Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1/2013-T
Data da decisão: 2013-05-14  IRC  
Valor do pedido: € 4.526.611,13
Tema: Tributação de estabelecimento estável
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PROCESSO ARBITRAL N.º 01/2013-T


 


 

DECISÃO ARBITRAL


 

Acordam os Árbitros Jorge Lopes de Sousa (Árbitro Presidente), José Pedro Carvalho e João Sérgio Ribeiro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral:


 

A – RELATÓRIO


 

  1. A... –, S.A., com o número de contribuinte …, e sede na Av. …, requereu a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (DL 10/2011, de 20 Janeiro), e dos artigos 1º e 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, tendo em vista a obtenção de pronúncia arbitral relativamente à legalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2012 …, relativa ao ano de 2009, com data limite de pagamento em 16 de Maio de 2012, no valor de € 4.218.272,73, e respetivos juros compensatórios no valor de € 308.338,40, tudo no valor total de € 4.526.611,13 (quatro milhões, quinhentos e vinte e seis mil, seiscentos e onze euros e treze cêntimos), relativamente à qual havia apresentado reclamação graciosa (em relação à qual se formou presunção legal de indeferimento).

  2. É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (que sucedeu à Direção-Geral dos Impostos).

  3. A requerente optou por não designar árbitro, pelo que o Conselho Deontológico do CAAD procedeu à designação do presente tribunal arbitral coletivo.

  4. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído no CAAD, no dia 04-03-2013, por despacho do Ex.º Sr. Presidente do Conselho Deontológico.

***

  1. Sustenta a requerente, em síntese, a sua pretensão, no seguinte:

– Falta de fundamentação legalmente exigida ao ato de liquidação (pontos 65 a 82 da petição inicial), porquanto, em suma, no entendimento da requerente, aquela assentará na aplicação da Convenção Modelo da OCDE (CMOCDE) e respetivos comentários, sendo que à data do facto tributário inexistia qualquer convenção aplicável em vigor;

– Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos e lucros relativos ao exercício a que respeita o ato de liquidação, porquanto, e em suma, entende a requerente que sempre atuou com independência em relação à sociedade B..., Inc, em cumprimento da regulação aplicável ao sector onde opera, suportando o risco da sua própria atividade económica (pontos 83 a 162 da petição inicial), por um lado, e porquanto não só não foram deduzidos à matéria coletável oficiosamente fixada custos que, na perspetiva da requerente o deveriam ser, como também foram contabilizados proveitos imputáveis aos exercícios imediatamente anterior e posterior (pontos 163 a 186 da petição inicial). Por fim, ainda neste âmbito, entende a requerente que a AT deveria oficiosamente ter aplicado o benefício fiscal a que aludia o artigo 51.º do EBF, vigente à data do facto tributário (pontos 187 a 208 da petição inicial);

– Ilegalidade da liquidação por violação do artigo 36º do RCPIT (pontos 209 a 233 da petição inicial), porquanto terá sido excedido o prazo legalmente fixado para a conclusão do procedimento de inspeção tributaria a que a requerente foi submetida, e no qual assenta a liquidação impugnada.

  1. Concluiu a requerente pedindo:

– A anulação imediata da liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, emitida pela AT, relativa ao ano de 2009;

– A atribuição de indemnização à Requerente, pela AT, pela prestação indevida de garantia bancária, relativas à liquidação impugnada;

– Uma indemnização correspondente à quantia que se vier a liquidar e que seja relativa aos honorários suportados pela Requerente com os seus Advogados pela apresentação do Pedido de Pronúncia Arbitral e, sendo o caso, dos demais meios impugnatórios que haja de utilizar bem como os com o Parecer Jurídico solicitado e junto.

7. Subsidiariamente, pediu a requerente que se declare ilegal o ato tributário de liquidação de IRC e respetivos juros compensatórios (liquidação n.º 2012 …), referente ao exercício de 2009, por:

– não ser tido em conta a aplicação legal e automática do benefício fiscal previsto no artigo 51.º do EBF;

– errada quantificação do lucro tributável imputável ao putativo estabelecimento estável, em virtude, nomeadamente, de não terem sido contabilizados os gastos referidos na petição inicial, bem como não terem sido deduzidos os ganhos que em caso algum seriam imputáveis ao estabelecimento estável e/ou ao exercício em causa (2009), nos termos igualmente descritos na petição inicial.

8. Para prova do alegado, a requerente juntou prova documental (25 documentos, incluindo um parecer do Prof. Doutor …) e arrolou prova testemunhal (6 testemunhas), de que veio a prescindir.

***

9. Na sua resposta, a AT defendeu-se por impugnação, contraditando o alegado pela requerente relativamente às ilegalidades por si reportadas, referindo, em suma:

– Que a requerente pode discordar da fundamentação do ato, mas que não poderá discordar da sua existência e que, em todo o caso, a CMOCDE não é o fundamento da liquidação impugnada, sendo-o antes o artigo 5.º do CIRC (pontos 2 a 28 da contestação);

– Que, para além do mais, a B... tem, na sua página de internet, como únicos pontos de contacto, um administrador e um funcionário da requerente, que a morada daquela companhia panamiana corresponderá ao endereço de uma consultora fiscal e que a mesma seria responsável por 95% do volume de negócios da requerente (pontos 29 a 50 da contestação);

– Que, nos termos da jurisprudência dominante, a violação de normas do RCPIT relativas à duração do procedimento de inspeção tributária não gera, por si só, a invalidade da liquidação subsequente.

10. Com o respetivo articulado, a AT arrolou três testemunhas e, posteriormente, juntou o processo administrativo.

***

11. Notificadas para o efeito, as partes concordaram expressamente e por escrito em que a boa decisão da causa não carecia da produção de prova testemunhal, pelo que foi marcada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

12. Foi realizada nas instalações do CAAD, em 29-04-2013, a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde, para além do mais, foi facultada às partes a possibilidade de produzirem alegações orais, o que ambas fizeram.

***

13. Tudo visto, cumpre proferir:


 


 


 

B. MATÉRIA DE FACTO


 

B.1. Factos dados como provados:

  1. A liquidação nº 2012 … resultou de uma ação inspetiva iniciada em 30 de Março de 2011, de âmbito parcial, em sede de IRC, que incidiu sobre o ano de 2009, e tinha como prazo limite de pagamento o dia 18 de Maio de 2012.

  2. A inspeção tributária iniciou-se no dia 30 de Março de 2011, nos termos da Nota de Diligência nº … .

  3. Em Dezembro de 2011, a Requerente foi notificada pela Administração Tributária, da seguinte informação: “… foi autorizada a ampliação por um período adicional de 3 meses, do prazo do procedimento inspectivo a que se refere a ordem de serviço nº OI, iniciada em 30.03.2011, com base nos pressupostos da alínea a) do artigo 36º do mesmo normativo, e cujo término se prevê que ocorra a 30.03.2012.”

