Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 30/2013-T
Data da decisão: 2013-10-29  Selo  
Valor do pedido: € 25.341,69
Tema: Sorteios e concursos, Verba 11.2 da TGIS
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Decisão Arbitral

Processo n.º 30/2013-T

 

Autor/Requerente: A... SOCIEDADE DE GESTÃO DE INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A.,

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

Tema: Imposto de Selo. Sorteios e concursos. Verba 11.2 da TGIS.

 

I – RELATÓRIO

 

A) Tramitação processual

 

1. Em 4 de Março de 2013, a sociedade “A... SOCIEDADE DE GESTÃO DE INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A., pessoa colectiva número …, com domicílio fiscal na Rua …, … (a seguir designada por “Requerente”), ao abrigo da alínea a) do número 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributaria, doravante designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira (doravante designada por “AT” ou “Requerida”), apresentou pedido de pronúncia arbitral com vista à apreciação da legalidade1 da liquidação adicional n.º 2012 … de Imposto de Selo, relativo ao exercício de 2011, no montante de €25.341,69.

2. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro.

3. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicado às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designada como árbitro singular, a signatária Maria Manuela do Nascimento Roseiro, que aceitou a designação no prazo legalmente estipulado.

4. O tribunal arbitral singular ficou constituído em 7 de Maio de 2013, em conformidade com a alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2011, de 31 de Dezembro.

5. Em 5 de Julho de 2013 realizou-se a reunião do tribunal arbitral nos termos e com os objectivos previstos no artigo 18.º do RJAT. O Tribunal solicitou vários esclarecimentos ao mandatário da Requerente sobre o facto tributário que deu origem à liquidação de Imposto de Selo, referindo que não se encontravam nos autos documentos que pareceriam relevantes como o anúncio do concurso e/ou respectivo Regulamento ou quaisquer documentos referentes ao valor dos bens objecto de concurso.

A Requerente ficou de juntar a documentação em causa em 10 dias, seguindo-se igual prazo para pronúncia da AT, após o que decorreria o prazo para alegações escritas (cf. acta da 1ª reunião junta aos autos).

Nos termos do artigo 18.º, n.º 2, do RJAT foi indicado que a decisão seria proferida até ao dia 30-10-2013.

Em 17 de Julho de 2013, a Requerente juntou aos autos documentação referente ao “Regulamento de Concursos de Natal dos …” e facturas referentes aos veículos objecto de sorteio.

Requerente e Requerida apresentaram alegações escritas, sucessivas, nos termos de despacho arbitral entretanto emitido.

 

B)Posições das Partes

6. O Pedido

No pedido de pronúncia arbitral a Requerente invocou, em síntese, que :

a) Na sequência de um sorteio de prémios 2 realizado, em … de Janeiro de 2011 3, no âmbito de um concurso publicitário e promocional autorizado pelo Governo Civil de Lisboa, a Requerente procedeu ao pagamento da quantia de € 66.453,31: € 61.089,58 num primeiro momento, e o remanescente (€ 5.363,73) - que, por lapso, havia ficado por pagar - após notificação do Governo Civil (através do ofício n.º …, de 20.05.2011).

b) A referida quantia de € 66.453,31 foi apurada pela Requerente mediante a aplicação da taxa de 35%, mencionada na verba 11.2.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo, ao valor ilíquido dos prémios atribuídos, acrescido, conforme dispõe a verba 11.2 da aludida Tabela Geral, de 10%.

c) E como a Autoridade Tributária reconhece que neste caso o valor líquido dos prémios é de €112.193,90, o respectivo valor ilíquido seria de € 172.606,00 (porque o montante líquido representava 65% da quantia ilíquida, expurgada esta da parcela correspondente a imposto do selo à taxa de 35%). Esse valor ilíquido acrescido de 10% (€ 172.606,00 * 10%)] constitui a base tributável de € 189.866,60, sobre que Requerente fez recair a taxa de 35%, tendo chegado ao valor final, devido a título de imposto, de € 66.453,31 [= € 189.866,60 * 35%].

d) A importância de € 91.795,00, calculada no Relatório de Inspecção Tributária, a título de imposto do selo, superior em mais € 25.341,69, “não se encontra conforme o real valor devido pela aplicação da taxa em vigor”.

e) A interpretação da AT - aplicação de uma taxa de 45% (i.e., de 35% acrescido de 10%) sobre o valor ilíquido – é incorrecta, divergindo da interpretação da requerente que aplica uma taxa de 35% sobre o valor ilíquido, acrescido este de 10%.

f) A verba 11.2 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo, que define as taxas de tributação de IS sobre “prémios do bingo, de rifas e do jogo do loto, bem como de quaisquer sorteios ou concursos, com excepção dos prémios dos jogos sociais”, prevê a aplicação sobre o valor ilíquido, de taxas de 25% a prémios do jogo do bingo e 35% aos restantes, e contém a expressão “acrescendo 10 % quando atribuídos em espécie”, mas o sentido daquela expressão é de que se os prémios forem atribuídos em espécie, ao respectivo valor ilíquido deve acrescer 10%, valor este que será a base tributável sobre que incidirá a taxa de 35%.

g) A interpretação da AT que acrescenta 10% à taxa do imposto aplicável contraria todos os elementos de interpretação :

g)1) O elemento literal, porque, quanto à expressão legal “sobre o valor ilíquido, acrescendo 10 % quando atribuídos em espécie”, a resposta à pergunta “a que acrescem os 10%?” tem como resposta mais imediata a seguinte: “ao valor ilíquido”, já que o “acrescento” há-de dizer respeito ao segmento identificado imediatamente antes;

g)2) O elemento sistemático de interpretação, porque se verifica que, na determinação das taxas de imposto do selo, o legislador, depois de identificar os actos ou factos jurídicos (sujeitos a imposto do selo) em causa – por exemplo, os prémios de jogos, a aquisição de bens, a exploração, pesquisa e prospecção de recursos geológicos integrados no domínio público do Estado (...) – define a respectiva base tributável, separada da determinação daqueles actos ou factos jurídicos geradores de tributação por um travessão. Identifica-se em várias verbas da Tabela Geral do Selo que o legislador define o facto gerador e a base tributável (por exemplo, nas verbas 1.1; 4; 10.1; 17.1; 17.2, a seguir a o valor” dos imóveis, “cada um” dos cheques, “cada mês ou fracção” das garantias, “o valor, em função do prazo”) , do crédito utilizado, e depois é que fixa a taxa aplicável. Esta metodologia é utilizada em todas as verbas da Tabela Geral, sem excepção e consiste na determinação do facto gerador, logo seguida da base tributável (separada do facto gerador por um travessão), e, a seguir, a taxa, precedida do sinal de pontuação “:”. Se é assim na totalidade das verbas da TG, também o é na verba 11.2, em que a expressão “acrescendo 10 % quando atribuídos em espécie”, consta do segmento da norma que – ao longo de toda a Tabela Geral – foi reservada à determinação da base tributável. Porque se o legislador tivesse pretendido acrescer os referidos 10% à taxa, teria feito referência a tal acrescento depois de determinada a base tributável, dizendo por exemplo, “sobre o valor ilíquido: 35%, acrescendo dez pontos percentuais quando os prémios forem em espécie”. A solução mais lógica que a norma comporta é a de que se o legislador pretendesse tributar a 45%, teria decerto estatuído que à taxa de 35% acresciam dez pontos percentuais; não tendo feito assim, a interpretação adequada é a de que os 10% não dizem respeito à taxa mas sim à determinação da base tributável;

