Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 386/2023-T
Data da decisão: 2024-01-25  IRS  
Valor do pedido: € 27.684,61
Tema: IRS – Residente não Habitual – Inscrição no Registo dos Contribuintes – artigo 16.º, n.º s 8, 9, 10 e 11, do CIRS – Atividades de Elevado Valor Acrescentado – artigo 72.º, n.º 10, do CIRS –
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SUMÁRIO:

 

I – No domínio do regime fiscal aplicável aos residentes não habituais, a inscrição a que se refere o n.º 10, do artigo 16.º, do CIRS assume natureza meramente declarativa e não constitutiva do direito a ser tributado nos termos de tal regime.

 

II – Não fazendo o Requerente prova de que exerce uma atividade de elevado valor acrescentado, não será de lhe aplicar a taxa de tributação especial prevista no artigo 72.º, n.º 10, do CIRS.

 

III – Encontrando-se o conteúdo do ato tributário (in casu, liquidação de IRS), em consonância com o resultado do procedimento administrativo de que ao Requerente foi dado conhecimento pela via adequada e tendo este reagido contra o ato de indeferimento da reclamação graciosa que está na origem do resultado plasmado na liquidação, não se verifica motivo determinante da anulação do ato tributário por falta de fundamentação.

 

DECISÃO ARBITRAL

A árbitra, Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído a 31.07.2023, decide o seguinte:

  1. RELATÓRIO
  1. A..., com o número de identificação fiscal..., residente em Rua..., n.º ..., ..., ...-... Braga (doravante “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (doravante “IRS”) n.º 2022 ... e da respetiva demonstração de liquidação de acerto de contas, referentes ao ano de 2021, no valor de €27.684,61 (vinte sete mil seiscentos e oitenta e quatro euros e sessenta e um cêntimos), bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022..., que teve como objeto os ditos atos.
  2. O Requerente pugnou, ainda, pela condenação da AT a restituir o imposto pago (alegadamente) em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, juntou 15 (quinze) documentos e arrolou uma testemunha.
  3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à Requerida em 29.05.2023.
  4. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º e da alínea a), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitra do Tribunal Arbitral Singular, a qual comunicou a aceitação do cargo no prazo aplicável.
  5. Em 13.07.2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação de árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
  6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 31.07.2023. 
  7. Por despacho datado de 31.07.2023, foi a Requerida notificada, nos termos do artigo 17.º, do RJAT, para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar resposta, juntar aos autos o processo administrativo e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.
  8. Em 02.10.2023, veio a Requerida pedir a prorrogação do prazo regulamentar de 30 (trinta dias) para apresentar resposta ao pedido de pronúncia arbitral formulado nos presentes autos, invocando para tanto a complexidade do processo, a sobreposição de prazos em processos atribuídos e a falta de remessa de pronúncia, o que foi deferido pelo Tribunal Arbitral, por despacho datado de 03.10.2023.
  9. Em 12.10.2023, a Requerida juntou aos autos o processo administrativo e apresentou resposta, na qual suscitou as exceções da incompetência material do Tribunal Arbitral e da inimpugnabilidade do ato, com fundamento no suposto estatuto do Residente não habitual, pugnando pela sua absolvição da instância e defendeu-se por impugnação.   
  10. Por despacho datado de 13.10.2023, foi o Requerente notificado para, querendo, se pronunciar, no prazo de 10 (dez) dias, sobre a matéria de exceção contida na resposta da Requerida.
  11. No dia 24.10.2023, o Requerente apresentou requerimento, no qual se pronunciou quanto às exceções deduzidas pela Requerida, pugnando pela improcedência das mesmas.
  12. Por despacho datado de 26.10.2023, foi o Requerente notificado para, no prazo de 10 (dez) dias, indicar os específicos pontos da matéria de facto sobre os quais a testemunhada arrolada iria depor.
  13. Por despacho datado de 27.10.2023, foi o Requerente notificado para, no prazo de 10 (dez) dias, vir aos autos juntar o contrato identificado como documento n.º 15, acompanhado da sua tradução para língua portuguesa, o que o Requerente nunca fez.
  14. No dia 07.11.2023, veio o Requerente, mediante requerimento, e em cumprimento do despacho indicado em 12., indicar os pontos da matéria de facto sobre os quais a testemunha arrolada iria depor.
  15. Por despacho datado de 08.11.2023, foi a Requerida notificada para, querendo, se pronunciar, no prazo de 10 (dez) dias, sobre o requerimento junto aos autos pelo Requerente, nomeadamente, quanto à produção de prova testemunhal por si requerida.
  16. A Requerida nada disse.
  17. Em 21.12.2023, o Tribunal Arbitral proferiu despacho, no qual: (i) dispensou a inquirição da testemunha arrolada pelo Requerente (por desnecessária face aos factos sobre os quais incidiria a mesma e a prova documental junta aos autos), bem como, a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT; (ii) notificou as partes para, querendo, apresentarem alegações finais escritas, no prazo simultâneo de 10 (dez) dias (iii) indicou o prazo limite para proferir a decisão final arbitral e; (iv) notificou o Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.
  18. Em 15.01.2024 e 16.01.2024, o Requerente e a Requerida apresentaram, respetivamente, as suas alegações finais.
  19. Em 17.01.2024, o Requerente juntou aos autos o comprovativo de pagamento da taxa de justiça subsequente.

