Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 388/2023-T
Data da decisão: 2024-01-03  IVA  
Valor do pedido: € 359.791,82
Tema: IVA - Comunicação a que se refere o artº. 78º., nº. 11 do CIVA. Sociedade sem dissolução registada.
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SUMÁRIO:

1. Uma sociedade só se considera extinta, quando se encontra já registada a respectiva liquidação e dissolução, pelo que, apesar de ter terminado o processo de insolvência, que terminou por insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas e das restantes dívidas dessa massa insolvente, a liquidação e dissolução da sociedade só virá a acontecer nos termos do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais (RJPADLEC), aprovado pelo DL n.º 76-A/2006, de 29 de Março, no qual a sociedade ainda teria de ser ouvida, como determina o seu artº. 8º.

2. Por isso, retomada a norma gestão da sociedade, para efeitos do artº. 78º., nº. 11 do CIVA, são validamente notificados os administradores da sociedade insolvente, que, de acordo com a respectiva certidão permanente do registo comercial, aí se encontrem registados.

3. Nestes casos como os referidos em 2. é dispensada a notificação referida no artº. 78º., nº11 do IVA, se mesmo antes do registo da dissolução houver claros indícios de que a sociedade devedora não tenha prosseguido a actividade após a data do encerramento da insolvência, resultando esses indícios do facto de a sociedade devedora ter cessado a sua actividade para efeitos de IVA por declaração apresentada em data anterior.

 

DECISÃO ARBITRAL

          Os árbitros Prof. Doutora Regina de Almeida Monteiro, na qualidade de Presidente, Dr. Ricardo Rodrigues Pereira e Dr. José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora, na qualidade de relator, designado pelos Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 1/8/2023, proferem a presente decisão arbitral, nos termos seguintes:

         

1. Relatório

A..., Lda., sociedade comercial por quotas, com o número de identificação fiscal e de pessoa colectiva..., com sede na ..., n.º ..., ...-... Lisboa vem requerer a Constituição de Tribunal Arbitral, formulando o Pedido de Pronúncia Arbitral contra a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira, pedindo a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), de juros de mora e das demonstrações de acerto de contas que se identificam abaixo, no valor total de € 97.347,34, bem como as correcções por imposto em excesso a regularizar pela requerente, em sede de IVA no campo 40 da declaração respeitante ao período 2021/12, no montante de € 359.791,82, de que resultaram essas liquidações adicionais de IVA, com data limite de pagamento de 27.02.2023 e 08.02.2023, invocando o disposto na alínea a) do número 1 do artigo 2.º, no n.º 1 e na alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º, na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o regime jurídico da arbitragem em matéria tributária («RJAT»)

 

1.1 Tramitação e constituição do Tribunal Arbitral

O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 31/5/23 e aceite no mesmo dia, nos termos regulamentares aplicáveis, tendo o Requerente optado pela não designação de árbitro.

Por despacho de 14/7/2023 do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foram designados para árbitros os ora subscritores, tendo sido comunicada essa designação no mesmo dia às partes e, não tendo havido reclamação da mesma, em 1/08/2023, foi comunicada às partes a constituição do Tribunal Arbitral;

A 2/10/2023, a Requerida apresentou a sua Resposta e fez juntar nessa data aos autos o processo administrativo (PA).

Por despacho arbitral de 6/10/23, foi dispensada a reunião a que se refere o artº. 18º. do RJAT e notificadas as partes para alegações no prazo de 10 dias sucessivos, apenas tendo a Requerente apresentado as alegações, tendo procedido já ao pagamento da taxa de justiça subsequente.

 

1.2 – Posição da Requerente

            A sociedade Requerente impugna a liquidação adicional de IVA resultante da não aceitação da regularização de IVA a seu favor, por ela promovida, através da declaração periódica de IVA do mês de Dezembro de 2021.

            Para o efeito, alega que, entre 2010 e 2012, prestou serviços de publicidade à sociedade B... S.A. (“B...”), pessoa colectiva n.º..., emitindo as respectivas facturas, que junta acompanhadas da certificação do Revisor Oficial de Contas (“ROC”), sendo que a sociedade B... não procedeu ao pagamento das referidas facturas, mas a Requerente liquidou o respectivo IVA nos termos legais, que entregou ao Estado.

A sociedade B... cessou a sua actividade para efeitos de IVA em 31.12.2018 e veio a ser declarada insolvente em 06.10.2020, tendo o processo de insolvência da B... acabado por ser encerrado em 28.06.2021, com fundamento na insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas e das restantes dívidas da massa insolvente.

Face ao encerramento da insolvência e alegadamente logo que do mesmo teve conhecimento e porque não obtivera o pagamento dos créditos que detinha sobre a B..., procedeu a Requerente à comunicação da intenção de regularização do IVA a seu favor para todas as entidades que considerou que poderiam ser partes interessadas, por representantes da sociedade declarada insolvente, a saber o Conselho de Administração da B... a e cada um dos administradores individualmente, a sociedade C..., acionista e liquidatária da B... a e a Administradora de Insolvência da B..., D..., todos por meio de carta registada com aviso de recepção.

