibilidade do IVA suportado por parte do cessionário, no caso da sua liquidação pelo cedente.

Assim, desde que o adquirente seja um sujeito passivo sem limitações ao direito de dedução (i.e., com direito à dedução integral), uma operação de fusão por incorporação não está sujeita a IVA, porquanto tal operação de concentração implica a transmissão, definitiva e a título oneroso, da totalidade de um património susceptível de constituir um ramo de actividade autónomo e independente.

 

3.3.2 Dedução do IVA nas operações de fusão

 

Considerando-se que a transmissão do estabelecimento constitui em si mesma uma actividade económica, mantêm-se o direito à dedução do IVA suportado a montante.

Com efeito, embora a aquisição ou transmissão da totalidade de um património / fusão por incorporação configure uma operação não sujeita a IVA nos termos do artigo 19.º da DIVA, considera-se que tal operação mantém uma relação directa e imediata com a actividade económica do sujeito passivo, assistindo-lhe, nomeadamente, o direito de deduzir o IVA incluído nas despesas suportadas para efeitos daquela operação, ainda que não haja lugar a liquidação de imposto ao abrigo daquele normativo.

Assim, desde que as sociedades envolvidas numa fusão por incorporação não tenham limitações no seu direito à dedução e que a sociedade incorporante não seja um sujeito passivo misto, realizando apenas operações tributadas que conferem direito à dedução (pressupostos que se verificam no caso sub júdice), o facto de não se liquidar IVA na transmissão não prejudica nem produz qualquer impacto no direito à dedução do IVA suportado a montante para efeitos dessa operação de transmissão de património.

 

Como nota Cidália Lança a este propósito, “A não sujeição da transmissão da universalidade de bens não invalida que as despesas efectuadas pelo transmitente para permitir a realização dessa operação confiram direito à dedução, uma vez que fazem parte das despesas gerais desse sujeito passivo, mantendo uma relação directa e imediata com o conjunto da actividade económica por si desenvolvida (cf. acórdão do TJUE de 22 de Fevereiro de 2001, Abbey National, C-408/98, Colect., p. I-1361, n.ºs 35 e 36) 52.

Do princípio de continuidade subjacente à operação de fusão53 decorre que a sociedade resultante da fusão assume os direitos e obrigações das sociedades fundidas, incluindo, como reconhecido pela doutrina e acolhido genericamente na jurisprudência, os respeitantes a matérias fiscais. Como vem afirmando o Supremo Tribunal Administrativo (STA) em várias decisões54, “independentemente da posição que se assuma acerca da natureza jurídica da fusão (…), a extinção da personalidade jurídica própria da sociedade incorporada por fusão não tem por efeito a extinção dos seus direitos e deveres, antes, por expressa disposição legal estes se “transmitem” para a sociedade incorporante, seja porque esta sucede aquela, em conformidade com a teoria da sucessão universal, seja porque as situações jurídicas de que era titular a sociedade incorporada permanecem inalteradas ao longo do processo de fusão para se reunirem numa nova entidade, em conformidade com a teoria do acto modificativo”. Neste sentido, conclui que, “ (…) por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 112.º do CSC, para a sociedade incorporante “se transmitem” ou nela “se reúnem”, como efeito da inscrição da fusão no registo comercial, os direitos e obrigações da sociedade incorporada, não sendo as obrigações fiscais excepção a essa regra (…)”55.

No que respeita especificamente ao IVA, a assunção pela sociedade resultante da fusão dos direitos e obrigações das sociedades fundidas implica passar a incumbir-lhe dar cumprimento às obrigações impostas pela legislação deste imposto pela actividade que desenvolve, ainda que tais obrigações respeitem a factos tributários ocorridos na esfera das sociedades fundidas antes da fusão, bem como responder pelas dívidas fiscais daquelas56.

