Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 149/2012-T
Data da decisão: 2013-10-09  IMI  
Valor do pedido: € 275.083,64
Tema: IMI – Aplicabilidade do benefício fiscal previsto no art.49º do EBF
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam, nestes autos, os Juízes-Árbitros José Manuel Cardoso da Costa, Presidente, João Ricardo Catarino e José Rodrigo de Castro:

 

           

 I. Relatório.

 

A)    Constituição da arbitragem e seguimento do processo.

 

1. Em 27 de Dezembro de 2012, A, S.A., contribuinte fiscal n.º …, com sede … em Lisboa, na qualidade de sociedade gestora e em representação de B, contribuinte fiscal n.º …, C, contribuinte fiscal n.º …, D, contribuinte fiscal n.º …, E, contribuinte fiscal n.º …, F, contribuinte fiscal n.º …, e G, contribuinte fiscal n.º …, apresentou no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) pedido de constituição de tribunal arbitral colectivo, com vista a pronúncia arbitral, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante “RJAT”), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”).

Pretende a Requerente que nessa pronúncia se declare a ilegalidade das liquidações de IMI – Imposto Municipal sobre Imóveis, identificadas na Petição Inicial, respeitantes ao ano de 2011, efectuadas pela AT às suas geridas, no valor total de € 550.167,28, se anulem parcialmente essas liquidações, anulação essa importando no valor global de € 275.083,64 e se condene a AT ao reembolso, àquelas mesmas suas geridas, das quantias assim por elas indevidamente pagas, acrescidas dos correspondentes juros indemnizatórios. 

 

2. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, foram os signatários designados pelo Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente tribunal arbitral colectivo, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.

Em 15-2-2013 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, ficou o tribunal arbitral colectivo constituído em 4-3-2013.

 

3. Em 7-3-2013, veio a AT apresentar a sua resposta, defendendo que os pedidos devem ser julgados improcedentes, com a sua absolvição dos mesmos.

 

4. Em 9-4-2013, atento o facto de haver sido proferida, no Processo Arbitral nº 107/2012-T deste Centro, decisão arbitral (ainda não transitada em julgado) sobre matéria idêntica à controvertida nestes autos, veio a Requerente apresentar um articulado complementar, juntando cópia da mesma decisão e procedendo à análise crítica dos seus fundamentos.

Determinada e efectuada, em 22-4-2013, a notificação à AT da apresentação de tal articulado, não veio a mesma opor-se a ela, nem apresentar qualquer resposta.

 

5. Ulteriormente, em 10-5-2013, veio ainda a Requerente solicitar a junção aos autos de nova decisão (ainda não transitada) sobre a matéria neles discutida, proferida agora no Processo Arbitral n.º 150/2012-T deste Centro – decisão essa no mesmo sentido da anterior, mas, desta feita, com um voto de vencido no sentido da tese aqui sustentada pela Requerente e em que, por consequência, ela se louva.

Notificada a AT (na reunião a seguir referida) da junção de tal aresto, não se opôs ela a essa junção, mas declarou pretender pronunciar-se em resposta – o que efectivamente veio a fazer em 24-5-2013.

 

6. Entretanto, agendada em 9-5-2013, com notificação às Partes, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, veio a mesma a realizar-se em 14-5-2013.

Em tal reunião, para além de efectuada à AT a notificação referida no número anterior, e não se havendo suscitado outras questões, o Tribunal, ouvidas as Partes, e com a sua anuência, decidiu que, atenta a natureza da matéria e da questão em causa, não havia que proceder-se à instrução do processo, e que tão-pouco haveria lugar a alegações finais, e mais comunicou àquelas que a decisão final seria proferida até 31-7-2013 – tudo como consta da respectiva Acta.

 

7. Verificada, porém, a impossibilidade da conclusão do presente acórdão até à data antes referida, decidiu o Tribunal prorrogar expressamente até 30 de Setembro do ano em curso o prazo anunciado em Maio (Despacho de 29-7-2013) – não obstante o prazo legal para a decisão, se nele incluído o período de férias judiciais de Verão (o que é controverso), só terminar (atenta a constituição da arbitragem em 4-3-2013) a 4 de Outubro (artigos 15º e 21º do RJAT).

Entretanto, em razão da impossibilidade de formalizar a decisão até 30 de Setembro, e da dificuldade em fazê-lo até ao termo do prazo legal, veio ainda o Tribunal a determinar a prorrogação do mesmo prazo até 15 de Outubro corrente (Despacho de 25-9-2013).

A presente decisão está, pois, em tempo.

 

B)    Objecto da arbitragem e posições das partes.

 

8. Refere a Requerente que os Fundos por ela geridos são todos fundos imobiliários fechados, de subscrição particular, cujas unidades de participação foram subscritas ou são detidas por investidores não qualificados.

Assim, atento o disposto nos nºs 1 e 2 do então artigo 46º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (doravante, EBF), na redacção que lhes foi dada pelo artigo 82º da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento para 2007), e atento, bem assim, o disposto na alínea j) do artigo 88º desta Lei, passaram esses fundos a beneficiar, a partir de 1 de Janeiro de 2007 (entrada em vigor da mesma Lei), da redução a metade do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e do Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT) – em vez da isenção desses impostos, de que até aí usufruíam.   

 Efectivamente, passou então a dispor-se no dito artigo 46º – entretanto, depois da última republicação e renumeração do EBF pelo Decreto-Lei nº 108/2008, de 26 de Junho, artigo 49º (numeração que agora passa a adoptar-se) – o seguinte:

 

 

1Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis (IMI) e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a lei nacional. 

2 Os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles não beneficiam das isenções referidas no número anterior, sendo as taxas de IMI e de IMT reduzidas para metade.

 

Por sua vez, na citada alínea j) do artigo 88º da Lei nº 53-A/2006, veio dizer-se o seguinte:

 

O disposto no n.º 2 do artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais é aplicável, a partir da entrada em vigor da presente lei, aos imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles constituídos após 1 de Novembro de 2006 ou que realizem aumentos de capital após esta data e, bem assim, aos imóveis integrados em fundos com idênticas características cujas unidades de participação eram, à data de 1 de Novembro de 2006, detidas exclusivamente por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles.

 

           

Sucede            , porém, que o artigo 109º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril (Lei do Orçamento para 2010), veio dar a seguinte nova redacção ao artigo 49º do EBF:

 

1 – Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2 – (Revogado)

 

            Ficou assim revogado o benefício concedido em IMI (é o que agora importa) aos fundos imobiliários fechados – nomeadamente os que se revestiam das características enunciadas no anterior nº 2 da disposição – relativamente aos prédios neles integrados. (Entretanto, a situação veio a ser parcialmente revista pelo artigo 119º da lei orçamental para 2011, a Lei n º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, com a reposição da isenção, mediante o correspondente acrescento ao teor do nº 1, para os fundos imobiliários «fechados de subscrição pública»).

            Em consequência de tal revogação, a AT promoveu a liquidação integral, ou por inteiro, do IMI respeitante aos prédios propriedade dos Fundos geridos pela Requerente, relativo ao ano de 2011 (só o IMI desse ano está em causa no presente processo).