g) 3) Quanto ao elemento teleológico, a intenção do legislador não há-de ter sido a de tributar com uma taxa muito mais gravosa, com acréscimo de 10%, os prémios atribuídos em espécie, sob pena de tal agravamento determinar que todos os concursos passassem a atribuir prémios em dinheiro. A razão da norma será ter em conta a subjectividade quanto à determinação do valor real dos prémios em espécie. O legislador, conhecendo a prática do sujeito passivo fixar o valor do prémio atribuindo-lhe um valor inferior ao verdadeiro por saber que sobre esse valor incidirá o imposto, procurou precaver-se dos reflexos na diminuição da tributação, obviar ao ímpeto “reducionista”, determinando um acréscimo de 10% ao valor ilíquido do prémio atribuído em espécie.

A tese da Autoridade Tributária de que a base tributável sobre a qual deve recair a taxa de imposto corresponderia não ao valor ilíquido dos prémios, acrescido de 10%, mas apenas àquele valor ilíquido, faria calcular este não com base num referencial de 65% (i.e., 100% do valor, expurgado de 35% de tributação), mas de 55% (100% do valor, retirando-lhe 45% de tributação).

No caso concreto a base tributável passaria de € 189.866,60 para € 203.988,9 e sobre ele aplicaria 45%, ou seja um montante de imposto de € 91.795,01, correspondente a um acréscimo de 38% sobre o valor pago pela Requerente (€ 66.453,31), um agravamento de praticamente 40%, só pelo simples facto de a sua atribuição ter sido em espécie. Isso seria um desincentivo a este tipo de prémios e convite à sua substituição por prémios apenas em dinheiro, o que não resulta de outros elementos de interpretação.

g) 4) Quanto ao elemento histórico de interpretação, tendo em conta os precedentes normativos da lei interpretanda, ou seja, a tributação anterior sobre prémios, no âmbito do IRS (art. 71º, nº 2 CIRS 4), verifica-se que a taxa com tradição histórica era de 35% e não de 45%.

h) Não havendo nenhuma justificação para concluir que, quando optou por passar a tributar estes rendimentos em sede de Imposto do Selo, o legislador terá decidido também incrementar a respectiva taxa apenas no caso de os prémios serem atribuídos em espécie, então a intenção foi a de acrescentar 10% ao valor ilíquido do prémio que será sujeito a tributação e aplicar a essa base tributável a taxa de 35%, única “conclusão consentânea com a letra da lei, o seu espírito, a sua ordenação sistemática e a sua génese histórica”.

 

7. Resposta

A Requerida, respondeu, em síntese :

  1. A interpretação da Requerente desconsidera o modo como a verba 11.2.2 se insere na verba 11 que define quais os factos sujeitos a imposto de selo, a base tributável e a taxa a aplicar 5;

  2. Analisando as várias verbas – respectiva incidência, base tributável e taxa aplicável – conclui-se que a tese preconizada pela Requerente não tem qualquer aderência ao texto da lei, quer na letra da verba em análise quer face à necessária articulação com o disposto no art. 22º 6 do Código do Imposto do Selo (que prevê, para as situações da verba 11.2 da Tabela Geral, a possibilidade de acumulação de taxas de imposto relativamente ao mesmo acto);

  3. Face à interpretação da Requerente de, no caso de prémio atribuído em espécie, se aplicar primeiro a percentagem de 10% ao valor ilíquido do prémio, impedindo a acumulação de taxas, o disposto no nº 4 do art. 22º do CIS mostrar-se-ia completamente inútil;

  4. E há que ter em conta que:

  5. A aplicação de uma taxa de 35% sobre o valor ilíquido, acrescido de 10%” levaria a que o imposto do selo incidisse sobre um valor que na sua composição já tinha uma parcela relativa ao mesmo imposto, significando uma duplicação de imposto de selo e não uma acumulação de taxas;

  6. A incidência objectiva determinada nos termos do art. 1º do Código de Imposto do Imposto de Selo faz incidir o imposto de selo sobre “Os prémios do bingo, de rifas e de jogo do loto, bem como quaisquer sorteios ou concursos, o valor tributável destes é determinado nos termos da verba 11.2., “ sobre o valor ilíquido” ;

  7. A referência feita pelo legislador a um “valor ilíquido”, prender-se-á sobretudo com o facto de na composição do valor do prémio em espécie poderem existir componentes relativas a impostos, taxas e outras despesas a ele associadas, como por exemplo, no caso de sorteio de um automóvel o seu preço incluir o IVA e o ISV;

  8. A preocupação do legislador foi afirmar expressamente que o Imposto do Selo incidirá sobre o preço do bem, preço este que na sua composição tem uma parte relativa aos impostos suportados pelo promotor;

  9. Utilizando os vários elementos da interpretação antes se conclui, do elemento lógico, que a taxa de imposto de selo a aplicar sobre os valores ilíquidos dos prémios em espécie só pode efectivamente ser a que resulta, no caso sub judice, da acumulação da taxa de 10% com a taxa de 35%;

  10. A tese da Requerente no sentido de que o «“acrescento” serve para corrigir eventuais (ou tipicamente expectáveis) desvios na fixação da base tributável, decorrentes da intrínseca subjectividade que pressupõem os prémios em espécie» significa fazer incidir o imposto sobre algo que não tem correspondência com a realidade – solução essa nunca adoptada no Código que antes opta por fixar critérios legais de equivalência (art. 11º CIS) e não (nem nesse caso nem em quaisquer outras verbas) um qualquer factor corrector;

  11. A invocada “tradição histórica” não colhe pois só recentemente o legislador separou os prémios em dinheiro dos prémios em espécie;

  12. O agravamento da taxa a aplicar nos prémios atribuídos em espécie apenas se deverá a uma maior certeza e simplicidade na atribuição dos prémios em dinheiro.

e) A liquidação adicional em causa consubstancia uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos.

 

8. Nas alegações escritas, Requerente e Requerida confirmaram as respectivas posições, sendo, contudo, de realçar :

A Requerente corrigiu a factualidade inicialmente indicada : o concurso não abrangeu cinco veículos (…) mas “sete veículos … (tal como consta das facturas e cópia do Regulamento juntas aos autos 7)”.

Mantém a sua interpretação da verba 11.2.2. e, discordando da interpretação da AT sobre o art. 22º do CIS, insiste que é vedada a aplicação de duas taxas e que o acréscimo de 10% deverá ser sobre o valor ilíquido dos prémios calculado a partir do valor líquido e pressupondo a aplicação posterior de uma taxa de 35%.