I.1. POSIÇÃO DAS PARTES

  1. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de IRS aqui em crise, invoca o Requerente, de entre o mais:
  1. Que foi residente em Espanha nos 5 (cinco) anos anteriores a 2021, tendo se tornado residente em território português em 29.06.2021, cumprindo os requisitos vertidos no artigo 16.º, n.º 8, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (doravante “CIRS”), para beneficiar do Regime dos Residentes Não Habituais (doravante “RNH”), para o ano de 2021.
  2. Que em 14.10.2022 apresentou o pedido de inscrição como RNH, com efeitos ao ano de 2022, em virtude do sistema da AT não permitir a sua formulação para o ano de 2021 à data da sua apresentação, o qual, em sede de procedimento de 1.º grau, foi indeferido, tendo, nessa sequência, apresentado recurso hierárquico, que se encontra pendente.
  3. Que o direito a ser tributado como residente não habitual depende apenas do preenchimento dos requisitos do n.º 8, do artigo 16.º, do CIRS e da inscrição como residente em território português e não da inscrição como RNH.
  4. Que o pedido de inscrição como residente não habitual não tem efeitos constitutivos do direito de ser considerado como RNH e a beneficiar do respetivo regime fiscal, consubstanciando-se como uma mera formalidade, invocando em abano da sua pretensão jurisprudência do CAAD, nomeadamente, a contida nas decisões arbitrais n.ºs 319/2022-T, 664/2022-T, 815/2021-T, 777/2020-T e 188/2020-T.
  5. Que não sendo o cumprimento do prazo para requerer a inscrição como residente não habitual – até 31 de março do ano civil seguinte aquele em que a AT entende que se tornou residente – um pressuposto constitutivo do direito a ser tributado enquanto tal, o atraso na apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual apenas poderia dar lugar à aplicação de uma coima, mas nunca à exclusão do direito de ser tributado naquele regime, dado que os pressupostos para beneficiar daquele regime se encontram preenchidos.
  6. Que os rendimentos auferidos no ano de 2021 dizem respeito ao exercício de uma atividade de elevado valor acrescentado, nomeadamente, de Diretor Geral e gestor executivo de empresas.
  7. Que, em suma, as liquidações impugnadas padecem de excesso de quantificação, motivo pelo qual devem ser anuladas.
  8. Que a liquidação controvertida padece de falta de fundamentação, porquanto, os documentos que lhe foram notificados são impercetíveis para um destinatário normal, colocando em causa o seu direito de defesa; não bastando a mera emissão da notificação da liquidação para que o ato se considere fundamentado. Daí que os atos impugnados estejam inquinados de vício de forma, o que legitima a sua anulação.
  1. Por sua vez a AT contra-argumenta com base nos seguintes fundamentos:
  1. Não há qualquer vício de fundamentação a imputar à liquidação impugnada, porquanto, o Requerente chegou facilmente à conclusão de que a liquidação em crise não considerou o RNH na tributação dos seus rendimentos, sendo aquela apreensível perante um destinatário normal, invocando variada jurisprudência sobre o conceito de fundamentação e seus pressupostos, nomeadamente, quando se trata de liquidações de IRS.
  2. A condição de residente não habitual, em face do sobredito disposto no artigo 16.º, n.º 10, do CIRS, versa sobre um benefício fiscal, dependente de reconhecimento por parte da administração fiscal por iniciativa do contribuinte.
  3. Não é objetado que o reconhecimento da RNH reporta os seus efeitos à ocasião em que o respetivo beneficiário reúne os pressupostos exigidos para a conferência dessa condição; contudo, esses efeitos assentam na circunstância do reconhecimento aferido pela AT, a pedido do contribuinte.  
  4. A natureza declarativa aponta aos efeitos do ato de reconhecimento da residência não habitual, mas, não é confundível com a exigência do reconhecimento da condição de RNH, imposta pelo n.º 10, do artigo 16.º, do CIRS, que, expressamente prevê que o sujeito passivo deve solicitar a inscrição como RNH até 31 de março inclusive do ano seguinte àquele em que se torne residente em Portugal, pressuposto este que o Requerente não reúne.
  5. Outra interpretação, como a sufragada pelo Requerente, retiraria qualquer sentido à disposição legal; por outras palavras, o legislador teria imposto naquele preceito uma obrigação absolutamente desnecessária e sem qualquer efeito legal.
  6. Não há dúvidas de que, para a concessão do estatuto de RNH, devem os contribuintes solicitar a sua inscrição no prazo legal, o que não ocorreu, desde logo, no caso sub judice, pelo que o debate em torno da exigibilidade do ato de reconhecimento da condição de RNH revela-se desadequado, quando avaliado à luz das considerações dos correspondentes efeitos/natureza.
  7. O ato de inscrição do Requerente como residentes não habitual tem natureza prejudicial, de modo a beneficiar do correspondente regime.
  8. A maioria da jurisprudência do CAAD (processos n.ºs 188/2022-T, 777/2020-T, 664/2022-T) invocada pelo Requerente foram objeto de impugnação judicial para o Tribunal Central Administrativo Sul (doravante “TCA SUL”).
  9. Sendo a inscrição como RNH um requisito prévio necessário à concessão do estatuto/benefício de RNH, e não tendo este sido concedido, não se verifica qualquer ilegalidade da liquidação contestada.
  10. Nos termos do artigo 133.º do Código de Processo Civil (doravante “CPC”), o processo corre sobre a língua portuguesa, o que inviabiliza a análise do documento n.º 15 junto pelo Requerente, devendo o mesmo ser desconsiderado.
  11. O Requerente não avança qualquer instrumento de regulamentação coletiva, que possa sustentar a qualificação jurídica de “Diretor”, mormente na vertente que o mesmo advoga desempenhar.
  1. SANEAMENTO
  1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
  2. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
  3. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  4. O processo não enferma de nulidades.
  5. As exceções suscitadas pela Requerida serão apreciadas após determinada a matéria de facto.
  1. MATÉRIA DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

  1. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
  1. O Requerente é um cidadão de nacionalidade Espanhola (Cfr. Documento n.º 5 junto ao PPA). 
  2. Em 15.06.2023, o Requerente celebrou um contrato de comodato para fins habitacionais, passando a residir na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Braga (Cfr. Documento n.º 4 junto ao PPA).  
  3. Em 28.06.2021, o Requerente obteve o certificado de registo de cidadão da União Europeia (Cfr. Documento n.º 5 junto ao PPA). 
  4. Em 29.06.2021, o Requerente tornou-se residente em Portugal (Cfr. Documento n.º 3 junto ao PPA). 
  5. O Requerente foi residente em Espanha nos 5 (cinco) anos anteriores a 29.06.2021 (Cfr. Documento n.º 6 junto ao PPA).  
  6. O Requerente entregou a declaração de rendimentos – IRS (Modelo 3), relativa ao ano de 2021, tendo sido, nessa sequência, notificado da liquidação de IRS n.º 2022..., da qual não consta qualquer valor a título de retenções na fonte, tendo resultado um montante de imposto a pagar de €43.346,50 (quarenta e três mil e trezentos e quarenta e seis euros e cinquenta cêntimos) (Cfr. Documento n.º 7 junto ao PPA).  
  7. O Requerente apresentou, em 18.07.2022, outra declaração de rendimentos – IRS (Modelo 3), referente ao ano de 2021, com a identificação ...-...-..., em substituição da anterior, na qual incluiu o anexo J, onde declarou rendimentos da categoria A obtidos no estrangeiro (designadamente: Rendimento bruto no valor de €120.727,69 (cento e vinte mil e setecentos e vinte sete euros e sessenta e nove cêntimos); Contribuições regimes proteção social no montante de €7.411,63 (sete mil e quatrocentos e onze euros e sessenta e três cêntimos) e Imposto pago no estrangeiro na importância de €18.931,20 (dezoito mil e novecentos e trinta e um euros e vinte cêntimos)) (Cfr. Documento n.º 8 junto ao PPA).  
  8. Na declaração de substituição referida no ponto anterior, o Requerente não procedeu à entrega do anexo L, referente aos rendimentos obtidos por residentes não habituais em Portugal (Cfr. Documento n.º 8 junto ao PPA).    
  9. Na sequência da declaração de rendimentos – IRS (Modelo 3) referida em G., foi o Requerente notificado da liquidação de IRS n.º 2022..., da qual resultou um montante de imposto a pagar de €27.684,61 (vinte sete mil e seiscentos e oitenta e quatro euros e sessenta e um cêntimos) (Cfr. Documento n.º 9 junto ao PPA).  
  10. Em 14.10.2022, o Requerente submeteu o pedido de inscrição como residente não habitual, com referência ao ano de 2022 (Cfr. Documento n.º 10 junto ao PPA).
  11. Em 23.11.2022, o Requerente apresentou outra declaração de rendimentos – IRS (Modelo 3), referente ao ano de 2021, na qual procedeu, novamente, à entrega do anexo J e, agora, do anexo L, por considerar estarem preenchidos os requisitos para ser tributado como residente não habitual naquele ano (2021) (Cfr. Documento n.º 13 junto ao PPA).   
  12. O pedido de inscrição como residente não habitual, com efeitos ao ano de 2022, foi indeferido pela AT, através de notificação ao Requerente (Data da decisão: 2022-12-06, ID: IRNH...), com os seguintes fundamentos:

I) Registado/a no cadastro da AT como residente em território português (n.º 8 do artigo 16.º do CIRS e alínea b) do ponto 1, da Circular 9/2012), no(s) ano(s) 2021

II) Consta, como residente fiscal, em declaração de rendimentos de IRS, da categoria A, relativamente ao(s) ano(s) 2021” (Cfr. Documento n.º 11 junto ao PPA).

  1. O Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento referida em L., o qual foi recebido pela AT em 11.01.2023 (Cfr. Documento n.º 12 junto ao PPA).
  2. A declaração de rendimentos – IRS (Modelo 3) referida em K. ficou com anomalias, não tendo dado origem a qualquer liquidação (Cfr. Documento n.º 14 junto ao PPA).
  3. O Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação de IRS n.º 2022 ... referida em I., da qual resultou um montante de imposto a pagar de €27.684,61 (vinte sete mil e seiscentos e oitenta e quatro euros e sessenta e um cêntimos) (Cfr. Documentos n.ºs 1 e 2 juntos ao PPA).
  4. Por ofício n.º ... ..., de 20.02.2023, foi o Requerente notificado da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa referida no ponto anterior (Cfr. Documentos n.ºs 1 e 2 juntos ao PPA).
  5. Por não concordar com decisão final de indeferimento da reclamação graciosa e com a liquidação de IRS n.º 2022 ... referida em I., apresentou o Requerente, em 26.05.2023, o presente pedido de pronúncia arbitral (Cfr. Sistema informático do CAAD). 

III.2 FACTOS NÃO PROVADOS

  1. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não se considera provado:
  1. Que os rendimentos auferidos pelo Requerente, no ano de 2021, dizem respeito ao exercício de uma atividade de elevado valor acrescentado, nomeadamente, de Diretor Geral e gestor executivo de empresas.

III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão, discriminar a matéria que julga provada e declarar, se for o caso, a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante “CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (doravante “CPC”), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

O Tribunal arbitral considera provados, com relevo para a decisão da causa, os factos acima elencados e dados como assentes, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e, a adequada ponderação dos mesmos à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

No tocante ao facto não provado, cumpre dizer que os mesmo foi assim considerado em virtude da insuficiência de meios probatórios que o confirmasse.

Alega o Requerente que os rendimentos por si auferidos, no ano de 2021, dizem respeito ao exercício de uma atividade de elevado valor acrescentado, nomeadamente de Diretor Geral e gestor executivo de empresas.

Mais refere o Requerente que a sua atividade consiste em: (i) planear e coordenar as atividades da empresa B..., S.L., para a qual trabalha; (ii) monitorizar e avaliar o desempenho da empresa B..., S.L.; (iii) representar a empresa em encontros oficiais, convenções, conferências e outros encontros e; (iv) selecionar e aprovar a admissão de quadros superiores da empresa.

Para o efeito, juntou o Requerente aos autos um contrato de prestação de serviços celebrado entre duas empresas redigido em língua espanhola, desacompanhada da respetiva tradução para língua Portuguesa (Cfr. Documento n.º 15 junto ao PPA).

Quanto à questão da tradução, entende a Requerida que a sua falta inviabiliza a análise do documento junto, devendo o mesmo ser desconsiderado, uma vez que o processo corre sobre a língua portuguesa, nos termos do artigo 133.º, do CPC, aplicável ex vi alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT.

Decorre do disposto no artigo 134.º, n.º 1, do CPC, que o juiz, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, ordena ao apresentante dos documentos escritos em língua estrangeira que a junte quando careçam de tradução.

A tradução de documentos escritos em língua estrangeira não constitui, assim, uma exigência de que dependa a sua admissibilidade no processo.

Não obstante, tenha o Tribunal Arbitral, por questões de facilidade (e só por este motivo), notificado o Requerente para vir juntar aos autos a respetiva tradução, a verdade é que tal documento se apresenta de fácil compreensão, face ao idioma em que se acha redigido e à sua pequena extensão, pelo que a circunstância de não ter sido junta a sua tradução não põe em crise a sua admissibilidade nos autos nem lhe retira força probatória.

Saliente-se, ainda, que também foi cumprido o contraditório, porquanto, a AT pronunciou-se logo em sede de resposta, quanto à inexistência de prova nos autos que permitisse concluir que o Requerente exerce, efetivamente, uma atividade de elevado valor acrescentado. 

Outra questão será aferir se o contrato junto aos autos pelo Requerente faz prova do que este alega, o que, diga-se, desde já, não faz.

Ora, o aludido documento consubstancia-se tão só num mero contrato de prestação de serviços celebrado, em 01.01.2020, entre duas empresas (C..., S.L.U e B..., S.L), segundo o qual, a primeira (C..., S.L.U) contratou a segunda (B..., S.L, que tem como administrador único o Requerente), para lhe prestar serviços de consultoria, assessoria e desenvolvimento do negócio em Portugal no sector do transporte rodoviário de passageiros. 

Nos termos do presente contrato, a B..., S.L compromete-se: (i) a identificar e analisar oportunidades de negócio em Portugal, seja através de processos de contratação pública ou aquisição de empresas ou dos seus ativos; (ii) a preparar ofertas para processos de contratação; (iii) a gerir eventuais oportunidades que se materializem e; (iv) aufere a remuneração pelos serviços prestados, no montante de €130.000,00 (cento e trinta mil euros) anuais mais IVA e ainda o eventual adicional, no montante máximo de €39.000,00 (trinta e nove mil euros).