            Ora, o que Requerente entende é que – pese a revogação do nº 2 do artigo 49º do EBF, operada pelo preceito transcrito por último – o mesmo benefício se mantinha (para os fundos existentes à data dessa revogação) até 31 de Dezembro de 2011; e isso, em razão, fundamentalmente, do disposto no n º 1 do artigo 3º do EBF, conjugado com o disposto no artigo 11º, nº 1, do mesmo EBF.

            Preceitua-se no primeiro desses artigos (introduzido no EBF, como artigo 2º-A, nº 1, pelo artigo 83º, também da Lei nº 53-A/2006, e renumerado pelo já referido Decreto-Lei nº 108/2008, sendo a enumeração do nº 3 a reformulada pela Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro):

 

1 – As normas que consagram os benefícios fiscais constantes das partes II e III do presente Estatuto vigoram durante um período de cinco anos, salvo quando disponham em contrário.

2 – São mantidos os benefícios fiscais cujo direito tenha sido adquirido durante a vigência das normas que os consagram, sem prejuízo de disposição legal em contrário.

3 – O disposto no n.º 1 não se aplica aos benefícios fiscais constantes dos artigos 16º, 17º,18º,21º, 22º, 23º, 24º, 32º, 44º, 60º e 66-Aº, bem como ao capítulo V do presente Estatuto.

      

 

E dispõe o dito nº 1 do segundo (renumerado igualmente pelo Decreto-Lei nº 108/2008, mas vindo já da versão originária do EBF, do Decreto-Lei nº 215/89, de 1 de Julho, então artigo 10º, nº 1):

 

As normas que alterem benefícios fiscais convencionais, condicionados ou temporários, não são aplicáveis aos contribuintes que já aproveitem do direito ao benefício fiscal respectivo, em tudo o que os prejudique, salvo quando a lei dispuser em contrário.

           

Em razão, pois, desse prazo de vigência dos benefícios e desta regra de aplicação no tempo das normas relativas aos mesmos, o IMI relativo aos prédios integrados nos Fundos em causa e ao ano de 2011 devia ter sido liquidado – sustenta a Requerente –apenas pela metade.

            Se assim devia ter sido, ou não – eis a questão decidenda no presente processo.

 

            9. Em síntese, argumenta a Requerente, a sustentar o seu entendimento:

a) A redução a metade da taxa de IMI (e IMT) concedida pelo transcrito nº 2 do artigo 49º do EBF é (era) um benefício fiscal temporário – pois que, com a introdução nesse Estatuto do princípio do seu artigo 3º, os benefícios fiscais, na sua generalidade, devem considerar-se «temporários», não havendo razão para distinguir entre os que a lei estabelece especificamente como tal (com um período de vigência diverso do daquele artigo) e os demais, que o são, agora, por força desse preceito;

b) No contexto do actual artigo 3º do EBF, com efeito, deixou de ter «sustentação legal» a distinção entre benefícios «estruturais» e benefícios «temporários», introduzida pela versão renovada do EBF, do Decreto-Lei nº 198/2001, de 3 de Abril. Tal distinção «pareceu ter como objectivo dar sentido» ao preceito que primeiro introduziu uma limitação temporal dos benefícios fiscais, a saber, o primitivo artigo 14º da Lei Geral Tributária (aprovada pela Lei nº 14/98, de 4 de Agosto, doravante, LGT), o qual, na verdade, dispunha: «sem prejuízo dos direitos adquiridos as normas que prevêem benefícios fiscais vigoram durante um período de cinco anos, se não tiverem previsto outro, salvo quando, por natureza, os benefícios fiscais tiverem carácter estrutural». Com a substituição deste preceito pelo actual artigo 3º do EBF – em que a referência a benefícios «estruturais» desapareceu – a única distinção que cabe fazer é antes entre benefícios «temporários» e benefícios «permanentes» (estes últimos, os que o preceito ressalva no seu nº 3). Só por «lapso» pode ter subsistido a sistematização do diploma, distinguindo e agrupando, em partes distintas, os benefícios «estruturais» e os benefícios «temporários»;

c) Por outro lado, o prazo de cinco anos estabelecido no artigo 3º, nº 1, EBF é, não apenas um prazo máximo, mas também um prazo mínimo de vigência dos benefícios: é isso, com efeito, o que deve concluir-se do «Relatório do Grupo de Trabalho para a Reavaliação dos Benefícios Fiscais», constituído em 1997, que antecedeu a introdução de um limite temporal aos benefícios fiscais (com o artigo 14º da LGT, antes referido) e o que na doutrina também se refere: o propósito foi, sobretudo, o de conferir uma garantia de «estabilidade» a tais benefícios, dando confiança aos sujeitos passivos na sua manutenção – razão que especialmente vale quanto a benefícios com a natureza de «incentivo», como o que está em causa;

d) Assim, há que aplicar à revogação do benefício fiscal da redução da taxa de IMI, agora em apreço, enquanto benefício «temporário», o disposto no artigo 11º, nº 1, do EBF. Este preceito não se limita a reiterar, na matéria a que respeita, o princípio da não retroactividade das leis, mas estabelece antes uma regra de ultra-actividade das normas relativas aos benefícios fiscais nele enunciados, em ordem a garantir os direitos adquiridos pelos seus titulares: a sua ratio «funda-se nas legítimas expectativas que os contribuintes adquirem» com a criação desses benefícios, que «funcionam como medidas de fomento fiscal directo»;

e) É certo que, quer no artigo 3º, nº 1, quer no artigo 11º, nº 1, se prevê que o legislador venha dispor diferentemente do que neles se estabelece – mas, isso, há-de o legislador fazê-lo de modo expresso (independentemente, agora, das constrições constitucionais que aí haja a considerar). Ora, no caso da revogação do nº 2 do artigo 49º, tal não aconteceu: assim a regra do artigo 11º, nº 1, há-de aplicar-se, nesse caso, plenamente;

f) E não vale, contra isso, invocar a natureza de «valor reforçado» do diploma que operou tal revogação, a saber, a Lei do Orçamento para 2010 (Lei nº 3-A/2010): antes de mais, porque esse «valor reforçado» não se estende a normas dessa Lei que sejam um mero «cavaleiro orçamental», como acontece com a norma revogatória em apreço; mas, depois, porque, ainda que se estendesse, a natureza de «valor reforçado», ou não, de tal norma sempre seria indiferente para, na ausência de excepção expressa, impedir que o artigo 11º, nº 1, EBF produzisse a sua eficácia;

g) Ora, no caso sub judice, que é o de redução de taxa de IMI relativa a prédios integrados em certos fundos de investimento imobiliário, o facto constitutivo do direito ao benefício verificou-se com a integração dos imóveis no fundo, verificada à data do início da vigência do benefício ou no decurso dela – aí passando os titulares dele a contar com a sua manutenção durante o prazo, de cinco anos, dessa vigência. Tal facto constitutivo do benefício nunca poderia ser o do facto tributário do IMI, reportado a 31 de Dezembro de cada ano;

