Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 28/2013-T
Data da decisão: 2013-10-16  IVA  
Valor do pedido: € 249.895,65
Tema: Indemnizações pagas por seguradoras em cumprimento de contratos de seguro; indemnização por garantia indevida
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Processo n.º 28/2013-T

 

Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Alexandra Coelho Martins (designada pela Requerente …, Lda) e Dr. António Nunes dos Reis (designado pela Autoridade Tributária e Aduaneira) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 16-4-2013, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

…, LDA., NIPC … (doravante designada como “…” ou “Requerente”), apresentou em 28-2-2013, um pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.° e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com vista à:

 

(i) Anulação parcial das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios melhor identificadas no pedido de pronúncia arbitral;

(ii) Condenação da AT ao pagamento de uma indemnização à Requerente pela prestação de garantia indevida; e

(iii) Restituição do imposto pago por compensação, acrescido de juros indemnizatórios.

 

No exercício da opção de designação de árbitro prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 6° do RJAT e em cumprimento do disposto na alínea g) do n.° 2 do artigo 10.º e no n.º 2 do artigo 11.°, igualmente do RJAT, a Requerente designou como Árbitro a Senhora Dr.ª Alexandra Coelho Martins.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 01-03-2013.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.° 2 do artigo 6.° e do n.º 3 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, e dentro do prazo previsto no n.° 1 do artigo 13.° do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro o Senhor Dr. António Nunes dos Reis.

De acordo com o disposto nos n.°s 5 e 6 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD notificou a Requerente da designação do Arbitro pelo dirigente máximo do serviço da Administração Tributária em 18-04-2013, e notificou os árbitros designados pelas partes para designarem o terceiro árbitro que assumiria a qualidade de Árbitro presidente.

Em 30-04-2013, os Árbitros designados pelas partes comunicaram ao CAAD a designação do Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa como Árbitro Presidente.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as partes dessa designação em 30-04-2013.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.° 7 artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, decorrido o prazo previsto no n.° 1 do artigo 13.° do RJAT, foi comunicada a constituição do tribunal arbitral coletivo, em 16-04-2013.

No dia 12-07-2013, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que foi acordado haver produção de prova testemunhal, que veio a ocorrer em 11-9-2013.

Na reunião para produção de prova testemunhal foi fixado o prazo de 10 dias para alegações escritas simultâneas e designado o dia 23-10-2013 para o efeito de prolação de decisão arbitral.

 

2. Objeto do litígio

 

A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral em que formulou os seguintes pedidos:

 

a) Serem parcialmente anulados, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito e consequente falta de fundamento legal, os actos tributários de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios n.ºs …, …, … e …, referentes aos períodos de 04…T, 04…T, 04…T e 04…T, na parte e montantes objecto do pedido;

b) Ser a Requerida condenada ao pagamento de uma indemnização à Requerente, por prestação de garantias indevidas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 53.º da Lei Geral Tributária e artigo 171.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

c) Ser a Requerida condenada a restituir à Requerente o montante de € 5.240,08, por compensação de imposto indevidamente efectuada, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 43.º da Lei Geral Tributária e artigo 61.º do Código de Procedimento e Processo Tributário.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo que as liquidações impugnadas não enfermam de qualquer ilegalidade.

Nas alegações que apresentou, a Requerente concluiu da seguinte forma:

 

a) As liquidações cuja legalidade constitui o objecto do presente processo arbitral têm por aparente fundamento a convicção de que os débitos efectuados pela Requerente às companhias seguradoras se traduzem em prestações de serviços efectuadas por conta da … Corretores e assim, sujeitos a IVA.

b) Não concretizando em momento quais os alegados serviços que, conjuntamente com os débitos de indemnizações, estariam incluídos nos indicados débitos, sobre os quais devesse incidir IVA, não logrou a ATA cumprir com o ónus de provar os factos constitutivos do seu direito à liquidação do imposto, tal como o impunha o artigo 74.° da Lei Geral Tributaria, o que não pode deixar de conduzir à anulação de tais liquidações por falta de fundamento legal e erro sobre os pressupostos de facto.

