Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 10/2013-T
Data da decisão: 2013-07-05  IRC  
Valor do pedido: € 105.323,29
Tema: Tributação de rendimentos presumidos; presunção de veracidade das declarações dos contribuintes
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Decisão Arbitral 

Proc. n.º 10/2013-T/CAAD 

 

 

A – Relatório 

  1. , SGPS, S.A., doravante Requerente, contribuinte fiscal n.º, com sede em , requereu a pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 (doravante Regime Jurídico da Arbitragem Tributária-RJAT), sobre a questão que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante, AT, pedindo que seja “anulada a liquidação oficiosa n.º 2011, respeitante a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e ao ano de 2010; condenada a AT a reconhecer a validade da auto-liquidação resultante da declaração modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2010, incluindo os prejuízos fiscais no montante de € 131.801,60, e condenada a mesma AT no reembolso do montante a recuperar – retenções na fonte – apurado na referida declaração Modelo 22, no valor de €72.232,41 (ou no limite, e sem conceder, no valor de €72.182,52) acrescido dos devidos juros indemnizatórios (e de mora, se a eles houver lugar)”. 

  1. Como fundamentos destes pedidos a Requerente alegou, em síntese, o seguinte: 

A Requerente é uma sociedade de direito português que tem por objecto social a gestão de participações financeiras noutras sociedades. Por questões da sua organização interna, segundo refere, a Requerente não apresentou em tempo a sua declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, relativa ao ano de 2010. Em 16 de dezembro de 2011, a Requerente foi notificada da liquidação oficiosa de IRC n.º 2011, emitida pela AT em 30 de novembro de 2011, nos termos do artigo 90.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, tomando, por base, o “valor anual da retribuição mínima mensal”, no montante de €49,88. Nessa liquidação, a AT não tomou em consideração as retenções na fonte suportadas pela Requerente, do montante de €72.232,41. Em 14 de maio de 2012, a Requerente apresentou a sua declaração Modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2010, na qual, com base na sua contabilidade, apurou um prejuízo fiscal no montante de €131.801,60 e um total de imposto a recuperar de €72.232,41, bem como apresentou a IES (Declaração Empresarial Simplificada). Embora entendendo que a declaração Modelo 22 do IRC, entretanto apresentada, tinha como necessário efeito jurídico a anulação da liquidação oficiosa referida, sem necessidade de outras formalidades, a Requerente apresentou, na mesma data, uma reclamação graciosa da liquidação oficiosa. Conquanto esta reclamação graciosa tenha sido tempestivamente apresentada, a Requerente foi confrontada, em 27 de agosto de 2012, com a notificação de um projecto de indeferimento, no qual se concluía que a AT “procedeu correctamente à liquidação oficiosa dos rendimentos do declarante, uma vez que esta não apresentou a respectiva declaração no prazo legal” e que “somos de parecer que não existe base legal, para que se proceda à anulação da liquidação em análise”. Por não se conformar com o entendimento justificador da projectada decisão, a Requerente contestou-a em requerimento de audiência prévia, apresentado em 6 de setembro de 2012. Em 15 de outubro de 2012, foi a Requerente notificada da decisão definitiva ora contestada. Reconhece a Requerente que a liquidação oficiosa foi bem emitida. Todavia, havendo sido apresentada, posteriormente, a declaração de auto-liquidação, deveria a AT ter procedido à correcção da liquidação oficiosa, em cumprimento do disposto no n.º 10 do artigo 90.º e 103.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC (CIRC), dado não ter decorrido ainda o prazo de caducidade. E deveria tê-lo feito porquanto a liquidação oficiosa a que se refere o artigo 90.º, n.º 1, alínea b), do CIRC tem por base uma matéria coletável presumida e não a matéria coletável que nos termos do CIRC é susceptível de reflectir o rendimento real, a determinar com base na contabilidade dos sujeitos passivos, como o impõe o princípio da capacidade contributiva constitucionalmente consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP). Mas ainda que o dever de correção da matéria coletável da liquidação oficiosa não derivasse dos referidos artigos 90.º, n.º 10, e 103.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, sempre a mesma deveria ser anulada e tomada em consideração a declaração, entretanto feita pela Requerente, pois, em matéria tributária, não existem presunções inilidíveis, como resulta do artigo 73.º da Lei Geral Tributária (LGT), sendo que não pode deixar de considerar-se que a elisão do facto presumido se mostra demonstrada através, quer da própria declaração Modelo 22 e da presunção de veracidade que a reveste, decorrente do artigo 75.º, n.º 1, da LGT, quer da própria contabilidade da Requerente cuja existência foi levada ao conhecimento da AT com e na data de apresentação da IES. Qualquer interpretação do Código do IRC no sentido da manutenção de uma liquidação que tem por base uma matéria colectável presumida, quando já foi apresentada uma declaração Modelo 22 da qual resulta o rendimento do sujeito passivo, sempre seria inconstitucional por violação do princípio da capacidade contributiva consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP. Como quer que seja, devem, pelo menos, ser devolvidos à Requerente os montantes que esta suportou a título de retenção de IRC na fonte, do montante de €72.232,41. Na verdade, essa dedução impõe-se mesmo no caso da realização de uma liquidação oficiosa, nos termos do artigo 90.º, n.º 8, do CIRC, porquanto ao montante apurado nos termos da alínea b) do n.º 1 desse preceito devem ser feitas as deduções de que a AT tenha conhecimento e que possam ser efectuadas nos termos dos n.º 2 a 4 do mesmo artigo 90.º (entre as quais a dedução relativa a retenções na fonte, tal como disposto no n.º 2, alínea d) daquele preceito), sendo que não pode deixar de ter-se como inequívoco que a AT tem conhecimento das retenções, pois as entidades obrigadas a fazê-las devem entregar à AT uma declaração de modelo oficial referente aos montantes retidos, nos termos do artigo 119.º, n.º 1, alínea c), do CIRS, aplicável ex vi do artigo 128.º do CIRC. Esta não devolução da retenção, mesmo a não existir o artigo 90.º, n.º 8, do CIRC, sempre seria ilegítima em face do instituto do enriquecimento sem causa previsto no artigo 473.º, n.º 1, do Código Civil e integradora do tipo de crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 205.º do Código Penal. 

  1. O Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros os Doutores Benjamim Silva Rodrigues (presidente), António Carlos dos Santos e Júlio Tormenta (adjuntos), considerando-se o Tribunal Arbitral coletivo constituído em 13 de março de 2013. 

  1. Notificada nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, veio a AT responder, pugnando pela improcedência de todos os pedidos. 

