Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 347/2023-T
Data da decisão: 2023-12-18  IRC  
Valor do pedido: € 39.085,56
Tema: IRC e EBF; Art. 41.º-A do EBF; Remuneração Convencional do Capital Social, Limite por cada exercício fiscal.
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SUMÁRIO

O artigo 41.º-A, n.º 1 do EBF ao estabelecer que “(...) pode ser deduzida uma importância correspondente à remuneração convencional do capital social, calculada mediante a aplicação, limitada a cada exercício, da taxa de 7 % ao montante das entradas realizadas até (euro) 2 000 000 (...)” está, isso sim, a limitar o valor máximo da dedução em cada exercício e não a limitar o valor das entradas realizadas em cada exercício.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Gonçalo Estanque, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar Tribunal Arbitral, constituído em 05-07-2023, decide o seguinte:

 

          1. Relatório

 

A..., SA, pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua..., n.º ..., ...-... Carnaxide (adiante designada por “REQUERENTE”), apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2023..., relativa ao exercício fiscal de 2019, e da correspondente de demonstração de acerto de contas n.º 2023..., através das quais a Administração Tributária apurou o valor total a pagar de € 39.085,56.

 A Requerente pede, ainda, o reembolso dos impostos e juros indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios e a condenação da Requerida no pagamento de custas.

  É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 12-05-2023.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico nomeou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 05-07-2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 25-07-2023.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a  improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 24-10-2023, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A Requerente é uma sociedade anónima cuja atividade consiste na comercialização de calçado e produtos afins (cfr. Relatório Final de Inspeção que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Por determinação da ordem de serviço n.º OI2022..., a AT procedeu a ação inspetiva ao IRC do exercício de 2019 (cfr. Ordem de serviço que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. A Requerente deduziu o montante de € 280.000 no campo 774 do quadro 07 da Declaração de Rendimentos - Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2019 (cfr. Relatório final de inspeção e Doc. 3 - Modelo 22 de IRC - junto ao pedido de pronúncia arbitral - PPA - cujo teor se dá como reproduzido);
  4. No decurso da ação inspetiva a Requerente esclareceu que o montante acima referido “respeita à dedução da importância correspondente à remuneração convencional do capital social, calculada mediante a aplicação, da taxa de 7% ao montante da entrada de capital de 2018 e 2019, no montante de € 2.000.000 cada” (cfr. relatório final de inspeção e Anexo 2 do mesmo, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. No Relatório final de inspeção concluiu a AT que “a lei não determina a obrigatoriedade de o aumento de capital ocorrer num único exercício, apenas impõe um valor limite para a dedução a realizar em cada exercício.

Neste sentido, e conforme refere o ponto 5 do ofício circulado n.º 20226 de 2020-12-16, “(...) independentemente de ser efetuado apenas um aumento de capital ou vários aumentos de capital distribuídos por períodos de tributação distintos, a dedução ao lucro tributável do período está limitada a 7% do valor máximo suscetível de beneficiar do incentivo, os mencionados € 2.000.000,00, isto é, a dedução máxima ao lucro tributável em cada período corresponde a € 140.000,00” (sublinhado nosso).

Conforme estabelece a alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo (com redação dada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro), a dedução é efetuada no apuramento do lucro tributável relativo ao período de tributação em que sejam realizadas as entradas de capital e nos cinco períodos de tributação seguintes.

Em resultado do anteriormente exposto, o montante máximo do benefício fiscal a utilizar pelo SP, em cada exercício é limitado a € 140.000,00. Este montante resulta da aplicação da taxa de 7%, ao limite máximo de entradas de capital elegíveis de € 2.000.000,00, mesmo que decorrentes de aumentos de capital ocorridos em anos distintos.

 

Neste sentido, embora alegado pelo SP que:

A A... cumpriu com o limite aplicável a cada exercício (aumento de capital de 2.000.000,00 euros em 2018 e aumento de capital em 2019 de 2.000.000,00 euros) a clarificação que a dedução não é cumulativa num mesmo período, ocorreu em 16 de dezembro de 2020, através do Ofício Circulado n.º 20226, muito depois da entrega da modelo 22 do IRC de 2019.