c) A Requerente demonstrou que não debitou para efeitos de indemnização quaisquer valores para além das despesas de manutenção/reparação por si incorridas destinadas a fazer accionar o seguros contratado para a cobertura de tais eventos, pondo a nu a manifesta falta de fundamentação das liquidações impugnadas e o erro sobre os pressupostos de facto em que se basearam.

d) Sendo que, ainda que assim não fosse, a dúvida sobre a existência de tais débitos não poderá deixar de ser valorada a favor do Requerente e conduzir à anulação das liquidações, como o impõe o artigo 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

e) Ainda que por qualquer razão se entendesse que os montantes "recebidos" pela … Corretores, em nome e por conta da Requerente, devessem consubstanciar o pagamento de serviços sujeitos a IVA, ter-se-ia, então, que considerar, para aquele efeito, unicamente os montantes das indemnizações efectivamente abrangidas por apólices de seguros que teriam passado pela conta da … Corretores no ano de 2004, e que ascendeu a Euro 113 986,45, o que, à taxa em vigor à data, se traduziria num montante de IVA de, apenas, Euro 21 657,43.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal Arbitral suprirá, deve o presente pedido arbitral ser julgado procedente por provado, com a consequente anulação dos actos tributários cuja legalidade constitui o seu objecto, e a atribuição á requerente da peticionada indemnização pela garantia indevidamente prestada para suspensão do processo executivo.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira terminou as suas alegações, dizendo o seguinte:

 

«Ficou por provar, que tais operações não eram mais do que o encontro de contas entre …, LDA. e a … Corretores, relativamente aos prémios de seguros e às indemnizações, caindo por terra, por falta de prova, a justificação apresentada pela requerente.

Pelo exposto deve o presente pedido arbitral ser considerado improcedente por falta de fundamento e de prova, consequentemente, devem manter-se as liquidações ora controvertidas».

 

3. Matéria de facto

 

3.1. Factos provados

 

  1. A Requerente é uma sociedade por quotas que tem por objecto social a actividade de gestão de compra e venda de qualquer tipo de produtos novos e usados, serviços de gestão e manutenção de veículos serviços de gestão de multas de trânsito, serviços de gestão de matrícula, registo e transferência de veículos, bem como quaisquer outros serviços relacionados com a compra e venda de veículos automóveis (documento n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e acordo da Autoridade Tributária e Aduaneira na página 1 das alegações);

  2. No entanto, a actividade exercida de facto pela Requerente consiste na elaboração de contratos com as marcas de automóveis, locadoras e outras empresas detentoras de frotas automóveis, cobrando determinado montante e, como contrapartida, assegura a gestão da prestação de serviços de manutenção programada e reparação de veículos automóveis, estando em alguns dos contratos prevista a manutenção de avarias, liquidando IVA nos valores cobrados em razão de tais contratos (documento n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e acordo da Autoridade Tributária e Aduaneira na página 1 das alegações);

  3. A manutenção referida na alínea anterior consiste no conjunto de intervenções periódicas prescritas e substituição e ou reparação de materiais e ou peças periodicamente substituíveis dos órgãos funcionais dos veículos automóveis (relatório da Inspecção, no documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  4. A reparação de veículos automóveis consiste na substituição ou reparação de todas as peças que se considere oportuno para o correcto funcionamento dos veículos (relatório da Inspecção, no documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  5. No âmbito da prossecução do seu objecto social, a Requerente celebrou contratos de gestão de frotas com diversas marcas de automóveis, com a finalidade de lhes proporcionar um serviço de manutenção/reparação completo e integrado, que garanta um controlo eficaz do estado de conservação das viaturas, atento o facto de as mesmas se encontrarem a ser utilizadas em regime de renting ou locação financeira / operacional (documento n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  6. Quando incorria os gastos de manutenção e reparação das viaturas, a … deduzia o IVA nos termos gerais (relatório da inspecção);

  7. A Requerente efectuou seguro que tem por cobertura os eventos ocorridos no âmbito dos contratos de gestão / manutenção de frotas que celebra com os seus clientes, ou seja, tal seguro tem como objectivo fazer face aos custos em que a Requerente tenha de vir a incorrer decorrentes dos contratos de gestão e consultoria celebrados com as empresas detentoras de frotas suas clientes (petição de recurso hierárquico, na 1.ª parte do processo administrativo);