  4. O relatório final foi notificado por carta registada, com A/R, na pessoa do mandatário da requerente, tendo a referida carta, com o registo nº …PT sido entregue e levantada na estação do CTT no dia 2 de Abril de 2012.

  5. Como resultado da referida ação inspetiva, a Administração Tributária procedeu à correção da matéria tributável da Requerente no montante de € 15.918.010,28 (quinze milhões, novecentos e dezoito mil e dez euros e vinte e oito cêntimos).

  6. E procedeu à liquidação adicional de IRC no valor de € 4.218.272,73, acrescido de juros compensatórios no valor de € 308.338,40, no montante global de € 4.526.611,13 (quatro milhões, quinhentos e vinte e seis mil, seiscentos e onze euros e treze cêntimos).

  7. A liquidação em causa foi notificada à Requerente em data não determinada.

  8. Não se conformando com aquele ato tributário, a ora Requerente apresentou em 20 de Julho de 2012 a competente Reclamação Graciosa com pedido de efeito suspensivo.

  9. Com a apresentação da garantia bancária no valor de € 5.764.003,74, em 01-08-2012, e posterior reforço da mesma para € 5.834.609,79 em 31-08-2012, foi conferido efeito suspensivo do respetivo processo de execução fiscal, pela AT.

  10. Da análise contabilística efetuada pela Inspeção Tributária à escrita da requerente, resultou que:

  11. A remuneração, de 4% sobre todas as cargas marcadas pela A... para sul está registada na conta de proveitos com, o código POC 72 – Prestações de Serviços.

  12. As despesas de funcionamento da empresa encontram-se registadas nas respetivas contas de custo da classe 6.

  13. Todos os recebimentos e pagamentos efetuados em nome e por conta da B... encontram-se relevados em contas de terceiros, 21 Clientes, na subconta 2113001 Clientes – c/c Outros Mercados – B... Incorporation, conta 22130001 Fornecedores-c/c-Outros Mercados – B... Incorporation, conta 2682 – Credores Diversos, na subconta 26821200 – Viagens, 26823 Credores Diversos – Outros Mercados na subconta 268230001 – B... Incorporation.

  14. O ganho obtido em cada viagem, está consolidado da seguinte forma:

  15. debita a conta 2113001, creditando a conta 26... , as despesas relacionadas com cada viagem (por. Ex. combustível, alimentação da tripulação, adiantamento solicitados pelo armador, etc). O documento de suporte é uma nota de débito emitida pela empresa nacional para a empresa panamense;

  16. credita a conta 22130001, por contrapartida da conta 26 ... , o valor dos fretes (abatido da remuneração) contratados com os clientes pela empresa nacional;

  17. A remuneração é registada como proveito na conta 7213 – Serviços prestados outros mercados, a crédito.

  18. No final do ano as contas da B... de cliente e fornecedor, são compensadas sendo creditada a conta de clientes por contrapartida da conta de fornecedor e a diferença e lançada na conta 26823001 – Credores Diversos – Outros Mercados – B... Incorporation (Ex. 22130001) Ficando espelhado nesta conta o valor que a A... deve ao seu representado a 31.12.2009. À data do RIT o valor atingiu os € 10.599.061,84.

  19. O circuito financeiro processava-se da seguinte forma:

  20. O valor correspondente ao serviço prestado, de transporte de mercadorias era recebido em cheque ou transferência direta conta a conta. O titular de todas as contas de destino envolvidas era a A..., não se tendo apurado qualquer restrição na sua utilização.

  21. As despesas com a embarcação e sua tripulação eram pagas pela sociedade nacional;

  22. O apuro de cada viagem, teve três destinos diferentes:

1 – Ou ficou depositado a ordem em contas domiciliadas [banco x] ou no [banco y];

2 – Ou foi transferido para uma conta na Suíça do banco c, por instrução escrita dada pelo administrador único, … ou pelo Chefe de Serviços … .

3 – Ou foram emitidos cheques, cujas cópias, tinham à ordem os dizeres "B..." ou A.... Nas cópias frente e verso obtidas junto do banco constatou-se que estas tiveram como destino a conta do administrador único, … . Este enviou uma carta, com data de entrada nos serviços da AT a 12.05.2011, dizendo que as quantias em causa eram relativas a um empréstimo que pediu à empresa do Panamá, ficando de recolher os documentos que comprovassem a utilização do dinheiro, sendo que até à data do RIT não foi apresentado qualquer documento, nem justificativos da autorização para fazer as retiradas, nem para a sua utilização. Os montantes em causa no ano de 2009 totalizaram € 1.751.245,99. Estas verbas estavam registadas na contabilidade numa conta de outros devedores e credores (26821200 – Viagens), por contrapartida de bancos.

  1. Na página eletrónica sita em www..com não se encontrava, em 2009, qualquer informação sobre o dono do negócio ou sobre a evolução histórica da atividade desenvolvida, nem qualquer contacto para a concretização de futuros negócios, com exceção dos agentes e subagentes, ou de uma estrutura física.

  2. Como fazendo parte integrante da documentação de gestão fornecida pela empresa, foi apresentada uma Declaração do órgão de Gestão, "... emitida a pedido de …, SROC, Lda, no âmbito da revisão das demonstrações financeiras da A... /... /, relativas ao exercício de 2009 ... ", assinada pelo Administrador Único e pelo Técnico Oficial de Contas, onde assumem a responsabilidade para os riscos fiscais do comportamento adotado em relação ao tratamento contabilístico das operações realizadas em nome e por conta da B..., e a movimentação financeira relativa aos pagamentos a fornecedores e recebimentos de clientes. Desta forma, ficou afastada qualquer responsabilidade dos revisores sobre factos, comportamentos ou qualquer outro tipo relação entre a A... e B....

  3. 95% do volume de negócios contabilizado pela requerente era referente a prestações de serviços/comissões efectuadas/recebidas a/da B...;

  4. Existia um vínculo de exclusividade entre as requerente e a B...;

  5. No exercício normal da atividade da A..., enquanto Agente Geral, está sujeito ao controlo e instruções por parte da B...;

  6. O risco comercial da atividade exercida em território nacional, era assumido pela representada;

  7. Para além do mais ficou estabelecido no Contrato de Agência:

  8. a relação de exclusividade entre as sociedades, e a sua duração;

  9. que a sociedade com sede em território nacional, dispunha de poderes de representação no que concerne à assunção de compromissos em nome e por conta da sua representada, nomeadamente, a assinatura dos conhecimentos de embarque, afretamento de navios para o normal exercício da atividade de transporte de mercadorias e outras atividades no Território (comum a ambas as partes) e na realização de negócios com os clientes.

  10. a obrigação, (cláusula 3.11 ) de envidar todos os esforços para fechar negócios com os clientes.