O oficio decorre da necessidade de interpretação do limite estabelecido no artigo 41.º-A do EBF, ou seja, a correção mencionada, na reunião, de 140.000,00 euros à matéria coletável não tem respaldo na lei, mas sim numa interpretação retroativa, na medida em que é posterior à data de cumprimento da obrigação declarativa.

Considerando o que já se encontra devidamente explanado anteriormente, o limite máximo de dedução ao apuramento do lucro tributável de 2019, decorrente da remuneração convencional do capital social, no valor de € 140.000,00, resulta, expressamente, do n.º 1 do artigo 41.º-A do EBF, com a redação dada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro e não de uma interpretação retroativa da lei, conforme alegado pelo SP.

Assim, dado que, nos termos do n.o 1 do artigo 41.º-A do EBF, a dedução máxima ao lucro tributável em cada período corresponde a € 140.000,00, o valor excedente que se encontra incluído no campo 774 do quadro 07 da respetiva Modelo 22 de IRC, de € 140.000,00 (€ 280.000,00 - € 140.000,00) não é aceite fiscalmente. O valor de € 140.000,00 deverá ser reduzido ao montante inscrito no campo 774 do quadro 07 da DR Modelo 22” (cfr. Relatório final de inspeção junto com ao processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

  1. Em 03/04/2023, na sequência da ação inspetiva supra referida, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2023 ..., onde se apurou um montante de imposto a pagar de € 124.756,77, e a demonstração de acerto de contas n.º 2023... com um saldo apurado (a pagar pela Requerente) de € 39.085,56 (cfr. Documentos 1 e 2 junto ao PPA, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. O referido montante a pagar de € 39.085,56 foi efetivamente pago pela Requerente em 02/05/2023 (cfr. Documento 3 junto ao PPA, cujo teor se dá como reproduzido);

 

  1.  Em 10-05-2023, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e que também constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Matéria de direito

 

A questão essencial que é objeto do presente processo é a de saber se, para efeitos de apuramento do lucro tributável de IRC, a dedução prevista no n.º 1 do artigo 41.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), encontra-se limitada ao montante de €140.000 (7% X € 2.000.000) por cada exercício fiscal (conforme defende a Requerida) ou se, conforme alega a Requerente, “o valor limite previsto naquele n.º 1 reporta-se ao valor das entradas realizadas no exercício e não ao valor máximo para a soma das deduções a beneficiar no exercício no caso de nesse exercício se incluir dedução em curso” (cfr. art. 27.º do PPA), pelo que, entende a Requerente, poderia deduzir, no exercício fiscal de 2019, um montante superior a €140.000 (in casu € 280.000, por referência a dois aumentos de capital distintos efetuados em 2018 e 2019).

 

A Requerente alega, em suma, que:

– A AT seguiu o entendimento vertido no Ofício circulado n.º 20226, de 16/12/2020, sancionado pela Sra. Diretora-Geral, porém, a Requerente não só não está vinculada àquele entendimento, por se tratar de uma orientação genérica, mas tal entendimento não tem correspondência na letra da lei nem no pensamento legislativo subjacente à sua elaboração, conforme determinam as regras de interpretação previstas no artigo 9.º do Código civil (cfr. art. 13.º a 15.º do PPA);

– A alteração da redação do artigo 41.º-A do EBF, efetuada pela Lei n.º 42/2016, de 28/12 pretendeu “incentivar o financiamento das empresas através de capitais próprios em detrimento do recurso a capitais alheios, criando incentivos às empresas para utilizarem esta forma de financiamento como alternativa ao endividamento e aos encargos decorrentes. Razão porque a alteração promovida pela Lei 42/2016 aumentou o leque dos beneficiários elegíveis, aumentou a espécie da entrada/aumento do capital, aumentou a percentagem de remuneração e aumentou o período para usufruir da dedução” (cfr. artigos 19.º e 20.º do PPA).

– Resulta do Relatório do Orçamento de Estado para 2017 que “cumprindo o estabelecido no programa Capitalizar, é alterado o regime de remuneração convencional do capital social, aumentado a taxa e eliminando restrições à sua aplicabilidade, incentivando que o financiamento das empresas se faça através do reforço dos capitais próprios” (cfr. artigo 22.º do PPA).

– Também nesse sentido, a subsequente alteração a este benefício fiscal resultante da Lei n.º 114/2017, que incluiu as entradas em espécie por conversão de créditos e o aumento de capital com recurso a lucros gerados no exercício (cfr. artigo 23.º do PPA).