  8. Tais apólices constituem apólices abertas, no sentido em que o apuramento do prémio a pagar é efectuado de acordo com o número de veículos que, em cada mês, é "adicionado" à apólice, em função dos contratos de gestão de frotas celebrados entre a Requerente e os seus clientes (as marcas de automóveis ou empresas gestoras de frotas) (petição de recurso hierárquico, na 1.ª parte do processo administrativo);

  9. Caso a Requerente tivesse de incorrer num custo de reparação de uma avaria de um veículo abrangido por um contrato assinado com uma marca de automóvel ou empresa gestora de frotas, que não fosse decorrente de um defeito de fabrico ou de um acidente rodoviário, tinha direito a ver-se reembolsada de tal custo, na medida em que contratou um seguro para fazer face a esse risco (petição de recurso hierárquico, na 1.ª parte do processo administrativo);

  10. A avaria ocorrida no veículo em causa ou a manutenção que se mostra necessária corresponde à ocorrência de um "sinistro" para efeitos do seguro contratado pela Requerente, situação que determina para a Companhia de Seguros a obrigação de pagar uma indemnização ao segurado, ou seja, à Requerente (petição de recurso hierárquico, na 1.ª parte do processo administrativo);

  11. No âmbito das apólices de seguros contratadas pela Requerente, em que esta é o único tomador e segurado, aquela, perante a ocorrência de um "sinistro" - entendido no sentido da ocorrência de um evento - acciona o(s) seguro(s) que contratou e, caso se encontrem reunidas todas as condições gerais e particulares acordadas com a(s) Companhia(s), recebe uma indemnização correspondente ao custo suportado com a reparação efectuada (petição de recurso hierárquico, na 1.ª parte do processo administrativo);

  12. Contabilisticamente, a forma de reconhecimento, na esfera da Requerente, do proveito associado ao recebimento da indemnização atribuída pelas Companhias de Seguros traduz-se no registo de um "menos custo", na medida em que a Requerente tem o procedimento de creditar a conta de custos (62) onde regista o "evento" que pretendia acautelar, i.e, onde registava o custo com as despesas de manutenção / reparação das viaturas abrangidas pelos contratos que celebrou com os seus clientes; esta conta é saldada por contrapartida do débito da conta 223 - Companhias de Seguros, de forma a reflectir a dívida da seguradora para com a Requerente. Por sua vez, esta última é saldada sempre que a indemnização é recebida (petição de recurso hierárquico, na 1.ª parte do processo administrativo);

  13. Em geral, por cada custo incorrido pela Requerente com uma reparação / manutenção de um veículo abrangido por um contrato de gestão de frotas celebrado com uma determinada marca de automóveis -nesta fase a Requerente reconhecia o custo através do débito da conta 6220000-Avarias …, LDA. e, igualmente, o proveito através do crédito da mesma conta de custo -, a Requerente recebia a correspondente indemnização da Companhia de Seguros, caso todas as condições gerais e particulares do seguro se encontrem preenchidas;

  14. De acordo com os registos contabilísticos da Requerente, quando da assinatura de um contrato de prestação de serviços de manutenção de veículos de uma determinada marca, a Requerente procedia à emissão da respectiva factura, que contabilizava em proveitos e liquidava IVA e, simultaneamente, reconhecia o custo previsto associado ao contrato (relatório da inspecção, no documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  15. Os utilizadores das viaturas abrangidas pelos contratos celebrados com as marcas iam às oficinas concessionárias das mesmas, onde lhes era efectuada a manutenção e reparação da viatura (relatório da inspecção, no documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  16. As oficinas concessionárias enviavam a respectiva factura para a "…, LDA.", que procedia ao seu pagamento e contabilização, deduzindo o IVA e reconhecendo o custo na conta 6220000- Avarias …, LDA., por crédito da conta 22— Fornecedores (relatório da inspecção, no documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  17. O valor do custo referido na alínea anterior era compensado por um recebimento (proveito não reconhecido) do mesmo montante através da … Portugal — …, SA., que recebia directamente da Companhia de Seguros onde fora efectuada a apólice de seguro n°. P/1-107-0000-A - "…" de avaria mecânica eléctrica e de manutenção, que a Requerente designa como seguro da actividade (relatório da inspecção, no documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  18. Todos os movimentos contabilísticos referidos são efectuados através de documentos internos de empresas do grupo (relatório da inspecção, no documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), mas que podem cruzar-se com listagens periódicas que as companhias de seguros (fonte externa) enviavam para a … Portugal (depoimentos das testemunhas abaixo indicadas);