Rejeita a aplicação da lei efectuada pela AT que se cifra na aplicação de uma taxa de 45% sobre bens em espécie, reafirmando que o legislador, ao passar estas situações de enquadramento em IRS para Imposto de Selo, não terá querido agravar a taxa sobre prémios em espécie em dez pontos percentuais mas apenas aumentar a base tributável em 10%.

Nas alegações terminou pedindo anulação da liquidação e condenação da AT em juros indemnizatórios que venham a ser devidos.

 

A Requerida observou que as dúvidas surgidas em Tribunal, no que respeita a saber qual o valor da base tributável, reforçavam a tese de que os prémios em espécie pressupõem uma maior dificuldade na determinação do seu real valor.

Reafirma que a agravação da taxa a aplicar, quando os prémios são atribuídos em espécie, é objectivamente sustentada por razões de certeza e simplicidade que norteiam o sistema jurídico – fiscal e defende a correcção da liquidação adicional cuja apreciação de legalidade é pedida nos autos.

 

 

C) Questão a decidir

9. O objecto do litígio

Não existe entre Requerente e Requerida, nos presentes autos, um diferendo propriamente sobre a matéria de facto. A Administração Tributária aceita o valor indicado pela Requerente como sendo o valor líquido dos bens sorteados que deve servir de base à liquidação do Imposto de Selo.

 

Assim, na apreciação do caso, o tribunal deve conhecer apenas das questões colocadas pelas partes (salvo as de conhecimento oficioso) 8 pelo que a decisão a proferir nos autos terá como objecto a interpretação do disposto no Código de Imposto de Selo e Tabela Geral de Imposto de Selo no que se refere à tributação dos concursos e sorteios.

A divergência entre Requerente e Requerida é sobre a interpretação da verba 11.2 da TGIS, que faz incidir o imposto sobre “Os prémios do bingo, de rifas e do jogo do loto, bem como de quaisquer sorteios ou concursos, com excepção dos prémios dos jogos sociais previstos na verba n.º 11.3 da presente Tabela”, no segmento em que diz “sobre o valor ilíquido, acrescendo 10 % quando atribuídos em espécie”, sendo que os nºs 11.2.1 e 11.2.2 prevêem as taxas de 25 % para o bingo e de 35 % para os restantes prémios, respectivamente.

Ou seja, nos sorteios, como no caso dos autos, a questão decidenda é, em síntese, a seguinte : aplica -se uma taxa de 35% (11.2.2) + 10% (acréscimo), o que equivale a uma taxa de 45%, sobre o valor ilíquido do prémio ou aplica-se uma taxa de 35% sobre o valor ilíquido do prémio acrescido de 10% ?.

 

D) Saneamento

10. O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., nº 2, e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, nº 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

Pelo que se passará à decisão de mérito.

 

***

 

II . FUNDAMENTAÇÂO

 

A) Matéria de Facto

Com base nos factos alegados pelas partes e não contestados, assim como nos documentos juntos aos autos, incluindo o processo administrativo, fixa-se a seguinte factualidade relevante:

 

11. Factos provados

11.1. A Requerente, cuja actividade de gestão imobiliária inclui tarefas de administração e exploração de …, promoveu entre 1 de Novembro de 2010 e 26 de Janeiro de 2011, em diversos … da cadeia …, um concurso publicitário e promocional denominado “Concurso Natal …”, aberto aos consumidores que fizessem, em estabelecimentos situados nos referidos …, compras acima de determinado montante.

11.2. Esse concurso destinava-se a atribuir, em sorteio a realizar em … de Janeiro de 2011, sete veículos … 1.4 Turbo… 120cv … (cf. ponto 8 do Regulamento Concurso de Natal dos …, documentação junta aos autos em 17.07.2013, cujo teor se dá como reproduzido).

11.3. O Regulamento do Concurso submetido a aprovação do Governo Civil, datado de 20 de Outubro de 2011, continha, designadamente, as indicações a seguir transcritas (correspondentes aos pontos 7, 9, 10, 11,15, 20 e 21, do referido regulamento e que este designa por condições ou cláusulas):

11.3.1. “As operações de apuramento dos concorrentes serão efectuadas no …, sito na …, pelas 18h30 do dia … de Janeiro de 2011, na presença do Governador Civil de Lisboa.“(ponto 7 do Regulamento);

11.3.2. “O valor líquido de cada um dos prémios acima referidos é de € 16.027,70 (dezasseis mil vinte e sete euros e setenta cêntimos), ao que acresce IVA à taxa legal em vigor de 21% (vinte e um por cento). O valor líquido dos 7 (sete) prémios é de € 112.193,90 (cento e doze mil cento e noventa e três euros e noventa cêntimos)” (ponto 9 do Regulamento);

11.3.3. “O valor do Imposto de Selo de cada um dos prémios acima referidos é de € 8.727,08 (oito mil setecentos e vinte e sete euros e oito cêntimos). O valor do imposto de selo dos 7 (sete) prémios é de 61.089,58 (sessenta e um mil oitenta e nove euros e cinquenta e oito cêntimos)” (ponto 10 do Regulamento);

11.3.4. “Os prémios referidos na 8ª Condição (...) deverão ser reclamados no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data da realização do sorteio, nos escritórios da Administração dos … acima citados” (ponto 11 do Regulamento);

11.3.5. “A requerente compromete-se a apresentar nesse Governo Civil no prazo de oito dias a contar do termo final a que alude a 11ª condição, original das declarações dos premiados, com as assinaturas dos próprios, reconhecidas presencialmente perante Notário comprovativas do recebimento do prémio” (ponto 15 do Regulamento);

11.3.6. “Os prémios a atribuir são entregues livres de qualquer ónus fiscal para o contemplado, ficando a cargo da promotora do concurso o pagamento dos impostos a que os prémios estejam sujeitos, designadamente o Imposto de Selo de 35% +10% nos termos dos pontos 11.2. e 11.2.2. da Tabela Geral do Imposto de Selo. Por conta do contemplado, correrão as despesas relacionadas com o registo da propriedade em seu nome e com Imposto Único de Circulação” (ponto 20 do Regulamento);

11.3.7. “No prazo referido na cláusula 15ª, a requerente compromete-se a comprovar perante o Governo Civil a entrega ao Estado da importância devida pela aplicação da taxa Imposto Selo de 35%+10%, sobre o valor do prémio” (ponto 23 do Regulamento).

11.4 A Requerente pagou inicialmente €61.089,58 de Imposto de Selo (guia nº …). (art. 15º do Requerimento inicial e nº 3 da Resposta da AT).

11.5. A Requerente foi notificada pelo Governo Civil, por ofício de 20.5.2011, de que estava em falta pagamento no montante de €30.705,42 (cf. art. 15º do RI, nº 5 da Resposta e informação nº /LIC/2011 do Governo Civil, PA).