Como salienta Cidália Lança, “Na mesma ordem de ideias, entende-se que a sociedade resultante da fusão pode, nos termos previstos nos artigos 19.º e seguintes do CIVA, exercer o direito à dedução do imposto suportado para a realização de operações efectuadas pelas sociedades fundidas em data anterior à fusão, desde que tal direito não tenha já sido exercido na esfera destas últimas. Estarão nestas circunstâncias facturas cuja emissão possa ocorrer já após a fusão, mas também facturas com data anterior mas que sejam recepcionadas pela sociedade fundida após aquela data. O direito à dedução do IVA inserido em tais facturas deve ser exercido em declaração periódica apresentada pela sociedade resultante da fusão relativa ao período em que ocorreu a sua recepção ou a período posterior àquele. Importa referir que a circunstância de a factura estar emitida em nome de uma sociedade fundida não deve obstar ao exercício do direito à dedução pela sociedade resultante da fusão; tal é uma decorrência de nela terem sido incorporados os direitos das sociedades fundidas, mas também do efeito de neutralidade que está inerente à aplicação da regra de não sujeição a tais tipos de reestruturações empresariais”.

Assim, prossegue a autora, o princípio da intransmissibilidade dos créditos de IVA não pode ter aplicação de forma absoluta no caso de fusão de sociedades, dado esta implicar necessariamente a transmissão dos direitos e obrigações das sociedades fundidas para a sociedade resultante da fusão (cfr. artigos 97.º e 112.º do CSC)57.

Nestes termos, como conclui, “Considera-se, assim, que, na sequência de uma fusão, é transmitido para a sociedade resultante da fusão o direito à dedução do IVA suportado em aquisições de bens e serviços adquiridos ainda pelas sociedades fundidas, relativamente a todas as facturas emitidas em data posterior à do registo da fusão, mas também as emitidas em data anterior cujo imposto não tenha sido deduzido, desde que observados os requisitos dos artigos 19.º e seguintes do Código do IVA e o prazo para o exercício do direito à dedução previsto no artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA.

 

 

4. Aplicação ao caso concreto

 

Considerando a matéria de facto dada como provada e a matéria de direito vinda de enunciar, importa aferir da legitimidade da pretensão da Requerente para deduzir o IVA suportado nos serviços em causa.

 

Em nosso entendimento, estamos no caso concreto perante uma complexa operação de financiamento e reestruturação que deve ser vista como um todo, sendo um acto de gestão conducente a uma acrescida racionalidade económica, devendo a aquisição de participações sociais ser devidamente analisada neste contexto.

 

Neste sentido, note-se que a operação de concentração das empresas foi devidamente autorizada pela Autoridade da Concorrência, a Direcção-Geral das Actividades Económicas considerou que a mesma permitiria maximizar o valor do grupo, aumentar as suas vendas, com redução significativa dos custos e acréscimo de eficiência e produtividade e foi ainda apresentada para a concessão dos benefícios fiscais à concentração de empresas por parte da AT.

 

Como vimos, o direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA sendo garante de uma correcta aplicação do princípio basilar da neutralidade do imposto e não pode, em princípio, ser limitado, de onde decorre que qualquer limitação ao mesmo deve ser interpretada restritivamente.

 

Regra geral, para serem passíveis de dedução os bens ou serviços adquiridos a montante devem apresentar uma relação directa e imediata com as operações a jusante que conferem direito à dedução, sendo indiferente o objectivo final prosseguido pelo sujeito passivo.

 

De acordo com o TJUE, a mera aquisição e a simples detenção de participações sociais não devem ser consideradas actividades económicas.

 

Contudo, a interferência de uma sociedade na gestão de sociedades afiliadas é considerada uma actividade económica na medida em que implique a realização de transacções sujeitas a IVA tais como o fornecimento de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos.


 

Como vimos, no âmbito da aquisição e detenção de participações sociais, a existência, pela participante, de uma interferência directa ou indirecta na gestão da participada condiciona o enquadramento no âmbito da actividade económica das holding, suscitando o direito à dedução do IVA suportado com as despesas relacionadas a montante.