Procedeu depois à regularização do IVA a seu favor na declaração periódica relativa ao período de Dezembro de 2021, tendo solicitado o respectivo crédito a seu favor na declaração periódica relativa ao período de Abril de 2022, sendo que alegadamente o encerramento da insolvência não prosseguiu para “liquidação da devedora, nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e liquidação de entidades comerciais”, conforme informação que diz ter obtido informalmente junto do Registo Comercial e resulta da certidão permanente do Registo Comercial da B... que junta, pelo que conclui que até à data da apresentação do PPA, a B... ainda mantém a sua existência jurídica.

Após o pedido de regularização do IVA a seu favor, a Requerente foi notificada do início da inspecção tributária em sede de IVA, tendo sido notificada em 29 de Dezembro de 2022 do Relatório de Inspecção Tributária, datado de 20 de Dezembro de 2022, no âmbito do procedimento de inspecção tributária que incidiu sobre o exercício em causa, onde foram realizadas correcções tributárias, em sede de IVA, tendo a Requerente sido notificada das demonstrações de liquidação de IVA e de juros de mora, e das demonstrações de acerto de contas que também junta e ora impugna.

Acontece que as correcções efectuadas pela AT baseiam-se num único argumento, o da alegada falta de comunicação por parte da Requerente ao devedor da regularização do IVA (a B...), sendo que, como vem descrito no Relatório de Inspecção, em causa está uma regularização de IVA, referente a um crédito anterior a 31.12.2012 que a Requerente tem sobre a B..., pelo que a essa regularização se rege pela legislação aplicável à regularização, que consta do artigo 78.º do Código do IVA, relativamente aos créditos vencidos antes de 31.12.2012, em especial o preceituado na alínea b) do n.º 7 do referido artigo, no que a ora Requerente e a AT estão de acordo.

No caso concreto e no que diz respeito à verificação dos requisitos para a regularização do imposto, segundo os termos da legislação supracitada, atendendo ao disposto no n. º 11 do art.º 78.º do CIVA, torna-se indispensável que seja comunicado ao adquirente dos bens ou serviços a anulação do imposto para efeito de rectificação da dedução inicialmente efetuada. Este normativo exige do credor que reúna os requisitos legais e que pretenda proceder à regularização do imposto a seu favor, que comunique esse facto ao devedor, para que o adquirente do bem ou serviço que seja um sujeito passivo do imposto, proceda à retificação da dedução inicialmente efetuada.

Entende a AT, para justificar as correcções efectuadas que (i) por um lado, as comunicações não foram efectuadas para os legais representantes da B..., e que (ii) a Requerente já não estava em prazo para realizar a referida comunicação.

Conforme vem referido no Relatório de Inspecção, “todas as notificações foram enviadas em data posterior à publicação do encerramento do processo de insolvência (2021/06/28), sendo de relevar aqui apenas a notificação efetuada à Sra. Administradora de Insolvência, que é legal representante da empresa insolvente no caso em apreço. Ora, de acordo com a al. b) do art.º 233.º do CIRE, encerrado o processo de insolvência cessam as atribuições da comissão de credores e do administrador da insolvência, com excepção das referentes à apresentação de contas e das conferidas, se for o caso, pelo plano de insolvência”.

Também se refere nesse relatório que, nos termos do n.º 4 do art.º 234.º do mesmo diploma, “no caso de encerramento por insuficiência da massa insolvente, a liquidação da sociedade prossegue nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais, devendo o juiz comunicar o encerramento e o património da sociedade ao serviço de registo competente”.

Concluindo o referido relatório que “em 2021/06/28, foi proferido despacho de encerramento do processo de insolvência, face à insuficiência da massa insolvente, e de cessação de funções do administrador de insolvência. Daí que, àquela data de 2021/10/21, o administrador de insolvência já não estivesse em exercício de funções.”

Conforme resulta claro do Relatório de Inspecção, os motivos que levaram à correcção efectuada foram apenas e só o entendimento, por parte da AT, de que a Requerente não cumpriu o dever de comunicação ao devedor, constante do n.º 11 do artigo 78.º do Código do IVA, porque entende a AT que com o encerramento do processo de insolvência, ocorreu a morte jurídica da sociedade pelo que, no momento em que a referida comunicação foi realizada, a sociedade já não existia e os destinatários da referida comunicação já não seriam competentes para receber a mesma.

Porém, entende a Requerente, que a “morte jurídica” da devedora só ocorrerá com o encerramento da liquidação, pelo que a AT considera, erroneamente, que o encerramento da insolvência coincide com a morte jurídica da sociedade.

Entende a Requerente que, em matéria de insolvência, os artigos 232.º e seguintes do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (“CIRE”) versam sobre o encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente, em particular, o n.º 4 do artigo 234.º do CIRE que dispõe que “no caso de encerramento [do processo de insolvência] por insuficiência da massa insolvente, a liquidação da sociedade prossegue nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais, devendo o juiz comunicar o encerramento e o património da sociedade ao serviço de registo competente.”