Da prova produzida pelo Requerente apenas se conclui que o mesmo é o administrador único de uma das empresas (B..., S.L) e, que esta presta os já indicados serviços à outra (C..., S.L.U).

O Requerente não junta qualquer elemento aos autos que nos permita afirmar, sem margem para dúvidas, que aquele exerce a atividade de Diretor Geral e gestor executivo de empresas, demonstrando, tão só, que é administrador único da dita empresa (B..., S.L) e, que, naturalmente, atua como tal.

Sendo que, conforme consabido, a noção de Diretor Geral e gestor executivo de empresas não se confunde com a noção de gerente ou administrador (as quais, como se verificará infra, não se enquadram na tabela de atividades de elevado valor acrescentado a considerar no âmbito dos artigos 72.º e 81.º, do CIRS).

Face ao exposto, dá-se como não assente o facto constante da alínea A. dos factos não provados. 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

IV.1 DA INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL

A competência material dos tribunais é de ordem pública, o seu conhecimento procede o de qualquer outra matéria e constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, tudo conforme resulta dos artigos 16.º do CPPT e 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi alíneas a) e c), do n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT.

Sustenta a Requerida que o tribunal arbitral não é materialmente competente para apreciar a questão suscitada pelo Requerente, uma vez que, a seu ver, a causa de pedir assenta, maioritariamente (pois, também alegou a falta de fundamentação da liquidação aqui em crise), na condição de residente não habitual do Sujeito Passivo, regime fiscal esse que o Requerente não peticionou para ano que pretendia (2021), nos termos do n.º 10, do artigo 16.º, do CIRS.

Invoca, em abono de tal exceção, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 718/2017, proferido no Processo n.º 723/2016, de 15.11.2017, no qual se refere que : “Do regime legal que acaba de expor-se parece, assim, extrair-se com segurança que o ato de deferimento/indeferimento do pedido de reconhecimento do estatuto do residente não habitual não integra, como ato preparatório, mesmo que destacável, o procedimento de liquidação do correspondente imposto – isto é, o procedimento tributário comum; antes constitui um verdadeiro ato tributário autónomo.

Nesta senda, conclui a Requerida ser o Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar a matéria controvertida nos presentes autos, a qual se funda, predominantemente, na invocada ilegal desaplicação do regime previsto para os residentes não habituais, sendo certo que a impugnação do ato de indeferimento sobre benefícios fiscais assume natureza autónoma e logo, o meio de reação correto passaria pela ação administrativa e não pelo presente meio de reação arbitral.

Replicou o Requerente, sustentado a propriedade do meio de defesa de que se socorreu in casu, porquanto, o objeto do presente processo não é a sua inscrição autónoma e específica da condição de residente não habitual, mas a legalidade da liquidação de IRS, em atenção à regulação jurídica aplicável. Acrescentando que não está em causa conhecer de qualquer outra decisão, nomeadamente, de caráter administrativo como alega a AT, porquanto, não apresentou o pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade do ato de indeferimento da sua inscrição como residente não habitual, nem a reclamação graciosa teve por base esse fundamento.

Conclui, assim, o Requerente que o PPA deduzido visa a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2022 ... e da respetiva demonstração de liquidação de acerto de contas, referentes ao ano de 2021, no valor de €27.684,61 (vinte sete mil e seiscentos e oitenta e quatro euros e sessenta e um cêntimos), bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022..., que teve como objeto os ditos atos, o que se insere no âmbito da competência do Tribunal Arbitral.

Aqui chegados, e conforme consabido, a competência do tribunal, como pressuposto processual, é aferida pela forma como o demandante conforma o pedido e a respetiva causa de pedir, determinando-se, pois, pelos termos em que a ação é configurada pelo autor e em que são expostos a pretensão deduzida em juízo e os factos com relevância jurídica (Cfr. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 28.11.2019, processo n.º 44/19.9BCLSB e de 07.04.2022, processo n.º 56/21.2BCLSB).

Em consequência, para terminação da competência material do Tribunal, cabe atender à articulação da causa de pedir e da pretensão jurídica formulada pelo Requerente na sua petição inicial.

Atentemos, assim, no pedido formulado pelo Requerente.

O pedido de pronúncia arbitral, como resulta do petitório final, visa a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2022 ... e da respetiva demonstração de liquidação de acerto de contas, referentes ao ano de 2021, no valor de €27.684,61 (vinte sete mil e seiscentos e oitenta e quatro euros e sessenta e um cêntimos), bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022..., que teve como objeto os ditos atos, invocando o Requerente, como fundamento da pretensão deduzida, o excesso de quantificação da matéria tributável para efeitos de IRS, em virtude da não aplicação das regras de tributação na qualidade de residente não habitual (e de vício de fundamentação).

Ora, a competência dos tribunais arbitrais, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta[1];

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;

Desta feita, como o Requerente deduz a pretensão, é manifesto que o Tribunal Arbitral é materialmente competente para apreciar as liquidações impugnadas nos autos, atento o citado preceito normativo.

Contra esta conclusão, não colhe o invocado pela Requerida de que, apesar de solicitar a anulação da liquidação controvertida, a causa de pedir assenta, maioritariamente, na condição de residente não habitual, pelo que estaria em causa o pedido de reconhecimento dessa condição, que é suscetível, em termos contenciosos, face ao indeferimento, de reação através da ação administrativa (Cfr. artigo 97.º, n.º 2, do CPPT), matérias e meios processuais que são estranhos à competência dos Tribunais Arbitrais. 

Neste conspecto, fazemos nossas as considerações vertidas na decisão arbitral proferida no processo do CAAD n.º 705/2022-T, a propósito de idêntica questão, que transcrevemos:

Sucede que, se é certo que o Requerente questiona na sua PI a natureza da inscrição no registo dos contribuintes da condição de residente não habitual para efeitos da aplicação do competente regime, os termos da configuração do pedido de pronúncia arbitral, pelos quais se afere a competência, não correspondem ao que assim indica a Requerida, sendo claro que se impugna a liquidação de IRS em crise, à qual se imputa o vício de erro sobre os pressupostos por não aplicação das regras de tributação dos residentes não habituais que corresponderia à situação tributária do Requerente. Por outras palavras, o objeto do presente processo não é a inscrição autónoma e específica no registo da condição de residente não habitual do Requerente (...), mas a legalidade da liquidação de IRS em atenção à regulação jurídica aplicável.