Com esse sentido, a AT esgrime que o acto de liquidação oficiosa praticado pela administração, na situação em que lhe esteja devolvida a competência legal para o efeito, em virtude do incumprimento, por parte do contribuinte, do dever de apresentação da declaração anual de autoliquidação ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 90.º do CIRC, apenas pode ser anulado em consequência de impugnação judicial ou de reclamação e por efeito dos vícios de que o mesmo padeça. A posterior apresentação da declaração de auto-liquidação do imposto de IRC não tem como efeito a anulação do acto de liquidação oficiosa anteriormente praticado, nem decorre da mesma que os pressupostos com base nos quais este foi praticado tenham de considerar-se arredados em função da apresentação da declaração do contribuinte, pois a presunção de veracidade de que gozam as declarações dos contribuintes, prevista no artigo 75.º, n.º 1, da LGT, apenas vale quando apresentadas nos “termos da lei”, nesses termos se incluindo o prazo da sua apresentação. Deste modo, estando devolvida à administração a competência para a liquidação, incumbia à Requerente fazer prova da existência do alegado prejuízo fiscal, o que não aconteceu. No que tange à alegada não dedução das retenções na fonte, esta apenas teria de ser efectuada caso os rendimentos a que se reportam tivessem sido considerados na determinação da matéria colectável, pois que a dedução à colecta pressupõe que os rendimentos estejam a influenciar a base tributável pelo seu montante ilíquido. Ora, tal não é a situação que se verifica neste caso em que o contribuinte foi tributado ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC. Uma interpretação do n.º 8 do artigo 90.º do CIRC no sentido de obrigar à dedução na matéria tributável determinada ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC das retenções de imposto porventura efectuadas não só não seria racional como conduziria ao resultado perverso de constituir um benefício para o infractor, colocando-o numa posição mais favorável do que a dos contribuintes cumpridores. Por último, a impugnação judicial arbitral não é o meio processual adequado para a apreciação da alegação da existência de um crime de abuso de confiança ou da situação de enriquecimento sem causa. 

  1. Com a junção da resposta da AT ao pedido de pronúncia arbitral, veio a Requerente apresentar um requerimento em que teceu várias considerações sobre o ali aduzido, pretextando fazê-lo “ao abrigo dos princípios do contraditório e da igualdade das partes que regem o processo arbitral, previstos no artigo 16.º, alíneas a) e b), do RJAT”. 

Na reunião do Tribunal Arbitral, a que alude o artigo 18.º do RJAT, a Requerente pediu que este articulado superveniente fosse convolado para articulado de alegações escritas sobre a matéria da causa. 

Sem a oposição da AT, a quem foi reconhecida a faculdade de poder alegar também por escrito, o Tribunal Arbitral deferiu o pedido da Requerente. 

Na mesma reunião do Tribunal Arbitral, a Requerente juntou um documento comprovativo da realização da sua Assembleia Geral e da aprovação, nela levado a cabo, do Relatório de Gestão, Balanço e Contas relativas ao exercício terminado em trinta e um de dezembro de dois mil e dez. 

Nas suas alegações escritas, as partes mantêm os seus pontos de vista sobre as questões de direito postas ao tribunal, reiterando a Requerente, em resumo, que a apresentação da declaração de autoliquidação, embora fora do prazo, deve determinar a anulação oficiosa que exista em relação ao mesmo exercício em virtude daquela gozar da presunção de veracidade, seja por decorrência da apreciação da reclamação graciosa apresentada, seja pela consideração de que a simples apresentação de uma declaração como aquela que foi apresentada pela Requerente sempre dever ser “convolada em reclamação graciosa, para todos os efeitos legais, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 59.º do CPPT”. 

Pela sua parte, e para além do já referido, a AT nega que a situação se ajuste à hipótese recortada no n.º 5 do artigo 59.º do CPPT1, desde logo porque, não tendo havido uma declaração originária válida à qual suceda a declaração apresentada fora de prazo, não se está perante qualquer regime de substituição de declarações, além de que se a declaração de substituição, nos casos em que é admitida a sua apresentação, se converte em reclamação e nela se aprecia a matéria é porque ela não goza da presunção de veracidade. Ora, o certo é que a Requerente não fez prova do excesso da quantificação da matéria tributável, sendo que se limitou a instruir a reclamação apresentada com cópia da demonstração da liquidação objecto do pedido, do comprovativo de entrega de declaração Modelo 22 de IRC e do comprovativo da entrega da declaração de IES. 

 

B – Saneamento do Processo. 

 

O Tribunal é competente. 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas. Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo. 

 

C – Fundamentação 

 

  1. Questões decidendas. 

 

As questões que se colocam ao Tribunal Arbitral são: 

  1. a de saber se, tendo a administração tributária procedido à liquidação oficiosa do IRC relativo ao exercício de 2010, em 30 de novembro de 2011, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, em virtude de a Requerente não ter apresentado, dentro do prazo legal, a declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2010, deve a mesma ser anulada em consequência da apresentação da declaração Modelo 22 de IRC, em falta, em 14 de maio de 2012, e/ou de apresentação, na mesma data de 14 de maio de 2012, de reclamação graciosa daquela liquidação oficiosa que instruiu com cópia da demonstração da liquidação oficiosa, de comprovativo de entrega de declaração Modelo 22 de IRC e de comprovativo de entrega da declaração de IES. 

  1. a de saber se, a liquidação oficiosa efectuada pela administração, nas circunstâncias referidas na alínea anterior, deve ser corrigida em termos de ficar a corresponder à auto-liquidação efectuada na declaração Modelo 22 de IRC, apresentada em 14 de maio de 2012, em que foi apurado o prejuízo fiscal do montante de €131.801,60. 

  1. a de saber se devem ser devolvidas à Requerente as retenções na fonte, de IRC, efectuadas no exercício de 2010, do montante total de €72.232,41, apuradas na sua declaração Modelo 22 de IRC, apresentada em 14 de maio de 2012 e a cuja dedução a administração tributária não efetuou na liquidação oficiosa realizada. 

 

  1. Matéria de facto 

 

Factos dados como provados 

 

Em face das posições das partes expressas nos articulados, dos documentos integrantes do processo administrativo anexo e do documento apresentado na reunião do Tribunal Arbitral a que se refere o artigo 18.º do RJAT, no dia 2 de maio de 2013, julgam-se como provados os seguintes factos: 

  1. A Requerente é uma sociedade de direito português que tem por objecto a gestão de participações financeiras. 

  1. A Requerente não apresentou a sua declaração periódica de rendimentos relativa ao exercício de 2010 (Modelo 22) até 31 de maio de 2011, tendo-o feito, apenas, em 14 de maio de 2012. 

  1. Perante a falta de apresentação da declaração Modelo 22 de IRC por parte da Requerente, a AT procedeu, em 30 de novembro de 2011, e ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, à liquidação oficiosa n.º 2011, respeitante ao exercício de 2010, no montante de €49,88. 

  1. A Requerente foi notificada desta liquidação oficiosa de IRC, em 16 de dezembro de 2011. 

  1. Na declaração Modelo 22 de IRC, apresentada pela Requerente, em 14 de maio de 2012, esta apurou um resultado líquido do exercício de 2010 no montante negativo de €1.391.305,80 e um prejuízo fiscal no montante de €131.801,60. 

  1. A Requerente apresentou, também em 14 de maio de 2012, a declaração anual de informação empresarial simplificada (IES); 

  1.  A Requerente apresentou, ainda em 14 de maio de 2012, reclamação graciosa da liquidação oficiosa de IRC nos termos constantes do documento n.º 7, junto com o seu requerimento inicial, aqui dados como reproduzidos, nela pretextando, em resumo, que a liquidação oficiosamente efectuada deveria ser anulada em consequência da apresentação da declaração Modelo 22, de IRC, efectuada na mesma data, e de esta declaração haver sido elaborada em função dos dados constantes da sua contabilidade e de gozar da presunção legal de veracidade. 

  1.  A reclamação graciosa foi totalmente indeferida por despacho de 10 de outubro de 2012, notificado à Requerente em 15 de outubro de 2012, constante do processo administrativo apenso e cujo teor aqui se considera reproduzido. 

  1. Na declaração Modelo 22 de IRC, apresentada pela Requerente, em 14 de maio de 2012, relativa ao exercício de 2010, consta terem-lhe sido efetuadas, durante o exercício, retenções na fonte, a título de IRC, que em verdade ocorreram, no montante de €72.232,41. 