O encerramento da insolvência por insuficiência da massa insolvente da B... em 22.07.2021, foi decidido, publicado e registado por efeito da sentença de 26.06.2021, mas no entender da Requerente esse encerramento da insolvência não determina a extinção da sociedade comercial, nem tão pouco a cessação dos efeitos  jurídicos e tributários, o que só aconteceria com o encerramento da liquidação que determina, em regra, a extinção da mesma sociedade, pelo que apenas com o registo e publicação da liquidação e dissolução tal facto se torna oponível a terceiros, como resulta do artigo 14.º do Código do Registo Comercial.

Porém, até à data em que foi apresentado o PPA, o encerramento da liquidação da B... não tinha sido ainda sequer registado nem publicado, como resulta da Certidão Permanente que juntou, sendo que a última inscrição até essa data era a referente à “decisão judicial de encerramento do processo de insolvência”.

Como no entender da Requerente a sociedade continuava a existir, a Requerente enviou também a referida comunicação exigível para regularização do IVA para todos os representantes legais possíveis, de modo a ter a certeza que a comunicação seria correctamente efectuada e recebida por quem de direito, pois os administradores da sociedade são os liquidatários e, por isso, os seus representantes legais, nos termos do artigo 151.º do CSC, pelo que a comunicação enviada pela Requerente, segundo esta, foi correctamente enviada para os destinatários correctos, entendendo a Requerente que, além da comunicação realizada pela Requerente à B... ter sido tempestiva, foi também realizada para os destinatários correctos, considerando-se cumprida a obrigação legal prevista no n.º 11 do artigo 78.º do Código do IVA.

Por fim, entende a Requerente que, mesmo que se acolhesse o entendimento da AT de que a sociedade em questão já não existia à data do envio da comunicação, tal não determinaria a impossibilidade de regularização do IVA, uma vez que, nos termos conjugados do artigo 34.º e n.º 2 do artigo 2.º, ambos do Código do IVA, desde a cessação de actividade da B..., para efeitos de IVA, a mesma deixou de ser considerada como um sujeito passivo de IVA, pelo que, à data da regularização efectuada, ainda que se possa discutir se a B... havia sido juridicamente extinta ou não, tal como vem agora discutir a AT, a verdade é que a data da sua efectiva extinção – que ainda não ocorreu – é irrelevante, na medida em que a mesma já desde 2018 havia deixado de ser sujeito passivo de IVA, pelo que não seria exigível a comunicação a que alude o n.º 11 do artigo 78.º do Código do IVA, por falta de previsão legal nesse sentido.

Ou seja, conforme vem sido repetidamente decidido pelo TJUE, a limitação do direito à regularização do IVA com fundamento na perda da qualidade de sujeito passivo do devedor é incompatível com as normas europeias.

Termina pedindo a anulação das liquidações de IVA, de juros de mora e das respectivas demonstrações de acerto de contas e pedindo igualmente a restituição das quantias indevidamente pagas, bem como que lhe sejam pagos juros indemnizatórios, nos termos legalmente previstos.

 

1.3 – Posição da Requerida

            Por sua vez, a Requerida, com base no texto do relatório da Inspecção Tributária e cujas transcrições deixámos atrás feitas, considera que estão provados os factos apurados, ou seja, que a regularização do IVA em causa decorre da falta de recebimento de um crédito, vencido antes de 1 de janeiro de 2013, mas considerado incobrável apenas a partir de tal data, que a publicação do encerramento do processo de insolvência ocorreu em 2021/06/28, que a Requerente enviou as notificações da intenção de proceder à regularização do imposto a seu favor, em 2021/10/21, ao conselho de administração da sociedade B..., aos próprios administradores e à Sra. Administradora de Insolvência e em 2021/11/11, à sociedade C... administradora e liquidatária e que a sociedade B... se encontra encerrada em sede de IVA desde antes de julho de 2020, pelo que entende que a 26/06/2021, tal como consta do anexo 7 ao RIT, com a publicitação da decisão de encerramento do processo, extinguiram-se todas as obrigações fiscais da devedora.

            No entender da Requerida, isso resulta do excerto da decisão em que se ordena que “dê ainda cumprimento ao preceituado no nº. 3 do artº. 65º. do CIRE, comunicando à Autoridade Tributária o encerramento da actividade do estabelecimento para efeitos de extinção de todas as obrigações declarativas e fiscais”.

Face aos factos apurados, tal como constam do anexo 7 ao RIT, a 26/06/2021, extinguiram-se todas as obrigações fiscais da devedora, sendo que apenas após tal data, comunicou a Requerente a sua intenção de regularizar a seu favor o imposto em questão, pelo que aquando da comunicação prevista no n.º 11, já a destinatária de tal comunicação tinha visto extinguirem-se todas as suas obrigações tributárias, entre outras, no caso, a de regularizar a favor do Estado o imposto que a Requerente comunicou pretender regularizar a seu favor, tornando assim a comunicação feita inócua.