– O n.º 1 do artigo 41.º-A do EBF  “trata e define, exclusivamente, o momento da constituição do benefício fiscal” e limita o valor das entradas de capital no exercício (até €2.000.000) e não o valor máximo para a soma das deduções a beneficiar no exercício no caso de nesse exercício se incluir dedução em curso (cfr. artigos 26.º e 27.º do PPA).

– Se a intenção do legislador fosse a de incluir um limite, então, tal intenção teria sido manifestada “na alínea b) do n.º 2 do artigo 41.º-A do EBF onde se regulam os termos para usufruir da dedução: i) no apuramento do lucro tributável do período da realização das entradas elegíveis; e ii) nos cinco anos seguintes”  (cfr. artigos 28.º e 29.º do PPA).

– O entendimento da AT viola o princípio da boa fé e da confiança, previsto no artigo 266.º da Constituição da Républica Portuguesa e artigo 55.º da LGT (cfr. artigo 32.º do PPA).

– O ofício circulado n.º 20226 foi emitido em momento posterior à entrega da declaração de rendimentos – Modelo 22, pelo que estamos perante uma aplicação retroativa que colide com o disposto no n.º 2 do art.º 68.º-A da LGT (cfr. artigos 36.º a 38.º do PPA).

– A interpretação que resulta do oficio circulado n.º 20226 “conduz a um entendimento menos favorável para a Requerente pelo que a sua aplicação no exercício de 2019, e à dedução global declarada pela Requerente na Modelo 22 que entregou a 30/07/2020, determina a violação do principio da boa fé, da tutela da confiança, da legalidade e da aplicação retroativa das normas e orientações administrativas que resultam, entre outros dos artigos 103.º e 266.º da CRP e artigos 55.º e 68.º-A da LGT” (cfr. artigos 42.º e 43.º do PPA).

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende a posição assumida no relatório final de inspeção tributária, alegando, em suma:

– O facto de o artigo 41.º-A do EBF constituir um incentivo à capitalização das empresas, em nada é contrariada pela limitação da dedução ao lucro tributável anual no montante de €140.000,00, nem tal permite à Requerente concluir que estamos perante uma medida dissuasora (cfr. artigo 44.º da Resposta);

– Se todos os anos se verificasse uma entrada de capital de valor € 2.000.000, o sujeito passivo poderia, ao longo daqueles anos e nos 5 períodos de tributação seguintes, gozar da dedução ao lucro tributável de € 140.000,00/por cada entrada e por cada período de tributação (cfr. artigo 47.º da Resposta);

– O entendimento da Requerente não só não decorre da disposição legal em questão, como contraria o sentido da própria norma  (cfr. artigo 50.º da Resposta);

– A interpretação que a AT efetuada ao n.º 1 do artigo 41.º-A do EBF, veiculado pela AT através do Ofício circulado n.º 20226, de 16/12/ 2020.12.16, não decorre em sentido diverso daquele que resulta da própria norma fiscal (cfr. artigo 51.º da Resposta);

– Conclui a AT que “os factos relevados para se proceder à correção ora contestada, são simplesmente aqueles que resultam da contabilidade e das declarações apresentadas pela Requerente, a saber: 1) Ocorreram dois aumentos de capital de valor € 2.000.000, o primeiro em 2018 e o segundo em 2019 (elementos remetidos pela Requerente, em 2022.11.02, cfr. Anexo 3 (pág.3) do RIT; 2) a Requerente procedeu à dedução ao lucro tributável apurado no período de tributação de 2019, nos termos do art.º 41.º-A do EBF, no montante de € 280.000,00, correspondente a 7% x € 2.000.000 x 2 – cfr. Anexo 8 (Modelo 22 - pág.3/17) do RIT.
Só invocando outros factos (não declarados pelo sujeito passivo) é que recaí sobre a AT o ónus de provar a sua existência e quantificação, na medida que contrariam a fé da declaração do contribuinte”
(cfr. artigos 60.º e 61.º da Resposta).