Por outro lado, não há que confundir a competência para a declaração de ilegalidade de ato de liquidação de imposto com a inviabilidade de isso se fazer com base em fundamentos que respeitam a atos destacáveis autonomamente impugnáveis, que envolvem a consequência, na falta da sua impugnação tempestiva, de se consolidarem como caso resolvido. O sujeito passivo pode impugnar uma liquidação de imposto perante Tribunal arbitral, o qual é competente para a sua apreciação (art. 2.º n.º 1, al. a) do RJAT); questão distinta é verificar se, no exercício dessa competência, o Tribunal arbitral está vinculado a não acolher, como fundamentos de anulação, vícios imputados em relação a antecedentes atos que, por não terem sido objeto oportunamente dos competentes meios de reação autónoma, se consolidarem em definitivo na ordem jurídica – trata-se, neste último caso, de questão que concerne à inimpugnabilidade da liquidação em atenção à verificação de caso decidido ou caso resolvido, não à competência do Tribunal.

Face ao exposto, improcede, assim, a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral.    

IV.2 DA INIMPUGNABILIDADE DO ATO COM FUNDAMENTO NO SUPOSTO ESTATUTO DE RNH

Invoca, ainda, a Requerida a ocorrência de caso decidido/inimpugnabilidade do ato com fundamento no suposto estatuto de RNH, alegando, se bem se perceciona, a necessidade de impugnação autónoma e imediata de eventual indeferimento de pedido de reconhecimento da condição de residente não habitual sob pena de formação de caso decidido.

Acontece que não se verifica no caso dos autos qualquer indeferimento (expresso ou tácito) de pedido de inscrição do Requerente como RNH em Portugal para o ano 2021 (ano esse a que se reporta a liquidação aqui impugnada), o qual, pura e simplesmente, não foi formulado.

Conforma consta dos factos provados, o Requerente submeteu o pedido de inscrição como residente não habitual, em 14.12.2022, com referência ao ano de 2022 (Cfr. facto provado J.), não tendo sido efetuado tal pedido em momento anterior à liquidação controvertida, a qual se reporta ao ano de 2021 (Cfr. facto provado I.), pelo que, não existe, no caso concreto, nenhum ato administrativo-tributário de não reconhecimento (expresso ou tácito) dessa condição para o ano pretendido pelo Sujeito Passivo e a que se refere a liquidação aqui sindicada (2021).

Por outras palavras, a liquidação de IRS impugnada não foi precedida de qualquer pedido de inscrição cadastral como residente não habitual, tendo sido após a emissão da aludida liquidação que o Requerente apresentou o pedido de inscrição no cadastro fiscal na qualidade de residente não habitual, mas para o ano de 2022.

Decorre daqui que não existe, nos autos, qualquer ato de não inscrição cadastral ou de não reconhecimento como RNH para o ano de 2021 que possa operar como ato autónomo, prévio e destacável, relativamente ao ato de liquidação de imposto ora sindicado, que é, assim, o único ato tributário com que o Requerente foi, efetivamente, confrontado, e contra o qual foi possível, com oportunidade, suscitar, como ato lesivo, a sua impugnação.

Repita-se que, não consta da factualidade assente qualquer ato administrativo-tributário da AT de negação da condição de RNH para o ano de 2021, nomeadamente, qualquer indeferimento de pedido de inscrição como RNH (para esse ano – 2021 –).

E, neste sentido, sufragamos, novamente, a posição vertida na decisão arbitral proferida no processo do CAAD n.º 705/2022-T:

(...) a situação dos autos não possui comparação com o caso que esteve na base do processo arbitral n.º 514/2015-T, do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 718/2017 e do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 014/19.7BALSB (o qual, diga-se, não se pronunciou sobre a substância do tema, já que, por estar em causa decisão arbitral que não conheceu do mérito, não admitiu o recurso para uniformização de jurisprudência), espécies jurisprudenciais que são invocadas pela AT na sua resposta em apoio da alegação em apreço (...).

Por outro lado, deve-se ainda assinalar que esta jurisprudência respeitou a liquidação relativa ao ano de 2010, cujo cenário normativo não coincide com o aqui em consideração, por se reportar à regulação originariamente introduzida pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23.09 (anterior, pois, às alterações ocorridas com a Lei n.º 20/2012, de 14.05, e com o Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01.08), em que o n.º 7 do art. 16.º do Código do IRS (CIRS) dispunha: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos” (cfr. o atualmente disposto no n.º 9 do art. 16.º do CIRS).

No mais, antecipando o que a seguir se expõe em sede de apreciação do mérito, entende-se que o n.º 10 do art. 16.º do CIRS, na redação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01.08 (: “O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território”), ao impor a solicitação, por via eletrónica, da inscrição no registo dos contribuintes como residente não habitual, não consagra, para além da imposição de um dever acessório (art. 31.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária – LGT), um procedimento autónomo ou um momento procedimental interlocutório dirigido a um ato de reconhecimento do estatuto de residente não habitual, prévio e prejudicial, sem o qual estaria inviabilizada a aplicação em cada ano dos benefícios fiscais a isso associados. Trata-se, aliás, de entendimento que está em consonância com a orientação estabelecida na Circular n.º 4/2019 da Diretora-Geral da AT (n.º 1) segundo a qual as medidas resultantes do regime dos residentes não habituais “consubstanciam medidas excecionais de desagravamento da tributação de caráter automático, pois os seus efeitos resultam direta e imediatamente da lei pela simples verificação dos respetivos pressupostos e condições, não estando a sua aplicação dependente de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT, conforme determina o artigo 5.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)”.

Assim, face à regulação legal aplicável, abaixo melhor examinada, julga-se que a inscrição cadastral como residente não habitual do sujeito passivo de imposto não constitui ato autónomo ou destacável em relação ao procedimento de liquidação do imposto para efeitos de impugnação contenciosa, que obriga, em derrogação do princípio da impugnação unitária (art. 54.º do CPPT), à impugnação direta e autónoma, no prazo e pelo meio legalmente previsto, de uma eventual decisão de indeferimento, sob pena de estabilização da situação mediante caso decidido ou caso resolvido e de decorrente preclusão da impugnação da liquidação de imposto nessa base.” 

Face ao exposto, improcede, assim, a exceção de inimpugnabilidade do ato com fundamento no suposto estatuto de RNH.

IV.3 DA QUESTÃO DE FUNDO

No que concerne aos vícios apontados pelo Requerente ao ato tributário ora impugnado, a saber: não aplicação do regime do residente não habitual e falta de fundamentação, importa relevar o que dispõe o artigo 124.º, do CPPT.