11.6. Por carta registada em 6 de Setembro de 2011, a Requerente comunicou ao Governo Civil de Lisboa que havia efectuado pagamento adicional de € 5.363,73, perfazendo a quantia de € 66.453,31, e que esse montante global correspondia ao resultado da aplicação da taxa de 35%, mencionada na verba 11.2.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo, ao valor ilíquido dos prémios atribuídos, acrescido esse de 10%, de acordo com a previsão da verba 11.2 da mesma Tabela Geral (aritmeticamente isso corresponde a 38,5% do valor ilíquido dos prémios atribuídos) (art. 16º e segs do RI, ponto 6 da resposta e ofício nº de 16-09-2011, PA);

11.7. O Governo Civil de Lisboa, através do ofício /16-09-2011, e juntando a informação nº …/LIC/2011, submeteu a questão à DGCI, Direcção de Serviços do IRS, que endereçou o assunto para o serviço competente, a DSIMT (Direcção de Serviços do IMT, IMI, Imposto de Selo e Impostos Rodoviários e das Contribuições Especiais) (Processo administrativo, Parte I).

11.8. A DSMIT, por ofício datado de 9 de Dezembro de 2011, reencaminhou o assunto para a Divisão de Apoio e Planeamento da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto (DAPIT), reafirmando a posição da mesma Direcção de Serviços sobre a interpretação dos dispositivos legais em causa, explicitando a sua aplicação prática e esclarecendo que a mesma estava reflectida em duas Informações Vinculativas emitidas nos processos … (IVE 1492) e … (IVE 1233) (Processo administrativo, Parte I);

11.9. Ao abrigo das credenciais … e …, para os exercícios de 2010 e 2011, a Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto (Relatório da Inspecção Tributária, Processo Administrativo, Parte II, fls 32 e 33) analisou a situação jurídico-tributária da Requerente com vista a esclarecer a liquidação de Imposto de Selo no exercício de 2011 e concluiu existir imposto de selo em falta, no montante de €25.341,19, relativo ao período de 2011/01, segundo o seguinte cálculo:

 

    • Valor líquido dos prémios atribuídos

    • 112.193,90

    • Cálculo do valor ilíquido dos prémios atribuídos

    • (112 193,90/0,55)

    • 203.988,91

    • Cálculo do IS total 203 988,91*0,45

    • 91.795,00

    • Valor pago guia n.º …

    • 61.089,58

    • Valor pago guia n.º …

    • 5.363,73

    • Total Pago

    • 66.453,31

    • Imposto em falta (91 795,00 – 66 453,31)

    • 25.341,19

 

11.10. Na liquidação efectuada, a Administração Tributária considerou que a base tributável seria determinada a partir do valor de € 112.193,90, que aceitou como coincidente com o valor líquido dos bens a ter em conta para este efeito (Processo Administrativo “descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas”).

11.11. A Requerente foi notificada para audição prévia (ofício nº …, de 06/09/2012), mas não exerceu esse direito, pelo que o projecto de conclusões foi convolado em definitivo (despacho de 17/10/2012) e notificado à Requerente por ofício (nº … da DF do Porto) datado de 18/10/2012 (doc. nº 2, Requerente).

11.12. Na sequência daquela correcção foi emitida a liquidação de importo de selo nº …, no valor de € 25. 341, 69 (doc. nº 1, Requerente).

 

11.13. Factos não provados

 

Considera-se não provado que a primeira liquidação de € 61.089,58 seja mero lapso 9 de cálculo, e não contraditória com a interpretação defendida pela Requerente.

Não há outros factos não provados eventualmente relevantes para a decisão da causa.

 

11.14. Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto

 

A decisão da matéria de facto baseia-se nos documentos indicados relativamente a cada um dos factos.

 

B) O Direito aplicável

 

Fixada a factualidade relevante há que decidir sobre a aplicação do Direito. Vejamos qual o enquadramento jurídico da tributação do jogo, respectiva evolução normativa e prática de aplicação dos preceitos, com vista à melhor interpretação das normas em causa nos autos.

 

12. Da tributação dos prémios atribuídos em jogo

12.1. Natureza do ganho: da tributação em Imposto de Selo à tributação em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e regresso à tributação em Imposto de Selo

 

12.1.1.Do Regulamento de Imposto de Selo ao Código do IRS

 

Os ganhos provenientes do "jogo", eram até a entrada em vigor do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, tributados em sede do Imposto de Selo então vigente (Regulamento do Imposto de Selo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º12.700, de 20 de Novembro de 1926, e Tabela aprovada pelo Decreto n.º 10.039, de Agosto de 1924, diplomas que foram objecto de inúmeras alterações ao longo da respectiva existência) 10.

 

O artigo 134 da Tabela do Selo referia-se, aquando da entrada em vigor do CIRS, a “Prémios de lotarias, rifas e apostas mútuas” 11 e o art. 134-A da mesma Tabela, a “Prémios em concursos de televisão”12. O art. 134 da Tabela de Selo foi abolido pelo art. 3º do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30/11, que aprovou o Código do IRS, tendo a redacção inicial deste diploma passado a dispor, no artigo 12º, “São compreendidos na categoria I os ganhos pagos ou postos a disposição prove­nientes de quaisquer lotarias, rifas e apostas mutuas, e ainda as provenientes de jogos do Ioto e do bingo”.

 

Após a Lei n.º 101/89, de 29 de Dezembro, o art. 12º do CIRS passou a dizer : “São compreendidos na categoria I :a) Os prémios pagos ou postos a disposição provenien­tes de quaisquer lotarias, rifas e apostas mútuas e ainda os provenientes dos jogos do loto e do bingo; b) As importâncias ou prémios atribuídos em quaisquer sorteios ou concursos.”

 

Com esta nova redacção ficavam abrangidas pela categoria I todas as importâncias ou prémios atribuídos em quaisquer sorteios ou concursos 13, sendo o artigo 134-A da Tabela do Imposto de Selo, revogado pelo Decreto­-Lei n.º 205/90, de 25 de Junho.

 

A integração na categoria I dos «ganhos provenientes do jogo», entendidos como os pro­venientes de um acto ou de uma actividade de que possam objectivamente (independentemente da vontade do agente) resultar rendimentos atribuíveis ao factor «sorte», decorria do conceito de rendimento-acréscimo subjacente à reforma da tributação dos rendimentos. Dada a natureza deste rendimento, o montante total do prémio (ou o seu contra valor em escudos quando atribuído em espécie), não admitia quaisquer deduções e a tributação era feita à taxa liberatória de 25%, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 74.º do Código. 14

 

Na sequência das alterações da Reforma então efectuada, e no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 17º da Lei nº 30-G/2000, de 29/12, o Decreto-Lei 198/2001, de 3 de Julho, procedeu à revisão do CIRS, do CIRC e do EBF. Os ganhos com jogos foram então incluídos na categoria G, como incrementos patrimoniais (art. 9º do CIRS).

 

O nº 2 do art. no art. 9º do CIRS dispunha então: “2 - São também considerados incrementos patrimoniais os prémios de quaisquer lotarias, rifas e apostas mútuas, totoloto, jogos do loto e bingo, bem como as importâncias ou prémios atribuídos em quaisquer sorteios ou concursos, efectivamente pagos ou postos à disposição” .