Por isso, atenta a jurisprudência feita constar do RIT, não pode a Requerente efectuar a pretendida regularização de imposto a seu favor, porquanto não efectuou a comunicação prevista no n.º 11, quando esta ainda poderia surtir os efeitos que determinaram a criação de tal regra, pelo que deve o presente PPA ser julgado improcedente por não provado, dado que não se verificam os pressupostos previstos no nº. 1, do artigo 43º da LGT, que determinam o pagamento de juros indemnizatórios, pelo que também nesta parte, deve o presente PPA improceder.

           

2. Saneamento

            O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são as legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Não existem excepções, nulidades ou outras questões suscitadas, nem que sejam de conhecimento oficioso.

 

3. Fundamentação de facto

Considerando os articulados das partes, os documentos juntos e o processo administrativo, são considerados provados os factos que a seguir se indicam.

 

3.1 - Factos provados

De acordo com a alegação das partes e dos documentos juntos e com interesse para a decisão final dos presentes autos, estão provados os seguintes factos:

a) A Requerente é uma sociedade comercial cujo objecto de actividade é a prestação de serviços na área da publicidade, mais exactamente “actividades de representação nos meios de comunicação”, com o CAE 073120 (provado por acordo das partes e relatório da inspecção tributária).

b) A Requerente encontra-se enquadrada para efeitos de IVA no regime mensal (provado por acordo das partes e relatório da inspecção tributária).

c) Entre 2010 e 2012, a Requerente prestou serviços de publicidade à entidade B... S.A. (“B...”), pessoa colectiva n.º ..., com sede no ..., ..., ...-... Lisboa (provado por acordo das partes e pelos documentos juntos pela Requerente sob o nº. 2).

d) A sociedade B... não procedeu ao pagamento das referidas facturas, no entanto, a Requerente liquidou o respectivo IVA nos termos legais e entregou ao Estado (provado por acordo das partes e documento nº. 3).

e) A sociedade B... cessou a sua actividade para efeitos de IVA por declaração apresentada em 31.12.2018 (provado por acordo das partes e relatório da inspecção tributária).

f) A sociedade B... foi declarada insolvente em 06.10.2020, por sentença com essa data proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa - Juiz 2, com referência ao Processo n.º .../20...T8LSB (provado por acordo das partes e documentos 4 e 5 juntos pela Requerente).

g) O processo de insolvência da B... acabou por ser encerrado em 28.06.2021 por insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas e das restantes dívidas da massa insolvente, por sentença dessa data (provado por acordo das partes e documento nº. 5 junto pelo Requerente).

h) Nesta sentença é determinado que são considerados efeitos desse encerramento:

- Cessam os efeitos da declaração de insolvência.

- Cessam as atribuições da Sr.ª Administradora de Insolvência, excepto as relativamente às enumeradas no art. 233º nº1, al. b) do CIRE, caso se verifiquem.

- Cessam todos os efeitos decorrentes da declaração de insolvência, designadamente recuperando a devedora o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão do negócio, sem prejuízo dos efeitos da qualificação de insolvência e do disposto no art. 234º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa – art. 233º nº1, al. a) do CIRE.

- Os credores da massa insolvente podem reclamar da devedora os seus direitos não satisfeitos – art. 233º nº 1, al. d) do CIRE.

- A liquidação da devedora prosseguirá, nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e liquidação de entidades comerciais – art. 234º nº4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa (na versão introduzida pelo art. 35º do Decreto Lei nº 76-A/06 de 29/03/06).” (provado por acordo das partes e documento nº. 5 junto pela Requerente)

i) A Requerente procedeu à comunicação da sua intenção de regularização do IVA a seu favor para as entidades seguintes:

- o Conselho de Administração da B...

- cada um dos administradores individualmente;

- a sociedade C..., acionista e liquidatária da B...;

- a Administradora de Insolvência da B..., D... . (provado por acordo das partes e documento nº. 6 junto pela Requerente)

j) Estas comunicações foram enviadas por carta registada com aviso de recepção, em 21/10/21, para os destinatários referidos e recebidas entre 22 e 26/10/2021, com excepção da carta da sociedade C... que só foi enviada em 11/11/2021 (provado por acordo das partes e pelos documentos que integram o documento 6 junto pela Requerente).

k) A Requerente procedeu à regularização do IVA a seu favor na declaração periódica relativa ao período de Dezembro de 2021, tendo solicitado o respectivo crédito a seu favor na declaração periódica relativa ao período de Abril de 2022 (provado por acordo das partes e documentos 7 e 8 juntos pela Requerente).

l) Não consta do registo comercial que o encerramento da insolvência tenha prosseguido com a liquidação da B..., nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e liquidação de entidades comerciais, sendo que os administradores aí registados são E... e F..., a que foram endereçadas as cartas referidas nas alíneas anteriores (provado pela certidão permanente do Registo Comercial da B... junta pela Requerente como documento 9).

m) No seguimento do pedido da regularização do IVA a seu favor, a Requerente foi notificada do início da inspecção tributária em sede de IVA, tendo sido notificada em 29 de Dezembro de 2022 do Relatório de Inspecção Tributária, datado de 20 de Dezembro de 2022, no âmbito do procedimento de inspecção tributária que incidiu sobre o exercício em causa, onde foram realizadas correcções tributárias, em sede de IVA (provado pelo relatório da inspecção tributária junto sob o nº. 10 pela Requerente).

n) Na sequência desse Relatório, foi a Requerente notificada das demonstrações de liquidação de IVA e de juros de mora, e das demonstrações de acerto de contas (provado por acordo das partes, com base no relatório da inspecção tributária e pelo conjunto de documentos juntos pelo Requerente sob o nº. 1).

o) Conforme consta do Relatório de Inspecção Tributária (vide Documento n.º 10), foi realizada a seguinte correcção, em sede de IVA (provado pelo relatório da inspecção tributária).