  1. O despacho, a que alude o ponto 2.8 supra, abonou-se, entre o mais, nas seguintes considerações: 

 “Conforme decorre dos autos, e não querendo repetir o anteriormente explanado, salienta-se que a reclamante, não apresentou em tempo a sua declaração de rendimentos mod. 22 de IRC, do exercício de 2010, assim, a administração tributária procedeu a liquidação administrativa daquele imposto nos termos do estabelecido pelo prazo do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC.  

Ora, de acordo com o referido normativo a liquidação em análise teve por base "... o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada. Portanto, torna-se necessário reforçar contrariamente ao alegado pela exponente, que a simples apresentação tardia de uma declaração de rendimentos da qual vem resultar inexistência de imposto ou imposto diverso do anteriormente liquidado não anula automaticamente a anterior liquidação, por tal não resultar do artigo 103.º do CIRC. 

É que, a ser assim, bastaria um contribuinte não apresentar a sua declaração de rendimentos em tempo, depois apresentava uma declaração de rendimentos em que não declarasse rendimentos e a liquidação oficiosa ficaria pura e simplesmente anulada. Ou seja, competia à reclamante provar de acordo com as regras do ónus da prova, que aquela matéria colectável era exagerada, portanto importava a apresentação e prova de factos dos quais se pudesse concluir que a reclamante não obteve o rendimento apurado pela Administração Tributária, antes o prejuízo por si apresentado na declaração tardiamente apresentada. 

Por fim, não obstante as alegações da exponente, considerar que deverá ser reflectido na liquidação em análise, o montante de € 72 232,41, referente à rubrica retenção na fonte,(…). 

 Porém, não podemos descurar a questão essencial, ou seja, provar de acordo com o ónus da prova, o prejuízo fiscal constante no Quadro 07 Campo 777 no montante de € 131 801,60, conforme se verifica não dispomos de elementos, que nos permitam demonstrar que in casu se verificou excesso de liquidação, e apesar de comungarmos que a tributação deve ser real, trazendo ainda à colação a rubrica da retenção na fonte, interessa comprovar a sua contrapartida, dos respectivos rendimentos em causa, através de registos contabilísticos. Ainda, atenta a posição assumida pela reclamante verifica-se que não existe, realmente, dissídio quanto à interpretação da norma, cf. fls. 48, " Ora, reconhece a Reclamante que a liquidação oficiosa aqui em crise, de facto, bem emitida, uma vez que não foi apresentada, em prazo, a respectiva declaração Modelo 22 (a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC) respeitante ao exercício de 2010." já que a discordância radica unicamente na questão da quantificação. No caso vertente, agindo a Administração em conformidade com a lei aquando da liquidação oficiosa, cabia à reclamante apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, provando o prejuízo fiscal no montante de € 131 801,60, todavia, tal não aconteceu, quando lhe cabia esse ónus da prova, nos termos do artigo 74.º da LGT”. 

  1.  A Assembleia Geral da Requerente aprovou, por unanimidade, em 7 de maio de 2012, o Relatório de Gestão, Balanço e Contas da mesma Requerente, relativas ao exercício de 2010. 

O Tribunal deu como provados estes factos por sair convencido da sua existência em face dos elementos de prova referidos e à luz do princípio da livre apreciação dos factos, segundo as regras de experiência e da livre convicção, consagrado no artigo 16.º, alínea e), do RJAT. 

 

Factos dados como não provados 

Por outro lado, o Tribunal Arbitral julga não provada a alegação da Requerente de que o prejuízo fiscal, efectivamente verificado no exercício de 2010, tenha sido do montante de €131.801,60. 

Este juízo baseia-se na circunstância de esse valor ser uma resultante da efectiva correspondência à realidade, quer dos lançamentos contabilísticos efectuados pela Requerente, quer das operações materiais activas e passivas a que os mesmos respeitam e de essa demonstração não ter sido levada a cabo em juízo. 

A circunstância de o Relatório de Gestão, Balanço e Contas da requerente, relativas ao exercício de 2010, terem sido aprovadas por unanimidade na Assembleia Geral, de 7 de maio de 2012, não constitui suficiente prova de que os dados dele constante espelhem material e fielmente aquela resultante. 

 

  1. Do Direito 

 

A - Liquidação Oficiosa ao abrigo do artigo 90.º do CIRC 

 

  1. A liquidação do IRC é, por norma, uma autoliquidação do sujeito passivo (SP) que tem por base a matéria coletável declarada em tempo oportuno, cfr. artigo 90.º, n.º 1, alínea b) do CIRC. Os elementos constantes das declarações periódicas de rendimentos para efeitos de IRC, devem, sempre que for caso disso, concordar exatamente com os obtidos na contabilidade ou nos registos de escrituração, consoante o caso, cfr. artigo 120.º, n.º 10 do CIRC. Deste modo, a lei fiscal dá cumprimento ao princípio da tributação do rendimento real como corolário do princípio da capacidade contributiva com consagração constitucional no artigo 104.º da CRP. 

  1. Pode, no entanto acontecer que o sujeito passivo não exerça tempestivamente o seu direito de liquidação de IRC e, nesse caso, devolve a competência da liquidação do imposto à AT. O artigo 90.º n.º 1 alínea b) do CIRC prevê que “Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada”.  

  1. Por outro lado o artigo 90.º n.º 1 alínea c) do CIRC prevê que “Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha”, podendo concluir-se que nos casos das alíneas b) e c) do n.º1 do artigo 90.º do CIRC para além de se devolver a competência da liquidação do imposto (leia-se, IRC) à AT, a esta, ainda cabe eleger de entre os dois modos de determinação indireta da matéria coletável configurados nas referidas alíneas b) e c) do n.º1 do artigo 90.º do CIRC, aquele que melhor cumpre a intentio constitucional da tributação efetiva do rendimento real. 

  1. Assim, excecionalmente, e para evitar a inexistência de liquidação, a lei prevê, a exemplo do que ocorre em sede de IVA, a existência de um mecanismo de hetero-liquidação, conhecido por liquidação oficiosa. A existência desta figura não põe em causa o princípio da tributação do rendimento real, uma vez que o artigo 104.º, n.º 2 da CRP, ao contemplar o advérbio “fundamentalmente”, admite exceções. Estas exceções deverão, porém, sempre que possível, ceder o passo ao regime regra. 

  1. A preocupação com a tributação do rendimento real (ou com um rendimento que, tanto quanto possível, dele se aproxime), leva mesmo o legislador a prever que “Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração disponha”. O CPPT, no seu artigo 59.º n.º 1 reforça esta ideia ao estatuir que “O procedimento de liquidação instaura-se com as declarações dos contribuintes ou, na falta ou vício destas, com base em todos os elementos de que disponha ou venha a obter a entidade competente”, leia-se, no caso em análise, AT. 

  1. Em qualquer destes casos, está em jogo uma avaliação indireta da matéria tributável a efetuar através de presunções, por exemplo: o valor anual da retribuição mínima mensal ou os rendimentos apurados em exercícios anteriores ou com base em outros elementos disponíveis.  

  1. O n.º1 do artigo 120.º do CIRC prevê que “a declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b) do artigo 117.º deve ser enviada, anualmente, por transmissão eletrónica de dados, até ao último dia do mês de Maio, independentemente de esse dia ser útil ou não”. Não sendo enviada dentro deste prazo a declaração periódica, a AT deve proceder à liquidação oficiosa, o que se verificou. 