  11. O carácter de habitualidade com que os poderes de representação eram utilizados na assinatura dos conhecimentos de embarque

  12. A utilização, pelo Administrador Único, de verbas não se encontrava refletida na contabilidade, não existindo registo ou outro tipo de reflexo da saída daquelas verbas para a esfera pessoal do Administrador único.

  13. Considerou a AT que a ora Requerente era uma extensão da sociedade de direito do Panamá, B... INC., consubstanciando a existência de estabelecimento estável em território nacional por parte desta empresa, e, em consequência de tal entendimento, a Administração Tributária considerou que os valores relativos aos serviços prestados pela B... INC. aos clientes angariados pela Requerente deverem ser imputados a esta e, assim, tributados em sede de IRC, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do CIRC.

  14. A AT, na liquidação impugnada, a Administração Tributária limitou-se a reproduzir, no que se refere à correção da matéria coletável, o valor total da diferença (€ 15.918.010,28), constante do mapa intitulado de “Cálculo dos Ganhos Obtidos em Cada Viagem”, cuja cópia se encontra junta com o relatório final da inspeção tributária, o qual, somado ao valor anteriormente declarado pela A... (€ 383.338,25), perfez o montante total da matéria coletável de € 16.301.348,53, constante da referida liquidação.

  15. Até finais de 2009 a B... Inc foi duplamente representada em Portugal, pela requerente, enquanto representante geral, e por uma sucursal da empresa de direito espanhol, denominada C...-, estando a cargo da primeira a parte comercial (angariação) e a cargo da segunda a parte administrativa (representação).

  16. A ora Requerente é uma pessoa coletiva de direito português, sem qualquer ligação societária de grupo com a B... INC. (pessoa coletiva de direito panamense).

  17. A ora requerente celebrou com a B... Inc. um contrato de agência geral (General Agency Agreement) datado de 22 de Janeiro de 2007, que foi junto como documento 16 da petição inicial, o qual foi objeto de um aditamento datado de 11 de Outubro de 2010, constante dos autos como documento 17 da petição inicial.

  18. A Associação dos Agentes de Navegação de Portugal – AGEPOR, e a associação internacional de agentes de navegação e transportadores marítimos – FONASBA – emitiram cada uma delas uma declaração, juntas aos autos como documentos 20 e 21, segundo as quais o contrato geral de agência celebrado entre a Requerente A... e a B... INC., e a atuação da Requerente, no âmbito da sua atividade se coaduna com os normais e usuais práticas do sector.

  19. A partir de 30 de Julho de 2010, a requerente passou a participar no capital social da sociedade D... –, Lda, com uma quota de € 66.666,68 (num total de € 200.000,04 de capital social), sociedade esta que tem como atividade a prestação de serviços como agente marítimo de outros armadores que não a B....

  20. A Requerente atua não só no território português mas também nos territórios de Angola, São Tomé e Príncipe, Espanha e Itália.

  21. A requerente, no quadro da relação contratual com a B..., assumia os riscos de não conseguir angariar novos clientes e manter clientes habituais, de não desenvolver novas oportunidades de negócio, de não conseguir mostrar qualidade e competitividade económica nos serviços por si prestados, com vista à manutenção do(s) seu(s) contrato(s) de agência, bem como os riscos de cobrança de clientes (que a A... passou a assumir, apenas com o aditamento contratual da cláusula del credere, a partir de Setembro de 2010) e, bem assim, da solvabilidade do principal.

  22. A requerente suportava os custos da sua própria estrutura empresarial, como rendas ou prestações dos seus imóveis e viaturas, salários do seu pessoal, consumíveis, seguros, licenças e serviços vários.

  23. A requerente possuía em 2009 uma única escrita contabilística.

  24. A requerente era titular de uma conta no Banco … (em euros), e de outras contas bancárias no … (em dólares), no Banco … (ambas em euros).

  25. O mapa intitulado “Cálculo dos Ganhos Obtidos em Cada Viagem”, acima referido, corresponde ao exercício da Requerente A... de 2009, relativamente às comissões por si cobradas ao principal (B... INC.), uma vez que tais comissões foram todas contabilizadas pela A... em 2009, através de Notas de Débito e Faturas emitidas pela A... à B... INC.


 

B.2. Factos dados como não provados:

1. Que a requerente suportasse os riscos inerentes à realização dos contratos de transporte marítimos, afretamento de navios e abastecimento do mesmo, propriedade e disponibilização de contentores marítimos, contratação de pilotos, de rebocadores e de estivadores, responsabilidade de faltas marítimas (ainda que com eventual direito de regresso no caso das faltas náuticas), seguros.

2. Que a conta bancária da requerente no Banco … (em euros) estivesse exclusivamente afeta à sua atividade de agente, recebimento dos seus rendimentos e pagamento dos seus gastos (vg. Comissões, ordenados, rendas, consumíveis).

3. Que as contas bancárias da requerente no [Banco] (em dólares), no [Banco] e no [Banco] (ambas em euros), fossem contas de clientes, destinando-se à movimentação de valores em nome e por conta da B... INC., como sejam os recebimentos ilíquidos de clientes finais, relativos às viagens/transportes, e serviços associados, agenciadas pela Requerente e, bem assim, os pagamentos relativos a despesas associadas.

4. Que o saldo líquido final – relativo à parte portuguesa – de cada viagem (já descontado da comissão do agenciamento da Requerente e de outras despesas eventualmente por si adiantadas) era então movimentado para a esfera financeira da B... INC..

5. Que logo que cada viagem estava fechada (com os respetivos pagamentos e recebimentos concluídos) o respetivo valor era transferido para a B... INC., nunca tendo dado a A..., a tais contas, outro destino.

6. Que, por conta da B... INC., foram em 2009 suportados pela Requerente custos com a atividade em Angola (exercida através da sociedade de direito Angolano –…, Lda) entre os quais se encontram:

  1. As taxas de reexportação de 10559 contentores vazios de Angola para Portugal (denominada taxa EP 16) cujo valor unitário em contentores de 20’ é de USD 228,00 e em contentores de 40’ é de USD 338,00;

  2. Os custos com contentores perdidos em Angola ou seja não devolvidos pelos respetivos consignatários, designadamente 100 contentores com um valor unitário de € 1.500,00.

7. Que as viagens identificadas no mapa intitulado “Cálculo dos Ganhos Obtidos em Cada Viagem”, referido nos factos dados como provados, com os nºs 814, 815, 816 e 817, iniciaram-se todas durante o ano de 2008 e foram concluídas em 29/11/2008, 10/12/2008, 29/11/2008 e 19/12/2012, respetivamente, e as viagens 818, 819, 820 e 821 começaram no ano de 2008 e terminaram em 5/01/2009, 14/01/2009, 5/02/2009 e 1/02/2009, respetivamente


 

B.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

A decisão da matéria de facto baseou-se nos documentos juntos e na não oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto a factos invocados pela Requerente, de natureza confessória ou que se afiguraram verosímeis.