 

Nesta medida, sendo a aquisição uma operação, por natureza, passiva, a dedutibilidade do IVA das despesas associadas, no todo ou em parte, à mesma, estaria, em rigor, condicionada à forma como a titularidade da mesma será exercida no futuro, ou seja, de forma meramente passiva, limitando-se ao recebimento dos lucros a ela associados ou, alternativamente, de forma activa, com interferência directa ou indirecta na gestão da mesma, dela resultando um prolongamento de uma actividade tributada.

 

Por sua vez, como se salienta no Caso SKF, “ (…) admite-se igualmente o direito à dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de uma relação directa e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, uma relação directa e imediata com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo.” (cfr. §§ 57 e 58)

 

No que toca a financiamentos, o direito à dedução é conferido relativamente ao IVA pago a montante pelas prestações realizadas no quadro de operações financeiras se o capital adquirido com estas últimas operações tiver sido afectado às actividades económicas do interessado.

 

Tal como o TJUE veio considerar no Caso Abbey National, os custos incorridos para efeitos da transmissão de uma universalidade de bens ou parte dela “fazem parte das despesas gerais do sujeito passivo e, como tais, são elementos constitutivos do preço dos produtos de uma empresa. Com efeito, mesmo no caso de transferência de uma universalidade de bens, quando o sujeito passivo não realiza mais operações após a utilização dos referidos serviços, os custos destes últimos devem ser considerados inerentes ao conjunto da actividade económica da empresa antes da transmissão.

 

Decorre deste Acórdão que, muito embora a aquisição ou transmissão da totalidade das acções representativas de um património configure uma operação não sujeita a IVA nos termos do artigo 19.º da DIVA, tal operação mantém uma relação directa e imediata com a actividade económica do sujeito passivo, assistindo-lhe o direito de deduzir o IVA incluído nas despesas suportadas para efeitos daquela operação.

 

Isto é, no contexto da transferência de uma universalidade de bens ou de parte dela, v.g., uma fusão por incorporação, os serviços utilizados com esse fim mantêm uma relação directa e imediata com o conjunto da actividade económica do respectivo sujeito passivo, fazendo parte das suas despesas gerais, sendo componente do preço dos seus produtos / serviços pelo que conferem nessa medida direito à dedução.

 

Resulta da matéria de facto que há no presente caso interferência a nível de gestão da parte quer da adquirente (que ao incorporar os patrimónios adquiridos é a gestora dos mesmos) quer da C….

A actuação da C... insere-se numa lógica de potenciar o valor da A..., através da interferência directa na sua gestão, estando-se na situação controvertida para além da mera detenção de participações sociais com o objectivo de receber dividendos.

Como vimos de analisar, a jurisprudência assente do TJUE distingue concretamente o caso das holdings puras do caso das sociedades que adquirem participações sociais e interferem directa ou indirectamente na gestão das empresas.

 

Existindo tal interferência na gestão, como existe inegavelmente no caso da C... e A..., a operação deixa de se qualificar como detenção de partes sociais, consistindo, pois, numa verdadeira actividade económica.

 

Acresce, conforme a jurisprudência citada, que o facto de “a fusão ocorrida no grupo A... ser temporalmente uma fase subsequente à aquisição de partes sociais”, não pode ser determinante para se concluir que tais operações não se encontram relacionadas.

 

A conjuntura política e económica do sector e das empresas, aliada às perspectivas das economias de escala, experiência e afins decorrentes de uma fusão, estiveram na origem da reestruturação, inserindo-se na sua estratégia global de comercialização dos seus produtos.

 

Os serviços cuja dedução a AT não aceitou têm uma relação directa e imediata com as operações de financiamento e de fusão, encontrando-se directamente relacionados com a actividade económica prosseguida pela Requerente – uma actividade económica tributada em IVA, pelo que o IVA incidente sobre os mesmos deve ser directamente deduzido na sua totalidade, conforme o explicitado supra.