 

3.1. Da questão a decidir

 

          Recorde-se que nos presentes autos estão em causa dois aumento de capital, ambos, no montante de € 2.000.000,00 efetuados pela Requerente em 2018 e 2019. A questão a decidir consiste em saber se o n.º 1 do artigo 41.º-A do EBF ao estabelecer que “(...) pode ser deduzida uma importância correspondente à remuneração convencional do capital social, calculada mediante a aplicação, limitada a cada exercício, da taxa de 7 % ao montante das entradas realizadas até (euro) 2 000 000 (...)” está (A) a limitar o valor das entradas realizadas em cada exercício (conforme alega a Requerente) ou (B) a limitar o valor máximo da dedução (conforme entendimento preconizado pela Requerida).

 

3.1.1. Da interpretação das normas

          Importa referir, em primeiro lugar, que, nos termos do n.º 1 do art. 9.º do Código Civil, “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.

          Ou seja, entendemos que, como refere FRANCESCO FERRARA[1]:“Em primeiro lugar busca reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei, na sua conexão linguística e estilística, procura o sentido literal. Mas este é o grau mais baixo, a forma inicial da actividade interpretativa. As palavras podem ser vagas, equívocas ou deficientes e não oferecerem nenhuma garantia de espelharem com fidelidade e inteireza o pensamento: o sentido literal é apenas o conteúdo possível da lei: para se poder dizer que ele corresponde à mens legis, é preciso sujeitá-lo a crítica e a controlo. (...) nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica”.

          Assim, o teor literal da norma é o ponto de partida para a interpretação da mesma mas, não é o único elemento a ser valorado.

 

3.1.2. Da legislação aplicável

 

À data dos factos, o artigo 41.º-A, n.os 1 e 2 do EBF (alterado pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro e pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro), estabelecia o seguinte:

 

Artigo 41.º-A
Remuneração convencional do capital social

 
1 - Na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas, empresas públicas, e demais pessoas coletivas de direito público ou privado com sede ou direção efetiva em território português, pode ser deduzida uma importância correspondente à remuneração convencional do capital social, calculada mediante a aplicação, limitada a cada exercício, da taxa de 7 % ao montante das entradas realizadas até (euro) 2 000 000, por entregas em dinheiro ou através da conversão de créditos, ou do recurso aos lucros do próprio exercício no âmbito da constituição de sociedade ou do aumento do capital social, desde que:

a) (Revogada);

b) (Revogada);
c) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos;
d) A sociedade beneficiaria não reduza o seu capital social com restituição aos sócios, quer no período de tributação em que sejam realizadas as entradas relevantes para efeitos da remuneração convencional do capital social, quer nos cinco períodos de tributação seguintes.

2 - A dedução a que se refere o número anterior:
a) Aplica-se exclusivamente às entradas efetivamente realizadas em dinheiro, no âmbito da constituição de sociedades ou do aumento do capital social da sociedade beneficiária, às entradas em espécie realizadas no âmbito de aumento do capital social que correspondam à conversão de créditos em capital, e ao aumento de capital com recurso aos lucros gerados no próprio exercício, desde que, neste último caso, o registo do aumento de capital se realize até à entrega da declaração de rendimentos relativa ao exercício em causa;

b) É efetuada no apuramento do lucro tributável relativo ao período de tributação em que sejam realizadas as entradas mencionadas na alínea anterior e nos cinco períodos de tributação seguintes;

c) Apenas considera as entradas em espécie correspondentes à conversão de suprimentos ou de empréstimos de sócios realizadas a partir de 1 de janeiro de 2017 ou a partir do primeiro dia do período de tributação que se inicie após essa data, quando este não coincida com o ano civil;

(negrito e sublinhado nossos para salientar o segmento da norma com relevo para a matéria em questão).

 

3.1.3. Da finalidade da remuneração convencional do capital social

 

          Em primeiro lugar, importa determinar quais os objetivos que levaram à introdução da remuneração convencional do capital social (“RCCS”).

 

          A RCCS foi introduzida no EBF (artigo 41.º-A) pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro. Porém, esta versão inicial “transitou”, grosso modo, do artigo 9.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro para o EBF.

 

          Na exposição de motivos apresentada para a introdução da RCCS - com o figurino semelhante ao vigente no EBF à data dos factos - pode ler-se que a mesma visava assegurar “uma maior neutralidade entre capital próprio e capital alheio e tal pode passar, nomeadamente, pela determinação de uma remuneração convencional (nocional) do capital social. Esta proposta está, aliás, em linha com o estabelecido no artigo 136.º da Lei do Orçamento de Estado para 2011 (Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro)” [2].