A matéria de facto dada como não provada decorre da ausência ou insuficiência da prova produzida a seu respeito.


 

C. MATÉRIA DE DIREITO

 

Examinando as questões colocadas pela Requerente e interpretando o pedido que formula na parte final do pedido de pronúncia arbitral, constata-se que suscita como questões principais as que denomina como questão da violação ou vício da fundamentação legalmente exigida e questão da errónea qualificação dos rendimentos e lucros relativos a 2009.

Subsidiariamente, a Requerente coloca as questões da errónea quantificação dos rendimentos e lucros relativos a 2009, por não consideração de benefício fiscal e não contabilização de gastos que entende deverem ser contabilizados e consideração de ganhos que não deviam ser considerados e da violação do artigo 36.º do RCPIT.

Assim, apreciar-se-ão, prioritariamente, os pedidos principais, só passando a apreciar os pedidos subsidiários se improcederem os pedidos principais, já que aqueles só devem ser tomados em consideração no caso de não proceder um pedido anterior [artigo 469.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].


 

C.1. Questão da violação ou vício da fundamentação legalmente exigida


 

A primeira questão colocada pela Requerente é por esta denominada como da «da violação ou vício da fundamentação legalmente exigida».

O que a Requerente defende, sobre esta questão, é que a fundamentação da posição assumida pela Autoridade Tributária e Aduaneira se baseia na Convenção Modelo da OCDE (CMOCDE) e nos respetivos comentários, e ela não será aplicável ao caso e apreço, por não ser fonte do Direito Português e não tinha, à data em que os factos ocorreram, sido celebrada convenção com o Panamá, que só entrou em vigor em 2012, na sequência da publicação do Aviso n.º 69/2012, no Diário da República, I Série, de 9-8-2012.

Como se vê pela argumentação que a Requerente utiliza para imputar este vício ao ato impugnado, não está em causa um vício de forma por falta ou deficiência da fundamentação (que se reconduz a não ser possível apurar quais as razões por que a entidade que praticou o ato administrativo ou tributário decidiu como decidiu) ( 1 ), mas sim, um vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, que se consubstancia em ter sido utilizada uma fundamentação jurídica inadequada ou errada.

Sendo assim, não defendendo a Requerente que não se percebam as razões em que se baseia a decisão recorrida, esta não enfermará de vício de falta de fundamentação que, em última análise, nem sequer é realmente imputado ao ato impugnado.

Porém, uma vez que o Tribunal «não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito» (artigo 664.º do Código de Processo Civil), nada obsta a que dê o enquadramento jurídico dos factos alegados pela Requerente sobre esta matéria.

Vista a questão a esta luz, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende que o ato impugnado tem por fundamento o artigo 5.º do CIRC, servindo as referências à Convenção Modelo da OCDE apenas para o interpretar.

A Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão, pois o Relatório da Inspeção Tributária que está subjacente ao ato de liquidação refere expressamente que «o conceito de estabelecimento estável de uma empresa com sede em outro país, previsto no art° 5° do IRC, tem a sua fonte no direito internacional, no Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património (doravante designada por Modelo da Convenção), do Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE, e tem como finalidade lançar luz sobre a problemática dupla tributação internacional, no que diz respeito, entre outros aspetos, aos pressupostos da existência ou não de Estabelecimento Estável» (página 214 do Relatório, reproduzida na página 225 do Processo Administrativo junto os autos).

Por isso, é de concluir que a Autoridade Tributária e Aduaneira utilizou como suporte jurídico do ato impugnado o artigo 5.º do CIRC, pelo que não há omissão de referência à legislação aplicável.

Por outro lado, refere-se ainda nas conclusões do Relatório da inspeção tributária que «perante os fundamentos acima referidos não oferece qualquer dúvida quanto à existência de Estabelecimento Estável em território nacional da empresa de direito panamense e como se demonstrou que a sociedade nacional mais não é que uma extensão desta empresa em território está sujeita a tributação, em sede de IRC, nos termos do n.º 3 do art. 4° do Código do Imposto sobre o rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC)» (página 221 do Relatório, reproduzida na página 232 do Processo Administrativo junto os autos).

Assim, tem de concluir-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicou as normas do direito interno que se reportam ao conceito de estabelecimento estável (os artigos 4.º, n.º 3, e 5.º do CIRC), tendo adotado na sua interpretação a Convenção Modelo da OCDE e respetivos Comentários.

A utilização desta Convenção Modelo e dos seus comentários como suporte interpretativo do conceito de estabelecimento estável não constitui, em si mesma, um erro sobre os pressupostos de direito, como não a constituiria a utilização de qualquer fonte jurisprudencial ou doutrinal, só podendo vir a reconduzir-se a vício de violação de lei para erro sobre os pressupostos de direito se se puder concluir que a interpretação a Autoridade Tributária e Aduaneira fez e adotou no ato impugnado sobre os referidos artigos 4.º, n.º 3, e 5.º do CIRC não é a correta.

Mas, não obstante a decisão da causa dever ter como base legal essencialmente o artigo 5.º do CIRC, o artigo 5.º da CMOCDE e respetivos comentários, mesmo na ausência de uma convenção para eliminar a dupla tributação, devem servir como apoio interpretativo, como é admitido no Parecer junto pela Requerente (final do ponto 6, p. 11).

Aliás, outra não poderia ser a solução, dado que o artigo 5.º do CIRC foi, na versão corrente, decalcado do art. 5.º da CMOCDE, tendo inclusive sendo incluídas no seu corpo soluções que decorrem e estão inscritas no próprio comentário a esse artigo da CMOCDE. Ora, tendo em conta que nos termos do artigo 11.º da LGT «na determinação do sentido das normas fiscais e qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são aplicadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis» é incontornável, para a consideração do elemento histórico e teleológico, o recurso ao preceito e comentários que estiveram na origem do artigo 5.º do CIRC.

Não ocorre, assim, quer na perspetiva formal da fundamentação dos atos tributários, quer na sua vertente substantiva de uso da legislação aplicável, vício que se possa qualificar como «violação ou vício da fundamentação legalmente exigida», com o sentido que lhe dá a Requerente.

Por isso, improcede esse vício, sem prejuízo de se poder vir, eventualmente, a concluir que é errada a interpretação adotada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.


 

C.2. Questão da errónea qualificação dos rendimentos e lucros relativos a 2009

A segunda questão colocada pela Requerente, que denomina de qualificação dos rendimentos e lucros relativos a 2009, é a de saber se pode ser tributada em sede de IRC por dever ser considerada como estabelecimento estável da B... INC e não ser mais que uma extensão desta em território nacional.