h) Assim, iniciada a vigência do benefício em causa – de redução da taxa de IMI relativo aos prédios integrados nos fundos em apreço – em 1 de Janeiro de 2007 e devendo a mesma cessar apenas, nos termos do artigo 3º, nº 1, EBF, em 31 de Dezembro de 2011, um tal benefício devia ser mantido, por força do artigo 11º, nº 1, do mesmo Estatuto, até essa data, aos Fundos Imobiliários representados pela Requerente;

i) A não ser assim – isto é, a operar-se a revogação do benefício em causa com efeitos imediatos relativamente a todos os sujeitos passivos (incluindo, pois, os fundos que dele já estavam a gozar, desde que ocorreu, nos termos antes referidos o correspondente facto constitutivo) – frustrar-se-ia de maneira inadmissível a expectativa e a confiança criadas por aquele, sem que para tanto houvesse um interesse público superior que o justificasse. Estaríamos, pois, diante de uma clara violação dos princípios da protecção da confiança e da segurança jurídicas, ínsitos na ideia de Estado de Direito, dos artigos 2º e 8º da Constituição da República (doravante, CRP). Ou seja: estaríamos perante uma interpretação inconstitucional, por infracção desses princípios, da conjugação dos artigos 11º, nº 1, e 3º, nº 1, do EBF. [Nos nºs 114 e 115 do seu primeiro articulado complementar, onde mais explicitamente esta afirmação é feita, a Requerente diz «art. 49º, nº 1 e 3º, n º 1», mas trata-se manifestamente de um lapso, quanto à referência ao artigo 49º, em lugar de ao artigo 11º].

 

10. Por sua vez, e também sem síntese, argumenta a AT, defendendo a legalidade das liquidações:

a) O benefício fiscal previsto no artigo 49º, nº 2, do EBF é um benefício de natureza «estrutural», e não de natureza «temporária», já que inscrito no elenco da Parte II do mesmo Estatuto, a qual justamente respeita aos benefícios fiscais com aquela natureza;

b) A substituição do artigo 14º, nº 1, da LGT – que primeiro estabeleceu um prazo de vigência das normas sobre benefícios fiscais – pelo artigo 3º (inicialmente artigo 2º-A), nº 1, do EBF, em nada modificou a «discriminação» a que tal Estatuto procede entre as duas classes de benefícios, como mostra a manutenção das correspondentes epígrafes das duas Partes (II e III) do diploma;

c) Na verdade, uma coisa – e é essa discriminação que a lei faz – são «benefícios fiscais com prazo predeterminado de duração que resulta do preenchimento dos seus pressupostos» e, outra, «benefícios fiscais de duração indeterminada, mas cujas normas instituidoras, não obstante, estão sujeitas a um prazo de caducidade» (sublinhou-se): só os primeiros entram na classe dos benefícios «temporários»;

d) Assim, não se incluindo o benefício em causa – o que se encontrava previsto no nº 2 do artigo 49º do EBF – nos benefícios fiscais «temporários», à sua revogação não é aplicável o disposto no artigo 11º, nº 1, desse Estatuto;

e) Entretanto – e voltando ao artigo 3º, nº 1, EBF – o mesmo, e desde logo, não dispõe, só por si, de força suficiente para impor ao legislador ordinário um prazo mínimo de manutenção dos benefícios fiscais: para tanto, seria necessário que o EBF assumisse a natureza de uma «lei de valor reforçado», natureza que não é efectivamente a sua;

f) De resto, o que se mostra – a partir das primeiras sugestões doutrinais no sentido da introdução de uma «regra geral de transitoriedade» dos benefícios fiscais, até aos trabalhos preparatórios a ela conducentes – é que, com essa regra, consignada primeiro no artigo 14º, nº 1, da LGT, se pretendeu instituir um «instrumento de selectividade dos benefícios fiscais», o qual, obrigando à sua confirmação periódica, levaria a verificar «se ainda se justificava, ou não, o interesse público por que os benefícios fiscais foram concedidos»: ela «não impunha qualquer limite temporal de revogação dos benefícios fiscais, nem conferia qualquer direito adquirido» aos respectivos titulares;

g) E, reconhecido «um problema de falta de operatividade» a essa norma, o propósito do legislador, com a passagem da correspondente regra para o (agora) artigo 3º, nº 1, do EBF, levando a esclarecedora epígrafe «Caducidade dos benefícios fiscais» (sublinhou-se), foi – como se vê do «Relatório do Grupo de Trabalho para a Reavaliação dos Benefícios Fiscais», constituído em 2005 – o de «conferir uma verdadeira efectividade, segundo ele até então inexistente ou insuficiente, à obrigação de reavaliação dos benefícios fiscais, e não de estabelecer uma duração mínima» para os mesmos; 

h) Em suma: «não tem […] qualquer fundamento a redução da redacção originária do artigo 14º, nº 1, da LGT a uma mera norma de garantia dos contribuintes»; e «parte de um equívoco» a ideia de que o legislador, ao transpor para o EBF a correspondente regra, quis «assegurar aos contribuintes titulares de benefícios fiscais de natureza estrutural a sua duração por, pelo menos, cinco anos»;

i) Assim, no que respeita a uma duração mínima dos benefícios fiscais, o que pode retirar-se do artigo 3º, nº 1, do EBF, como, já antes, do artigo 14º, nº 1, da LGT, e ainda da autorização legislativa em que a emissão desta norma se fundou [constante do artigo 2º, alínea 7), da Lei nº 41/98, de 4 de Agosto], é, quando muito, uma mera «orientação programática genérica dirigida ao legislador tributário» (destacou-se) de não alterar antes do prazo os benefícios fiscais, «salvo motivos ponderosos», mas «cuja apreciação lhe caberia exclusivamente efectuar»; 

j) Por outro lado, a revogação, com efeitos imediatos, do benefício fiscal em causa (o previsto no artigo 49º, nº 2, do EBF) não importa qualquer «retroactividade», nem mesmo de grau «leve»: desde logo, e em razão do antes referido, «inexiste qualquer expectativa legítima legalmente protegida de [um tal benefício] ter a duração de cinco anos»; e, depois, sendo o IMI um imposto periódico, cuja incidência subjectiva se determina em 31 de Dezembro de cada ano, em função da titularidade dos prédios a essa data, «uma tal expectativa legítima também não se constitui com o início do ano a que a tributação respeita»;

l) E tão-pouco há violação dos «princípio da «confiança» e da «segurança jurídica, os quais – em razão do exposto – não têm «qualquer respaldo no artigo 3º, nº 1, do EBF» – e só poderiam tê-lo «no âmbito do artigo 11º, nº 1» desse diploma. De resto, ao tempo da revogação do benefício em apreço «já se iniciara um forte processo de consolidação orçamental, que inclui as autarquias locais», sendo que o défice de cada uma «influencia a situação orçamental do Estado português»;

m) Por fim: de todo o modo, e ainda que se admitisse, contra o que ficou dito, que o benefício fiscal em causa (do nº 2 do artigo 49º do EBF) era um benefício «temporário», e que lhe aproveitaria assim, em princípio, o disposto no último preceito citado (o artigo 11º, nº 1, do EBF) – ainda assim, o facto é que o artigo 176º da Lei nº 3-B/2010 (isto é, do diploma que revogou aquele benefício), ao determinar expressamente a sua entrada em vigor no dia seguinte ao da respectiva publicação, sempre faria cair tal revogação, não na primeira, mas na última parte do dito preceito: ou seja, sempre estaríamos perante uma situação em que haveria uma disposição legal expressa (o dito artigo 176º) a fazer funcionar a ressalva dessa parte final desse preceito («salvo quando a lei dispuser em sentido contrário»), e a impor o efeito imediato da revogação, com prejuízo da norma ou do critério de sucessão de leis no tempo que o mesmo preceito consagra, como regra, na sua primeira parte.