          Mesmo em versões anteriores da RCCS, nomeadamente aquela constante do artigo 81.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2008), podemos, igualmente, concluir que o objetivo da RCCS passava por “reduzir a diferença entre o nível da tributação que recai sobre as diferentes formas de financiamento das empresas: por utilização de capitais próprios ou por recurso a capitais alheios. Verificando-se que as empresas nacionais, em especial as PME, estão subcapitalizadas, financiando a sua actividade, essencialmente, pelo recurso a empréstimos, com esta medida fiscal procura-se corrigir o enviesamento existente a favor do capital alheio, criando condições para o reforço dos capitais próprios (...)” [3].

          Sendo que, esta finalidade consta, igualmente, do Relatório da proposta do Orçamento de Estado para 2017 (conforme refere a Requerente - art.º 22.º do PPA - e pág. 58 do referido Relatório), no qual se salienta que “é alterado o regime de remuneração convencional do capital social, aumentado a taxa e eliminando restrições à sua aplicabilidade, incentivando que o financiamento das empresas se faça através do reforço dos capitais próprios”.

 

          Assim, analisando a norma do artigo 41.º-A do EBF (bem com anteriores redações da RCCS) é fácil perceber que estamos perante a dedução de um juro fictício, o qual corresponde a uma percentagem das entradas no capital social das sociedades[4] [5]. Ou seja, estamos perante aquilo a que a Doutrina designa por notional interest deduction ou allowance for corporate equity e cujos objetivos são bastante simples de compreender: eliminar as assimetrias existentes no tratamento fiscal entre o capital próprio (e.g. entradas de capital) e o capital alheio (e.g. empréstimos)[6] [7].

3.2. Da apreciação da questão

 

          Feita esta introdução passemos, pois, à apreciação da questão em crise: o artigo 41.º-A do EBF, na redacção vigente à data dos factos, referia que “(...) pode ser deduzida uma importância correspondente à remuneração convencional do capital social, calculada mediante a aplicação, limitada a cada exercício, da taxa de 7 % ao montante das entradas realizadas até (euro) 2 000 000 (...)”. Ou seja, era permitida a dedução da chamada “remuneração convencional do capital social” (“juro fictício”, conforme referido supra em 3.1.3.). Essa remuneração era calculada mediante a aplicação de uma taxa, in casu, 7% sobre as entradas realizadas e tais entradas encontravam-se limitadas ao montante de € 2.000.000. In casu, o segmento da norma controvertido é, em particular, a introdução pelo legislador, através da Lei do Orçamento de Estado para 2017, da referência “limitada a cada exercício”. Recorde-se que esta limitação não constava na anterior redação da norma.

          Entendemos que, atendendo ao teor literal da norma, a limitação a cada exercício refere-se ao montante (máximo) que pode ser deduzido.

          Por um lado, isso resulta claro do próprio artigo 41.º-A do EBF quando se refere que “pode ser deduzida uma importância”. Ou seja, o legislador está a referir-se, isso sim, ao montante a ser deduzido. Por outro lado, se o legislador quisesse limitar o valor das entradas realizadas em cada exercício bastar-lhe-ia, por exemplo, referir que pode ser deduzida uma importância correspondente à remuneração convencional do capital social, calculada mediante a aplicação da taxa de 7 % ao montante das entradas realizadas em cada exercício até (euro) 2 000 000. Porém, não foi esta a opção do legislador.

          Mais ainda, em abono da clareza da letra da norma, veja-se Rogério Fernandes Ferreira, Marta Machado de Almeida, Soraia João Silva, Inês Tomé Carvalho e José Oliveira Marcelino: “Assim, o sujeito passivo poderá usufruir do referido benefício, ainda que haja beneficiado do mesmo num dos cincos períodos de tributação anteriores, sem prejuízo de a importância a deduzir, em cada período, estar limitada ao referido montante. Neste sentido, ainda que sejam realizados vários aumentos de capital distribuídos por períodos de tributação distintos, a dedução ao lucro tributável de cada período está limitada a sete por cento do valor máximo susceptível de beneficiar do incentivo - os mencionados dois milhões de euros. Assim, a dedução máxima ao lucro tributável pela RCCS, em cada periodo de tributação, corresponde a 140 mil euros[8] (sublinhado e negrito nossos).