A tese da Autoridade Tributária e Aduaneira é, essencialmente, a de que não há «qualquer dúvida quanto à existência de Estabelecimento Estável em território nacional da empresa de direito panamense e como se demonstrou que a sociedade nacional mais não é que uma extensão desta empresa em território está sujeita a tributação, em sede de IRC, nos termos do nº 3 do art. 4° do Código do Imposto sobre o rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC)» e que «face aos factos, os valores relativos aos serviços prestados aos clientes angariados pela A..., terão de corresponder necessariamente a rendimentos a imputar à A..., na qualidade de estabelecimento estável da B...» (Relatório da Inspeção Tributária página 221 do Processo Administrativo, a que corresponde a página 231 do Processo digitalizado, tese reafirmada na página seguinte).

Assim, a questão da qualificação dos rendimentos e lucros derivados dos serviços prestados aos clientes da B... INC angariados pela A... como rendimentos desta envolve a resolução de duas questões: a de saber se a actividade da Requerente pode ser considerada como dando origem a um estabelecimento estável da B... INC., para efeitos do artigo 5.º do CIRC; e, em caso afirmativo, se podem ser imputados à Requerente os rendimentos relativos aos serviços prestados aos clientes por ela angariados para a B... INC., ao abrigo do disposto no artigo 4.º, n.º 3, do mesmo Código, invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, por a A... não ser mais «que uma extensão desta empresa em território está sujeita a tributação».


 

C.2.1. Questão do estabelecimento estável

O conceito de estabelecimento estável não se reporta, independentemente do que parece sugerir a sua formulação, a algo de físico e palpável com uma existência separada do sujeito passivo a que diz respeito. Este conceito visa tão-só determinar se a atividade de um não residente num determinado sistema fiscal é suficientemente relevante para justificar que esse não residente seja aí tributado, em termos semelhantes àqueles em que são tributados os residentes.

Para o cabal esclarecimento da questão é importante ter como assente a ideia de que o estabelecimento estável é somente um teste que visa determinar se a presença de um sujeito passivo estrangeiro, neste caso no território português, é suficientemente expressiva para que esse sujeito seja aí tributado. Sendo precisamente, nesse contexto, com base no artigo 5.º do CIRC, que se recortam os testes que é possível fazer para determinar se existe ou não uma atividade relevante e expressiva do sujeito passivo.

O fundamento do artigo 5.º, em sintonia com as regras de tributação internacionalmente aceites, corresponde à necessidade de, de certo modo, restringir o poder dos Estados na tributação de rendimentos de carácter empresarial dos não residentes, permitindo-se apenas que estes possam ser tributados nas situações em que, com base nos testes constantes do artigo 5.º do CIRC, se pode considerar que existe um estabelecimento estável.

Os testes constantes do artigo 5.º são alternativos e permitem determinar a existência de um estabelecimento estável com base na existência ou de uma instalação física, ou de um projeto ou da agência.

 

C.2.1.1. Instalação física

 

Tradicionalmente o conceito de estabelecimento dizia somente respeito a uma instalação física, ideia que condiciona muitas vezes a abordagem que se faz do conceito. Existem, porém, outros testes admissíveis, decorrentes do artigo 5.º do CIRC, que não pressupõem a existência de uma instalação física, sendo aplicáveis precisamente por esta não existir.

O estabelecimento estável que assenta na existência de uma instalação física é vulgarmente designado por definição geral de estabelecimento estável, até pelo facto de surgir logo no n.º 1 do artigo 5.º CIRC, e pressupõe a verificação cumulativa de vários requisitos. É necessária não só uma instalação fixa, isto é, com permanência sob o ponto de vista geográfico e temporal, mas também que seja através dessa instalação que a atividade é levada a cabo, o que implica necessariamente que essa instalação esteja ao dispor da empresa. Além disso, como resulta do artigo 5.º, n.º 8, é importante lembrar que existem atividades que não constituem, por si, estabelecimentos estáveis, mesmo que sejam levadas a cabo através de uma instalação física. A característica essencial dessas atividades é o seu carácter preparatório ou auxiliar e o facto de serem prestadas unicamente à empresa da qual essa instalação depende, e não a terceiros.

Qualquer instalação física que seja usada para levar a cabo a atividade comercial constitui um local de atividade. Mesmo um mero espaço físico é suficiente para constituir uma instalação física, podendo, inclusivamente, a instalação física estar localizada nas instalações de outra empresa. Pois, para que se considere que a instalação fixa está ao dispor da empresa, não é necessária a existência de um direito jurídico-formal de utilização do espaço (propriedade ou arrendamento), bastando que haja um real uso daquele.

O artigo 5.º, n.º 2, do CIRC enumera uma série de instalações que se podem incluir na noção de estabelecimento estável assente numa instalação física.

Estes exemplos são apenas situações em que há correspondência prima facie com a existência de estabelecimentos estáveis, pois, como decorre da própria disposição, é necessário que os requisitos do n.º 1 do mesmo artigo sejam cumpridos. Esta disposição, não obstante assentar em situações de existência meramente potencial de estabelecimentos estáveis, e ser, por isso, dispensável face à existência do n.º 1 do artigo, condiciona, ainda assim, fortemente algumas das abordagens que se faz à problemática do estabelecimento estável. Pois, ao identificar instalações com a existência de um estabelecimento estável, e por se referir a realidades físicas que são meros prolongamentos das estruturas do sujeito passivo não residente, têm o potencial para fundar abordagens, menos precisas, como aquelas que, de modo simplista, consideram que sempre que existe uma instalação física que dá azo à noção de estabelecimento estável esta fará parte do sujeito passivo não residente. De facto as coisas são assim quando estamos perante sucursais, fábricas escritórios, mas é óbvio que existem situações de diferente enquadramento. Já foi avançado que a instalação física que está ao dispor de um não residente para efeitos de desenvolvimento da sua atividade pode estar nas instalações de outra empresa. Nessa situação e pressupondo que todos os outros requisitos do artigo 5.º, n.º 1 do CIRC estariam preenchidos, poder-se-ia, naturalmente, sustentar que o sujeito passivo não residente teria um estabelecimento estável com base nas instalações da empresa em cujas instalações atuaria. O que não se poderia fazer, seguramente, era dizer que a outra empresa que cedeu as instalações seria um estabelecimento estável da não residente.

Tendo em consideração a situação sub judice, o teste do estabelecimento estável instalação física não seria de aplicar (não tendo sequer a AT suscitado este teste), pois a atividade de navegação não era desenvolvida através das instalações da Requerente.

 

C.2.1.2. Projeto

 

           Considera-se ainda que estamos em presença de um estabelecimento estável quando existe «um local ou estaleiro de construção, de instalação ou montagem, as atividades de coordenação, fiscalização e supervisão em conexão com mesmos …» (artigo 5.º, n.º 3, do CIRC), com duração superior a 6 meses. O tempo gasto com os trabalhos preparatórios também é relevante para a contagem desse período. Além disso, o próprio planeamento e supervisão in loco do estaleiro de construção de um imóvel estão também incluídos (artigo 5.º, n.º 4), quer sejam feitos por um subempreiteiro, quer por terceiro (artigo 5.º, n.º 5, do CIRC).