  19. Em todos os contratos celebrados entre as marcas de veículos automóveis e a "…, LDA." também aparece a designação da companhia - …, SA. NIPC …, sendo a …, LDA. detida por esta (relatório da inspecção, no documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  20. Em contratos celebrados pela Requerente, esta aparece indicada sob a sua anterior designação que era «… Serviços, Lda» (relatório da inspecção, no documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  21. Nos anos de 2003 e 2004, existem duas companhias de seguros, com as quais a Requerente subscreveu apólices de seguro: a "…" - … Insurance, Ca, Ltd, Sucursal em Portugal, NIPC: …; e … - … Insurance Limited (…) (relatório da inspecção, no documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  22. Quando a …, LDA. apresenta as listagens das facturas das oficinas à seguradora anula a conta de custos - 6220000 - Avarias, por débito das contas 223 -Companhias de Seguros -"…" e "…", sendo aqui as listagens documentos internos que suportam esses movimentos contabilísticos (processo de reclamação graciosa, 6.ª parte);

  23. A "…" não possui qualquer documento passado pela companhia de seguros "…", nomeadamente, recibo do prémio pago, transferências bancárias ou outro, porque todo o movimento passa pela … - Corretores de Seguros, SA. (relatório da inspecção, que consta do documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  24. Os registos efectuados e os documentos de suporte aos mesmos relativamente aos seguros, são documentos internos, efectuados pela … — Corretores de Seguros, SA, sendo esta Corretora que procede ao pagamento dos prémios e ao recebimento das indemnizações. Posteriormente, através de uma repartição de montantes entre ela e a "…, LDA.", aquela empresa determina o que há a receber e os prémios a pagar, conforme anexo n° 11 ao relatório da inspecção tributária;

  25. Os débitos às companhias "…" e "…", são apresentados através da "… Corretores", além de que, os débitos incluem montantes de avarias e sinistros que pertencem a esta empresa (relatório da inspecção, que consta do documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  26. As indemnizações recebidas das companhias de seguros relativas aos pagamentos das facturas das oficinas concessionárias eram efectuadas através da "… Corretores" e também os prémios pagos eram efectuados por esta empresa corretora de seguros (relatório da inspecção, que consta do documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  27. A Requerente foi objecto de uma acção de fiscalização, de âmbito geral, ao exercício de 2004 (Documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  28. Em consequência da conclusão da acção de fiscalização, a Requerente foi notificada, em 9-9-2008, do Projecto do Relatório de inspecção, em que se propunha, além do mais, correcções em sede de IVA no valor de € 304.799,39 (Documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  29. Por não concordar com o Projecto de Conclusões da acção inspectiva, a Requerente exerceu, em 19-9-2008, o seu direito de audição, expondo as razões da sua discordância (documento n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  30. Em 30-9-2008, a Requerente foi notificada do Relatório Final da acção inspectiva, do qual resultaram mantidas correcções em sede de IVA, no montante de € 269.621,28 (duzentos e sessenta e nove mil seiscentos e vinte e um euros e vinte e oito cêntimos) (documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  31. Na sequência daquele relatório, a Requerente foi notificada dos seguintes actos tributários de liquidação adicional de IVA e respectivos juros compensatórios (documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos):

– Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 04…T, no valor de € 79.020,49;

– Liquidação de juros compensatórios n.º …, referente ao período 04…T, no valor de € 13.786,37;

– Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 04…T, no valor de € 101.848,68;

– Liquidação de juros compensatórios n.º …, referente ao período 04…T, no valor de € 16.753,41;

– Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 04…T, no valor de € 42.973,80;

– Liquidação de juros compensatórios n.º …, referente ao período 04…T, no valor de € 6.640,34;

– Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 04…T, no valor de € 45.778,31;

– Liquidação de juros compensatórios n.º …, referente ao período 04…T, no valor de € 6.612,14;

  1. A Requerente efectuou o pagamento de € 19.725,63 relativamente a parte do IVA e juros compensatórios que considerou ser devido (documento n.º 14, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  2. No que diz respeito ao IVA remanescente — € 249.895,65 e correspondentes juros compensatórios, a Requerente apresentou, em 30-4-2009, reclamação graciosa (Documento n.º 15, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  3. A Requerente apresentou, para efeitos da suspensão do processo de execução fiscal instaurados para a respectiva cobrança coerciva (processo n.° …2009…), uma garantia bancária emitida pelo Banco … (…), SA, no valor de € 410.384,45 (documentos n.ºs 16, 17 e 52, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  4. Até 29-1-2013, a Requerente pagou € 32.482,34 de despesas bancárias relativas à prestação de garantia referida na alínea anterior (documento n.º 51, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  5. A Requerente foi notificada em 24-7-2009, de que o montante de € 5.240,08 a que teria direito, referente ao reembolso de IRC do exercício de 2008, teria sido compensado na alegada dívida de IVA resultante das liquidações reclamadas (documentos n.ºs 18 e 20 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  6. Em 4 de Novembro de 2009, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, tendo contra a mesma interposto recurso hierárquico para o Senhor Director-Geral dos Impostos (documentos n.ºs 21 e 22, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  7. Em 15-11-2011, no decurso do procedimento do recurso hierárquico, a Requerente foi notificada, para, no prazo de 8 dias, disponibilizar diversos documentos com relevância contabilística - balancetes analíticos a 31 de Dezembro de 2004, bem como todos os registos de diários efectuados durante o ano de 2004 e respectivos documentos de suporte —, os quais vieram a ser disponibilizados e consultados nas instalações da Requerente, em 23-11-2011 (documento n.º 23, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

  8. Em 23-11-2011, foi pedida à Requerente pela Senhora Inspectora que procedeu à consulta documentação adicional, consistente em listagem de conversão do POC e extractos de contas-correntes de diversas rubricas contabilísticas, que já haviam sido fornecidos à ATA no decurso da acção inspectiva levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária (documento n.º 23 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  9. A Requerente negou-se a corresponder ao referido pedido adicional de documentação (documento n.º 23 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  10. Em 3-12-2012, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do indicado recurso hierárquico (documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  11. Em 28-2-213, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (sistema informático do CAAD);

  12. A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «os débitos às companhias são movimentos contabilísticos que se traduzem em prestações de serviços efectuadas por conta daquela empresa e assim, sujeitas a IVA» e que «o débito de quaisquer encargos suportados cujo IVA foi deduzido dará lugar a liquidação do IVA, por se considerar uma prestação de serviços face ao disposto no Art. 4.º do CIVA» (processo de reclamação graciosa, 6.ª parte);

  13. A companhia de seguros … efectuou rescisão da apólice do seguro contratado pela Requerente, tendo procedido mesmo à devolução à reclamante do montante de € 1.168.172,02, relativo a prémios que tinham por esta sido pagos, pelo facto de não ter aceite a cobertura dos últimos contratos que a Requerente lhe apresentou (petição de recurso hierárquico);

  14. A cessação do contrato com a … ocorreu ainda em 2003 embora tenham continuado a ser efectuados pagamentos e acertos derivados desse contrato em 2004 (depoimento das testemunhas);

  15. Do contrato de seguro relativo à apólice n.º P/…, da … , Cº, Ltd., Sucursal em Portugal, NIPC: …, consta como tomador da apólice e Segurado - … Serviços, Lda., Sociedade Comercial detida pela … Portugal, Corretores de Seguros, SA.; este contrato tem como objecto do seguro a reparação de avarias; o tomador e o segurado é a …, LDA. (relatório da inspecção, no documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  16. A Requerente é o único tomador e segurado do contrato de seguro referido (relatório da inspecção, no documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  17. Como corretor de seguros, a … Corretores tem a seu cargo a gestão administrativa de um conjunto de apólices de seguros dos seus clientes, o que significa que intermedeia a relação daqueles com as Companhias de Seguros, fazendo e recebendo a pagamentos de prémios e de indemnizações, em nome e por conta dos seus clientes, embora através da sua conta bancária (petição de recurso hierárquico);