 

 

 

II. Fundamentos.

 

II.I. Os factos.

 

11. Face aos documentos juntos pela Requerente à Petição Inicial, há que dar por assentes, desde logo, os seguintes factos (Docs. nºs 6 a 11): 

a) A A é a sociedade gestora de fundos de investimento imobiliário que gere os fundos B, C, D, E, F, G.

b) O B é um fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular, constituído em 29 de Novembro de 2006, e cujas unidades de participação são subscritas por investidores não qualificados.

c) O C é um fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular, constituído em 24 de Janeiro de 2006, e cujas unidades de participação são detidas por investidores não qualificados.

d) O D é um fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular, constituído em 30 de Dezembro de 2004, e cujas unidades de participação são detidas por investidores não qualificados.

e) O E é um fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular, constituído em 22 de Julho de 2005, e cujas unidades de participação são detidas por investidores não qualificados.

f) O F é um fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular, constituído em 8 de Novembro de 2006, e cujas unidades de participação são detidas por investidores não qualificados.

g) O G é um fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular, constituído em 6 de Junho de 2003, e cujas unidades de participação são detidas por investidores não qualificados.

h) Os Fundos antes referidos beneficiaram, até ao final de 2009, da redução a metade da taxa de IMI, nos termos do então nº 2 do artigo 49.º do EBF, na redacção dada pelo artigo 82.º da Lei n.º 53.º-A/2006, em conjugação com o disposto na alínea j) do artigo 88º da mesma Lei (que aprovou o Orçamento de Estado para 2007).

 

12. E há também que dar por assente – face ao mesmo conjunto de documentos (agora, Docs. nºs 0 a 5 e Docs. nºs 12 a 17) – mais o seguinte (no que a estes autos importa):

a) A colecta de IMI, respeitante ao ano de 2011, liquidada ao B, importou no valor total de € 123.862,82 (Liquidação nº 2011…).

b) A colecta de IMI, respeitante ao ano de 2011, liquidada ao C, importou no valor total de € 187.719,84 (Liquidação nº 2011…).

c) A colecta de IMI, respeitante ao ano de 2011, liquidada ao D, importou no valor total de € 10.900,75 (Liquidação nº 2011…).

d) A colecta de IMI, respeitante ao ano de 2011, liquidada ao E, importou no valor total de € 45.390,28 (Liquidação nº 2011…). 

e) A colecta de IMI, respeitante ao ano de 2011, liquidada ao F, importou no valor total de € 53.385,94 (Liquidação nº 2011…).  

f) A colecta de IMI, respeitante ao ano de 2011, liquidada ao G, importou no valor total de € 128.943,64 (Liquidação nº 2011…). 

g) Todas estas colectas – que somam o valor total de € 550.167,28 – resultaram da aplicação integral (sem, pois, redução a metade), aos correspondentes valores patrimoniais, das taxas de IMI relativas ao ano de 2011.

h) O IMI assim liquidado aos Fundos mencionados foi já, entretanto, por eles pago.

 

II.II. O Direito.

 

13. Como decorre do supra enunciado objecto da questão submetida à decisão deste Tribunal Arbitral, tal questão reconduz-se a um problema de aplicação no tempo da norma revogatória de certo benefício fiscal.

Na verdade – sendo indubitável que o benefício fiscal do nº 2 do artigo 49º do EBF, na redacção da Lei nº 55-A/2006 (Lei do Orçamento para 2007), com a disposição transitória do artigo 88º, alínea j,) da mesma Lei, foi revogado pelo artigo 109º da Lei nº 3-B/2010 (Lei do Orçamento para 2010) – a questão é a de saber se essa revogação operou com efeitos imediatos sobre as situações que vinham usufruir de tal benefício ou, então, se, por força das disposições acima transcritas do EBF, ou de alguma delas, ou por força de algum princípio jurídico, o mesmo benefício se manteve transitoriamente, não obstante a norma revogatória, quanto àquelas situações.

Assim sendo, importa desde já deixar claro que com essa questão não interfere qualquer outra tendo a ver com a hierarquia dos diplomas a que pertencem os preceitos legais que, no caso, haverá que considerar. Ou seja: tais diplomas situam-se todos no mesmo nível hierárquico – no nível hierárquico da legislação «ordinária», ou comum –, nenhum deles assumindo a natureza de lei de «valor reforçado», tal que essa sua primazia hierárquica pudesse formalmente, e só por si, condicionar e prejudicar o equacionamento da questão sub judice tão-só como uma questão de aplicação das leis no tempo.

Efectivamente, essa natureza (de «lei de valor reforçado», tal como definida no artigo 112º, nº 3, da CRP) não é apanágio do EBF (como o não é da LGT, que precedeu o primeiro na introdução de um prazo de vigência dos benefícios fiscais) – de sorte que essa sua qualidade «formal» bastasse para fazer precludir a pretensão revogatória antecipada de um benefício fiscal, veiculada por uma simples lei «ordinária». O ponto, de resto, não vem questionado entre as Partes.

Mas tão-pouco essa mesma natureza deve ser atribuída à lei anual do Orçamento do Estado – aqui, ao contrário do que já alega a AT, e pode abonar-se com o entendimento de alguma doutrina (citada, de resto, pela Requerente: assim, em Jorge Miranda / Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, p. 270). É que a circunstância – invocada para atribuir à lei orçamental tal qualificação – de a mesma lei só poder ser modificada, durante o ano económico, por uma outra lei de alteração do Orçamento, não tem a ver com, ou não exprime uma pretensa supremacia hierárquica formal dela, e antes radica no monopólio da «iniciativa» legislativa orçamental, a qual é reservada ao Governo (v. artigo 106º, nº 2, da CRP, e cf. o Acórdão nº 317/86, do Tribunal Constitucional). Não se conhece, de resto, nenhuma decisão deste Tribunal (cuja jurisprudência sempre há-de tomar-se como orientadora em questões de qualificação jusconstitucional) em que haja sido atribuído «valor reforçado» à lei do Orçamento anual.