          Por fim, se dúvidas houvessem as mesmas foram claramente dissipadas aquando da análise efetuada pelo Conselho da União Europeia ao regime Português da RCCS, na qual, em 20-11-2018, se concluiu que “a dedução máxima é 140.000 € por sociedade por ano” [9].

          Não obstante, é certo que, conforme referimos acima, o teor literal da norma não é o único elemento interpretativo que devemos utilizar. Em particular, a Requerente refere que resulta do Relatório do Orçamento de Estado para 2017 que “cumprindo o estabelecido no programa Capitalizar, é alterado o regime de remuneração convencional do capital social, aumentado a taxa e eliminando restrições à sua aplicabilidade, incentivando que o financiamento das empresas se faça através do reforço dos capitais próprios” (cfr. artigo 22.º do PPA). Perante isto, conclui a Requerente que a norma em crise limita, isso sim, o valor das entradas realizadas em cada exercício. Ora, o invocado desígnio legislativo não contradiz em nada a interpretação supra referida. Vejamos:

          É certo que, conforme refere a Requerente, o legislador procurou eliminar as restrições à sua aplicabilidade e visou incentivar o financiamento das empresas através do reforço dos capitais próprios.

          Por um lado, tais “melhorias” no sistema são notórias, desde logo, pela eliminação do requisito da sociedade beneficiária ser qualificada como micro, pequena ou média empresa ou, também, pela revogação da restrição quanto ao tipo de sócios (exclusivamente pessoas singulares, sociedades de capital de risco ou investidores de capital de risco) e, claro está, pelo aumento da taxa de 5% para 7%.

          Por outro lado, incentivar o financiamento das empresas através de capitais próprios não significa que o legislador não possa impor um limite à dedução. Aliás, é perfeitamente normal a imposição de limites às deduções no sistema tributário. Veja-se, por exemplo, o artigo 52.º do CIRC que, à data dos factos, limitava a dedução dos prejuízos fiscais, em cada período de tributação, a 70% do respetivo lucro tributável ou, mais recentemente, o regime fiscal de incentivo à capitalização das empresas (artigo 43.º-D do EBF) cuja dedução, também, é limitada, em cada período de tributação.

            Invoca, ainda, a Requerente que, se a intenção do legislador fosse a de incluir um limite, então, tal intenção teria sido manifestada “na alínea b) do n.º 2 do artigo 41.º-A do EBF onde se regulam os termos para usufruir da dedução”. Ora, também, este argumento não pode prevalecer. A alínea b) do n.º 2 do artigo 41.º-A do EBF regula, isso sim, o momento em que é feito a dedução (i.e. período de tributação em que sejam realizadas as entradas de capital e nos cincos períodos de tributação seguintes). Por seu turno, o n.º 1 do artigo 41.º-A do EBF regula o apuramento do quantum da dedução. Naturalmente, o limite da dedução refere-se ao cálculo da dedução (quantum) e não ao momento da dedução. Pelo que, daqui não se pode extrair - contrariamente ao invocado pela Requerente - qualquer outra interpretação.

            Adicionalmente, conforme referiu o Estado Português, em resposta às questões colocadas pelo Conselho da União Europeia, a justificação para a existência desta dedução máxima é, precisamente, “limitar o montante global da despesa fiscal relacionada com este regime no pressuposto de que será utilizado por um grande número de empresas” [10]. Ou seja, o intuito é, pois, limitar a dedução possível e, por esta via, limitar a despesa fiscal do Estado Português com esta medida.

Assim, conforme se determinou supra, a letra e o espírito (intenção do legislador) do n.º 1 do artigo 41.º-A do EBF, claramente, indicam que “(...) pode ser deduzida uma importância correspondente à remuneração convencional do capital social, calculada mediante a aplicação, limitada a cada exercício, da taxa de 7 % ao montante das entradas realizadas até (euro) 2 000 000 (...)”, sendo que esta norma está, isso sim, a limitar o valor máximo da dedução (€140 000 por sociedade por exercício fiscal), conforme entendimento preconizado pela Requerida.