 

p) Os Serviços de Inspecção Tributária concluíram no “Capítulo IX.2 – Reflexo das correcções no pedido de reembolso” do Relatório de Inspecção Tributária (vide Documento n.º 10) que “O reembolso de IVA solicitado na declaração periódica respeitante ao período 2022/04, no valor de € 500.000,00, resulta de um crédito de imposto acumulado no montante de € 852.517,64, pelo que, as correcções propostas no ano de 2021, credenciadas pela ordem de serviço interna n.º OI2022..., no valor de € 359.791,82, determinaram a redução do excesso a reportar do montante de € 352.517,64 para zero e à redução do crédito de imposto para o montante de € 492.725,82 (€ 500.000,00 – (€ 359.791,82 - € 352.517,64), propondo-se que o reembolso seja deferido para este montante.” (provado pelo relatório da inspecção tributária e documento 11 junto pela Requerente).

q) A correcção foi realizada pelas liquidações adicionais de IVA, nomeadamente por alteração ao campo 61 (“excesso a reportar”) das declarações periódicas apresentadas pela Requerente em Julho, Agosto e Outubro de 2022, as quais foram corrigidas em cada uma das liquidações adicionais emitidas para os períodos respectivos, sendo o imposto a restituir diminuído para o montante de € 492.725,82 (€ 500.000,00 – (€ 359.791,82 - € 352.517,64), propondo-se que o reembolso seja deferido para este montante.” (provado pelo relatório da inspecção tributária e documento 11 junto pela Requerente).

r) A Requerente apresentou, a 31-05-2023, o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

3.2 Factos não provados e fundamentação da matéria de facto considerada provada

          Não existem outros factos não provados com interesse para a decisão deste processo.

          Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e conforme o conteúdo do processo administrativo junto pela Requerida, bem como pelo que consta no Relatório da Inspecção Tributária que foi transcrito pela Requerida como sua resposta ao requerimento do pedido de pronúncia arbitral, resultando de todos esses documentos uma concordância total sobre os factos que se julgam provados.

         

4. Matéria de direito

 

4.1 - Questões a resolver

Como questões a resolver, temos essencialmente a questão de saber se a comunicação referida nas alíneas i) e j) dos factos provados são ou não tempestivas para efeitos de a Requerente poder proceder à regularização do IVA referido na alínea k) dos factos provados, como ela entende que sim, ou se serão intempestivas como entende e decidiu a Requerida, procedendo a liquidação adicional do IVA regularizado.

Adjuvantemente consideraremos a questão levantada pela Requerente no seu PPA, da desnecessidade dessa comunicação, por a empresa insolvente já ter declarado a cessação da sua actividade para efeitos de IVA, questão esta sobre a qual a Requerida se não pronunciou na sua resposta.

 

4.2 – Da tempestividade para efeitos de regularização do IVA

Como se referiu, o único fundamento que a AT apresenta para negar a regularização do IVA é o da falta de notificação do devedor pelo sujeito passivo do IVA, da quantia referente a este imposto, por falta de pagamento das facturas, onde ele estava liquidado.

Assente que, entre 2010 e 2012, a Requerente prestou serviços de publicidade à sociedade B... S.A. (“B...”), emitindo nesse período as respectivas facturas com a liquidação do IVA devido, facturas estas que nunca vieram a ser pagas, a sociedade B... cessou a sua actividade para efeitos de IVA em 31.12.2018, acabou essa sociedade por ser declarada insolvente em 06.10.2020, tendo o processo de insolvência da B... acabado por ser encerrado em 28.06.2021 com fundamento na insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas e das restantes dívidas da massa insolvente.

Face ao encerramento da insolvência com aquele fundamento, há que averiguar para efeitos do n.º 11 do art.º 78.º do CIVA, se as comunicações feitas pela ora Requerente e consideradas provadas nas alíneas i) e j) dos factos provados, indispensáveis para que o adquirente dos bens ou serviços proceda à rectificação da dedução inicialmente efetuada, se esse adquirente do bem ou serviço ainda for um sujeito passivo do imposto, através da regularização também das suas declarações de IVA, onde eventualmente deduziu o IVA que não pagou.

Assim sendo fica o problema da notificação ao devedor, sujeito do processo de insolvência, e a questão é a de saber se houve notificação válida ou não e a quem a mesma deveria ser dirigida e até quando.

É que a Requerente dirigiu a comunicação a um conjunto de pessoas, acima referidas, nas alíneas i) e j) dos factos provados, porque na data em que enviou as cartas, 21/10/2021, não sabia a Requerente quem representava a sociedade B...  S.A. (“B...”).