 

De facto, a realização dos estudos e relatórios relativos às empresas e ao sector onde actuam, foi necessária para a obtenção do financiamento atribuído para efeitos da operação de reestruturação que maximizou a sua eficiência e valor, fazendo parte integrante e essencial da actividade económica da empresa e sendo um elemento constitutivo do preço dos produtos farmacêuticos comercializados.

 

Com efeito, os serviços em apreço foram prestados no contexto da operação de reestruturação e da gestão da actividade da A... ou foram por si suportados fazendo parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens e serviços que fornece.

 

Isto é, existe na situação controvertida um nexo de causalidade entre o imposto suportado e dedutível e a realização, por parte do sujeito passivo, de operações sujeitas a imposto e dele não isentas e verificam-se os demais requisitos consagrados nos artigos 19.º e 20.º, n.º 1, do CIVA, para o exercício do direito à dedução do IVA incidente sobre os serviços adquiridos pela Requerente para efeitos da operação de reestruturação.

Configurando-se a Requerente para efeitos de IVA como um sujeito passivo com direito à dedução integral, visando a continuação da actividade económica desenvolvida pelas sociedades incorporadas que igualmente não tinham limitações no seu direito à dedução, actividade esta semelhante àquela por si desenvolvida, as despesas em causa deverão ser dedutíveis para efeitos de IVA, padecendo a actuação da AT de ilegalidade.

Encontram-se nessa situação, estando, conforme o referido supra, devidamente sustentados em meios de prova: os serviços prestados pelo … .

Em nada interfere nestas conclusões o facto de existirem custos de terceiras entidades que foram assumidos pela A... .

 

Tais custos relacionam-se com a actividade económica da A... e não há qualquer impedimento nas normas do IVA a tal prática.

 

Como resulta do probatório, todos os custos que foram assumidos pela A..., no âmbito do contrato de financiamento, se relacionam com a sua atividade económica. A Requerente solicitou o financiamento a um sindicato bancário tendo para isso incorrido em custos com serviços de assessoria jurídica, bancária e financeira exigidos nos termos do contrato pelo sindicato bancário para preparação, execução e implementação das operações de reestruturação e financiamento. Estes custos têm uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica da Requerente pois enquadram-se cujo capital foi afetado às suas atividades económicas.

 

 

Assim sendo, não pode o acto tributário deixar de ser anulado por erro nos seus pressupostos de facto e de direito.

 

Considerando a matéria dada como provada e não subsistindo dúvidas sobre a interpretação do Direito da União Europeia implicado nas disposições do CIVA convocáveis para a decisão, conclui-se não se encontrarem preenchidas as condições para a formulação de reenvio interpretativo prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

 

D. DECISÃO

 

Em face do exposto, acorda o colectivo dos árbitros do Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, pelo que anula os actos tributários relativos às liquidações de IVA ilegalmente efectuadas n.ºs …, bem como as liquidações dos correspondente juros compensatórios n.ºs … .

 

Valor da causa: € 656.285,17 (seiscentos e cinquenta e seis mil duzentos e oitenta e cinco euros e dezassete cêntimos).

 

Custas no montante de € 4.896,00 (quatro mil oitocentos e noventa e seis euros), a suportar pela Requerida, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2, do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.º, n.º 3, do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 9 de Outubro de 2013

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por nós revistos.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

* * *

Os Árbitros,

 

 

(Manuel Luís Macaísta Malheiros)

 

(António Nunes dos Reis)

 

(Clotilde Celorico Palma)

1 Neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593.

2 Cfr., XAVIER DE BASTO, A tributação do consumo e a sua coordenação internacional, CCTF n.º 164, Lisboa 1991, p. 39 a 73 e CLOTILDE CELORICO PALMA, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF n.º1, Almedina, 5ª edição, Julho 2011, pp. 17 a 29.

3 Cfr. XAVIER DE BASTO, A tributação do consumo …, p. 41.

4 Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro, publicada no JO n.º L 347, de 11 de Dezembro de 2006.