 

          Sendo que, o entendimento preconizado pela AT no ofício circulado n.º 20226 é, pois, nesta parte, totalmente consentâneo com a letra e o espírito do n.º 1 do artigo 41.º-A do EBF não efetuando, conforme demonstrado, qualquer interpretação extensiva e contrária à letra e ao espiríto da norma. 

          Em face do exposto, o pedido arbitral mostra-se totalmente improcedente.

 

            4. Decisão      

 

            Termos em que se decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e absolver a Requerida de todos os pedidos.

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 39.085,56, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

6. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 18-12-2023

 

O Árbitro

 

(Gonçalo Estanque)

 



[1] Interpretação e Aplicação das leis, tradução de Manuel de Andrade, 3ª ed., Coimbra, 1978, pp. 127 ss. e 138 ss.

[4] Existindo, é certo, diversas especificidades quanto ao tipo de entradas no capital social que são elegíveis bem como quanto aos demais requisitos.

[5] Veja-se, no mesmo sentido, B. (Bernard) Peeters & T. Hernie, Chapter 5: Notional Interest Deduction in Tax Treatment of Interest for Corporations (O.C.R. Marres & D. (Dennis) Weber eds., IBFD 2013: “The notional interest deduction is a deduction of a fictitious interest equal to a certain percentage of the equity”. Tradução livre para Português: a dedução de juros nocionais é a dedução de um juro fictício igual a uma determinada percentagem do capital próprio.

[6] Cfr. R.H.M.J. Offermanns & B. Baldewsing, Chapter 4: Anti-Base-Erosion Measures for Intra-Group Debt Financing in International Tax Structures in the BEPS Era: An Analysis of Anti-Abuse Measures (M. Cotrut et al. eds., IBFD 2015): “In order to mitigate the different tax treatment of debt (interest is deductible) and equity (...), some countries have introduced notional interest deduction regimes which calculate the allowable deduction by multiplying a pre-set interest rate with the amount of (qualifying) equity of the taxpayer“. Tradução livre para Português: Com o intuito de mitigar o diferente tratamento fiscal da dívida (os juros são dedutíveis) e do capital próprio (...), alguns países introduziram regimes nacionais de dedução de juros cuja dedução resulta da multiplicação de uma taxa de juro pré definida pelo montante de capital próprio (elegível) do contribuinte

[7] M.F. Nouwen, Chapter 7: Discussion and Assessment of the Pseudo-Case Law of the Code of Conduct Group in Inside the EU Code of Conduct Group: 20 Years of Tackling Harmful Tax Competition (IBFD 2021): “Even though countries apply a wide range of different types of NID regimes, their general structure is similar, i.e. they provide for a deduction from the tax base of the cost of equity, calculated on the basis of the product of a nominal interest rate (the NID rate) and a predetermined amount of equity (the NID base). Their policy goal is to address the corporate debt bias, which results from the fact that corporate tax systems generally allow the deductibility of interest costs, while the return on equity is not considered a tax-deductible cost. This asymmetry favours debt over equity financing”. Tradução livre para língua portuguesa: Embora os países apliquem diferentes tipos de regimes de NID, a sua estrutura geral é semelhante, ou seja, permitem uma dedução ao rendimento tributável do custo do capital próprio, calculado com base numa taxa de juro nominal (a taxa NID) e um montante predeterminado de capital próprio (a base NID). O seu objectivo político é abordar o enviesamento da dívida, que resulta do facto de os sistemas fiscais geralmente permitirem a dedutibilidade dos custos dos juros, enquanto o retorno sobre o capital próprio não é considerado um custo fiscalmente dedutível fiscalmente. Esta assimetria favorece a dívida em detrimento do financiamento por capital próprio”.

[8] Rogério Fernandes Ferreira, Marta Machado de Almeida, Soraia João Silva, Inês Tomé Carvalho e José Oliveira Marcelino in Revista Contabilista 262, pág. 42 (Janeiro de 2022).

[9] Trata-se da tradução livre para português da versão inglesa do relatório do Grupo do Código de Conduta do Conselho da União Europeia (cfr. pág. 15). O relatório encontra-se disponível em:

 https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-14364-2018-ADD-8/en/pdf

[10] Trata-se da tradução livre para português da versão inglesa do relatório do Grupo do Código de Conduta do Conselho da União Europeia (cfr. pág. 9). O relatório encontra-se disponível em:

 https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-14364-2018-ADD-8/en/pdf