  1. A liquidação oficiosa faz-se por definição com base num rendimento presumido (ficcionado), por outro não existir na data em que a AT a deve efetuar. O artigo 73.º da LGT, em consonância aliás com princípios constitucionais vigentes, determina que “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”. A Doutrina e a Jurisprudência2 estão, em regra, de acordo para integrar nas normas de incidência as que visam definir e determinar a matéria coletável (sobre o tema, ver, Campos, Diogo Leite/ Rodrigues, Benjamim Silva/ Sousa, Jorge Leite, in Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4ª ed., 2012, pp. 649 e ss.). 

  1. Refira-se que o Tribunal Constitucional (TC)3 tem admitido a constitucionalidade da utilização de presunções para determinar a matéria tributável desde que seja permitida a sua ilisão, o que é reclamado pelo principio da igualdade, que exige que a imposição de obrigações de impostos seja feita segundo a capacidade contributiva de cada um, concretizando o objetivo da «repartição justa de rendimentos e riqueza», que é objetivo primacial do sistema fiscal, cfr. artigo 103.º n.º1 da CRP. 

  1. Tendo em conta o exposto supra, no presente litígio sujeito a pronúncia arbitral, provou-se que a Requerente não efetuou tempestivamente a autoliquidação de IRC relativo ao exercício fiscal de 2010, isto é, não apresentou a declaração periódica de rendimentos Modelo 22 daquele exercício fiscal até 31 de maio de 2011, cfr. ponto 2.2 da matéria de facto, artigo 2º da petição inicial da Requerente e artigo 1.º da Resposta da AT. Em face de ausência de autoliquidação, a competência da liquidação de IRC foi devolvida à AT, cfr. artigo 28,º da Resposta da AT, através de um mecanismo de hetero-liquidação sob a designação de liquidação oficiosa, dando assim cumprimento ao estatuído na lei fiscal. 

  1. Adicionalmente refira-se que a AT ao efetuar a liquidação oficiosa reportada a 30 de novembro de 2011 ao abrigo do estatuído na alínea b) do n.º1 do artigo 90º do CIRC, agiu ao abrigo de uma competência vinculada por força do estatuído no artigo 266.º n.º2 da CRP. 

  1. A liquidação oficiosa datada de 30 de novembro de 2011 e efetuada por parte da AT, teve por base um rendimento presumido, tendo sido usado o valor anual da retribuição mínima mensal, cfr. a alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, sendo a Requerente notificada a 16 de dezembro de 2011 do valor a pagar de € 49,88, cfr. doc. n.º 1 anexo à petição inicial da Requerente, artigo 4.º da Resposta, matéria de facto fixada (ponto 2.3 dos factos provados). 

  1. Conforme exposto acima, o uso de presunções em direito tributário não põe em causa o princípio da tributação pelo lucro real, previsto no artigo 104.º da CRP, desde que as mesmas possam ser ilididas, pelo que a liquidação oficiosa efetuada pela AT ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º1 do artigo 90.º do CIRC não é ilegal nem inconstitucional. 

  1. Aliás, a Requerente reconhece que a liquidação oficiosa foi bem efetuada, cfr. artigo 16.º da petição inicial e artigo 9.º da reclamação graciosa (doc. 7 anexo à petição inicial e também constante do PA4) não questionando os pressupostos de facto e de direito que estiveram na origem da referida liquidação oficiosa e portanto, não haver qualquer ilegitimidade e ilegalidade na liquidação oficiosa efetuada. 

Tal conclusão não obsta a que, estando ainda em aberto o prazo de caducidade de IRC relativo ao exercício fiscal de 2010 e uma vez que a Requerente não questionou os pressupostos de facto e de direito que estiveram na origem da liquidação oficiosa por parte da AT, possam, eventualmente, ser, ainda, acionadas as garantias impugnatórias administrativas previstas na lei fiscal que a Requerente tem à sua disposição. 

  1. Ora havendo lugar à liquidação oficiosa em que se apurou matéria tributável com base em rendimentos presumidos e após notificação da mesma, o que aconteceu em 16 de dezembro de 2011, conforme ficou provado, cfr.ponto 2.4 da matéria de facto fixada, artigo 3.º da petição inicial e artigo 4.º da Resposta, cabe aos sujeitos passivos reagirem contra a mesma através dos meios impugnatórios administrativos e judiciais que têm ao seu alcance, conforme a AT refere no artigo 30.º da Resposta. De facto, ao abrigo do disposto no artigo 73.º da LGT as “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”, integrando nas normas de incidência, as que visam definir e determinar a matéria coletável, conforme acima se referiu. 

  1. E foi isso que aconteceu na questão controvertida sujeita a pronúncia arbitral em que a Requerente apresentou uma reclamação graciosa em 14 de maio de 2012 tendo instruído a mesma com cópia da demonstração da liquidação oficiosa, do comprovativo de entrega de declaração Modelo 22 de IRC e do comprovativo da entrega da declaração de IES. Apresentou no mesmo dia, a declaração periódica de rendimentos Modelo 22 e IES referentes ao exercício de 2010, conforme consta do material probatório carreado para os autos, nomeadamente pontos 2.5 a 2.7 da matéria de facto fixada, artigos 4.º, 5.º e 7.º da petição inicial e respetivos doc. 3, 6 e 7 anexos à mesma. 

  1. Em sede de reclamação graciosa, cfr. artigos 10.º a 14.º, a Requerente arguiu que a liquidação oficiosa deveria ser anulada em consequência da apresentação da declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC, uma vez que a declaração foi elaborada de acordo com os dados constantes da sua contabilidade e de a mesma (declaração periódica de rendimentos) gozar de presunção de veracidade 

  1. Ainda em sede de reclamação graciosa, cfr. artigos 15.º a 20.º, a Requerente argui que as presunções tributárias a nível de incidência tributária (mesmo incluindo um conceito amplo de incidência) previstas no artigo 73.º LGT admitem prova em contrário, sendo a ilisão efetuada através da entrega da declaração periódica de rendimentos e da própria contabilidade, os quais se presumem verdadeiros e de boa fé. Conclui, cfr. artigos 21.º a 23.º da reclamação graciosa, citando o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa que “se o facto presumido não tiver efetivamente ocorrido, o acto que aplicar a presunção enfermará de erro sobre os pressupostos de facto, que consubstancia violação de lei, susceptível de ser arguido em reclamação graciosa ( ..)" (in op. cit. pág. 558) [reaIçado nosso], pelo que uma vez que a declaração Modelo 22 apresentou um prejuízo fiscal de € 131.801,60, a reclamação reclamada é ilegal por vício de violação de lei, uma vez que o facto presumido (matéria tributável no montante € 6.650 apurada na liquidação oficiosa de que resultou um valor a pagar de € 49,88), não existiu. 

 

Vejamos se a Requerente tem razão quanto ao acima referido em sede de reclamação graciosa. 