 

Esta disposição, que foi ainda objecto de sucessivas pequenas alterações, dizia aquando revogada : “2 - São também considerados incrementos patrimoniais os prémios de quaisquer rifas, jogo do loto e bingo, bem como as importâncias ou prémios atribuídos em quaisquer sorteios ou concursos, efectivamente pagos ou postos à disposição, com excepção dos prémios provenientes dos jogos sociais organizados por Estados membros da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu desde que, neste caso, exista intercâmbio de informações.” (redacção dada pelo artigo 2º do Decreto-Lei n.º 175/2009, de 04/08, em vigor a partir de 01/09/2009). 15

 

O pagamento era feito por retenção na fonte através de taxa liberatória (art. 71.º, n.º 2, alíneas b) e f), do Código do IRS). 16

 

12.1.2. O regresso à tributação dos prémios de jogo em Imposto de Selo

A Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que aprovou o Orçamento de Estado para 2010, revogou o n.º 2 do artigo 9.º do CIRS, e os rendimentos resultantes de prémios do bingo, das rifas, do jogo do loto, e dos outros prémios de sorteios ou de concursos passaram a ser novamente tributados em sede de Imposto do Selo (art. 1º do CIS e verba nº 11.2 da Tabela Geral do Imposto de Selo).

 

O sujeito passivo do imposto é a entidade que atribui o prémio (alíneas o) e p) do artigo 2º do CIS) recaindo o encargo do imposto sobre o beneficiário (alínea t) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS). A obrigação tributária surge no momento da atribuição do prémio (alínea t) do artigo 5.º do CIS), o que constitui previsão idêntica à resultante, anteriormente, do CIRS.

 

Esta mudança para a tributação em Imposto de Selo, concretizada, inicialmente (Decreto-Lei nº 175/2009, de 04/08), apenas com a lotaria, para uniformização dos jogos sociais, e depois com a Lei n.º 3-B/2010, de 28/04, poderá ser justificada com as características do actual Imposto de Selo: “A reforma de 2000 marcou uma tendência para a alteração de uma das suas mais ancestrais características, que de imposto sobre os documentos se tende a afirmar cada vez mais como imposto sobre as operações que, independentemente da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza.” 17

 

12.2. Determinação do valor e liquidação de imposto

12.2.1. No âmbito do IRS

Incidindo a tributação – quer em sede de imposto de Selo quer de IRS - sobre o valor dos prémios, como é determinado o valor tributável, designadamente quando se trata de prémios em espécie?

 

Logo nos primeiros tempos de aplicação do CIRS, foi esclarecido pelos Serviços de Administração do Imposto sobre o Rendimento (SAIR), no Ofício-Circulado n.º 8/92, de 16 de Abril, que :

- nos prémios atribuídos em espécie o seu valor ilíquido nunca poderia ser inferior ao que resultaria da aplicação das regras de equivalência estabelecidas no artigo 23.º do Código do IRS;

- o valor ilíquido dos prémios atribuídos em espécie seria igual ao resultado da divisão do valor líquido por 0,75 18, excepto quando o valor resultante da aplicação das regras de equivalência já referidas fosse superior.

 

Esta orientação foi mantida e actualizada em despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais n.º 332/2002, divulgado pela DGCI através do Ofício Circulado nº 20067, de 9 de Abril de 200219. O nº 5 da referida circular era bem claro no sentido de que, quer no caso de atribuição de prémio em dinheiro quer em espécie, decorre das regras gerais de direito que os prémios a atribuir em sorteios ou concursos “devem ser publicamente anunciados pelo seu valor líquido. Assim, o valor ilíquido do prémio será igual ao quociente do valor líquido por (1 - taxa de retenção aplicável), excepto se o valor resultante da aplicação das regras de equivalência lhe for superior”.

 

A aplicação desta orientação administrativa terá sido, de um modo geral, acatada 20. Tenha-se em conta, designadamente, a fundamentação contida no Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do STA, proferido no proc. nº 0498/06, em 3 de Julho de 2007, que, aceitando a interpretação da Administração Fiscal 21 decidiu (síntese e sublinhados nossos):

  • Estando em causa rendimentos sujeitos a tributação pela CIRS (antes como categoria I depois como G) o n.º 2 do seu artigo 1.º sujeita tanto os rendimentos em dinheiro como os rendimentos em espécie, cujo valor é possível conhecer;

  • Segundo o então disposto no n.º 1 e alínea b) do n.º 2 do artigo 74.º do CIRS e alínea a) do n.º 2 do artigo 94.º do CIRS, a tributação desses rendimentos ocorre por retenção na fonte a título definitivo com carácter liberatório, pela entidade devedora desses rendimentos;

  • As orientações dadas pela Administração Fiscal para a tributação destes rendimentos não se traduzem apenas em retenção na fonte porque, para além de exigir que a entidade devedora não se limite a proceder a uma afectação de uma parte dos rendimentos atribuídos ao contribuinte, impõe que a empresa organizadora do concurso proceda, aquando do pagamento de prémios em espécie, a um aumento ficcionado ao respectivo custo de aquisição dos mesmos, aumento esse que corresponderá ao valor do imposto.

  • Mas não é, por isso, que se pode deixar de falar em retenção na fonte uma vez que o que se exige apenas à entidade organizadora dos concursos é que entregue nos cofres do Estado o imposto correspondente ao prémio atribuído, calculado pela aplicação da taxa devida sobre o seu valor;

  • Só que, como o prémio pago não pode deixar de corresponder ao valor líquido de IRS, porque é isso que de facto é entregue ao beneficiário, torna-se necessário apurar o rendimento ilíquido sujeito a imposto e foi isso que a AF pretendeu fazer através do ofício circulado citado, o qual se limita a esclarecer na prática o que já resulta da lei, sem qualquer carácter inovatório, pelo que não há aqui violação do princípio da legalidade tributária.

 

12.2.2. No âmbito do Imposto de Selo

Após as acima mencionadas alterações legislativas, ocorridas em 2010 – substituição da tributação dos prémios atribuídos em concursos, antes abrangidos por IRS e agora objecto de incidência em Imposto de Selo – a Administração Fiscal veio esclarecer dúvidas surgidas quanto à determinação do valor tributável nos casos de pagamento de prémios em espécie. Reiterou então, em duas informações vinculativas (nºs 1233 e 1492, citadas nos autos pela AT), proferidas respectivamente nos processos … e … e despachadas ambas em 31.01.2011, o entendimento quanto ao modo como se determina o montante do imposto. De realçar :

  • Que os montantes dos prémios devem ser anunciados líquidos de impostos, pelo que, independentemente da taxa, o beneficiário recebe sempre o prémio pelo montante anunciado, mantendo-se actual o entendimento expresso pela DGCI no seu Ofício -Circulado n.º 20067, de 09.04.2002, da DSIRS: "Quer o prémio seja atribuído em dinheiro ou em espécie, decorre das regras gerais de direito que os prémios a atribuir em sorteios ou concursos devem ser publicamente anunciados pelo seu valor líquido" (o Ofício -Circulado n.º 8/92 de 16.04.1992, entretanto revogado, já sancionava igual entendimento);

  • Quanto à fórmula de cálculo do Imposto do Selo a pagar : o valor ilíquido do prémio anunciado será igual ao quociente do: valor líquido / (1 - a taxa de retenção aplicável), isto é, valor líquido /1 - 0,25; 0,35 ou 0,45 consoante o tipo de jogo e o facto do prémio ser pago em dinheiro ou espécie;

  • Se o prémio for em espécie, o seu valor líquido corresponderá ao preço que o promotor tenha pago pelo bem, incluindo os impostos não dedutíveis que sobre aquele incidiram, nomeadamente o IVA.