Com efeito, a sentença do processo de insolvência da B... que encerrou a insolvência em 28.06.2021, por insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas e das restantes dívidas da massa insolvente, como resulta da al. h) dos factos provados, declarou ainda os efeitos desse encerramento, dos quais salientamos a cessação dos efeitos da declaração de insolvência, a cessação das atribuições da Sr.ª Administradora de Insolvência, excepto as enumeradas no art. 233º nº1, al. b) do CIRE, caso se verifiquem, o que não é o caso e por que cessam todos os efeitos decorrentes da declaração de insolvência, a devedora, ou seja, a B... recupera o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão do negócio, através dos seus representantes designados e inscritos como tal no registo comercial.

Mais determina a referida sentença que a liquidação da devedora prosseguirá, nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e liquidação de entidades comerciais – art. 234º nº4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa (na versão introduzida pelo art. 35º do Decreto-Lei nº 76-A/06 de 29/03/06).

Portanto, resulta claro que, apesar de ter terminado o processo de insolvência, atendendo à causa pela qual o mesmo terminou, não se extinguiu a sociedade B... S.A. (“B...”), o que só viria a acontecer nos termos do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais (RJPADLEC), aprovado pelo DL n.º 76-A/2006, de 29 de Março, no qual a sociedade ainda teria de ser ouvida, como determina o seu artº. 8º.

Por isso, só com o registo da decisão final desse processo – vejam-se os artigos 11º. e 13º. desse RJPADLEC –, decisão essa que encerraria o processo de liquidação da B... e consequentemente da sua dissolução, é que ocorreria a extinção da sociedade B... S.A. (“B...”), nos termos legais.

Com efeito, é o que prescreve a alínea a) do n.º 5 do artigo 8.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) que dispõe que “Para efeitos deste Código, a cessação da actividade ocorre: a) Relativamente às entidades com sede ou direcção efectiva em território português, na data do encerramento da liquidação ….

Logo, na sentença, declarou-se que o processo seguiria para a liquidação da devedora, prosseguindo nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e liquidação de entidades comerciais – art. 234º nº4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa (na versão introduzida pelo art. 35º do Decreto-Lei nº 76-A/06 de 29/03/06). Só então, terminada a liquidação, é que seria feito o registo da extinção da sociedade B... S.A. (“B...”), o que até 3/2/2022, ainda não ocorrera, como resulta do doc. 9 junto com o PPA.

Portanto, não existe a morte jurídica da sociedade B... .

Sucede que a AT, apesar de reconhecer todas as comunicações enviadas pela Requerente aos eventuais representantes da sociedade declarada insolvente, a saber o Conselho de Administração da B... e para cada um dos administradores individualmente, a sociedade C..., acionista e liquidatária da B... e a Administradora de Insolvência da B...,  D..., por meio de carta registada com aviso de recepção enviada em 21/10/2021, com excepção da carta da sociedade C... que só foi enviada em 11/11/2021, apenas aceitou como válida – não se sabe por que razão, pois a AT a não explicita – a carta enviada à Administradora de Insolvência que estava claramente fora de prazo, pois as suas funções haviam terminado em Junho anterior ou eventualmente em Julho, com o registo dessa sentença.

Mas a AT esqueceu todas as demais notificações, nomeadamente as enviadas aos administradores que, face à sentença que pôs termo ao processo de insolvência e nos termos do artº. 233º., nº. 1, al. a) do CIRE, eram as pessoas que representavam a sociedade B... S.A. (“B...”), pois tinha-lhes sido restituída a livre gestão dos negócios dessa sociedade e, como tal, encontravam-se registados no registo comercial, como se alcança da certidão dada como provada no facto l) dos factos provados, pela junção do documento 9 – certidão perante do registo comercial da B... - por parte da ora Requerente com a sua petição inicial.

Consequentemente, foram validamente notificados os administradores da sociedade insolvente que, como se alcança do citado documento 9 – certidão perante do registo comercial da B...–, retomaram as suas funções e ainda não estava registada (não sabemos se decidida) a dissolução administrativa da sociedade que fora insolvente e já o não era.

Daí que, sem quaisquer dúvidas, a Requerente cumpriu a formalidade de notificação exigida pelo nº. 11 do artº. 78º. do CIVA, pelo que improcede o argumento da intempestividade da notificação feita nos termos desse nº. 11, invocado erradamente pela Requerida para fundamentar as liquidações adicionais de IVA que ora se impugnam.

Uma última palavra para o acórdão citado pela AT na sua resposta – Acórdão do STA de 5/6/2019, proferido no processo 0939/12.0BEBRG –, cuja situação de facto engloba já o registo da dissolução da sociedade, pelo que parece não ter semelhança como o caso dos presentes autos, para efeito de saber se houve ou não “morte” da sociedade ainda não liquidada e com registo de extinção.