  1. A Requerente em sede de reclamação graciosa, cfr. doc. 7 anexo à petição inicial, afirma nos seus artigos 10.º a 14.º que uma vez apresentada a declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC, a mesma reflete de forma inequívoca o seu rendimento real como consagração constitucional do principio da capacidade contributiva no artigo 104.º n.º2 da CRP, e em consequência disso, a referida liquidação oficiosa deverá ser corrigida dentro do prazo de caducidade cobrando-se ou anulando-se as diferenças apuradas, tal como dispõe o artigo 90.º n.º10 do CIRC. O artigo 90.º, n.º10 do CIRC estatui (por remissão direta para o artigo 101.º do mesmo diploma e indireta para os artigos 45.º e 46.º da LGT) que as liquidações efetuadas ao abrigo do n.º1 do artigo 90º do CIRC (incluindo pois as liquidações oficiosas), poderão ser corrigidas dentro do prazo de caducidade (isto é, em princípio, 4 anos após a notificação do ato), cobrando ou anulando a diferença apurada. Esta correção assume carácter oficioso, conforme artigo 103º do CIRC. Ou seja: tendo a AT conhecimento, dentro do decurso do prazo de caducidade (isto é, até 31 de dezembro 2014 por força do estatuído no artigo 45.º n.º 4 da LGT), de novos elementos que lhe permitem apurar o rendimento real, compete-lhe, de acordo com o princípio do inquisitório, efetuar as diligências necessárias, nomeadamente de caráter inspetivo, para esse efeito. 

Uma questão que se levanta é a de se saber se, tendo havido lugar a uma liquidação oficiosa ao abrigo da alínea b) do n.º1 do artigo 90.º do CIRC, a apresentação duma declaração periódica de rendimentos por parte do sujeito passivo posterior a essa liquidação oficiosa, é fundamento para se anular a referida liquidação oficiosa refletindo desta maneira a tributação segundo o rendimento real como corolário do princípio da capacidade contributiva, cfr. artigos 23.º a 29.º da petição inicial? 

  1. De acordo com Jurisprudência5 firmada no ordenamento jurídico-tributário português «1.Efectuada liquidação oficiosa ao contribuinte por falta de apresentação da respectiva declaração de rendimentos, esta não pode ser simplesmente anulada por liquidação efectuada com base em declaração apresentada posteriormente pela recorrente e que deu origem a imposto de valor zero. 

2. É que, uma liquidação só pode ser anulada nos termos legais, nomeadamente por via oficiosa, por via de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e nunca por mera iniciativa do contribuinte, como a acima descrita», conforme referido no artigo 31.º da Resposta. 

  1. Ora, decorre do acima exposto que a mera apresentação da declaração de rendimentos por parte do sujeito passivo, não pode servir de fundamento à anulação automática da liquidação oficiosa. A anulação deverá ser efetuada, nos termos legais, por via oficiosa ou decorrente do uso de garantias impugnatórias administrativas ou judiciais.  

  1. Assim, a AT agiu dentro da legalidade ao não anular a liquidação oficiosa através do processamento da declaração de autoliquidação apresentada em 14 de maio de 2012 pela Requerente. 

Adicionalmente a Requerente defende que a declaração resultante da autoliquidação apresentada fora de prazo, como foi o caso, goza da presunção de veracidade e como tal a liquidação oficiosa deverá ser anulada. 

Ora vejamos se é assim. 

  1. A Requerente no ponto 6 das suas alegações apresentadas ao abrigo do artigo 18.º do RJAT, ao justificar a apresentação da reclamação graciosa instruindo a mesma com uma cópia da declaração periódica de rendimentos de IRC, refere que a declaração de rendimentos apresentada no mesmo dia do da reclamação (14 de maio de 2012), devea mesma ser convolada em reclamação graciosa nos termos do disposto do n.º 5 do artigo 59.º do CPPT. 

  1. Ora, quando a lei estabelece que a apresentação tardia de uma declaração (que tende a substituir outra declaração) tem como efeito a convolação em reclamação graciosa, desde que estejam preenchidos os pressupostos do n.º5 do artigo 59.º do CPPT, é porque da apresentação da referida declaração, não decorre qualquer efeito anulatório automático da declaração/liquidação previamente efetuada, como a Requerida salienta no ponto 8 das suas alegações ao abrigo do artigo 18.º do RJAT.  

  1. Assim, mesmo que a declaração apresentada pela Requerente fosse convolada em reclamação graciosa ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 59.º do CPPT, a mesma per si não tinha o efeito anulatório da declaração/liquidação vigente porque com a reclamação graciosa o que se pretende é a revisão dum ato tributário que poderá ou não anular o ato tributário vigente corporizado na ordem jurídico-tributária através de uma declaração (autoliquidação)/liquidação.  

  1. O n.º 5 do artigo 59.º do CPPT tem subjacente em si mesmo a existência de uma declaração de substituição que vai “corrigir” uma declaração originária previamente entregue. Ora a declaração periódica de rendimentos de IRC entregue pela Requerida em 14 de maio de 2012 não pode ser processada legalmente como declaração de substituição, devido ao facto de não ter havido uma declaração original de rendimentos (por efeito da autoliquidação prevista na alínea a) do n.º1 do artigo 90.º do CIRC) porque a competência da liquidação foi devolvida à AT, por força do estatuído na alínea b) do n.º1 do artigo 90.º do CIRC. 

  1. Caso a declaração de substituição seja entregue fora do prazo normal de entrega mas dentro do prazo de reclamação graciosa, como previsto no n.º5 do artigo 59.º do CPPT, essa declaração de substituição é convolada em reclamação graciosa não tendo um efeito anulatório. 

Assim, em face do exposto, não se pode deixar de constatar que a presunção de veracidade da declaração periódica de rendimentos apresentada tardiamente, não se verifica, conforme a Requerente defende, e, consequentemente, a não anulação automática da liquidação oficiosa não é ilegal e inconstitucional por desrespeito do princípio da capacidade contributiva, ao contrário do defendido pela Requerente nos artigos 52.º a 55.º da petição inicial. 

Mas, então, levanta-se a questão de saber quando é que existe no ordenamento jurídico-tributário português a presunção da veracidade das declarações entregues pelos sujeitos passivos?  

  1. A AT nos artigos 48.º a 53.º da Resposta responde a esta questão defendendo que de acordo com o artigo 75.º n.º1 da LGT, as declarações gozam de presunção de veracidade quando as mesmas forem apresentadas nos “termos da lei”, devendo interpretar-se, que no conceito de “termos da lei” se deve incluir o prazo legal para essa apresentação. A fundamentação da AT baseia-se em Jurisprudência mencionada no artigo 52.º da Resposta transcrevendo no artigo 53.º da Resposta o excerto relevante do Acórdão do TCAN6 de 30-3-2006 Processo n.º 00272/04 relativamente ao qual este Tribunal Arbitral perfilha a posição adotada por aquele Tribunal Superior. 

  1. Como consta dos autos, a liquidação oficiosa ao abrigo da alínea b) do n.º1 do artigo 90.º do CIRC resulta da determinação da matéria tributável por avaliação indireta através de rendimentos presumidos, o que em termos de ónus da prova, tem implicações importantes. De facto, as presunções legais têm a virtualidade de inverter o ónus da prova (artigo 344.º n.º1 do CC7), conforme a Requerente menciona no artigo 42.º da petição inicial. Em termos tributários, e uma vez que estamos perante a aplicação de métodos indiretos, o artigo 74.º n.º3 da LGT estatui que “Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso da respetiva quantificação”, o que no caso controvertido sujeito a pronúncia arbitral, competia à Requerente fazer prova do excesso de quantificação da matéria tributável determinada ao abrigo da alínea b) do n.º1 do artigo 90.º do CIRC. À AT competia fazer prova dos pressupostos de facto e direito do ato de liquidação oficiosa, o que o fez, não merecendo qualquer contestação por parte da Requerente, bem pelo contrário, cfr. artigo 16.º da petição inicial, por incumprimento das obrigações acessórias enquanto sujeito passivo do imposto, cfr. artigo 31.º da LGT e artigos 117.º n.º1 alínea b) e 120.º do CIRC. 