O artigo 124.º, do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, estatui que o tribunal deve apreciar prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, seguidamente, os vícios que conduzam à sua anulação (n.º 1).

No que respeita aos vícios que consubstanciam inexistência ou nulidade, o julgador deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o seu prudente critério, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

No que concerne aos vícios que constituam anulabilidade, é estabelecido o mesmo critério, que só não será aplicável se o impugnante tiver estabelecido uma relação de subsidiariedade entre os vícios imputados ao ato – o que é permitido pelo artigo 101.º do CPPT –, pois nesse caso é dada primazia à sua vontade (desde que o Ministério Público não tenha arguido outros vícios – n.º 2 –).

Em face das regras sobre a ordem de conhecimento de vícios que constam do artigo 124.º, do CPPT, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, apreciar-se-á prioritariamente o vício de violação de lei substancial, por ser aquele cuja eventual procedência determina a mais estável tutela dos interesses do Requerente.

Nesta conformidade, iniciar-se-á a apreciação do invocado vício tangente à não aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais.

IV.3.1 DA NÃO APLICAÇÃO DO REGIME DOS RESIDENTES NÃO HABITUAIS:

Atendendo à factualidade exposta, bem como às pretensões e posições do Requerente e da Requerida constantes das suas peças processuais, a questão que cumpre apreciar no presente processo prende-se com a aplicação (ou não) ao Sujeito Passivo, no ano de 2021, do regime dos residentes não habituais.

Surge, então, aqui, como questão a resolver, saber se a inscrição no registo da condição de residente não habitual possui, não uma natureza meramente declarativa, mas eficácia constitutiva, no sentido de que se trata nessa inscrição cadastral de pressuposto específico sem o qual não é possível beneficiar das reduções ou isenções fiscais que são conferidas ao contribuinte em razão dessa condição de RNH.

Dado que não ocorre em relação ao Requerente essa particular inscrição no cadastro dos contribuintes como residente não habitual, no tocante ao ano de 2021, o juízo sobre o seu carácter constitutivo, independentemente das condições materiais legalmente relevantes na sua base, determinaria, por si só, a improcedência da pretensão de anulação da liquidação aqui impugnada.

Vejamos, pois, esta questão, atendendo, antes de mais, no enquadramento legal de tal regime e, desde logo, no preceituado no artigo 16.º do CIRS, em vigor à data dos factos (2021), nos termos do qual:

8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.


9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.


10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)


11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.

 

Do cotejo dos n.ºs 8 a 11, do artigo 16.º, do CIRS, é possível apreender que os pressupostos para a aplicação deste regime são os seguintes:

 

  • O Sujeito Passivo se torne fiscalmente residente em Portugal, em conformidade com qualquer dos critérios estabelecidos nos n.ºs 1 e 2, do artigo 16.º, do CIRS;
  • O Sujeito Passivo não tenha sido considerado residente em território nacional em qualquer dos cinco anos anteriores ao ano em que se deva considerar residente nos termos do n.º 1 e 2 da referida norma.

 

Dito isto, indelével resulta concluir que o legislador fez depender, para efeitos da aplicação deste benefício fiscal, do preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 16.º, n.º 8, do CIRS, e não da inscrição formal como residente não habitual.

 

Conforme já foi observado, a título de exemplo, no processo 777/2020-T e acolhido no processo n.º 550/2020-T, a redação aplicável dos n.ºs 8 e 9, do artigo 16.º, do CIRS, dispõe claramente no sentido de que se trata, nessa inscrição no cadastro do contribuinte, de um registo declarativo, cuja não realização não obvia à aplicação, verificados os pressupostos materiais exigidos, dos benefícios fiscais em causa. 

 

O teor da norma – n.º 11, do artigo 16.º, do CIRS – é, a este propósito, lapidar ao fazer depender para a aplicação de tal regime da circunstância factual de o sujeito passivo se ter inscrito (e assim ser considerado) como residente em território português e não da sua inscrição formal enquanto residente não habitual.

 

Assim, para que o sujeito passivo seja “considerado residente não habitual” e adquira o direito a ser tributado como tal, a lei não inclui a inscrição no registo como residente não habitual, que surge no n.º 10 do mesmo artigo apenas como um dever do sujeito passivo (“deve solicitar a inscrição”), não como requisito constitutivo dessa condição e do direito à correspondente situação tributária vantajosa.

 

Aliás, “esta interpretação mostra-se corroborada pelo confronto com a anterior regulação do regime dos residentes não habituais. Recorde-se que, na versão do Decreto-Lei n.º 249/2009, o art. 23.º, n.º 2 do Código Fiscal do Investimento dispunha que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal, pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da DGCI” e o então n.º 7 do art. 16.º do CIRS afirmava, do mesmo modo, que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral de Impostos”. Como se observa, a ligação que então se fazia entre a inscrição da qualidade de residente não habitual no registo de contribuintes e a aquisição do direito a ser tributado como tal desapareceu da regulação vigente, a qual apenas conexiona a aquisição do direito a ser tributado como residente não habitual à consideração como tal em atenção à factualidade de os sujeitos passivos se tornarem fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do art. 16.º do CIRS e não terem sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores, que são, pois, os únicos requisitos de que depende essa condição. 

(...)

O pedido de inscrição como residente não habitual imposto pelo n.º 10 do art. 16.º do CIRS deve, então, reputar-se a um dever acessório do contribuinte (art. 31.º, n.º 2 da LGT) que serve a finalidade de facilitação da fiscalização da situação tributária do contribuinte e da aplicação do benefício fiscal, de modo a que a AT proceda ao controlo dos registos do contribuinte no seu cadastro, bem como dos demais elementos em seu poder, solicite eventuais elementos adicionais para verificar que o interessado foi considerado como residente fiscal noutra jurisdição e valide o cumprimento dos requisitos legalmente previstos, sendo, porém da verificação desses requisitos, e não da solicitação ou realização daquela inscrição no registo, que depende a constituição do direito a ser tributado, de modo desagravado, como residente não habitual.” (Cfr. decisão arbitral proferida no processo do CAAD n.º 705/2022-T) (negrito nosso)

 

Como tal, a falta ou a intempestividade da inscrição como residente não habitual não determina, por si mesma, a exclusão do regime correspondente.

 

Vistos os pressupostos dos quais o legislador faz depender a aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais e o efeito que o pedido de inscrição enquanto RNH reveste no ordenamento jurídico, importa aferir se no caso do Requerente, o mesmo reúne os pressupostos para a aplicação de tal regime relativamente aos rendimentos do ano de 2021.