5 Cfr. MÁRIO ALEXANDRE, “Imposto sobre o Valor Acrescentado, Exclusões e Limitações do Direito à Dedução”, Ciência e Técnica Fiscal, 350, Abril-Junho, de 1998, e CLOTILDE CELORICO PALMA, “IVA – Algumas notas sobre as exclusões do direito à dedução”, Fisco n.ºs 115/116, Setembro 2004.

 

6 Sobre estas regras vide, XAVIER DE BASTO e MARIA ODETE OLIVEIRA, “Desfazendo mal-entendidos em matéria de direito à dedução de Imposto sobre o Valor Acrescentado: As recentes alterações do artigo 23.° do Código do IVA”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 1, RITA LA FERIA, “A Natureza das Actividades e Direito à Dedução das Holdings em Sede de IVA”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 4, n.º 3, 2012, pp. 171-197, RUI LAIRES, “Acórdão do Tribunal De Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), de 13 de Março de 2008 (Processo c-437/06, Caso Securenta) ”, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 421, Janeiro-Junho, 2008, pp. 209-264, “Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), de 12 de Fevereiro de 2009 (Processo C-515/07, Caso VNLTO)”, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 423, Janeiro-Junho, 2009, pp. 253-294,ALEXANDRA MARTINS “As operações relativas a participações sociais e o direito à dedução do IVA. A jurisprudência SKF”, Estudos em memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, Coimbra Editora, Volume IV, 2011 e EMANUEL VIDAL LIMA, “Dois casos sobre o direito à dedução em IVA”, livro de homenagem à Dra. Teresa Graça Lemos, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Junho de 2007, pp. 113 a 122.

7 Acórdão de 6 de Abril de 1995, Proc. C-4/94, Colect., p. I-983, n.ºs 18 e 19. Estava em causa o alcance da expressão “ (…) utilizados para (…)”, empregue no artigo a que actualmente corresponde o artigo 168.º da DIVA.

8 Conforme referiu o TJUE no Caso Midland Bank, Acórdão de 8 de Junho de 2000, Proc. C-98/98, Colect., p. I- 4177, n.º 25.

9 Conclusões do Advogado-geral António Saggio apresentadas em 30 de Setembro de 1999 no Caso Midland Bank, cit., n.º 29.

10 Cfr. JEAN-PIERRE MAUBLANC, « Déduction de la TVA d´amont : l´exigence d´un lien direct et immédiat est-elle justifiée ? », Revue du Marché commun et de l´Union européenne, n.º 494, 2005.

11 Sobre o exercício do direito à dedução e a jurisprudência do TJUE, veja-se CLOTILDE CELORICO PALMA, “IVA – Algumas notas sobre os limites das exclusões do direito à dedução, op. cit.

12 Acórdão de 6 de Julho de 1995, Caso BP Soupergaz, Proc.C-62/93, Colect., p. I-188, n.º 16.

13 Acórdão de 21 de Setembro de 1988, Proc. 50/87, Colect., p. 4797, n.º15.

14 Cfr. o n.º 59 do Acórdão de 8 de Janeiro de 2002, Caso Metropol, Proc.C-409/99, Colect., p. I-00081.

15 Veja-se, a este propósito, nomeadamente, o Acórdão de 14 de Fevereiro de 1985, Caso Rompelman, Recueil 1985, p.00655. Nos casos Lennartz (Acórdão de 11 de Julho de 1991, Proc. C-97/90, Colect, p. I-03795), Inzo (Acórdão de 29 de Fevereiro de 1996, Proc. C-110/94, Colect., p. I-857), e Gabalfrisa (Acórdão de 21 de Março de 2000, Proc.s apensos C-110/98 a C-147/98, Colect., p. I-1577), suscitaram-se questões análogas às do Caso Rompelman, designadamente o âmbito de aplicação do conceito de actividade económica e a inclusão dos actos preparatórios neste conceito, tendo o Tribunal confirmado esta jurisprudência. Mais recentemente veja-se, nomeadamente, o Acórdão de 22 de Março de 2011, Caso Klub Ood, Proc. C-153/11, ainda não publicado na Colectânea.