  1. Conforme é referido em Campos, Diogo Leite/ Rodrigues, Benjamim Silva / Sousa, Jorge Lopes, in Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4ª ed., 2012, pp. 663, ”De acordo com as regras de distribuição do ónus da prova, para pôr em causa a quantificação da matéria tributável a que a administração tributária chegou com recurso a métodos indirectos não basta ao sujeito passivo suscitar dúvidas quanto ao resultado obtido, antes se lhe impondo que demonstre a inadequação ou errada aplicação dos critérios de quantificação utilizados (cfr. art. 74.º n.º3 da LGT) (Acórdão do STA de 16-11-2011, processo n.º 247/11), pelo que à Requerente competia fazer prova que a quantificação da matéria tributável efetuada pela AT era excessiva.  

E fê-lo?  

  1. Conforme material probatório carreado para os autos, a Requerente instruiu a reclamação graciosa com 3 documentos: i) cópia da demonstração da liquidação oficiosa – doc. n.º 1 anexo à mesma; ii) comprovativo de entrega de declaração Modelo 22 de IRC – doc. n.º2 anexo à mesma; iii) comprovativo da entrega da declaração de IES – doc. n.º3 anexo à mesma. 

  1. Por despacho de 21 de agosto de 2012 do Sr. Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de , foi proferido despacho onde o pedido da reclamante (leia-se Requerente) é indeferido fundamentando-se o mesmo na inexistência de qualquer ilegalidade na liquidação de IRC efetuada pela AT e de a reclamante (leia-se Requerente) não ter apresentado qualquer elemento de prova dos montantes inscritos na Modelo 22 entregue após a data limite prevista na lei. 

  1. A Requerente foi notificada para exercer o direito de audição prévia, nos termos da alínea b) do n.º1 do artigo 60.º da LGT, tendo a mesma exercido esse direito, conforme consta do PA. Em sede de audição prévia para além de ter reiterado o que havia referido em sede de reclamação graciosa, isto é, a mera apresentação da declaração periódica de rendimentos era suficiente para a anulação automática da liquidação oficiosa uma vez que a declaração periódica de rendimentos Modelo 22 usufruía de veracidade e a tributação do rendimento real como corolário do princípio da capacidade contributiva assim o impunha, acrescentou que “em qualquer caso, independentemente da base tributável que se venha a considerar, sempre deverão ser devolvidos à Reclamante os montantes que esta suportou a titulo de retenção na fonte”, cfr. artigo 15.º da Resposta. Igualmente arguiu que na liquidação oficiosa se deveria ter considerado uma dedução correspondente às retenções na fonte que suportou e que, por tal não ter acontecido, tal liquidação seria ilegal, por desconforme com o n.º8 do artigo 90.º do CIRC, cfr. artigo 16.º da Resposta. 

  1. A reclamação graciosa foi totalmente indeferida por despacho de 10 de outubro de 2012, notificado à Requerente em 15 de outubro de 2012, conforme provado. 

  1. Ora daqui resulta que a Requerente não conseguiu provar o excesso de quantificação da matéria tributável resultante da adoção de rendimentos presumidos por força da aplicação de método indiretos para a determinação da matéria tributável prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC a partir dos elementos constantes da declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC nem através da IES. Tanto a declaração periódica de rendimentos de IRC como a IES devem conter informação que conste da contabilidade ou dos registos de escrituração, cfr. artigos 120.º n.º10 e 121.º n.º 5, ambos do IRC. 

  1. Por outro lado, só haverá lugar à presunção de veracidade das declarações apresentadas pelos sujeitos passivos, quando as mesmas forem apresentadas dentro do prazo legalmente estabelecido para tal, conforme referido acima. Ora no caso controvertido sujeito a pronúncia arbitral, a declaração periódica de rendimentos de IRC não podia beneficiar da presunção de veracidade pois a mesma foi apresentada fora de prazo (14 de maio de 2012), conforme provado. A declaração periódica de rendimentos de IRC (Modelo 22) deveria ter sido apresentada até 31 de maio de 2001, o que não se verificou. 

  1. Havendo presunções, elas podem ser ilididas através do uso de garantias impugnatórias administrativas e judiciais que os sujeitos passivos têm ao seu dispor. No caso sub judice, a Requerente teve ao seu dispor a oportunidade para ilidir essa presunção, isto é, que o rendimento presumido de €6.650 que deu origem a um valor a pagar de € 49,88 para efeitos de IRC, deveria ter sido anulado, mas não o conseguiu, pois, a presunção de veracidade da declaração de rendimentos de IRC não se verifica e nem apresentou qualquer elemento de prova dos montantes inscritos na Modelo 22 de IRC.  

  1. Adicionalmente e uma vez que a presunção de veracidade da declaração periódica de rendimentos não se verifica pela razão supra e nem pela apresentação de qualquer elemento de prova por parte da Requerente, a tributação do rendimento terá que ser feita nos termos das alíneas b) ou c) do n.º1 do artigo 90.º do CIRC sem que com isso se ponha em causa o respeito da tributação do rendimento real como corolário da capacidade contributiva, conforme acima referido.  

  1.  A Requerente não atacou os pressupostos de facto e direito da liquidação oficiosa efetuada ao abrigo da alínea b) do n.º1 do artigo 90.º do CIRC, bem pelo contrário, admitiu que a mesma foi válida e bem emitida, cfr. artigo 16.º da petição inicial.  

  1. A AT ao conseguir provar a não veracidade da declaração apresentada pela Requerente associada à falta de elementos de prova dos montantes inscritos na Modelo 22, atendendo às regras do ónus da prova constante do artigo 74.º n.º3 da LGT, demonstrou que a liquidação oficiosa não enferma de qualquer ilegalidade porque atuou no exercício duma competência vinculada, não praticando qualquer ilegalidade nem violando a CRP ao indeferir a reclamação graciosa. 

  1. Quanto à liquidação oficiosa efetuada ao abrigo da alínea b) do n.º1 do artigo 90.º do CIRC, pelas razões supra, a mesma não enferma de qualquer ilegalidade nem inconstitucionalidade, pois a AT atuou no exercício duma competência vinculada no estrito respeito da Lei e da CRP, conforme prevê o artigo 266.º n.º2 da CRP. 

 

B - Correção da liquidação oficiosa em termos de ficar a corresponder à auto-liquidação efetuada na declaração Modelo 22 de IRC, apresentada em 14 de maio de 2012, em que foi apurado o prejuízo fiscal do montante de €131.801,60 

 

Com vista a se saber se a liquidação oficiosa deve ser corrigida em termos de a mesma ficar a corresponder à declaração Modelo 22, apresentada em 14 de maio de 2012, em que foi apurado um prejuízo fiscal de € 131.801,60, torna-se necessário saber se esse prejuízo fiscal existiu ou não. 

  1. A Requerente em sede de pronúncia arbitral anexou à sua petição inicial os doc.3,5 e 6 correspondendo, respetivamente, à declaração periódica de rendimentos de IRC, relatório do conselho de administração do exercício de 2010 onde se incluem o relatório de gestão, as demonstrações financeiras compostas pelo balanço e demonstração de resultados assinadas pela administração e técnico oficial de contas e respetiva certificação de contas, e, ainda, a IES. Posteriormente na reunião de 2 de maio de 2013 efetuada no CAAD ao abrigo do artigo 18.º do RJAT, requereu a este Tribunal Arbitral, a junção aos autos de cópia da ata n.º 51 de 7 de maio de 2013 onde estavam presentes os acionistas que representavam a totalidade do capital social e onde constava no seu ponto 1 a discussão e aprovação do relatório de gestão, o balanço e as contas da Requerente relativas ao exercício de 2010, tendo os referidos documentos sido aprovados por unanimidade. 