 

13. Qualificação da matéria de facto e aplicação do direito à factualidade apurada

Como vimos acima (ponto 9), a questão de direito controvertida nos autos consiste em saber como se interpreta o disposto na verba 11.2. “Os prémios do bingo, de rifas e do jogo do loto, bem como de quaisquer sorteios ou concursos, com excepção dos prémios dos jogos sociais previstos na verba n.º 11.3 da presente Tabela - sobre o valor ilíquido, acrescendo 10 % quando atribuídos em espécie”, em conjugação com a taxa prevista na verba 11.2.2., de 35%. A Requerente defende que a taxa de 35% deverá ser aplicada ao valor ilíquido acrescido de 10% e a AT aplica 45% (35%+10%) ao valor ilíquido.

 

No cálculo do imposto efectuado aquando de uma liquidação complementar, comunicada ao governo Civil em 6 de Setembro de 2011, a Requerente, ao tomar como base o valor líquido de € 112.193,90 – aceite pela AT (acima, pontos 11.9. e 11.10.), agiu de acordo com a interpretação da Administração Tributária no que se refere à determinação do valor ilíquido, aceitando, na linguagem referida no Acórdão do STA acima citado 22, proceder a “operação de aumento ficcionado do custo dos bens de aquisição” determinando o quociente resultante da divisão do valor liquido pela taxa aplicável.

 

Só que enquanto a Requerida, no caso dos autos, encontra o valor ilíquido através de uma divisão em que o dividendo é o valor líquido e o divisor 1-0,45 (0,55), ou seja, no caso, € 203.988,91, a Requerente, com o mesmo objectivo, divide o valor indicado como valor líquido por um divisor 1-0,35 (0,65), chegando a um resultado de € 172.606,00, como valor ilíquido, ao qual faz acrescer ainda 10% para alcançar o valor tributável 23.

 

Assim, partindo do mesmo valor líquido, para a Requerente o valor ilíquido é de € 172.606,00, para a AT o valor ilíquido é de € 203.988,91.

 

E no cálculo do imposto de selo devido, a Requerente aplica a taxa de 35% ao valor de € 189.866,60 (€ 172.606,00 + €17.260,60, 10% de €172.606,00), enquanto a Requerida aplica a taxa de 45% (35%+10%) ao valor ilíquido de € 203.988,91.

 

É apenas sobre estas questões que nos cabe decidir, já que no respeitante ao valor líquido a ter em conta como base de cálculo de operação a Administração Tributária aceitou o valor indicado pela Requerente.

 

A Requerente invoca, usando o elemento literal, que na expressão legal “sobre o valor ilíquido, acrescendo 10 % quando atribuídos em espécie”, seria evidente que o “acrescento” há-de dizer respeito ao elemento identificado imediatamente antes que é “ao valor ilíquido”. E, analisando outras normas do Código do Imposto do Selo, invoca, como elemento sistemático de interpretação, a redacção de diversas normas em que a determinação da base tributável é seguida pela indicação da taxa ou taxas, sendo esses elementos separados pelo travessão. Esse padrão de redacção levaria a que se o mesmo legislador pretendesse tributar a base a 45%, teria decerto estatuído que à taxa de 35% acresciam dez pontos percentuais e, como não o fez, os 10% dizem respeito à determinação da base tributável.

 

Contudo, ao contrário do defendido pela Requerente, a interpretação literal por si escolhida não se revela nada evidente. Não o foi nos diversos comentários contemporâneos da alteração legislativa, nem parece que o tenha sido para a própria Requerente quando apresentou o Regulamento do concurso (cláusulas 20 e 23 – acima pontos 11.3.6. e 11.3.7) 24 ou quando efectuou a inicial liquidação (ver acima ponto 11.13. e nota 9).

 

Embora a interpretação literal feita pela Requerente do corpo da verba 11.2 da TGIS seja uma possível leitura, alternativa à de que a taxa de 10% era para acrescer à taxa ou taxas a seguir enunciadas (no caso, verba 11.2.2. TGIS), existem no texto do CIS outras normas cuja letra não pode ser ignorada. Com efeito, como alega a AT, a interpretação da Requerida tornaria completamente inútil e mesmo incompreensível o disposto no nº 4 do art. 22º do Código do Imposto do Selo que prevê a possibilidade de acumulação de taxas de imposto relativamente ao mesmo acto nas situações da verba 11.2 da Tabela Geral do Imposto de Selo.

 

A referência feita pelo legislador a um “valor ilíquido”, no caso do prémio em espécie, significa que o promotor tem que determinar esse valor ilíquido a partir do valor do prémio atribuído em espécie 25, efectuando a tal operação de grossing up (cf. nota 22) .

 

O facto de a redacção da verba 11.2. não ser exactamente idêntica à das restantes verbas não parece relevante, sendo certamente mais importante atentar na contemporaneidade da alteração da verba 11 com a redacção introduzida no artigo 22º, nº 4, pela Lei nº 3-B/2010 de 28/4 26.

 

Quanto ao elemento teleológico, recorda-se que a Requerente invoca que o legislador, conhecendo a intenção dos promotores de concursos para fixarem o valor dos prémios num valor inferior ao verdadeiramente aplicável, terá procurado precaver-se dessa prática, com reflexos na tributação, determinando um acréscimo de 10% ao valor ilíquido do prémio. Em contrapartida, alega que uma taxa de 45% para os prémios atribuídos em espécie significaria um agravamento susceptível de determinar que todos os concursos passassem a atribuir prémios em dinheiro. Mas tal argumentação é muito pouco convincente.

Por um lado, a precaução do legislador, ainda que fosse causada pelo fenómeno identificado pela Requerente (“ímpeto reducionista” dos promotores, segundo o art. 82º do Pedido de pronúncia), tanto poderia ter levado à opção que defende (acréscimo na determinação da base tributável, mantendo a taxa de 35%) como à defendida pela Requerida (aplicação de duas taxas à base - na prática, uma taxa mais elevada, de 45%).

Por outro lado, o promotor saberá quanto quer/pode gastar em prémios (que constituem uma forma de publicidade, são um incentivo ao consumo junto do promotor e/ou junto do produtor e/ou distribuidor dos bens entregues como prémio) pelo que apenas terá que escolher os bens a atribuir de acordo com essa disponibilidade, sabendo de antemão que, financeiramente, terá na realidade que ter em conta o custo dos bens e os impostos que sobre eles recaem, inclusivamente a importância a entregar nos cofres do Estado como Imposto de Selo aquando da atribuição do prémio.

 

Também não se considera aceitável, como elemento histórico de interpretação, a argumentação de que, como a taxa tem sempre sido 35% e não 45%, a decisão do legislador não foi incrementar a taxa mas apenas, no caso de os prémios serem atribuídos em espécie, acrescentar 10% ao valor ilíquido do prémio.