 

Como resulta da matéria de facto dada como provada, o Requerente passou a ser residente para efeitos fiscais em Portugal a partir de 29.06.2021 (Cfr. facto provado D.), sendo que igualmente se provou que o mesmo não se encontrou inscrito como residente fiscal em Portugal nos cinco anos imediatamente anteriores a 2021(Cfr. facto provado E.).

 

Em face dos factos dados como assentes e do respetivo direito aplicável supra explanado, inexorável se torna concluir no sentido de que o Requerente cumpriu os necessários requisitos previstos no n.º 8, do artigo 16.º, do CIRS, os quais são os únicos requisitos exigidos pela lei para que o sujeito passivo possa beneficiar do regime dos RNH.

 

Não obstante, impõe-se, ainda, verificar se ao Requerente assiste o concreto direito a ser tributado nos termos do n.º 10, do artigo 72.º, do CIRS, que estabelece que: “Os rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos em atividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, por residentes não habituais em território português, são tributados à taxa de 20 %.”.

 

O citado artigo prevê, assim, que qualquer atividade de elevado valor acrescentado, que possa beneficiar desta taxa especial, deverá ser definida por portaria.

 

Concretizando a aludida disposição normativa, foi publicada, num primeiro momento, a Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, que aprovou a “tabela de atividades de elevado valor acrescentado”.

 

Tal portaria elencou através da aprovação desta tabela a identificação de cada atividade de elevado valor acrescentando, referindo no seu n.º 2 que: “Todas as dúvidas interpretativas respeitantes ao âmbito e ao alcance das actividades constantes da presente tabela devem ser enquadradas nos códigos de actividade económica (CAE) vigentes à data da entrada em vigor da presente portaria

 

Contudo, a portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, foi, entretanto, alterada pela portaria n.º 230/2019, de 23 de julho, que procedeu à alteração das atividades anteriormente elencadas, tendo eliminado, para o que aqui interessa, o conceito de “quadro superior de empresa”.

 

Assim, relativamente às funções de direção, a tabela passou a incluir, designadamente, os códigos “112 – Diretor-Geral e gestor executivo, de empresas”, “12 – Diretores de serviços administrativos e comerciais”, “13 – Diretores de produção e de serviços especializados, “14 – Diretores de hotelaria, restauração, comércio e de outros serviços”, em conformidade com a Classificação Portuguesa de Profissões (doravante “CPP”).

 

Se antes os códigos listados pela portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, não tinham por referência a CPP, sendo as respetivas definições e conteúdos funcionais imprecisos, agora, por força das alterações introduzidas pela Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho, os novos códigos são dotados, indiretamente, de conteúdo explicativo, delimitando as profissões aí elencadas, por remissão para o disposto nos termos da CPP anexa à Deliberação n.º 967/2010 do Conselho Superior de Estatística (doravante “CSE”) de 5 de maio de 2010, publicada no Diário da República, 2ª série, n.º 106, de 1 de junho de 2010.

 

Da referida Classificação Portuguesa de Profissões, decorre que a profissão de Diretor geral e gestor executivo de empresas compreende as tarefas e funções do diretor geral e gestor executivo de empresas, que consistem, particularmente, em: (i) planear, dirigir e coordenar as atividades da empresa; (ii) rever operações e resultados da empresa e enviar relatórios ao conselho de administração e direção; (iii) determinar objetivos, estratégias, políticas e programas para a empresa; (iv) elaborar e gerir orçamentos, controlar despesas e assegurar a utilização eficiente dos recursos; (v) monitorizar e avaliar o desempenho da empresa; (vi) representar a empresa em encontros oficiais, reuniões do conselho de administração, convenções, conferências e outros encontros; (vii) selecionar ou aprovar a admissão de quadros superiores da empresa e; (viii) assegurar que a empresa cumpre as leis e regulamentos em vigor.

 

Dito isto, e volvendo ao caso dos autos, não há dúvidas que o Requerente alega que os rendimentos por si auferidos, no ano de 2021, dizem respeito ao exercício de uma atividade de elevado valor acrescentado, nomeadamente, de Diretor Geral e gestor executivo de empresas e, que as tarefas e funções por ele desempenhadas correspondem às supra indicadas.

Contudo, a verdade é que o Requerente não faz prova do que alega, pois, limita-se a juntar aos autos um contrato de prestação de serviços celebrado, em 01.01.2020, entre duas empresas (C..., S.L.U e B..., S.L), segundo o qual, a primeira (C..., S.L.U) contratou a segunda (B..., S.L, que tem como administrador único o Requerente), para lhe prestar serviços de consultoria, assessoria e desenvolvimento do negócio em Portugal no sector do transporte rodoviário de passageiros.

Do documento junto aos autos, apenas nos é possível aferir as condições estipuladas entre as partes (as duas empresas identificadas supra) no aludido contrato de prestação de serviços, designadamente, as funções e tarefas desempenhadas pela empresa prestadora de serviços, bem como a remuneração por si recebida (que corresponde ao preço dos serviços prestados por uma empresa à outra) e nada mais.

Ou seja, da prova produzida pelo Requerente somente se conclui que o mesmo é o administrador único da empresa B..., S.L e, que esta presta os já indicados serviços à empresa C..., S.L.U, recebendo para o efeito a respetiva remuneração.

Dos elementos juntos aos autos não resulta qualquer classificação contratual do Requerente enquanto “Diretor Geral e gestor executivo de empresas”, nem são indicadas as funções associadas e enquadráveis na CPP, que este alegadamente desempenha na empresa em que é administrador único, tendo ficado demonstrado, tão só, que este atua nessa qualidade (de administrador único da empresa B..., S.L), e não como Diretor Geral e gestor executivo dessa empresa.

Daí que se tenha dado como não assente o facto constante da alínea A. dos factos não provados: “Que os rendimentos auferidos pelo Requerente, no ano de 2021, dizem respeito ao exercício de uma atividade de elevado valor acrescentado, nomeadamente, de Diretor Geral e gestor executivo de empresas.

Desta feita, considerando que não há qualquer documento nos autos que indique a categoria profissional do Requerente, qual o conteúdo funcional das suas funções e qual o regime de prestação de trabalho a que está adstrito, nunca poderá o Tribunal afirmar, sem mais, que o Requerente exerce as funções de Diretor Geral e gestor executivo de empresas.

E, conforme consabido, a noção de Diretor Geral e gestor executivo de empresas não se confunde com a noção de gerente ou administrador (que é o caso do Requerente), as quais não se enquadram na tabela de atividades de elevado valor acrescentado a considerar no âmbito dos artigos 72.º e 81.º, do CIRS.