Porém, analisaremos ainda esse acórdão a propósito da questão da necessidade de haver no âmbito da possibilidade de os credores (vendedores de bens ou prestadores de serviços) recuperarem o IVA referente a créditos incobráveis por insolvência do devedor, de haver comunicação do credor ao devedor, prescrita pelo n.º 11 do art. 78.º do CIVA, como requisito da regularização do imposto, nas situações em que o devedor, na sequência da declaração de insolvência, estava já extinto, por via do encerramento da sua liquidação e consequente encerramento da matrícula e não havia notícia de que tivesse mantido actividade para além da data da extinção.

 

4.3 – Da eventual desnecessidade dessa comunicação

Suscita ainda a Requerente a questão de que a comunicação à B... não era necessária, porque por a empresa insolvente já ter declarado a cessação da sua actividade para efeitos de IVA, questão esta sobre a qual a Requerida se não pronunciou na sua resposta.

Ora, a resposta a esta questão é-nos dada pelo Acórdão do Pleno STA de 28/9/2023, proferido no processo 017/22.4BALSB para efeitos de uniformização de jurisprudência e que se encontra publicado no Diário da República n.º 240/2023, Série I de 2023-12-14, páginas 12 – 31, onde foi decidido que:

A comunicação ao adquirente prevista no art. 78.º, n.º 11, do CIVA, «para efeitos de rectificação da dedução inicialmente efetuada», não se impõe nos casos em que as sociedades devedoras, na sequência da declaração de insolvência, foram já dissolvidas e extintas e não há qualquer indício de que tenham prosseguido a actividade após a data da extinção.

Face a este acórdão uniformizador, com uma interpretação correctiva do art. 78.º, n.º 11, do CIVA, no caso das sociedades devedoras, depois de declarada a sua insolvência e e extinta, com registo da extinção, o credor que pretende a regularização do IVA das facturas, cujo pagamento não recebeu, não tem que proceder a qualquer notificação da sua intenção de regularização.

Razão pela qual foi negado provimento ao recurso interposto pela ora Requerida AT do acórdão arbitral proferido em 22 de Dezembro de 2021 no processo 78/2021-T pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), por oposição com o acórdão de 6 de Maio de 2019 da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo com o n.º 939/12.0BEBRG – o acórdão citado pela Requerida AT na sua resposta e que já constava do relatório da inspecção tributária -, o qual já havia transitado em julgado[1].

Escreve-se no douto acórdão uniformizador que:

É inequívoco que, na generalidade dos casos, porque a sociedade devedora do crédito incobrável se mantém em actividade, a recuperação do IVA por parte do credor depende da observância da comunicação prevista no art. 78.º, n.º 11, do CIVA, «para efeitos de rectificação da dedução inicialmente efetuada». Esta comunicação constitui um modo de assegurar que os sujeitos passivos credores não irão receber uma parte ou a totalidade da contrapartida pelos serviços prestados, de assegurar a cobrança exacta do IVA e evitar a fraude, não podendo prejudicar a neutralidade do imposto.

A exigência dessa comunicação mantém-se nos casos em que a sociedade devedora tenha sido declarada insolvente, devendo então a comunicação ser feita ao administrador da insolvência, enquanto representante legal da devedora.

No entanto essa comunicação não pode considerar-se exigível quando a sociedade devedora, que era sujeito passivo na data em que se verificou a incobrabilidade dos créditos, já foi extinta e não há indício algum de que prossiga actividade, quer por tal comunicação se mostrar, então, impossível (a devedora deixou de ter personalidade jurídica e personalidade tributária), quer porque não assumiria relevância, por já não ser possível “a rectificação da dedução inicialmente efectuada” e por inexistir o risco de fraude (o credor já não receberá a totalidade ou a parte em falta da contrapartida pelos serviços prestados) que aquela comunicação visa prevenir.

Nessa situação, a comunicação ao adquirente prevista no art. 78.º, n.º 11, do CIVA, deixa de constituir requisito para a recuperação do IVA pelo credor.

O acórdão fundamento, cujo sumário não merece censura alguma, parece considerar que, porque a sociedade devedora se extinguiu juridicamente em momento posterior ao crédito se ter tornado incobrável nos termos do n.º 7 do art. 78.º do CIVA, o credor deveria ter cumprido o requisito do n.º 11 do mesmo artigo em momento anterior à morte jurídica da sociedade. Mas, salvo o devido respeito, por um lado, o credor não tem controlo algum sobre o momento da extinção do devedor e, por outro lado, a lei não estabelece data ou prazo para a comunicação ao devedor nos termos do n.º 11 do art. 78.º do CIVA.

Assim, concluímos que o acórdão recorrido, cuja fundamentação acompanhamos, não merece censura no segmento em que decidiu que nos casos sobre os quais incidiram as liquidações adicionais impugnadas não era obrigatória a comunicação prevista no n.º 11 do art. 78.º do CIVA.

 

Deste modo, por maioria de razão, se aplica a mesma doutrina, nos casos em que o processo de insolvência acabou por ser encerrado por insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas e das restantes dívidas da massa insolvente, sem que se tenha procedido à liquidação da devedora segundo os termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e liquidação de entidades comerciais – art. 234º nº4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa (na versão introduzida pelo art. 35º do Decreto Lei nº 76-A/06 de 29/03/06), mas em que haja claros indícios de que a sociedade devedora tenha prosseguido a actividade após a data do encerramento da insolvência.