  18. Não existe nenhuma apólice conjunta entre a … e/ou a …, a Requerente e a … Corretores (petição de recurso hierárquico);

 

3.2. Factos não provados

 

Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos indicados para cada um dos pontos e nos depoimentos das testemunhas …, …, …, que aparentaram depor com isenção e com conhecimento das relações da Requerente com a … Corretores.

 

4. Matéria de direito

 

Da prova produzida conclui-se, em suma, que a Requerente celebrava contratos com concessionários de marcas de automóveis, locadoras e outras empresas detentoras de frotas automóveis, cobrando determinado montante e, como contrapartida, assegurava a gestão da prestação de serviços de manutenção programada e reparação de veículos automóveis, estando, em alguns dos contratos, prevista a manutenção de avarias, liquidando IVA nos valores cobrados em razão de tais contratos e que constituíam o rendimento normal da sua actividade.

Quando incorria os gastos de manutenção e reparação das viaturas a … deduzia o IVA nos termos gerais.

Para assegurar a cobertura das despesas que lhe podiam advir de tais contratos, a Requerente celebrava contratos com companhias de seguros destinados a cobertura dos riscos financeiros que aqueles outros contratos implicavam.

Assim, quando incorria nos referidos gastos derivados dos contratos que celebrava relativos à manutenção e reparação de automóveis, a Requerente beneficiava de uma cobertura de seguro que (a título de indemnização por ocorrência de sinistro) compensava os custos suportados junto das oficinas, gerando lançamentos e movimentos contabilísticos adicionais relativos aos fluxos financeiros correspondentes.

Provou-se ainda que as relações entre a …, LDA. e as companhias de seguros eram intermediadas pela … (, que, além de deter a 100% a Requerente, era uma empresa corretora de seguros), pelo que todos os documentos referentes ao pagamento dos prémios e ao recebimento das indemnizações eram provenientes desta entidade do grupo … e os registos contabilísticos contemplavam, além do mais, múltiplos acertos de contas entre as duas entidades, designadamente relativos a pagamentos efectuados pela … em nome e por conta da …, LDA., que dificultam a reconciliação dos fluxos que, contudo, têm base contratual.

Não se provou que a Requerente tivesse qualquer outra relação com as empresas seguradoras com que celebrava tais contratos que não fossem as típicas, designadamente pagamento de prémios e suas devoluções e recebimento de indemnizações, este quando ocorriam os factos previstos nos contratos.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «os débitos às companhias são movimentos contabilísticos que se traduzem em prestações de serviços efectuadas por conta daquela empresa e assim, sujeitas a IVA» e que «o débito de quaisquer encargos suportados cujo IVA foi deduzido dará lugar a liquidação do IVA, por se considerar uma prestação de serviços face ao disposto no Art. 4.º do CIVA» (processo de reclamação graciosa, 6.ª parte);

No entanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira está vinculada pelas «orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias» [artigo 68.º-A, n.º 1 da LGT, a que corresponde o anterior artigo 68.º, n.º 4, alínea b)].

No caso em apreço, foi divulgada uma orientação genérica sobre a interpretação do artigo 4.º, n.º 1, do CIVA, através do Ofício Circulado n.º 147533 de 20-12-1989 da Direcção de Serviços do IVA, em que se entendeu que as indemnizações pagas pelas seguradoras aos respectivos beneficiários não se inserem no âmbito de incidência do IVA. Concretamente, refere-se naquele Oficio Circulado que «o documento em que o beneficiário da indemnização debita a companhia de seguros pelo montante da reparação não é considerado factura ou documento equivalente para efeitos da liquidação do IVA, na medida em que não tem subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços».