           Como resulta claro, e dada a natureza da atividade desenvolvida pela sociedade panamiana, este segundo teste nunca seria suscetível de ser aplicado, não tendo tal como o anterior sido suscitado pela AT.

 

C.2.1.3. A agência

 

           O estabelecimento estável que decorre da agência pressupõe a verificação de vários elementos para que se sustente a sua existência.

           Em primeiro lugar, é necessária uma pessoa (que será o agente), singular ou coletiva, que atue por conta de uma empresa não residente. O agente, contudo, não tem necessariamente de ser um residente ou ter uma instalação fixa no país onde desenvolve as suas atividades de agente, desde que não seja, obviamente, um agente independente.

           Em segundo lugar, é necessário que o agente tenha autorização para celebrar contratos. Esses poderes devem abranger os contratos respeitantes às operações que constituem atividades próprias da empresa e consideram-se como existindo, mesmo que o agente, embora não assinando o contrato, possa negociar todos os seus elementos e pormenores, de uma forma vinculativa para a empresa. Determinantes são, portanto, os poderes para celebrar o contrato em sentido material e não meramente formal.

           Finalmente, é necessário que os contratos sejam celebrados em nome da empresa e com carácter de habitualidade.

A expressão «em nome» deve ser interpretada de uma forma lata. Deve, assim, cobrir todos os casos em que a empresa está vinculada pelo contrato concluído pelo agente (mesmo nas situações em que não tenha sido formalmente concluído em nome dela).

No que se refere à questão da habitualidade, esta pressupõe que o agente utilize os seus poderes repetidamente e não apenas em casos esporádicos. Salienta-se que a questão da frequência depende da natureza do produto ou serviço em causa, não sendo possível definir um critério preciso. Parece líquido, no entanto, que a celebração de um único contrato que implicou longas negociações, não será suficiente.

           Não se considera que uma empresa tem um estabelecimento estável se a atividade no outro Estado é exercida através de um corretor, um comissário geral ou qualquer outro agente independente. Porém, para que um agente seja abrangido por esta exceção, é necessário que seja económica e legalmente independente da empresa e atue no âmbito normal da sua atividade

           A independência legal do agente depende da relação contratual deste com a empresa, ou seja, haverá independência se o agente não estiver sujeito a instruções detalhadas ou a um controlo significativo, por parte da empresa em nome da qual age, como acontece com o trabalhador por conta de outrem, exemplo típico de dependência legal.

           No que respeita à independência económica, esta dependerá do grau de risco empresarial que recai sobre o agente, comparado com o risco suportado pela empresa que representa. Entre os fatores relevantes para determinar se existe independência económica, constam o número de empresas por conta das quais o agente age – que deverá ser superior a uma unidade – e a proteção por perdas ou remuneração garantida – que não deverá existir.

           Finalmente, o agente deverá atuar no âmbito normal da sua atividade quando agir em nome da empresa.

           Tendo como base os factos provados considera-se que os requisitos enunciados estão preenchidos.

           Por um lado a Requerente, pessoa coletiva com sede em território nacional, dispunha de poderes de representação para, em nome e por conta da sua representada, assumir compromissos relativos ao normal exercício da atividade do transporte de mercadorias, fazendo-o com caráter da habitualidade. Por outro, constata-se com base nos factos provados que a Requerente não seria um agente independente, na medida em que há dependência jurídica e económica.

           Antes de referir os factos provados que suportam essa conclusão, importa realçar que a não verificação da condição independência poderia, só por si, afastar a possibilidade de existir um estabelecimento estável. Isto é, o requisito da independência deve ser considerado ao mesmo tempo do que os requisitos constantes do artigo 5.º, n.º 6, do CIRC (havendo uma integração deste número com o número seguinte, evidenciado pela expressão «que não seja um agente independente nos termos do n.º 7») o que implica que se o agente for independente, ainda que os requisitos apontados no nº 5 se verifiquem - o que se constatou - não surgirá estabelecimento estável. Isto não significa, porém, que baste que o agente seja dependente para que surja estabelecimento estável. Nessas situações essa possibilidade só surgirá se estiverem preenchidos os requisitos do artigo 5.º, n.º 6 do CIRC. A leitura dos n.ºs 6 e 7 deve ser, portanto integrada.

           A dependência deve ser jurídica e económica.

A jurídica constata-se não só pelo teor do contrato de agência, como, essencialmente, pelo facto de no exercício normal da atividade da requerente, enquanto agente geral da sociedade panamiana, esta estar sujeita ao controlo e instruções por parte daquela. A económica é evidenciada por várias circunstâncias, designadamente (i) por existir um vínculo de exclusividade entre a Requerente e a sociedade panamiana, (ii) por 95% do volume de negócios contabilizado pela Requerente ser referente a prestações de serviços / comissões efetuadas /recebidas / da sociedade panamiana e (iii) pelo risco empresarial da atividade exercida pela sociedade panamiana em território nacional ser por ela assumido e não pela Requerente, apesar de ser através desta última que a atividade era exercida. A Requerente assumia apenas os riscos da sua ação como agente e comissionista e não os riscos empresariais da atividade de transporte, únicos que relevam para, nos termos do artigo 5.º, n.º 7 do IRC, se determinar se existe ou não independência do agente em termos económicos.

            O argumento de que a Associação dos Agentes de Navegação de Portugal – AGEPOR – e a Associação Internacional de Agentes de Navegação e Transportadores Marítimos – FONASBA – ao emitirem uma declaração dizendo que o contrato de agência celebrado entre a sociedade panamiana e a Requerente se coadunava com as práticas usuais do setor, não põe, de modo algum, em causa o surgimento do estabelecimento estável.

Além disso, o argumento de que se estes contratos dessem azo a um estabelecimento estável não seriam celebrados com tanta frequência ou sequer celebrados, não colhe por duas razões.

           Em primeiro lugar, apesar de os termos do contrato contribuírem em muito para a verificação dos requisitos do surgimento do estabelecimento estável com base na agência, não são conclusivos, sendo ainda necessária a dependência económica, que nem sempre é uma inevitabilidade. Como a própria Requerente afirmou, a exclusividade de certas rotas não impede o agente de representar várias sociedades.