E esses indícios obtêm-se do facto de a sociedade devedora ter cessado a sua actividade para efeitos de IVA por declaração apresentada em data anterior.

Por isso é que o artº. 78.º, n.º 11, do CIVA exige que a comunicação nele prevista ocorra sempre que o devedor seja um passivo do imposto IVA, o que não ocorrerá se esse devedor já tiver declarado a cessação da sua actividade em sede de IVA.

É o que se passa nos presentes autos.

Assim as comunicações enviadas pela Requerente em Outubro e Novembro de 2021, nos termos referidos nos factos provados nas alíneas i) e j), ocorreram quase 3 anos depois de a devedora B... ter declarado a cessação da sua actividade para efeitos de IVA, em 31.12.2018, como consta da alínea e) dos factos provados, sendo que a sentença que encerrou o processo de insolvência, em 28.06.2021, o fez com fundamento na insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas e das restantes dívidas da massa insolvente, assim ficando claramente indiciada a inexistência de actividade da devedora B... .

Aliás, a alegação e prova dessa actividade da devedora, como facto impeditivo que era do direito de regularização invocado pela ora Requerente, deveria ter sido alegado e provado pela Requerida que o não fez, nem sequer se pronunciou sobre esta questão da desnecessidade de notificação.

Logo, no nosso entender também nesta circunstância, a Requerente da regularização de IVA não estava obrigada, no caso dos presentes autos, a qualquer comunicação, nos termos do art. 78.º, n.º 11, do CIVA.

 

4.4 – Da ilegalidade das liquidações adicionais

Por isso, para além da inexistência de extinção da devedora B..., pelo que as notificações feitas, nos termos para os efeitos do art. 78.º, n.º 11, do CIVA, aos administradores da B... são regulares e tempestivas, também as mesmas são desnecessárias, na adequada interpretação do mesmo art. 78.º, n.º 11, do CIVA, de acordo com a doutrina fixada pelo Acórdão do Pleno STA de 28/9/2023, proferido no processo 017/22.4BALSB para efeitos de uniformização de jurisprudência e que se encontra publicado no Diário da República n.º 240/2023, Série I de 2023-12-14, páginas 12-31.

Deste modo, são ilegais e devem ser anuladas as liquidações adicionais de IVA feitas pela Requerida AT à Requerente A..., Lda., que incluem imposto que foi legalmente regularizado, juros de mora e as demonstrações de acerto de contas que conduzem a esses impostos e juros de mora, no valor total de € 97.347,34 com data limite de pagamento de 27.02.2023 e 08.02.2023, o que se declara em sede de decisão do presente processo.

 

5. Devolução de imposto pago, juros e custas, acrescido de juros indemnizatórios

          Na parte final do petitório do seu Pedido de Pronuncia Arbitral, a Requerente peticiona que lhe sejam restituídas “as quantias indevidamente pagas, bem como pagos juros indemnizatórios, nos termos legalmente previstos”.

          Só que, ao longo da sua petição, a Requerente não alega que quantias foram essas que pagou, em especial quais os montantes e em que datas, sendo que também não juntou quaisquer documentos comprovativos desses pagamentos.

          Por isso, improcede o pedido de restituição das referenciadas quantias, acrescidas de juros indemnizatórios, formulado pela ora Requerente.

          No entanto, a Requerente não fica impedida de, em sede de execução do presente acórdão, obter essa restituição.

 

6. Decisão

          Nestes termos, decide-se julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral e consequentemente:

a) declarar ilegais e consequentemente anular as liquidações adicionais de IVA feitas pela requerida AT à requerida A..., Lda., que incluem imposto que foi legalmente regularizado, juros de mora e as demonstrações de acerto de contas que conduzem a esses impostos e juros de mora, no valor total de € 97.347,34 bem como as correcções por imposto em excesso a regularizar pela requerente, em sede de IVA no campo 40 da declaração respeitante ao período 2021/12, no montante de € 359.791,82, de que resultaram essas liquidações adicionais de IVA com data limite de pagamento de 27.02.2023 e 08.02.2023, bem como as correcções das declarações da requerente de 20121/12 que as determinaram.

b) julgar improcedente o pedido de condenação da requerida na restituição de quaisquer quantias de imposto relativo a essas notas de liquidação anuladas, por não provadas.

c) Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

7. Valor do processo

          De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 359.791,82, indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

8. Custas

          Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante total das custas a pagar em € 6.120,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, sendo na totalidade a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 03-01-2024.

Os Árbitros

 

 

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Prof. Doutora Regina de Almeida Monteiro (Presidente)

              

Ricardo Rodrigues Pereira

 

José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora (Relator)

 

Texto elaborado com a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

 

 

 



[1] A resposta apresentada nos presentes autos data de 2/10/23, ou seja, 4 dias após ter sido proferido o citado acórdão, pelo que é de supor que a Requerida já o conhecia, razão pela qual não se pronunciou sobre esta questão suscitada pela requerente nos artigos 117º. e segs. da petição inicial.