Se é assim, com documento também o será sem ele, pois a ausência de documento não altera a natureza da actividade ou operação, não podendo transformar em prestação de serviços uma actividade que não o é.

Por outro lado, a intervenção de uma empresa de corretagem de seguros, actuando em nome e por conta do beneficiário do seguro, não altera substancialmente a situação, pois a relação que se estabelece relativamente ao recebimento da indemnização tem como sujeitos a seguradora e o beneficiário.

Os pagamentos/recebimentos em nome e por conta efectuados pela … não constituem a remuneração de prestações de serviços para efeitos de IVA [leitura conjugada do artigo 4.º, n.º 1 e 16.º, n.º 6, alínea c) do Código deste imposto]. Acresce que mesmo que o fossem, as operações de seguro e prestações de serviços conexas efectuadas pelos corretores e intermediários de seguro são isentas de IVA (artigo 9.º, n.º 28, do Código deste imposto), i.e., não suscitam a tributação para efeitos deste imposto.

Por outro lado, as indemnizações recebidas das companhias de seguros, ainda que através da corretora (como, aliás, permite o regime legal da actividade mediação de seguros à data previsto no Decreto-Lei n.º 388/91, de 10 de Outubro, entretanto substituído pelo Decreto-Lei n.º 144/2006, de 31 de Julho), também não configuram a remuneração de operações que caiam no campo de incidência do imposto.

Ainda por outro lado, não é relevante, para este efeito, saber se «os débitos às companhias incluem montantes de avarias e sinistros que pertencem à … Corretores, não se aplicando portanto, o preconizado no ofício circulado n.° 147/533» e se «os débitos às companhias são movimentos contabilísticos que se traduzem e prestações de serviços efectuadas por conta da … Corretores, e portanto, sujeitos a IVA» ( 1 ), pois não está em causa no presente processo apurar a responsabilidade da … Corretores em matéria de IVA, no âmbito das suas relações com as seguradoras e mesmo com a Requerente, mas sim exclusivamente a eventual responsabilidade da Requerente que, embora detida a 100% por aquela corretora, é um sujeito passivo de IVA autónomo em relação a ela.

Não releva, para este efeito, o facto, referido pela Autoridade Tributária e Aduaneira nas suas alegações, de ser deficiente a escrita da Requerente, designadamente a nível de documentos comprovativos das transferências pecuniárias entre ela e as seguradoras, através da corretora, pois o que é certo é que não se divisam quaisquer outras relações entre a Requerente e as seguradoras que não sejam as derivadas dos contratos de seguro, nem é sequer aventado em que possam consistir.

Constata-se, sim, confusão nos movimentos contabilísticos que resulta da “promiscuidade” das relações entre as duas entidades, pois, apesar de a …, LDA. ser uma entidade autónoma dotada de personalidade jurídica, os pagamentos e recebimentos eram centralizados na … (entidade que era detentora da …, LDA.) gerando dificuldades de reconciliação dos fluxos financeiros (pagamentos).

Tal circunstancialismo derivava, ao que parece, da falta de autonomia patrimonial da … associada à sua situação sistemática de tesouraria deficitária, que era compensada com a intervenção da … que, para além da qualidade de sócia, também era corretora dos contratos de seguro celebrados pela …, LDA..

No entanto, daí não resultam indícios ou qualquer evidência de operações tributáveis – transmissões de bens ou prestações de serviços – que devessem ser sujeitas a IVA.

Por isso, neste contexto, no mínimo sempre se teria de ficar na dúvida sobre outras relações desconhecidas entre a Requerente e as seguradoras, que, por força do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT ( 2 ), que estabelece que «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado», a dúvida sobre a fonte das transferências das seguradoras para a Requerente sempre terá de ser valorada a favor da Requerente e não contra ela.

Sendo assim, em face da referida vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira pela orientação genérica referida, afastado do âmbito de incidência do artigo 4.º, n.º 1, do CIVA o recebimento de indemnizações pagas por seguradoras em cumprimento de contratos de seguro, por não consubstanciarem prestação de serviços não se divisa qualquer viabilidade de enquadramento da situação no âmbito de incidência do IVA, já que é manifesto que não se está perante qualquer das outras actividades que no artigo 1.º do CIVA se indicam como estando abrangidas no âmbito de incidência objectiva do CIVA.