Ora, não sendo o cargo de administrador único de empresa considerado como uma atividade de valor acrescentado, nos termos da tabela constante da portaria n.º 230/2019, de 23 de julho, entende o Tribunal Arbitral que não será de aplicar ao Requerente a taxa de tributação especial prevista no artigo 72.º, n.º 10, do CIRS, improcedendo, assim, o pedido de anulação da liquidação controvertia, com este fundamento. 

IV.3.2 DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO IMPUGNADA:

Invoca, ainda, o Requerente, a falta de fundamentação da liquidação controvertida, pugnando pela sua anulação, por vício de forma, nos termos do disposto no artigo 99.º, alíneas c) e d), do CPPT.

 

Vejamos se assiste razão ao Requerente.

 

O n.º 3, do artigo 268.º, da Constituição da República Portuguesa (doravante “CRP”) enuncia o seguinte princípio: “Os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.

 

Por sua vez, o artigo 77.º, da LGT concretiza o aludido princípio constitucional, dizendo que: “A decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integram o relatório da fiscalização tributária.” O n.º 2 do presente normativo refere ainda que “A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

 

A fundamentação é, assim, um dos elementos constitutivos do ato administrativo-tributário de liquidação, acarretando a sua falta, obscuridade[2], contradição[3] ou insuficiência[4] a anulabilidade do ato.

 

Contudo, o conteúdo de uma fundamentação suficiente varia de acordo com as circunstâncias concretas, entre as quais avultam as do tipo de ato, as da participação e qual a sua extensão ou a não participação dos interessados no procedimento anterior conducente à decisão.

 

Ora, nos presentes autos, o ato em causa é uma liquidação de IRS, que tem a natureza de “processo em massa”. E, nestes casos, conforme consabido, a lei não impõe senão a observância dos requisitos gerais de fundamentação constantes dos citados n.ºs 1 e 2, do artigo 77.º, da LGT, e que é cumprido pela Administração fiscal de forma “padronizada” e “informatizada”, atenta a natureza de “processo em massa” da liquidação anual deste imposto (Cfr. J.L. Saldanha Sanche/João Taborda da Gama, “Audição-Participação-Fundamentação: a co-responsabilização do sujeito passivo na decisão tributária”, in Homenagem José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, 2006, pp. 290/297 e J.L Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária: Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, Lisboa, 1995, pp. 189/202, Ac. do STA de 17.06.2009, Processo n.º 0246/09 e decisão proferida pelo CAAD no Processo n.º 137/2013-T de 02.12.2013).

 

Acolhendo, assim, a posição deste Tribunal Arbitral vertida na decisão prolatada no processo n.º 247/2021-T, adequado se mostra transcrever parte da mesma, por ser aplicável nos presentes autos:

 

A fundamentação padronizada e informatizada constante do ato sub judice não é por si só reveladora da eventual falta de fundamentação. No caso concreto a liquidação resulta dos factos e valores declarados pelos contribuintes. Deste modo, os factos e valores que constam da liquidação são do conhecimento dos declarantes, não podendo eles alegar o seu desconhecimento e por isso não se nos afigura que o ato padeça de falta de fundamentação. Citando o Ac. do TCA do Sul de 24.01.2020, proc. n.º 267/07.3BEALM: “I – Porque a liquidação se baseou nos elementos declarados pelos contribuintes resulta dos autos que o ato em crise se encontra devidamente fundamentado, não se verifica qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência dos critérios utilizados, pois nele se expressam as razões do conhecimento dos contribuintes a partir das suas próprias declarações, por que se tributou, sendo claros os motivos e os factos concretos ou de direito em que se fundou para decidir no sentido em que o fez, e ali se especificam os elementos determinantes dos critérios utilizados na quantificação do resultado fiscal relativo à liquidação adicional impugnada.

 

Ora, a liquidação impugnada, que deu origem a um montante a pagar de imposto no valor de €27.684,61, foi devidamente notificada ao Sujeito Passivo e resultou dos factos e valores por si declarados (rendimentos da categoria A obtidos no estrangeiro, designadamente: Rendimento bruto no valor de €120.727,69; Contribuições regimes proteção social no montante de €7.411,63 e Imposto pago no estrangeiro na importância de €18.931,20), na declaração de substituição por si apresentada, em 18.07.2022 (Cfr. factos provados G., H. e I), pelo que tais factos e valores são do seu conhecimento

 

Mais, importa salientar que é evidente na reclamação graciosa e no seu pedido arbitral que o Requerente compreendeu os variados motivos fácticos e jurídicos que determinaram a liquidação controvertida. Na verdade, as divergências existentes entre a AT e o Requerente são, como resulta dos autos, questões de direito (excesso de quantificação da matéria tributável para efeitos de IRS, em virtude da não aplicação das regras de tributação na qualidade de RNH e de vício de fundamentação), que aquele no seu articulado alega e esgrime sem qualquer limitação.

Daí que não se possa dizer que da fundamentação da liquidação controvertida tenha resultado prejuízo para a sua defesa, cumprindo-se, assim, uma das finalidades primaciais do dever de fundamentação.

Assim, e encontrando-se o conteúdo do ato tributário (in casu, liquidação de IRS), em consonância com o resultado do procedimento administrativo de que ao Requerente foi dado conhecimento pela via adequada e tendo este reagido contra o ato de indeferimento da reclamação graciosa que está na origem do resultado plasmado na liquidação, não se verifica motivo determinante da anulação do ato tributário por falta de fundamentação, pelo que improcede o vício de fundamentação aduzido pelo Requerente.

Face a todo o supra exposto, falece a pretensão anulatória do Requerente o que acarreta, também, necessariamente, a improcedência da pretensão da devolução do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.

V. DECISÃO

Termos em que se decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente e, em consequência, absolver a Requerida do pedido.

VI. VALOR DA CAUSA

Fixa-se ao processo o valor de €27.684,61 (vinte sete mil e seiscentos e oitenta e quatro euros e sessenta e um cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

VII. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 25 de janeiro de 2024

 

(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT)

 

A Árbitra,

Susana Mercês de Carvalho

 

 



[1]Embora na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT apenas se faça referência explícita à competência dos Tribunais Arbitrais para declararem a ilegalidade de atos de liquidação, essa competência estende-se também a atos de segundo e terceiros graus que apreciem a legalidade desses atos primários, designadamente atos de indeferimento de reclamações graciosas e atos de indeferimento de recursos hierárquicos interpostos das decisões destas reclamações.” (Cfr. Comentário ao regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p.121)

[2] Quando os seus termos não permitam conhecer de modo claro o desenvolvimento do processo intelectual e valorativo em que assenta a decisão.

[3] Quando a decisão não se conjuga, de modo lógico, com os motivos por ela invocados.

[4] Quando não sejam expostos os fundamentos de facto e de direito em que a decisão se deve apoiar.