16 Veja-se no Proc. C503 2002012, disponível no site da AT em Informações fiscais, Informações vin­culativas, IVA.

17 Veja-se a este propósito, igualmente, o Acórdão de 15 de Janeiro de 1989, Caso Ghent Coal Terminal, Proc. C-37/95, Colect., p.I-1.

18 V., neste sentido, Casos, já referidos, Lennartz, n.° 15, e Eon Aset, n.° 57.

19 V., neste sentido, Acórdão de 8 de Março de 2001, Caso Bakcsi, Proc. C‑415/98, Colect., p. I‑1831, n.° 29. A questão de saber se o sujeito passivo agiu nessa qualidade é uma questão de facto que deve ser apreciada tendo em conta todos os dados da situação em causa.

20 Acórdão de 8 de Março de 1988, Caso Intiem, Proc. 165/86, Colect., p. 1471, n.º 14.

21 V., neste sentido, Caso Rompelman, já referido, n.° 22, e Acórdão de 23 de Abril de 2009, Caso Puffer, Proc., C‑460/07, Colect., p. I‑3251, n.° 47.

22 V., Acórdãos de 1 de Dezembro de 1998, Caso Ecotrade, Proc. C-200/97, Colect., p. I.-7907, n.ºs 63 e 64, de 21 de Outubro de 21010, Caso Nidera, Proc. C-385/09, Colect., p. I-0385, n.° 42, de 22 de Dezembro de 2010, Caso Dankowski, C-438/09, Colect., p. I-14009, n.° 35, e Acórdão de 12 de Julho de 2012, Caso SEM, Proc. C-284/11, ainda não publicado na Colectânea, n.º 63).

23 Conclusões do Advogado-geral Paolo Mengozzi, apresentadas em 22 de Dezembro de 2008 no Proc. C-515/07, tendo por base um reenvio prejudicial efectuado pelo Hoje Raad der Nederlanden (Países Baixos), onde se solicita que o TJUE se pronuncie sobre a questão de saber se o direito de deduzir o IVA pago a montante se aplica não apenas à aquisição de bens de investimento mas pode abranger a aquisição de outros bens e serviços utilizados quer para operações profissionais efectuadas a jusante quer para outros fins, nomeadamente, actividades de natureza não económica.

24 Sobre este tema do requisito da relação directa e imediata à dedução do IVA vide Jean-Pierre Maublanc, Déduction de la TVA d´amont : l´exigence d´un lien direct et immédiat est-elle justifiée ?, op. cit., pp. 611 e ss.

25Acórdão de 29 de Outubro de 2009, Caso SKF, Proc. C-29/08, Colect. p. I-10413, n.° 58 e jurisprudência citada. A SKF, sociedade anónima, é a sociedade‑mãe de um grupo industrial com actividades em vários países. Participa activamente na gestão das suas filiais e presta‑lhes serviços remunerados, tais como a gestão, a administração e a política comercial. A SKF é sujeito passivo de IVA relativamente a estas prestações facturadas às filiais, tendo procedido, no âmbito de uma estratégia de reorganização do grupo, à alienação da totalidade das participações numa filial e a participação remanescente numa associada (26,5%), anteriormente detida em 100%, conseguindo por via de tal facto libertar meios financeiros que visaram financiar as restantes actividade do grupo. Face à informação prévia favorável à dedução do IVA pago a montante sobre serviços adquiridos no âmbito daquela transmissão (redacção de contratos, consultadoria jurídica especializada, serviços de avaliação de títulos e de assistência nas negociações).

 

26 Acórdão de 27 de Setembro de 2001, Proc. C-16/00, Colect., p. I‑6663.

 

27 Acórdão de 3 de Março de 2005, Proc. C-32/03, Colect. p. I-01599, n.º 19.

28 Acórdão de 21 de Março de 2000, Proc. C-110/98 a C-147/98, Caso Gabalfrisa, já cit.

29 Acórdão de 3 de Março de 2005, Proc. C-32/03, já cit.

30Acórdão de 29 de Abril de 2004, Proc C-77/01, Colect. p. I-04295.