Quanto a este segundo ponto, o que fica referido não é, porém, tudo. É que – como alega com razão a Requerente – ainda que a lei do Orçamento tivesse, em geral, «valor reforçado», essa sua qualidade só abrangeria as suas disposições nucleares e típicas, isto é, de conteúdo verdadeiramente «orçamental», no sentido estrito do conceito: não haveria de estender-se a disposições nela inseridas que são meros «cavaleiros orçamentais» ‒ como o serão justamente disposições revogatórias de benefícios fiscais – as quais podem ser objecto de tratamento legislativo autónomo e para que a Constituição exige simplesmente lei «ordinária», não sujeita, tão-pouco, a reserva de «iniciativa» governamental (cf., para uma situação paralela, o Acórdão nº 428/05, maxime nº 14, do Tribunal Constitucional, e a jurisprudência aí citada).

Eis quanto basta para afastar, também por este outro lado das coisas, qualquer possível relevância ou interferência da natureza da qualificação dos diplomas e normas, atinentes à questão sub judice, na solução a dar à mesma questão. Aliás – e ainda aqui ao contrário do que alega a AT – sempre seria altamente problemático (para dizer o menos) que um eventual carácter «reforçado» da norma revogatória em apreço pudesse de algum modo relevar para a resposta a essa questão, tal como se começou por caracterizá-la (isto é, como uma questão de sucessão de leis no tempo).

 

14. Do que fica dito emerge já uma primeira conclusão: é a de que o invocado preceito do nº 1 do artigo 3º do EBF – o qual estabelece um prazo de vigência de cinco anos, em princípio, das normas que definem benefícios fiscais – é, só por si, insusceptível de impedir a eficácia imediata de uma norma legal ordinária que, antes de decorrido esse prazo, revogue ou modifique certo benefício.

Para que assim fosse, haveria o EBF de assumir a natureza de lei de «valor reforçado» ‒ caso em que uma norma legislativa que eliminasse o benefício, antes de decorrido o dito prazo, seria pura e simplesmente «ilegal». Não revestindo o EBF tal natureza, o seu artigo 3º, nº 1, não dispõe, em si mesmo, da força jurídico-formal necessária para obstar a que, num qualquer outro momento desse prazo, o legislador «comum» tome a opção (a opção político-fiscal) de pôr termo a determinado benefício tributário (ou de modificar a sua configuração, mormente reduzindo o seu âmbito ou alcance).

E não vale aqui invocar o argumento de que, ao estabelecer uma regra como a do artigo 3º, nº 1, o legislador teve em vista assegurar uma certa estabilidade dos benefícios – com a qual os respectivos titulares poderiam passar a contar. Desde logo – e diversamente do que porventura pretende a Requerente (se bem se interpretam os articulados que produziu) – não poderá dizer-se, à luz dos elementos histórico-doutrinais carreados pelas Partes, que esse foi o desiderato exclusivo ou fundamental do legislador ao introduzir uma tal regra: na verdade o que desses elementos se retira é que, pelo menos com tão forte peso quanto o dessa ideia de estabilidade, também aí esteve presente o objectivo de contrariar a inércia político-legislativa em matéria de benefícios fiscais – passando a exigir-se que, a cada cinco anos, no máximo, o legislador fiscal os repense e, se for o caso, os confirme: de outro modo, «caducarão». 

Mas admite-se – e sem esforço – que também uma tal ideia de estabilidade haja estado subjacente à introdução, na nossa ordem legislativa, da regra da «periodicização» das normas sobre benefícios fiscais: nesse sentido aponta, em definitivo, o teor da lei de autorização legislativa ao abrigo da qual foi emitida a LGT, no ponto em que nela, ao definir-se o objecto e o sentido da autorização, justamente se contemplou a possibilidade de a mesma LGT estabelecer (como primeiro veio a estabelecer, consoante se recorda nos articulados das Partes) essa regra: aí se lê, com efeito, que «fica o Governo autorizado» a «regular o período de vigência dos benefícios fiscais, em termos de assegurar a sua previsibilidade em obediência ao princípio da segurança jurídica, e a avaliação periódica dos respectivos resultados» [artigo 2º, alínea 7), da Lei nº 41/98, de 4 de Agosto].

Simplesmente – mesmo admitindo esta dupla justificação, e admitindo ainda que ela haja continuado na base da regra legal em questão, depois de transposta tal regra para o artigo 3º do EBF – certo é que tal justificação «substantiva», na sua primeira parte, não é de molde a suprir a falta de «forma» suficiente, do diploma em que esse preceito se inscreve (como também, inicialmente, da LGT), para que o disposto no mesmo preceito «vincule» o legislador comum subsequente. Tem por isso razão a AT, ora Requerida, quando sustenta que tal preceito, por si só, enquanto indicação de um limite «mínimo» de duração dos benefícios fiscais, não pode valer mais do que uma «orientação programática genérica» dirigida ao legislador tributário.

Donde – e concretizando – que o artigo 3º, nº 1, do EBF, por si só, não possa ser invocado para fundamentar a tese segundo a qual a revogação do benefício do artigo 49º, nº 2, do EBF pela Lei nº 3-B/2010 não teria tido efeito imediato sobre as situações preexistentes, ou seja, só as atingiria findo o prazo de cinco anos fixado naquele primeiro preceito.

E, se o nº 1 do artigo 3º não podia lograr tal efeito, cumpre entretanto dizer – agora quanto ao nº 2 do mesmo artigo – que esta outra disposição se articula naturalmente com a do nº 1 e está como que «dependente» dela, destinando-se a reger justamente nos casos em que a vigência da norma instituidora de um benefício «caduca» em razão do decurso do período fixado no mesmo nº 1, ou seja, justamente na hipótese como que «inversa» da dos autos. Tal outra norma é, pois, nada mais do que irrelevante para a questão ora decidenda.

 

15. Posto isto – e equacionada assim tal questão como simplesmente relativa à determinação do âmbito de aplicação de duas leis do mesmo nível hierárquico (ou do mesmo valor formal) que se sucedem no tempo (a norma do nº 2 do artigo 49º do EBF e a norma da Lei nº 3-A/2010, que revogou a primeira) ‒ haverá ela então de resolver-se segundo os critérios jurídicos, e antes de mais os critérios legais, pelos quais deve orientar-se a resposta a tal tipo de problemas.

Assim, importará: ‒ primeiro, saber se existe, no caso, norma adrede emitida para o efeito, ou seja, se o legislador da norma revogatória determinou, ele próprio, a extensão da sua aplicabilidade; ‒ depois, e não sendo assim, qual a solução que decorre da regra ou das regras gerais de aplicação das leis no tempo aplicáveis; ‒ e, por fim, verificar se à solução daí decorrente se opõe, de todo o modo, algum obstáculo, o qual já só poderá ser de ordem «constitucional».

 

16. Começando pelo primeiro ponto, cumpre recordar que a AT, ora Requerida, entende justamente que o problema de saber a que situações se aplica a norma revogatória do benefício fiscal em apreço fica resolvido em definitivo – e resolvido no sentido da sua aplicação imediata às situações pendentes – pela norma do artigo 176º da Lei nº 3-B/2010, que determinou a entrada em vigor desta «no dia seguinte ao da sua publicação», a qual ocorreu em 28 de Abril de 2010.