Do exposto, conclui-se que as liquidações de IVA cuja ilegalidade é invocada enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação (artigo 135.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

 

  1. Indemnização por garantia indevida

 

A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como directriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu art. 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo art. 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do art. 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o art. 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no art. 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do art. 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 53.º

 

Garantia em caso de prestação indevida

 

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, os actos de liquidação de IVA e juros compensatórios têm subjacentes um erro comum que os afecta a todos que é ter-se entendido que deveria ser liquidado IVA relativamente aos pagamentos feitos pelas seguradoras à Requerente.

As liquidações foram da exclusiva iniciativa da Administração Tributária e a Requerente em nada contribuiu para que elas fossem efectuadas.

Até 29-1-2013, a Requerente pagou € 32.482,34 de despesas derivadas da prestação de garantia [alínea ii) da matéria de facto fixada], pelo que tem direito a ser indemnizada dessas despesas e ainda das posteriores, que se vierem a comprovar.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência à quantia que se provou ter sido despendida acrescida do que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão (artigo 661.º do Código de Processo Civil de 1961, a que corresponde o artigo 609.º no Código de Processo Civil de 2013, e artigo 565.º do Código Civil).

 

  1. Restituição da quantia que foi paga por compensação e juros indemnizatórios

 

Como se considerou provado na alínea jj) da matéria de facto fixada, a Requerente foi notificada em 24-7-2009, de que o montante de € 5.240,08 a que teria direito, referente ao reembolso de IRC do exercício de 2008, teria sido compensado na dívida de IVA resultante das liquidações reclamadas.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, "restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito", o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que "a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão".

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão "declaração de ilegalidade" para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que "o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária". O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido" e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que "se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea".

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que "é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário" deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago de € 5.240,08, acrescido de juros indemnizatórios.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

No que concerne aos juros indemnizatórios, é também é claro que a ilegalidade dos actos é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa os praticou sem suporte legal.

O art. 43.º, n.ºs 1 e 2, da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e que «considera-se também haver erro imputável aos serviços no casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas».

No caso em apreço, foi a Administração Tributária quem efectuou as liquidações de IVA e juros compensatórios, que enfermam de erro sobre os pressupostos de direito, pelo que se está perante uma situação enquadrável no n.º 1 do art. 43.º da LGT.

Por isso, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, calculados sobre a quantia de € 5.240,08, à taxa ou taxas legais que vigorarem entre a data em que foi efectuada a compensação e aquela ou aquelas em que for efectuado o reembolso, nos termos dos arts. 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.ºs 2, 3, 4 e 5, do CPPT, e art. 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

7. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedentes, por erro sobre os pressupostos de direito, os pedidos de anulação parcial das liquidações de IVA e juros compensatórios n.ºs …, …, …, …, …, …, … e …, identificadas na alínea ee) da matéria de facto, na parte correspondente ao montante global de € 249.203,61, correspondente ao IVA incidente, à taxa de 19% sobre os débitos efectuados pela Requerente à sociedade detentora do seu capital, no valor de € 1.311.588,00, correspondentes a custos de manutenção de veículos incorridos no ano de 2004 e debitados a seguradoras, e assim anulá-las parcialmente;

  2. Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente uma indemnização pelos custos suportados com a garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal n.º …2009… e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão;

  3. Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir à Requerente a quantia de € 5.240,08, relativa à compensação referida na alínea jj) da matéria de facto fixada, acrescida de juros compensatórios, calculados sobre essa quantia, à taxa ou taxas legais que vigorarem entre a data em que foi efectuada a compensação e aquela ou aquelas em que for efectuado o reembolso.

 

8. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 249.895,65.

 

 

Lisboa, 16 de Outubro de 2013

 

Os Árbitros,

 

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(Alexandra Coelho Martins)

 

 

 

 

(António Nunes dos Reis)

 

 

1(  ) Como se refere no relatório da inspecção e também na fundamentação da decisão da reclamação graciosa.

2(  ) Aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.