31 Apresentadas em 12 de Setembro de 2002, n.º 39.

32 Acórdão de 20 de Junho de 1991, Caso Polysar, Proc. C-60/90, Colect., p. I-3111.

33 O mesmo entendimento já havia sido adoptado pelo TJUE no Acórdão de 20 de Junho de 1996, Caso Wellcome Trust, Proc. C-155/94, Proc. C‑155/94, Colect. p. I‑3013, em que estava em causa a compra e venda de acções no quadro da gestão de um “trust”.

34 Sobre estas conclusões veja-se, nomeadamente, os Acórdãos de 20 de Junho de 1991, Caso Polysar, Proc. C-60/90, já cit., de 22 de Junho de 1993, Caso Satam/sofitam, Proc. C-333/91, Colect. p. I-3513, de 14 de Novembro de 2000, Caso Floridienne e Berginvest, Proc. C-142/99, Colect. p. I-9567, e de 27 de Setembro de 2001, Caso Cibo Participations, Proc. C-16/00, já cit..

35 Acórdão de 22 de Junho de 1993, Caso Satam/sofitam, Proc. C-333/91, já cit.

36 Acórdão de 14 de Novembro de 2000, Caso Floridienne e Berginvest, Proc. C-142/99, já cit. A Floridienne era uma sociedade holding que encabeçava um grupo de sociedades no domínio da química, dos plásticos e das indústrias agro-alimentares, e a Berginvest, uma sociedade holding intermédia que dominava o subgrupo dos plásticos, sustentando ambas que intervinham directa ou indirectamente na gestão das suas filiais, nomeadamente fornecendo-lhes serviços administrativos, contabilísticos e informáticos, bem como concedendo-lhes empréstimos de financiamento.

37 Expressão utilizada pela primeira vez por parte do TJUE no Caso Polysar, que viria a ser delimitada no Caso Floridienne.

38 Vide, nomeadamente, Acórdãos de 20 de Junho de 1991,Caso Polysar, Proc. C‑60/90, já cit., n.° 14, de 14 de Novembro de 2000, Caso Floridienne e Berginvest, Proc. C‑142/99, já cti., n.° 18, despacho de 12 de Julho de 2001, Caso Welthgrove, Proc. C‑102/00, Colect., p. I‑5679, n.° 15, e Acórdão de 27 de Setembro de 2001, Caso Cibo, Proc. C‑16/00, já cit, n.° 20.

39 A propósito das sociedades holding refere RITA DE LA FERIA, in “A Natureza das Actividades e Direito à Dedução das Holdings em Sede de IVA”, op. cit., p. 189, que se considera que a holding tem uma “interferência directa ou indirecta na gestão” das sociedades participadas sempre que se verifiquem as seguintes condições: (a) As actividades não sejam apenas exercidas a título ocasional (Acórdão Floridienne); (b) As actividades não se limitem a gerir os investimentos a exemplo dum investidor privado (Acórdão Floridienne); (c) As actividades sejam efectuadas no âmbito dum objectivo empresarial ou com finalidade comercial (Acórdão Floridienne); (d) pelo menos parte das actividades constituam transacções sujeitas a IVA para efeitos do artigo 2.º da Directiva (Acórdão Welthgrove). Assim, como conclui, sempre que estas condições se verifiquem, uma holding activa é considerada como tendo efectuado actividades económicas para efeitos do n.º 1 do artigo 9.º da DIVA.

40 Vide, designadamente, Acórdãos de 20 de Junho de 1996, Caso Wellcome Trust, Proc. C‑155/94, já cit., n.° 35, e Caso Harnas & Helm, já cit., n.° 16 e jurisprudência aí mencionada.

41 Cfr. RUI BASTOS, O direito à dedução do IVA, O caso particular dos inputs de utilização mista, dissertação de mestrado em Fiscalidade apresentada em 30 de Julho de 2012, na Escola Superior de Gestão do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, p. 69.