Não é, porém, assim. E não o é, porque a «vigência» de uma lei e o âmbito da sua «aplicabilidade no tempo» não são espaços temporais coincidentes: como bem se sabe, a entrada em vigor de uma lei em certa data não tem de significar que, a partir desta, aquela se vá aplicar, desde essa mesma data, a todas as situações que se destina a reger, mesmo às antes constituídas. Haverá certamente casos em que será assim, e em que ocorrem elementos ou circunstâncias impondo que se «interprete» a norma da entrada em vigor nesse sentido; mas em muitíssimos outros casos tal não acontecerá. E para concluir que, no caso, isso não acontece, bastará lembrar a multiplicidade e a variedade das situações contempladas pela Lei nº 3-B/2010, em numerosíssimos «cavaleiros orçamentais» (muitos ou mesmo, possivelmente, a maior parte deles desacompanhado de norma que defina o seu âmbito temporal de aplicação) ‒ de tal sorte que é inadmissível pensar que o legislador haja pretendido, com o preceito do artigo 176º, determinar também a aplicabilidade «imediata» de todas as normas daquela lei a todas as situações preexistentes, agora por elas abrangidas.

A norma do artigo 176º da Lei nº 3-B/2010 terá, pois, de conjugar-se, antes de mais, com os critérios legais relativos à aplicação das leis no tempo a que deva recorrer-se no caso, para, a partir daí, se poder concluir pela aplicação «imediata», ou não, às situações pendentes, da norma revogatória do benefício previsto no artigo 49º, nº 2, do EBF. 

 

17. Nestes termos, se o legislador não houvesse estabelecido um critério específico, regulador em geral da aplicação no tempo das normas relativas a benefícios fiscais, haveria então de recorrer-se ao princípio geral da «não retroactividade», consagrado e explicitado no artigo 12º do Código Civil, e que a LGT acolhe também, naturalmente, no seu artigo 12º.

Ora, se fosse assim, havia então de logo concluir-se que a aplicação às situações precedentes, no ano de 2011, da revogação do benefício previsto no artigo 49º, n º 2, do EBF não envolveria qualquer retroactividade – pois decerto deverá entender-se que se está aqui perante uma hipótese em que a lei «[dispõe] directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem» (citado artigo 12º, nº 2, segunda parte).

Valendo a pena referir o ponto – para deixar claro que, de todo o modo, e como sustenta a AT, não há, no caso, aplicação retroactiva da lei – o certo é que o EBF contém uma norma que especificamente dispõe sobre a aplicação no tempo das normas sobre benefícios: trata-se seu artigo 11º, cujo nº 1 acima se transcreveu – pelo que é à luz dele, em definitivo (com a ressalva por último acima deixada), que há-de responder-se à questão sub judicio.

 

18. Pois bem: o nº 1 do artigo 11 º do EBF (os outros números do preceito não interessam para aqui) tomou a natureza, o tipo ou a espécie dos benefícios fiscais como critério para determinar o âmbito da aplicação temporal das normas relativas aos mesmos benefícios: se se tratar de benefícios «convencionais, condicionados ou temporários», as normas que os alterem, num sentido prejudicial aos contribuintes, «não são aplicáveis», em princípio, «aos contribuintes que já aproveitem do direito ao benefício» ‒ diz o preceito expressamente; donde que – implicitamente e a contrario – se a norma modificadora respeitar a um benefício de outra natureza, e ainda que mais onerosa para os contribuintes, a estes não aproveitará a mesma ressalva, aplicando-se tal norma, pois, mesmo às situações já pendentes.

Não se estando, no caso do benefício do artigo 49º, nº 2, do EBF, nem perante um benefício de natureza «convencional», nem perante um benefício «condicionado», a pergunta que cabe fazer, quando à norma revogatória desse benefício, estará em saber, no entanto, se o mesmo não deve ser havido como um benefício «temporário». Com efeito, é justamente neste ponto, na resposta a essa pergunta, que, em último termo, as Partes acabam por divergir.

Consoante atrás se deixou relatado, sustenta a Requerente que, após a introdução no EBF da norma do seu artigo 3º, nº 1, todos os benefícios previstos nesse diploma (com excepção dos enumerados no nº 3 da mesma disposição) passaram a ser «temporários», tendo deixado de ter sentido a distinção entre eles e os benefícios de carácter «estrutural» (mantida formalmente na sistematização do Estatuto) e passando a ser aplicável a todos (salvo, naturalmente, aos enumerados no nº 3 antes referido) a ressalva do artigo 11º, nº 1; sustenta, ao invés, a AT, ora Requerida, que a aludida distinção mantém todo o sentido e que, devendo qualificar-se o benefício fiscal em apreço (o do artigo 49º, nº 2) como de natureza «estrutural», em conformidade com o lugar da sua previsão na Parte respectiva do EBF, à norma que o revogou não será consequentemente aplicável aquela ressalva.

Volta-se de novo aqui, pois, à regra do artigo 3º, nº 1 – mas, agora, numa outra sua alegada dimensão, projectando-se sobre a qualificação dos benefícios fiscais e, por via de consequência, sobre o âmbito de aplicação do artigo 11º, nº 1, nos termos sustentados pela Requerente. Será de acolher um tal ponto de vista?

Entende este Tribunal que não.

Em primeiro lugar, sucede que, não obstante a inserção no EBF da regra do artigo 3º, pela Lei nº 53-A/2006 (ut supra, nº 8), nem por isso o legislador alterou a sistematização do Estatuto, introduzida pelo Decreto-Lei nº 198/2001, de 3 de Julho (primeira grande reformulação do EBF, desde o inicial Decreto-Lei nº 215/89), segundo a qual os benefícios passaram a agrupar-se em «benefícios de carácter estrutural», enunciados na Parte II do diploma, e «benefícios de carácter temporário», enumerados na Parte III. E o legislador, não só não alterou então tal sistematização, como antes e justamente a teve em conta na formulação do dito artigo 3º, definindo o seu âmbito de aplicação por referência expressa às «partes II e III do [presente] Estatuto» (nº 1). Mas – ainda dando isto de barato, e porventura invocando, ex adverso, que não seria fácil ou curial proceder a uma re-sistematização do EBF numa lei orçamental, como era a Lei nº 53-A/2006 – ainda assim, acontece que o legislador deixou as coisas exactamente na mesma, quando, através do Decreto-Lei nº 108/2008, veio proceder a uma nova e ampla reformulação do Estatuto, com a respectiva republicação: na verdade, aí se manteve (e mantém) a distribuição dos benefícios pelas duas partes do EBF, conservando-se as suas epígrafes, como se manteve (e mantém) o artigo 3º, nº 1, com teor idêntico ao anterior.

Numa visão por assim dizer «formal», e atenta apenas à sistematização do EBF conjugada com a inserção nesse diploma da norma do seu artigo 3º, dir-se-á, pois, que nada permite afirmar que tal inserção tenha implicado um esvaziamento do sentido e das implicações da distinção entre benefícios «estruturais» e «temporários» – com reflexos no âmbito de aplicação da ressalva do nº 1 do seu artigo 11º.