Com efeito, no sistema fiscal português as taxas têm diminuído e aumentado segundo as políticas financeira e económica e o estado das finanças públicas, não se podendo descortinar, como vimos acima, qualquer indício que imponha a interpretação da Requerente no sentido de um aumento de tributação no caso de prémios em espécie dever ser alcançado preferencialmente através do acréscimo na base tributável.

 

Por outro lado, como também já referido, o nº 4 do art. 22º do Código do Imposto do Selo, a partir da redacção dada pela Lei nº 3-B/2010, de 28/04, permite expressamente acumulação de taxas de Imposto de Selo no caso dos factos previstos na verba 11.2. da TGIS.

 

14. Conclusão

Por tudo o que fica exposto, entende-se que a interpretação das normas aplicáveis ao caso, quer quanto à determinação do valor ilíquido dos prémios, com base no respectivo valor líquido (indicado no concurso pela Requerente e não contestado pela AT), quer quanto à taxa de Imposto de Selo, é a defendida pela Administração Tributária e Aduaneira, e que se concretizou na liquidação de Imposto de Selo n.º 2012 …, relativo ao exercício de 2011, no montante de €25.341,69 .

 

III. DECISÃO

 

15. Em face do exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado nos autos;

  2. Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

16. Valor do processo e custas

Fixa-se o valor do processo em €25.341,69 (vinte e cinco mil trezentos e quarenta e seis euros e sessenta e nove cêntimos) nos termos do artigo 97º- A, nº 1, do CPPT, aplicável por força do artigo 29º, nº 1, a) do RJAT e do art. 3º, nº 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Fixa-se o montante das custas em € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), a cargo da Requerente e calculadas de acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, tudo nos termos dos artigos 12º, nº 2, e 22º, nº 4, do RJAT e art. 4º do RCPAT.

Notifique-se.

Lisboa, 29 de Outubro de 2013.

 

A Árbitro

 

 

 

Maria Manuela Roseiro

 

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga].

1 Art. 4º do Pedido de pronúncia.

2 O requerimento inicial referiu-se a cinco veículos automóveis da marca …, modelo …, de … lugares, de cor prata mas essa referência veio a ser corrigida.

3 Como se verá pela factualidade fixada, deve ter havido erro na indicação desta data (o Regulamento do Concurso fixou a data de 26 de Janeiro para realização do sorteio) mas essa divergência é irrelevante para a decisão de direito.

4 2. São tributados à taxa de 25%, com excepção dos rendimentos previstos na alínea b), que são tributados à taxa de 35%:b) Os prémios de rifas, totoloto e jogo do loto, bem como de sorteios ou concursos;”.

5 Redacção vigente no momento do facto, em destaque as normas em causa nos autos: 11 - Jogo:11.1- Apostas de jogos não sujeitos ao regime do imposto especial sobre o jogo, designadamente as representadas por bilhetes, boletins, cartões, matrizes, rifas ou tômbolas – sobre o respectivo valor 11.1.1 Apostas mútuas 25% 11.1.2 Outra apostas 25%11.2 - Os prémios do bingo, de rifas e do jogo do loto, bem como de quaisquer sorteios ou concursos, com excepção dos prémios dos jogos sociais previstos na verba n.º 11.3 da presente Tabela – sobre o valor ilíquido, acrescendo 10 % quando atribuídos em espécie:11.2.1 - Do bingo – 25 %; 11.2.2 - Dos restantes – 35 %.11.3 - Jogos sociais do Estado: Euromilhões, Lotaria Nacional, Lotaria Instantânea, Totobola, Totogolo, Totoloto e Joker – incluídos no preço de venda da aposta – 4,5 %;11.4 - Jogos sociais do Estado: Euromilhões, Lotaria Nacional, Lotaria Instantânea, Totobola, Totogolo, Totoloto e Joker – incluídos no preço de venda ao público – 4,5%

6 O art. 22º dispõe :1. As Taxas do imposto são as constantes da Tabela anexa em vigor no momento em que o imposto é devido.2. Não haverá acumulação de taxa do imposto relativamente ao mesmo acto ou documento. 3. Quando mais de uma taxa estiver prevista, aplica-se a maior.4. O disposto nos n ºs 2 e 3 não se aplica aos factos previstos nas verbas n.ºs 1.1, 1.2 e 11.2 da Tabela Geral.

7 Ou seja, … 1.4 Turbo… 120cv ….

8 Art. 660, nº 2, CPC. Confr. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina 2013, pág. 202. (cuja redacção se mantém no actual CPC, art. 608º, nº 2).

9 Este valor corresponde ao resultado de 45% de €135.753,24, montante que, por sua vez, corresponde ao resultado de € 19.393,32 (preço de cada veículo – desconto + IA+ outras despesas + IVA) x 7 (veículos). Em coerência com esses dados, o montante de 8.7269,94 de imposto de selo indicado, no ponto 10 do regulamento, para cada veículo, corresponde a 45% de 19.393,32. Ou seja, se a requerente tivesse aplicado, contra a tese que sustenta nos autos, as taxas de 35% + 10% (= 45%) ao preço total (não líquido de IVA, ou seja, com este incluído) do número (7) de veículos sorteados, o valor de IS calculado seria de € 61.089,58, montante coincidente com o que terá sido entregue através da guia nº … .

10 Segundo o art 1º do Regulamento, o Imposto de Selo recaía sobre todos os documentos, livros, papeis, actos e produtos designados na Tabela, cujos artigos 134 e 134-A se referiam aos prémios de jogo e o art. 28 aos bilhetes de lotaria, rifa ou tômbola e matrizes de apostas mútuas desportivas.

11Eram tributados a taxa de 24%: Os prémios de lotarias e rifas do Estado e qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os órgãos de coordenação de assistência, das autarquias locais e suas federações e uniões, e das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa (redacção do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 357/76, de 14 de Maio);Os prémios de apostas mútuas desportivas do totobola (redacção do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 357/76, de 14 de Maio); Os prémios do jogo do loto (redacção do Decreto-Lei n.º 119­-B/83, de 28 de Fevereiro);Os prémios do jogo do bingo (redacção do Decreto-Lei n.º 119-B/83, de 28 de Fevereiro). Eram tributados à taxa de 39%:Os prémios de outras lotarias e rifas (redacção do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 357/76, de 14 de Maio); Os prémios de outras apostas mútuas (redacção do Decreto-Lei n.º 119-B/83, de 28 de Fevereiro).

12 Estes eram tributados à taxa de 22,5%.

13 Como observa Manuel Faustino (in Teoria e Prática do IRS, publicação Fisco, pp. 234 e 235), enquanto a primitiva redacção do artigo 12.º apenas permitia considerar tributáveis em IRS os ganhos resultantes do jogo a cujos prémios o agente se habilitava mediante a aquisição onerosa de um título (bilhete, boletim, etc.), agora passavam a estar incluídas realidades muito diversas que antes não podiam considerar-se tributáveis (por exemplo, os prémios oferecidos por uma organização comercial, a atribuir, mediante sorteio, às pessoas que, num certo dia, entrassem em alguns dos seus estabelecimentos, telefonassem para um determi­nado número ou enviassem um cupão publicado na imprensa). E não podiam as importâncias ou prémios atribuídos em quaisquer sorteios ou concursos ser entregues aos respectivos beneficiários sem que o imposto se mostrasse pago.