           Em segundo lugar e tendo em conta que há cada vez mais convenções sobre dupla tributação entre os vários Estados (incluindo Portugal e Panamá que apesar de não se aplicar à situação em análise, está neste momento em vigor), e considerando que esmagadora maioria segue a CMOCDE, constata-se que, ainda que os contratos mais correntes potenciem o surgimento de estabelecimentos estáveis, isso não tem consequências a nível da tributação na fonte. Isto porque os artigos das várias convenções celebradas com base na CMOCDE, ao terem uma disposição semelhante ao artigo 8.º da mesma, vão impedir que o estado da fonte (independentemente da existência ou não de estabelecimento estável) tribute, sendo a tributação das atividades de navegação e transporte marítimos sempre feitas no país da residência (não se aplicando, por conseguinte, o equivalente ao artigo 7.º da CMOCDE que de facto permite a tributação na fonte quando o não residente tem aí estabelecimento estável). Correntemente é esta a solução que se aplica a situações semelhantes que envolvam empresas panamianas de navegação a operar em Portugal. É certo, porém, que no caso em análise, a convenção ainda não estava em vigor, pelo que se aplicam as regras do direito interno e, consequentemente, ao existir um estabelecimento estável, a empresa panamiana seria tributada em Portugal.

 

C.2.2. Imputação à Requerente dos rendimentos relativos aos serviços prestados aos clientes angariados para a B... INC., ao abrigo do disposto no artigo 4.º, n.º 3, do CIRC

 

Existe de facto um estabelecimento estável da sociedade panamiana.

Resta saber se, existindo esse estabelecimento estável, a Requerente pode ser tributada em IRC por não ser mais «que uma extensão desta empresa em território está sujeita a tributação», como se refere no Relatório da Inspecção Tributária, na página 221 do Processo Administrativo, a que corresponde a página 231 do Processo digitalizado.

A Requerente, contrariando esta tese, defende que «não é mais do que a agente geral da referida sociedade B… INC., actuando de forma independente, no âmbito normal da sua actividade e suportando o risco normal da mesma» e que «é uma empresa autónoma e independente da B... INC., e no âmbito da sua actividade de agente de navegação, actua por sua conta e risco» (pontos 16 e 17 da petição inicial).

O facto de uma sociedade não residente ter um agente em território nacional poder levar a concluir pela existência de um estabelecimento estável não implica que seja o próprio agente o estabelecimento estável, que o agente perca a sua individualidade e consequentemente que lhe sejam imputados os lucros daquela.

  Na verdade, a existência de um estabelecimento estável, incluindo, como é óbvio, as situações em que é determinado com base na agência, é uma questão de tributação da empresa por conta de quem o agente atua, e não uma questão de tributação do agente em si, que tem um regime de tributação distinto.

           O agente será tributado no Estado onde atua como tal, tendo em conta o elemento de conexão residência. Neste âmbito, o agente enquanto residente em Portugal, verá a sua comissão (de 4%) tributada como parte do seu rendimento de base mundial, não se confundindo estes rendimentos com os da sociedade panamiana por conta de quem atua.

Mas, devendo a A... considerar-se um estabelecimento estável da empresa panamiana B..., os referidos rendimentos devem ser considerados rendimentos desta empresa e não da A....

Na verdade, o estabelecimento estável reconduz-se a um património autónomo, para efeitos de direito tributário, mas a autonomia para estes efeitos consubstancia-se apenas na submissão de uma massa de bens a um tratamento fiscal unitário. «A autonomia patrimonial de Direito Tributário – e que é vulgarmente designada por “equiparação a empresa independente” – revela-se enquanto a lei submete a tributação independente os lucros que lhe são diretamente imputáveis, ao invés de tributar a pessoa coletiva no seu conjunto ou de tributar analiticamente o residente no estrangeiro por cada um dos rendimentos isolados que auferir, através da retenção na fonte». ( 2 ) «(...) Entre nós, a autonomia patrimonial dos estabelecimentos não conduziu à atribuição de personalidade jurídica, para efeitos fiscais, de tal sorte que o contribuinte continua a ser o residente no estrangeiro, só que tributado no país em que a sucursal se situa através de uma metodologia idêntica à das pessoas Coletivas aí residentes. Com efeito, o artigo 13.º, n.º 1, do CIRS, e o artigo 2.º do CIRC, consideram sujeito passivo do imposto, não o estabelecimento estável, em, si mesmo considerado, mas as pessoas singulares ou Coletivas, residentes no estrangeiro, que sejam os seus titulares». ( 3 )(realçado nosso)

Esta doutrina tem apoio explicito na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRC, em que se estabelece que são sujeitos passivos do imposto «as entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede nem direção efetiva em território português e cujos rendimentos nele obtidos não estejam sujeitos a IRS». ( 4 )

Será, portanto, o não residente que detém o estabelecimento estável e não o próprio estabelecimento estável a ser tributado, pois, como parece claro à face do preceituado no n.º 2 do artigo 4.º do CIRC, para que remete a parte inicial do n.º 3 do mesmo artigo invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, o estabelecimento estável, apesar de ser tratado como uma massa patrimonial autónoma para efeitos de determinação do montante dos lucros tributáveis em Portugal, não tem personalidade tributária autónoma, sendo unicamente uma presença especialmente relevante do não residente: são «as pessoas Coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português (que) ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos».

O próprio Código do IRC, nas várias disposições que se referem ao estabelecimento estável, considera-o sempre como estando ligado ao não residente e não como entidade autónoma [artigos 3.º, n.º 1, alínea d), e 55.º n.º 1, entre outros artigos do CIRC] com personalidade tributária distinta da sociedade ou entidade não residente de que faz parte.

Do que foi explanado infere-se que, apesar de se ter concluído que a existência de um contrato de agência, nos termos que se deram como comprovados, dá azo a um estabelecimento estável em Portugal da sociedade panamiana, esta será a única relativamente à qual poderão ser liquidados os valores em litígio, nunca a Requerente. ( 5 )

A indistinção entre sujeito passivo não residente, neste caso a sociedade panamiana, e o agente cuja atuação pode dar origem ao surgimento de um estabelecimento estável assenta no equívoco de que o estabelecimento estável que surge nesse contexto é o próprio agente, isto é, a Requerente.

Conclui-se, assim, que é ilegal a qualificação dada aos rendimentos do estabelecimento estável da B... que a Requerente constitui, como rendimentos desta, por violação do preceituado no n.º 3, com remissão para o n.º 2, do artigo 4.º do CIRC.

Diferente poderia ser a solução se se pudesse entender, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira nos artigos 30.º a 38.º da sua contestação, que terá sido criada «uma realidade inexistente e falsa», «uma suposta realidade», o que pretende demonstrar com o conteúdo da página informática da B..., INC ( 6 ). Porém, a eventual criação artificial de uma sociedade estrangeira para obter efeitos tributários favoráveis para a Requerente, que, nessa tese, seria a verdadeira detentora dos interesses económicos subjacentes à atividade de ambas, apenas poderia ser relevante para efeitos tributários se tivesse sido ativada uma norma antiabuso, que viabilizasse a desconsideração, para efeitos fiscais, dos atos ou negócios jurídicos que tivessem sido praticados para criar a «suposta realidade» a autonomia «inexistente e falsa» entre da B..., INC e da Requerente. Mas, a adoptar a Autoridade Tributária e Aduaneira uma solução deste tipo, estaria afastada a possibilidade de a Requerente ser um estabelecimento estável da B…INC. Com efeito, ou a A... é uma longamanus da B…Inc ou esta é uma ficção daquela, não sendo compagináveis as duas teses.