É, porém, certo que no teor deste outro preceito não se faz apelo directo e expresso à distinção entre as duas partes do EBF, a qual o Decreto-Lei nº 198/2001 introduziu na sistematização desse Estatuto, e que a referência feita no mesmo preceito a benefícios «temporários», sem mais, vem já da redacção primitiva do diploma – sendo que tal preceito unicamente foi objecto, desde então, da renumeração dada pelo Decreto-Lei nº 108/2008 (ut supra, nº 8). Teríamos, assim, que o artigo 11º, nº 1, não estaria necessariamente ligado àquela distinção e permitiria a consideração de novas situações – como, nomeadamente, a criada ou as criadas pela norma do artigo 3º, nº 1. E isso tanto mais quanto, afinal (como lembra a Requerente), também na Parte II do EBF se encontram benefícios limitados por um elemento temporal: cita a Requerente o caso do artigo 19º, nº 5, mas há outros, como, por exemplo, os conhecidos benefícios relativos a imóveis, dos artigos 45º e 46º, ou, num registo algo diferente, os benefícios do artigo 36º ou do artigo 41º. Ora dir-se-á (e cremos que se dirá bem) que à alteração de benefícios como estes últimos, porque na verdade «temporários», não deverá deixar de aplicar-se a ressalva do artigo 11º, nº 1, embora a lei os catalogue como de carácter «estrutural». Por que não, então, a todos os demais cuja «temporalidade» só resulta do artigo 3º, nº 1? 

É que – e esta será a segunda e, em boa verdade, determinante ordem de razões para chegar à conclusão que começou por avançar-se – há fundamento, num plano, já não «formal» mas mais «substantivo», para, de facto, distinguir as situações. 

Tudo está em que nos benefícios «temporários» (e ainda que eles constem da Parte II do EBF), tal condição refere-se ab initio ao próprio benefício, garantindo ao respectivo titular, não apenas a «expectativa», mas o «direito» de dele se prevalecer pelo tempo por que, pela lei ou pela Administração, lhe foi outorgado: será para esses, pois, que valerá a norma do artigo 11º, nº 1, a qual ressalva justamente o «direito» já adquirido ao benefício; diversamente, o artigo 3º, nº 1, respeita às normas instituidoras dos benefícios, estabelecendo um prazo de caducidade para a sua vigência e criando apenas para os contribuintes (como se viu: ut supra, nº 14) uma «expectativa» quanto à sua manutenção pelo tempo aí indicado. O carácter «temporário» de certos benefícios não pode, pois, confundir-se com a «temporalização» da vigência da generalidade deles, estabelecida pelo artigo 3º, nº 1, do EBF.       

Eis por que pode bem compreender-se que a ressalva do nº 1 do artigo 11º continue a valer unicamente para as normas que alterem os benefícios «temporários», naquele primeiro e preciso sentido, e não também para as que alterem benefícios cuja norma instituidora apenas estava sujeita à regra de caducidade do artigo 3º, nº 1.

Ora, sendo este o caso da norma do artigo 49º, nº 2, do EBF – a qual, inserida na Parte II do Estatuto, estabelecia assim um benefício fiscal de carácter «estrutural», em favor de certos fundos imobiliários, por tempo indeterminado, isto é, sem ligar a tal benefício qualquer condição de «temporalidade» ‒ segue-se que a sua revogação não estava sujeita à ressalva do artigo 11º, nº 1, do mesmo Estatuto.

Donde que – traduzindo-se esse benefício na redução a metade do IMI e do IMT, e tendo a sua revogação ocorrido em 29 de Abril de 2010 (data de entrada em vigor da Lei nº 3-B/2010) – não pode considerar-se ilegal a liquidação por inteiro do IMI relativo ao ano de 2011 efectuada a cada um dos Fundos representados pela Requerente.

 

19. Firmada esta conclusão, resta finalmente ver (ut supra, nº 15) se, todavia, ela não terá de ser afastada em razão de outro tipo de considerações – a saber, considerações de princípio, de natureza constitucional.

É esse o último argumento da Requerente, a qual – e recordando o que oportunamente se relatou – invoca a esse respeito a violação dos princípios da segurança e da confiança jurídica, integrantes nucleares da ideia de Estado de Direito (artigos 2º e 8º da CRP). Segundo a Requerente, na verdade, a aplicação imediata, às situações pendentes, da revogação do artigo 49º, nº 2, afectaria de modo «indiscutível e manifesto», sem haver interesse público que o justificasse, as expectativas fundadas dos respectivos titulares – sendo que o direito à isenção se constituíra aquando da integração dos imóveis nos fundos, ou (quanto aos imóveis já neles integrados) aquando da instituição do próprio benefício. Estar-se-ia assim perante uma interpretação inconstitucional dos artigos 11º, nº 1, e 3º, nº 1, do EBF.

Ou seja, e generalizando: seria inconstitucional a interpretação conjugada destes dois textos, no sentido de excluir do âmbito do primeiro as normas relativas a benefícios fiscais a que se refere o segundo.

            O argumento, porém, improcede – e, desde logo, porque assenta num pressuposto que se afigura inexacto a este Tribunal (consoante acabou de ver-se no número anterior). É que o benefício fiscal do artigo 49º, nº 2 – e outros que estejam em situação similar – não pode ser havido como um benefício «temporário», no sentido preciso de termo, e não pode ser atribuída a consistência de um verdadeiro «direito» à situação objectiva de que passaram a usufruir os fundos beneficiários dele, relativamente aos imóveis já integrados nos mesmos (à data da criação do benefício) ou que viessem ulteriormente integrá-los. Essa situação jurídica não tem outra natureza senão a de uma «expectativa» ‒ em boa verdade, juridicamente e ao cabo, a que pode ligar-se à da vigência de uma norma, já que só de facto (lembre-se de novo supra, nº 14) o artigo 3º, nº 1, EBF podia conferir-lhe um valor privilegiado.

            O certo é que, no caso dos benefícios «temporários» propriamente ditos, os interessados podem invocar um «crédito de confiança» qualificado, muito diverso do que pode pretender fazer-se derivar do artigo 3º, nº 1, do EBF – e isso (pode decerto acrescentar-se) mesmo que na primeira situação só estivesse em causa, por hipótese (e ao contrário do que antes se salientou), uma simples «expectativa».

             Mas ainda que se dê de barato este ponto, crê-se que a tese da Requerente não pode subsistir.

            É certo que – e voltando de novo à jurisprudência do Tribunal Constitucional, que deverá ser aqui a linha de orientação – o princípio da confiança jurídica, segundo essa jurisprudência, não se limita a abranger no seu espectro a tutela de «direitos adquiridos», podendo bem incluir ainda a protecção de situações que não serão de caracterizar mais do que como «expectativas jurídicas»; e nem mesmo se reconduz à exclusão de situações de «retroactividade» autêntica, podendo ir mais longe (como, aliás, e ao invés, ficar mais perto) do que isso. Mas, onde tal aconteça, e em especial quando não se possa falar de retroactividade (e, no caso, como atrás disse, não se vê que possa: ut supra, nº 17), a quebra de «expectativas» há-de assumir um carácter verdadeiramente intolerável – no contexto de todas as vertentes por que deve ser encarada (o maior ou menor fundamento da própria expectativa, a natureza, importância e gravidade da situação afectada, a natureza, o relevo e a premência do interesse público que conduz a pô-la em causa: cf., por todos, Acórdão nº 128/2009) ‒ para merecer censura à luz do princípio da protecção da confiança jurídica.