  1. Da consulta dos diversos documentos atrás referidos constata-se que a IES, criada pelo decreto-lei n.º 8/2007 de 17 de janeiro e que no seu preâmbulo se afirma(..) cria-se a Informação Empresarial Simplificada (IES), que agrega num único acto o cumprimento de quatro obrigações legais pelas empresas que se encontravam dispersas e nos termos das quais era necessário prestar informação materialmente idêntica a diferentes organismos da Administração Pública por quatro vias diferentes. Com o regime agora aprovado, todas estas obrigações—a entrega da declaração anual de informação contabilística e fiscal (sublinhado nosso), o registo da prestação de contas, a prestação de informação de natureza estatística ao Instituto Nacional de Estatística (INE) e a prestação de informação relativa a dados contabilísticos anuais para fins estatísticos ao Banco de Portugal—passam a cumprir-se integralmente com o envio electrónico da informação contabilística sobre as empresas, realizado uma única vez.”, a mesma contempla entre outras obrigações, a referente à entrega da declaração anual de informação contabilística e fiscal, prevista na alínea c) do n.º1 do artigo 117.º e artigo 121.º , ambos, do CIRC, a qual é cumprida através da IES. 

  1. Os elementos constantes da declaração anual de informação contabilística e fiscal incluídos na IES devem concordar com os obtidos na contabilidade ou registos de escrituração, cfr. artigo 121.º n.º5 do CIRC. Mesma disposição legal se encontra prevista relativamente aos elementos constantes das declarações periódicas, cfr. artigo 120.º n.º 10 do CIRC. Assim, uma primeira conclusão que se pode tirar é que a IES não é a contabilidade nem os registos de escrituração da Requerente e por outro lado em termos de obrigações acessórias (declarativas), quer a IES quer as declarações periódicas, deverão ter como suporte a contabilidade e os registos de escrituração, o que se comprova por exemplo a nível da IES em que a informação quantitativa e qualitativa de ordem contabilística, deverá ser obtida a partir da contabilidade. 

  1.  Como acima se referiu, a Requerente apresentou como doc. n.º5 anexo à petição inicial, o balanço e a demonstração de resultados relativos ao exercício de 2010, tendo apurado um resultado liquido do exercício (resultado contabilístico)  negativo de € 1.391.305,80 certificado por um revisor oficial de contas e posteriormente aprovado em assembleia geral de acionistas realizada em 7 de maio de 2012, como consta da cópia da ata n.º 51 acima referida. A deliberação da assembleia geral realizada em 7 de maio de 2012, visa, nomeadamente, entre outros, aprovar o relatório de gestão, o balanço e as contas da sociedade relativas ao exercício de 2010, como consta do ponto um da ordem de trabalhos. Desta deliberação não há nenhum elemento de prova quanto a correções ao resultado contabilístico que teriam dado origem ao apuramento do prejuízo fiscal de € 131.801,60. 

  1. Em Portugal vigora o modelo da dependência parcial da fiscalidade face à contabilidade e por isso o n.º1 do artigo 17.º do CIRC estabelece que o resultado tributável (leia-se lucro tributável/prejuízo fiscal) “é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinado com base na contabilidade e, eventualmente corrigidos nos termos deste Código”. Em termos de declaração periódica de rendimentos de IRC (Modelo 22), a 1ª linha do quadro 07 (onde se apura o lucro tributável/prejuízo fiscal) corresponde ao resultado líquido do exercício que depois será corrigido através de ajustamentos positivos ou negativos de acordo com as disposições do CIRC, apurando-se assim um lucro tributável ou prejuízo fiscal tendo a Requerente apurado na declaração periódica de rendimentos para efeitos de IRC, um prejuízo fiscal de € 131.801,60 constante no quadro 07 campo 777, cfr. Informação n.º 1019/12 cujo teor se encontra inteiramente reproduzido no PA que instrui os autos. 

  1. Das obrigações declarativas acima mencionadas, declaração periódica de rendimentos Modelo 22 e declaração IES, a Requerente instruiu a reclamação graciosa para contestar o excesso de quantificação de matéria tributável com o comprovativo de entrega de declaração Modelo 22 de IRC e o comprovativo da entrega da declaração IES com vista a que a AT anulasse a liquidação oficiosa ao abrigo do disposto no n.º10 do artigo 90.º e 103.º, ambos do IRC. Por despacho de 21 de agosto de 2012 do Sr. Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de , foi proferido despacho onde o pedido da reclamante (leia-se Requerente) foi indeferido, fundamentando-se o mesmo, na inexistência de qualquer ilegalidade na liquidação de IRC efetuada pela AT e de a reclamante (Requerente) não ter apresentado qualquer elemento de prova dos montantes inscritos na modelo 22 entregue após a data limite prevista na lei (31 de maio de 2011). 

  1. A Requerente foi notificada do projeto de decisão e respetiva fundamentação ao abrigo do disposto no n.º5 do artigo 60.º da LGT e para exercer o direito de audição prévia, nos termos da alínea b) do n.º1 do artigo 60.º da LGT, tendo a mesma exercido esse direito, conforme consta do PA. Em sede de audição prévia para além de ter reiterado o que havia referido em sede de reclamação graciosa, acrescentou que “em qualquer caso, independentemente da base tributável que se venha a considerar, sempre deverão ser devolvidos à Reclamante os montantes que esta suportou a titulo de retenção na fonte”, cfr. artigo 15.º da Resposta. Igualmente arguiu que na liquidação oficiosa se deveria ter considerado uma dedução correspondente às retenções na fonte que suportou no montante de € 72.231,41 e que, por tal não ter acontecido, tal liquidação seria ilegal, por desconforme com o n.º8 do artigo 90.º do CIRC, cfr. artigo 16.º da Resposta. Em sede arbitral, voltou a reafirmar a essência do seu pensamento que já tinha manifestado a nível do procedimento administrativo, isto é, a presunção de veracidade das declarações (periódica de rendimentos e IES) e que a AT teve conhecimento da sua contabilidade através da IES. 

  1. Devido às regras do ónus da prova, em particular, ao estatuído no artigo 74.º n.º3 da LGT, a Requerente deveria ter provado que havia um excesso de quantificação da matéria tributável a nível da liquidação oficiosa, pois a matéria tributável real não deveria ser de € 6.650 mas sim zero tendo-se apurado um prejuízo fiscal de € 131.801,60. Na verdade e após solicitação por parte da AT através da notificação para o exercício do direito de audição prévia para apresentar elementos de prova a partir da sua contabilidade ou dos registos de escrituração de como é que de um resultado líquido do exercício negativo de € 1.391.305,80 se apura um prejuízo fiscal de € 131.801,60, a Requerente não o conseguiu provar, de acordo com a matéria de facto fixada por este Tribunal Arbitral. Fundamentou o apuramento do prejuízo fiscal através da presunção de veracidade das declarações apresentadas – declaração periódica de rendimentos Modelo 22 e da IES arguindo que a IES corresponde à sua contabilidade, o que como acima se demonstrou não corresponde à realidade.  