Conclui-se, assim, que o ato de liquidação enferma de vício de violação de lei põe, erro sobre os pressupostos de direito, designadamente o artigo 4.º, n.º 3, com referência ao n.º 2, do CIRC.

 

C.3. Pedidos subsidiários relativos à legalidade do ato de liquidação

Como se referiu e decorre do n.º 1 do artigo 469.º do Código de Processo Civil, procedendo um dos pedidos principais, fica prejudicada a apreciação dos pedidos subsidiários de declaração de ilegalidades, que são o da errónea quantificação dos rendimentos e lucros relativos a 2009, por não consideração de benefício fiscal e por não contabilização de gastos que entende deverem ser contabilizados e consideração de ganhos que não deviam ser considerados e o da violação do artigo 36.º do RCPIT.

Assim, não se toma conhecimento destes pedidos.


 

C.4. Pedido de indemnização pela prestação e manutenção da garantia

A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito».

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos atos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu artigo 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo artigo 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do artigo 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo ato tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo ato tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são suscetíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 52.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

 

Garantia em caso de prestação indevida

 

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.

 

No caso em apreço, é manifesto que o erro do ato de liquidação, consubstanciado na imputação à Requerente dos lucros da B... INC., é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois a inspeção tributária e a liquidação foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticados.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

Como se referiu no ponto 9. da matéria de facto fixada, a Requerente prestou garantia bancária no valor de € 5.764.003,74, em 01-08-2012, e fez posterior reforço da mesma para € 5.834.609,79 em 31-08-2012, para obter efeito suspensivo da execução fiscal instaurada para cobrança da quantia liquidada.

No entanto, não foram alegados e provados os encargos que a Requerente suportou para prestar a garantia bancária, pelo que é inviável fixar aqui a indemnização a que a Requerente tem direito, o que só poderá ser efetuado em execução deste acórdão.


 

C.5. Pedido de indemnização pelas despesas suportadas pela Requerente com honorários dos seus Advogados despesas processuais e Parecer jurídico junto aos autos


 

Pelo que se referiu no ponto anterior sobre o âmbito e objeto do processo de impugnação judicial, transponível para os processos arbitrais tributários, não pode neste processo arbitral conhecer-se de pedidos de indemnização por despesas suportadas pela Requerente com honorários dos seus Advogados, despesas processuais e parecer jurídico junto, para além do que decorre do dever de fixar a responsabilidade pelos encargos do processo, nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, o que se fará a final.

Quanto aos restantes pedidos só podem ser conhecidos em execução de julgado, que não se inclui na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, definida no artigo 2.º do RJAT.

Por isso, não se toma conhecimento destes pedidos.

 

D. Valor do processo

De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 4.526.611,13.


 

E. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 57.222,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

F. Decisão

 

Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:


 

a) julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b) declarar a ilegalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2012…, relativa ao ano de 2009, o valor de € 4.218.272,73, e respetivos juros compensatórios no valor de € 308.338,40, tudo no valor total de € 4.526.611,13 (quatro milhões, quinhentos e vinte e seis mil, seiscentos e onze euros e treze cêntimos);

c) julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no pagamento de indemnização pela garantia prestada, nos termos em que for liquidada em execução do presente;

d) condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar as custas do processo, no montante de € 57.222,00;

e) considerar prejudicado o conhecimento das questões da errónea quantificação dos rendimentos e lucros relativos a 2009, por não consideração de benefício fiscal e não contabilização de gastos que entende deverem ser contabilizados e por consideração de ganhos que não deviam ser considerados, e da violação do artigo 36.º do RCPIT.


 

Lisboa, 14-5-2013

Os Árbitros


 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

(José Pedro Carvalho)


 

(João Sérgio Ribeiro)

1(  ) O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do ato administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto e que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.

Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 4-11-1998, processo n.º 40618; de 10-3-1999, processo n.º 32796; de 6-6-1999, processo n.º 42142; de 9-2-2000, processo n.º 44018; de 28-3-2000, processo n.º 29197; de 16-3-2001, do Pleno, processo n.º 40618; de 14-11-2001, processo n.º 39559; de 18-12-2002, processo n.º 48366.

2(  ) ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional, 2.ª edição, página 326.

3(  ) Autor e Obra Citados.

4(  ) Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 7-5-2008, processo n.º 0200/08, cuja jurisprudência veio a ser seguida nos acórdãos de 21-5-2008, processo n.º 0191/08, e de 24-9-2008, processo n.º 0199/08.

Naquele primeiro aresto refere-se que esse conceito de estabelecimento estável adotado no CIRC é transponível para o IVA, apesar de não haver uma norma que o defina, dizendo-se o seguinte:

 

Mas, há várias disposições do CIVA que aludem a «sujeitos passivos», «transmitentes», «adquirentes» e «prestadores» referindo-se à circunstância de eles disporem ou não de estabelecimento estável em território nacional [arts. 2.º, n.º 1, alíneas g) e h), 6.º, n.ºs 4, 6, 8, 9, 10, alínea b), e 22 alíneas a), b) e c), 29.º, n.ºs 1 e 2, e 35.º, n.ºs 9 e 12, 52.º, n.ºs 3, 5 e 6, e 70.º, n.ºs 3 e 4, e 84.º, n.º 2] que revelam claramente que o «sujeito passivo», «transmitente», «adquirente» ou «prestador» não é o próprio estabelecimento estável.

À mesma conclusão se chega à face do art. 9.º, n.º 1, da Sexta Diretiva, que, ao referir o lugar onde o prestador dos serviços tenha a sede da sua atividade económica ou um estabelecimento estável a partir do qual os serviços são prestados ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar do seu domicílio ou da sua residência habitual, inequivocamente deixa perceber que o prestador é a pessoa singular ou coletiva detentora do estabelecimento estável e não este.

5(  ) A Requerente poderia, eventualmente, ser notificada da liquidação enquanto representante da sociedade, mas nunca enquanto sujeito passivo. Isto porque, a ser pensável uma responsabilidade solidária da requerente enquanto gestora dos bens da sociedade panamiana, esta só seria onerada com essa responsabilidade se não existisse estabelecimento estável, como decorre do n.º 1 do artigo 27.º da Lei Geral Tributária, o que não corresponde ao que sustenta a Autoridade Tributária e Aduaneira.

6(  ) Refere a Autoridade Tributária e Aduaneira que a página informática da B…, http://www. ... .com) esta «qualifica-se como sendo um armador especializado, que se dedica ao tráfego marítimo entre Portugal/Espanha e Angola», «não tem qualquer contacto ou domicílio, a não ser dois contactos da …», «ambos com endereço de correio electrónico da …».