42 Consistiam em serviços de avaliação de títulos, de assistência nas negociações e de consultoria jurídica especializada para a redacção de contratos, portanto inequivocamente associadas à alienação das participações em causa.

43 No referido caso, o TJUE considerou que aquela sociedade anónima, na qualidade de sociedade‑mãe de um grupo industrial, se envolveu na gestão da filial e da sociedade controlada, fornecendo‑lhe, a título oneroso, diversas prestações de serviços de natureza administrativa, contabilística e comercial, em relação às quais estava sujeita a IVA. Nestes temos, por via da venda das acções detidas na filial e na sociedade controlada, a SKF põe termo à sua participação nestas sociedades.

44 Este princípio seria, com efeito, ignorado se uma sociedade‑mãe que gere um grupo de sociedades pudesse ser tributada pelas despesas efectuadas no quadro da venda de acções que faz parte da sua actividade económica, ao passo que uma sociedade holding que efectua a mesma operação fora do âmbito de aplicação do IVA beneficiaria do direito à dedução do IVA que onerou as mesmas despesas pelo facto de elas fazerem parte das despesas gerais da sua actividade económica global.

45 Neste sentido veja-se o n.ºs 36 e 37 do Acórdão de 26 de Maio de 2005, Caso Kretztechnik, Proc. C‑465/03, Colect. p. I-4357, e jurisprudência aí mencionada.

46 No caso, prestações relacionadas com a admissão a Bolsa na sequência de um aumento do capital através da emissão de acções ao portador.

47 Cfr. Acórdão de 27 de Setembro de 2001, Caso Cibo, Proc. C-16/00, já cit., n.º 35.

48 Cfr. RUI BASTOS, O direito à dedução do IVA, O caso particular dos inputs de utilização mista, op. cit., pp. 79 e 80.

49 Acórdão de 22 de Fevereiro de 2001, Proc. C-408/98, Colect., p. I-1361.

50 Proc. C-496/11, Caso Portugal Telecom SGPS SA contra Fazenda Pública, ainda não publicado na Colectânea.

51 Acórdão de 27 de Novembro de 2003, Caso Zita Modes, Proc. C-497/01, Colect., p. I-14393, n.º 39.

52 CIDÁLIA LANÇA, “O tratamento em IVA da fusão de sociedades”, in Fiscalidade, n.º 46, Abril-Junho de 2011, pp. 91-103.

53 Conforme o previsto nos artigos 97.º e 112.º do CSC.

54 Veja-se, nomeadamente, os Acórdãos de 16 de Setembro de 2009, processo 0372/09, e de 10 de Fevereiro de 2010, processo 0925/09, disponíveis no sitio web www.dgsi.pt .

55 Conforme Acórdão de 16 de Setembro de 2009, já cit., e Acórdão de 23 de Setembro de 2009, processo 0370/09.

56 Veja-se, designadamente, entre vários, o Acórdão de 10 de Fevereiro de 2010, processo 0925/09, no qual o STA se pronunciou no sentido de que a extinção da personalidade jurídica da sociedade incorporada por fusão não tem por efeito a extinção dos seus direitos e deveres, que se transmitem para a sociedade incorporante, pelo que pode a Administração Fiscal exigir a esta última o pagamento de uma dívida fiscal quando munida de título executivo em que figure como devedora a sociedade extinta.

57 Esta interpretação é a que, face ao quadro legal em vigor, é acolhida, por exemplo, no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15 de Junho de 2004, processo 01162/03, no qual, seguindo a posição doutrinária de que a fusão implica a integração da personalidade e capacidade jurídica da sociedade incorporada na sociedade incorporante, se decidiu que “… para efeitos de IVA, (…) de acordo com os princípios que regem a liquidação deste imposto, tudo aconselha que a sociedade incorporante processe e contabilize os créditos e débitos de imposto como se de uma única sociedade se tratasse, entregando ou ficando com crédito de imposto consoante o que dos saldos resultar.”