  1. Adicionalmente, refira-se que caso a AT tenha conhecimento dentro do decurso do prazo de caducidade, neste caso até 31 de dezembro de 2014, por força do estatuído no artigo 45.º n.º4 da LGT, de novos elementos que lhe permitam apurar o rendimento real, por força do estatuído no artigo 45.º n.º4 da LGT, compete-lhe, de acordo com o princípio do inquisitório (ou principio da investigação) estatuído no artigo 58.º da LGT, efetuar as diligências necessárias com vista à satisfação do interesse público e descoberta da verdade material. Mas este dever imposto à AT de averiguar a verdade material, o que aconteceu através da notificação para o exercício do direito de audição prévia, não dispensa os interessados particulares (leia-se Requerente) da obrigação de colaborarem na produção de provas, ao abrigo do princípio da colaboração previsto no artigo 59.º da LGT. Ora na presente lide, a Requerente teve ao seu dispor oportunidade para provar a partir da contabilidade ou dos seus registos de escrituração, como é que de um resultado contabilístico negativo de € 1.391.305,80 se apura um prejuízo fiscal de € 131.801,60, e não o conseguiu. As observações constantes nos pontos 31 a 35 das alegações finais relativas ao principio da colaboração previsto no artigo 48.º n.º 1 do CPPT e do artigo 59.º da LGT não colhem, pois a AT aquando da notificação do exercício do direito de audição por parte da Requerente relativamente ao indeferimento constante no projeto de decisão da reclamação, fundamentou a sua decisão com a inexistência de qualquer elemento de prova dos montantes inscritos na Modelo 22 que deram origem ao apuramento do prejuízo fiscal de € 131.801,60. Aliás, no ponto 36 das alegações finais, a Requerente admite que a prova da existência do prejuízo fiscal de € 131.801,60 não tenha sido suficiente a partir dos elementos contabilísticos que instruíram os autos. 

Em face do acima exposto e uma vez que a Requerente não conseguiu provar que o prejuízo fiscal relativo ao exercício de 2010 foi de € 131.801,60, não havendo por isso excesso de quantificação da matéria tributável determinada ao abrigo da alínea b) do n.º1 do artigo 90.º do CIRC, é convicção deste Tribunal Arbitral que a AT agiu dentro da legalidade ao não corrigir a referida liquidação oficiosa.  

 

C- Devolução à Requerente as retenções na fonte, de IRC, efetuadas no exercício de 2010, do montante total de €72.232,41, apuradas na sua declaração Modelo 22, apresentada em 14 de maio de 2012 e a cuja dedução a administração tributária não procedeu na liquidação oficiosa realizada 

 

A Requerente no exercício do direito de audição nos seus artigos 26.º a 31.º e no artigo 67.º da petição inicial argui basicamente que se o Tribunal Arbitral entender que “a declaração modelo 22 apresentada pela Requerente não pode ser aceite, não devendo ser reconhecidos os prejuízos fiscais da Requerente de € 131.801,60”, então, nesse caso, a liquidação oficiosa deveria ser anulada e a Administração condenada a proceder ao reembolso do montante respeitante às retenções na fonte (€ 72.232,41 ou € 72.182,52 correspondentes ao valor retido na fonte deduzido do montante da liquidação oficiosa)”, fundamentando para a referida anulação da liquidação oficiosa que “a apropriação de tal montante estar em expressa violação do disposto no art.º 90.º, n.º 8 do Código do IRC, consubstanciar um enriquecimento sem causa por parte do Estado como resulta do art.º 473º do CC, e integrar o tipo de crime de abuso de confiança previsto e punido nos termos do art.º 205º do Código Penal.”  

 

Mas, será assim? 

  1. Decorre da alínea a) do n.º1 do artigo 90.º do CIRC que a competência para a liquidação de IRC é do sujeito passivo (regra geral) através da autoliquidação na declaração periódica de rendimentos a apresentar dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito. Se a mesma não for apresentada dentro do prazo legal, a competência da liquidação é devolvida à AT, cabendo a esta proceder à liquidação por método indiretos ao abrigo das alíneas b) e c) do n.º1 do artigo 90.º do CIRC. 

  1. Havendo devolução da competência de liquidação de imposto à AT, o que é que acontece quanto às deduções à coleta? Impõe-se cumprir o estabelecido no n.º8 do artigo 90.º do CIRC, devendo a AT proceder às deduções que tenha conhecimento e que possam legalmente ser deduzidas. Repare-se que são duas condições cumulativas, isto é, ter conhecimento e ser legalmente possível. 

Vejamos, 

  1. Relativamente a ter conhecimento, a AT, tinha-o como ficou provado e consta do PA8, levantando-se a questão de saber quando as retenções previstas na alínea d) do n.º2 do artigo 90.º do CIRC devem ser legalmente efetuadas. Por força do estatuído no n.º2 do artigo 68.º do CIRC, sempre que tenham havido retenções na fonte efetuadas por terceiros que deem origem a deduções à coleta ao abrigo da alínea d) do n.º2 do artigo 90.º do CIRC, os rendimentos que deram origem a essas retenções deverão ser considerados pelo seu montante ilíquido aquando da determinação da matéria tributável. Assim, pode concluir-se que as deduções à coleta efetuadas pressupõem que os rendimentos ilíquidos que lhes deram origem estão no cômputo da matéria tributável sobre a qual se vai calcular a coleta e relativamente à qual se vão efetuar as deduções à mesma e somente estas.  

  1. Uma vez que a AT tinha a competência para a liquidação do imposto e a matéria tributável resultou da aplicação de um rendimento presumido ao abrigo da alínea b) do n.º1 do artigo 90.º do CIRC no montante de € 6.650 relativamente ao qual não correspondiam as retenções na fonte no montante de € 72.232,41, a AT não poderia restituir as ditas retenções na fonte. Como é que uma matéria tributável, mesmo presumida, de € 6.650 poderia dar origem a retenções na fonte no montante de € 72.232,41? Tratar-se-ia de uma incongruência e irracionalidade gritantes!  

  1.  Caso a AT procedesse à restituição das retenções na fonte, aí sim, estava a violar a lei, mais concretamente, o artigo 68.º n.º2 do CIRC. 

Assim, a AT não cometeu qualquer ilegalidade ao não restituir as retenções na fonte no montante reclamado de € 72.232,41.   

 

DECISÃO: 

 

Termos em que acordam, neste Tribunal Arbitral Coletivo, julgar improcedente o pedido formulado pela Requerente no presente processo arbitral tributário quanto: 

1) à anulação da liquidação oficiosa n.º 2011efetuada pela AT,  

2) à  validade da autoliquidação resultante da declaração Modelo 22 de IRC, apresentada em 14 de maio de 2012  relativa ao exercício de 2010, incluindo ao prejuízos fiscais no montante de € 131.801,60; e 

3) à condenação da AT pelo não reembolso das retenções na fonte  apuradas na referida declaração Modelo 22, no valor de € 72.232,41.  

E, em consequência condenar a Requerente no pagamento das custas. 

 

Fixa-se o valor do processo em € 204.083,89 (duzentos e quatro mil oitenta e três euros e oitenta nove cêntimos), nos termos artigo 97º-A, nº 1, a), do CPPT, aplicável por força do das alíneas a) e b) do nº1 do artigo 29.º do RJAT e do nº2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária. 

 

Custas a cargo da Requerente, fixando-se o respetivo montante em € 4.284,00 (quatro mil duzentos e oitenta e quatro euros), de acordo com o artigo 12º,nº 2 do RJAT, do artigo 4.ºdo RCPAT e da Tabela I anexa a este último.  

 

Notifique-se. 

Lisboa, 5 de julho de 2013 

 

 

Benjamim Silva Rodrigues 

 

António Carlos dos Santos 

 

Júlio César Nunes Tormenta