14 Cf. Manuel Faustino, ob. cit.

15 Entretanto o Decreto-Lei nº 175/2009, de 04/08, no uso da autorização legislativa dada pelo art. 122.º da Lei n.º 64-A/2008, e com vista à uniformização fiscal dos jogos sociais, procedera a alterações no Código do IRS e do Código e Tabela do Imposto do Selo, excluindo do âmbito de sujeição do IRS os prémios dos jogos sociais e prevendo a tributação, em sede de Imposto do Selo, das respectivas apostas (art. 9º e 71º do CIRS, arts. 2º, 3º e 7º do CIS e aditamento da verba 11. 3 na TGIS).

16 Artigo 74º, nº1, alínea c), na redacção inicial do CIRS (a taxa liberatória era de 25%).

17 Sexto parágrafo do preâmbulo do CIS republicado pelo Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro, diploma que procedeu à reforma da tributação do património, aprovando o CIMI e o CIMT, e pela qual as transmissões gratuitas passaram a ser tributadas em Imposto de Selo. Cf. Também apresentação subscrita em 17 de Julho de 1999, pelo Prof. Sousa Franco (edição Ministério das Finanças/Editora Rei dos Livros, Novembro 1999) do Código do Imposto do Selo aprovado pela Lei nº 150/99, de 11 de Setembro, p. 17.

18 Nesta altura a taxa liberatória era de 25%, como acima referido.

19 1.Os prémios a atribuir em sorteios ou concursos, seja qual for a sua natureza ou a intenção subjacente, estão sujeitos a imposto, nos termos do art.º 9.º, n.º 2, do Código do IRS.2. A tributação dos prémios atribuídos em sorteios ou concursos é efectuada, mediante retenção na fonte, à taxa liberatória prevista no art.º 71.º, n.º 2, alínea b), do Código do IRS, em vigor à data da obrigação de efectuar a correspondente retenção na fonte.3. A obrigação de retenção e entrega do imposto retido incumbe sempre à entidade promotora do sorteio ou do concurso, sendo o valor do imposto determinado, em todos os casos, pela aplicação da taxa referida no número anterior ao valor ilíquido do prémio.4. Se o prémio for atribuído em espécie, o respectivo valor ilíquido nunca poderá ser inferior ao que resultaria da aplicação das regras de equivalência estabelecidas no artigo 24.º do Código do IRS. 5. Quer o prémio seja atribuído em dinheiro ou em espécie, decorre das regras gerais de direito que os prémios atribuir em sorteios ou concursos devem ser publicamente anunciados pelo seu valor líquido. Assim, o valor ilíquido do prémio será igual ao quociente do valor líquido por (1- taxa de retenção aplicável), excepto se o valor resultante da aplicação das regras de equivalência lhe for superior.

21 A tese da impugnante aceite pela sentença da 1ª instância, era a de existência de violação do art.º 74º, nº 2, al. b), do CIRS, porque, embora reconhecendo a imposição da tributação dos rendimentos provenientes de prémios atribuídos em concursos ou sorteios, em consonância com a teoria do rendimento-acréscimo, alegava, em síntese: Os prémios em espécie, ao contrário dos atribuídos em dinheiro, não permitiam o funcionamento do instituto de retenção na fonte, por impossibilidade material, lógica e jurídica de o agente pagador do prémio efectuar qualquer operação financeira de retenção na fonte. A obrigatoriedade, defendida pela Administração Fiscal, de as entidades que realizam concursos terem que anunciar o prémio pelo valor líquido não se encontraria devidamente fundamentada por exigir que o agente pagador do prémio efectuasse um acréscimo financeiro aquando do pagamento de retribuições (prémios) em espécie, ao respectivo custo de aquisição do prémio em espécie. Esta exigência constitui um ingresso à conta, figura expressamente prevista noutros ordenamentos jurídicos como o ordenamento jurídico espanhol (exigindo da entidade que pague ou entregue rendimentos em espécie que efectue um acréscimo sob a forma de à conta do imposto que corresponde ao beneficiário – traduzindo-se, assim, num verdadeiro acréscimo financeiro aos prémios), mas não no ordenamento jurídico nacional, não podendo criar-se, apenas com base num ofício circulado, essa obrigação acessória sobre os agentes pagadores dos rendimentos. A impugnante defendia, então, que no caso dos prémios em espécie, o sacrifício económico inerente ao imposto sobre o prémio deve acabar por incidir sobre quem o aufere (o titular do rendimento), competindo ao beneficiário proceder ao pagamento do imposto correspondente ao prémio em espécie obtido pela respectiva taxa liberatória de 35% (25% para 1993). E tal não constitui violação – pelos promotores do concurso atendendo à divulgação pública do montante de prémio - do princípio da boa fé, porque faz parte da consciência colectiva da comunidade que a todo o rendimento corresponde uma forma de tributação, não podendo os beneficiários dos prémios legitimamente ignorar que a percepção do prémio implica suportar um sacrifício económico (pagamento do imposto) conexo com a obtenção do rendimento.

 

 

22 Ou como recorda Inês Salema, (in Fiscalidade nº 34, p. 74, e tendo em conta o anterior regime em IRS) na tributação dos prémios através de retenção na fonte (na altura à taxa de 35%, segundo o art. 71º, nº 2, al b) do CIRS) o beneficiário recebe o prémio líquido de impostos pelo que a entidade promotora tem de determinar o valor ilíquido do prémio através de uma operação de grossing up (citando J. Xavier de Basto, IRS, Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 337). Assim (segundo o dispositivo então aplicável), concluía a autora que “os prémios em espécie pagos ou postos à disposição por particulares estão também sujeitos a retenção na fonte, devendo o valor dos bens ou serviços entregues em espécie corresponder a 65% do valor global que a entidade se propõe responder com o prémio”.

23Ou seja, para a Requerente o valor ilíquido seria o quociente de € 112.193,90/65= € 172.606,00. A seguir calcula: € 172606,00 + 10% (€ 17260,60) = € 189.866,60. E, aplicando 35% a este montante, calcula então o imposto devido de € 66.453,31. Estas operações equivalem aritmeticamente a uma multiplicação por 38,5% (ver 11.6 da presente decisão).

 

24 Uma rápida consulta na Internet permite confirmar, aliás, a existência de um elevado número de sorteios (de diverso tipo de empresas, incluindo estações de televisão) cujos Regulamentos têm adoptado a mesma interpretação da lei, indicando que os prémios a atribuir, a cargo da entidade promotora do concurso, estão sujeitos a Imposto de Selo de 35% +10% nos termos da TGIS.

25 E esse conceito de valor, sendo o líquido para efeitos de imposto sobre o rendimento do jogo, não deve, segundo parece, ser confundido com valor líquido de outros impostos.

26 Que também introduziu o nº 8 do art. 1º do CIS : “O disposto no n.º 2 não se aplica às situações previstas na verba n.º 11.2 da Tabela Geral” (o nº 2 diz que “Não são sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas.”).