            Ora – apesar mesmo do reforço «factual» das suas expectativas que para os contribuintes possa derivar do artigo 3º, nº 1, do EBF – não se vê que a quebra dessas expectativas, pelo legislador, haja de considerar-se como «intolerável», numa situação como a que se encontra sub judice. E uma primeira indicação nesse sentido estará logo em que o «reforço» de expectativas que de tal preceito pode advir para os titulares de benefícios «não temporários» (no sentido estrito que atrás se precisou) não ocorre quanto a uma certa e determinada categoria desses titulares, mas quanto a todos eles, qualquer que seja o benefício em causa – o do artigo 49º, nº 2, ou qualquer outro em situação similar. Ou seja: teríamos que, a perfilhar-se entendimento diferente do começado por referir, afinal o legislador comum, ao revogar ou reduzir benefícios fiscais, sempre estaria limitado, quanto às situações pendentes, pelo prazo estabelecido pelo artigo 3º, nº 1 ‒ apesar de o mesmo não possuir a força jurídica de uma norma de «valor reforçado» (ut supra, nºs 13 e 14). Eis, na verdade, o que se afigura uma limitação do poder legislativo, se não inconsequente, em todo o caso excessiva – é dizer, coarctando excessivamente a revisibilidade da lei (que é sua característica essencial).

            Independentemente, porém, desta reflexão geral, melhor, para se aferir da alegada ocorrência, na situação em apreço, de violação do princípio da confiança jurídica, será confrontá-la com os precedentes da própria jurisprudência constitucional relativa à aplicação desse princípio em sede tributária e, em particular, em sede de benefícios fiscais. Ora, bem pode dizer-se que tal situação não tem paralelo, em termos de gravidade da afectação da confiança, por parte dos destinatários das normas, na manutenção de certo status quo, com aquelas em que o Tribunal Constitucional, nas espécies judiciais que se conhecem, considerou haver infracção do mesmo princípio – sendo que na mesma jurisprudência outras espécies há, de sinal contrário, em que a afectação da confiança não poderá, decerto, considerar-se de menor gravidade ou menos inesperada do que na situação sub judicio.

            No que toca a estas últimas, crê-se que bastará lembrar, desde logo, o primeiro aresto em que o Tribunal se confrontou com o problema da retroactividade de normas de tributação, o Acórdão nº 11/83, em que ele legitimou a imposição extraordinária sobre os rendimento, instituída em Outubro de 1983, para ser aplicada no próprio ano; e, quase trinta anos depois, o bem conhecido Acórdão nº 399/2010, em que, mesmo já depois de inscrita na Constituição, com a revisão de 1997, a proibição de tributação retroactiva (artigo 103º, nº 3), o Tribunal voltou a legitimar uma imposição extraordinária semelhante àquela, introduzida no decurso desse ano e aplicável ao mesmo. E se, numa situação como a tratada no Acórdão nº 617/2012 (para irmos a um dos mais recentes arestos em que a problemática aqui em causa é versada), o Tribunal, depois de divergir sobre o ponto, acabou por declarar a inconstitucionalidade de uma alteração de taxas da tributação autónoma em IRC de determinadas despesas, introduzida no decurso do ano para ser nele aplicada, fê-lo só por entender que tal forma de tributação se configurava como de «obrigação única», pelo que a sua aplicação às despesas já realizadas envolvia «retroactividade autêntica». (Veja-se ainda, embora se trate de situação diferente e muito menos gravosa, o Acórdão nº 592/2012).

            Por outro lado, e cingindo-nos agora às espécies versando sobre a alteração de benefícios fiscais, torna-se clara a conclusão de que o Tribunal Constitucional só no caso da alteração de benefícios «temporários», no sentido estrito do conceito (acima visto), ou então em circunstâncias de verdadeira «retroactividade», censurou a aplicabilidade imediata, às situações preexistentes, da alteração (extinção ou redução) de tais benefícios. É o que se evidencia, desde logo e sobretudo, no Acórdão nº 410/95 (que a Requerente invoca em favor da sua tese, mas sem fundamento, pois que se tratava aí justamente de um benefício «temporário», como o Tribunal acentuou) e no Acórdão nº 416/02 (em que o Tribunal decidiu diversamente, no sentido da não inconstitucionalidade, invocando expressis verbis a circunstância de já se estar aí perante um benefício «permanente»); e é o que se mostra também do Acórdão nº 185/00 (o outro dos arestos, que se conhecem, em que o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a alteração com efeitos imediatos, mas também «retroactivos», de um benefício fiscal). Por sua vez, quanto ao Acórdão nº 128/09, que a Requerente considera ininvocável contra a sua tese, a verdade é que também a não favorece – sendo que, ao cabo e ao resto, o que aí se fez foi ajuizar de uma situação desenhada como de inequívoca «retroactividade».

Estes, pois, os precedentes da jurisprudência constitucional que, no contexto da situação sub judice, melhor podem iluminar a orientação geral que dela dimana, quanto ao alcance do princípio da confiança jurídica. Ora, à luz deles, crê-se – por último – que tão-pouco pode considerar-se que ocorre uma afectação constitucionalmente ilegítima desse princípio, na aplicação, às situações pendentes, da revogação do benefício fiscal do artigo 49º, nº 2, do EBF, em termos de às mesmas haver sido já liquidado por inteiro o IMI relativo ao ano de 2011. Vale isto por dizer que não pode julgar-se inconstitucional a interpretação conjugada dos artigos 11º, nº 1, e 3º, nº 1, do EBF que subjaz a tal liquidação.

 

20. Não devendo assim julgarem-se ilegais as liquidações de IMI acima identificadas, relativas ao ano de 2011, efectuadas aos Fundos Imobiliários Fechados representados pela Requerente, resta apenas recordar (ut supra, nºs 4 e 5) que a conclusão idêntica se chegou nas decisões proferidas nos Processos nºs 107/2012T e 150/2012T, deste Centro de Arbitragem, em situações paralelas à dos presentes autos arbitrais – ainda que com fundamentação só parcialmente coincidente ou convergente.

Quanto, por sua vez, ao voto de vencido aposto ao acórdão proferido no segundo dos processos mencionados, não sufraga este Tribunal (salvo o devido respeito) a sua doutrina, como decorre de tudo quanto antecede – aí se contrabatendo a respectiva argumentação.

 

III. Decisão.

 

21. Pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente a presente acção arbitral, não se julgando ilegais nem se anulando as liquidações de Imposto Municipal de Imóveis, relativas ao ano de 2011, acima identificadas, efectuadas aos Fundos Imobiliários, também acima identificados, representados pela Requerente – e condenando-se os mesmos Fundos ao pagamento das custas do processo.

 

Lisboa e Centro de Arbitragem Administrativa, 9 de Outubro de 2013.

 

Os Árbitros,

 

José Manuel Cardoso da Costa

 

João Ricardo Catarino

 

José Rodrigo de Castro