Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 123/2020-T
Data da decisão: 2021-02-25  IRC  
Valor do pedido: € 116.671,55
Tema: IRC – dedutibilidade de encargos – comissões pagas a sociedade residente em Hong Kong – comercialização de imóveis (“vistos gold”). Arts. 23.º, 23.º-A, n.º 1, al.r) e art. 65.º do CIRC – Tributação Autónoma – Art. 88.º, n.ºs 1 e 8 do CIRC.
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SUMÁRIO

I.             Numa conjuntura económica particularmente difícil para as empresas do setor imobiliário, não se afigurando viável que a angariação de clientes estrangeiros fosse realizada por mediadoras nacionais, que não têm presença, nem representação nesses países, o recurso a empresas estrangeiras de angariação, capacitadas para captar clientes internacionais para adquirirem os imóveis que os promotores não estavam a conseguir escoar, não só é normal, como uma prudente medida de gestão. Constatando-se uma efetiva prestação de serviços diretamente conexos com a concretização das vendas dos imóveis e em razão destas, devem assumir-se os encargos normais e não exagerados  suportados com esses serviços como dizendo respeito a operações efetivas  que apresentam o indispensável nexo causal com a atividade imobiliária desenvolvida,  como postulam os artigos 23.º, n.º 1, 65.º (na redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro vigente em 2013) e 23.º–A, n.º 1, alínea r) (na redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, vigente em 2014).

II.            Demonstrada a efetividade dos serviços, a sua normalidade e a razoabilidade dos encargos inerentes, não se verificam os pressupostos de incidência de tributação autónoma previstos no artigo 88.º, n.º 8 do Código do IRC

III.          Constatada a errada interpretação e aplicação pela AT de normas de incidência tributária e tendo ficado demonstrado que as liquidações impugnadas padecem de erro substantivo imputável a esta - que não deveria ter procedido à liquidação de IRC e tributação autónoma em causa - verifica-se o pressuposto de erro imputável aos serviços referido no art. 43.º da LGT.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), José Nunes Barata e Rui Miguel de Sousa Simões Fernandes Marrana (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 5 de agosto de 2020, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

A..., LDA. (antes sociedade anónima, tendo sido transformada em sociedade por quotas em maio de 2020), pessoa coletiva número ..., com sede na Rua ..., n.º ..., Lisboa, adiante designada por “Requerente”, requereu a constituição de Tribunal Arbitral e apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 3.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com vista à declaração de ilegalidade, e consequente anulação, do despacho de indeferimento do recurso hierárquico que interpôs da decisão da reclamação graciosa apresentada contra os atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e inerentes juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2013 e 2014, emitidos sob n.ºs 2017..., de 19 de abril de 2017 (€ 97.526,22), e 2017..., de 20 de abril de 2017 (€ 18.591,82), respetivamente, no valor total a pagar de € 116.118,04.

A Requerente peticiona ainda a anulação dos referidos atos tributários e a condenação da Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“AT”).

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

 

Como fundamento da sua pretensão a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

a)            Existindo uma Convenção entre Portugal e a Região Administrativa Especial de Hong Kong da República Popular da China para Evitar a Dupla Tributação, adiante “Convenção” ou “CDT”, a Requerida não poderia desconsiderar os gastos suportados com uma entidade sedeada no outro Estado/território contratante, ao abrigo do previsto nos artigos 65.º (2013) e 23.º-A (2014), ambos do Código do IRC;

b)           Em concreto, relativamente ao ano 2013, defende que a AT não podia desconsiderar o certificado de residência emitido pelas autoridades de Hong Kong relativamente à sociedade prestadora dos serviços B..., para efeitos do disposto na Convenção, que considera ilidir a presunção do citado artigo 65.º, n.º 2 do Código do IRC;

c)            Em relação ao exercício de 2014, sustenta que a AT não poderia corrigir a dedução dos gastos sem, pelo menos, lançar mão do mecanismo de troca de informações e confirmar se o prestador estava submetido a um regime fiscal claramente mais favorável no território de residência, não sendo suficiente, à luz do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r) do Código do IRC, a condição de ser residente num dos Estados ou territórios listados na Portaria n.º 292/2011. Não o tendo feito, a Requerida incumpriu os seus deveres de inquisitório e da descoberta da verdade material – artigo 58.º da Lei Geral Tributária (“LGT”);

d)           No que se refere à tributação autónoma de rendimentos de uma entidade residente em Hong Kong, esta viola os compromissos internacionais assumidos pelo Estado Português na Convenção, designadamente no seu artigo 7.º, n.º 1, e o primado do direito internacional plasmado no artigo 8.º da nossa Constituição;

e)           Sem conceder, mesmo que se admitisse a aplicabilidade dos artigos 65.º, 23.º-A e 88.º do Código do IRC à situação sub iudice, não estão reunidos os respetivos pressupostos constitutivos, pois entende ter demonstrado as três condições previstas para afastar a presunção: (i) que os serviços foram efetivamente prestados; (ii) que se enquadram na atividade normal da Requerente, com a finalidade de obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, não revestindo carácter de anormalidade, e, por fim, (iii) que o respetivo montante não é exagerado.

 

                A Requerente juntou 3 documentos e arrolou duas testemunhas.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT, em 28 de fevereiro de 2020.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação em 6 de julho de 2020, não manifestaram vontade de a recusar.

               

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 5 de agosto de 2020.

 

                Em 30 de setembro de 2020, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo junto o processo administrativo (“PA”) em 15 de outubro de 2020. Pugna pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), com as legais consequências.

 

Para tanto, considera a Requerida que as liquidações controvertidas consubstanciam uma correta aplicação do Direito, uma vez que a Requerente não provou que os serviços de marketing e publicidade constantes dos descritivos das faturas emitidas pela sociedade B... tivessem sido prestados, ou que não tivessem caráter anormal ou um montante exagerado.

 

Acrescenta que os referidos serviços não podem ser requalificados como serviços de intermediação imobiliária por não estarem assim designados nas faturas e por consubstanciarem uma prestação de resultados, ao contrário dos serviços de publicidade, que configuram uma prestação de meios. Refere ainda não estar o prestador legalmente autorizado para o exercício dessa atividade em Portugal, podendo, a coberto do pagamento para “offshores”, ser praticados crimes. 

 

Por despacho de 15 de outubro de 2020, o Tribunal Arbitral determinou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, com produção de prova testemunhal, atenta a respetiva utilidade para apuramento da verdade material.

 

Em 11 de dezembro de 2020, realizou-se a referida reunião, na qual foram ouvidas as duas testemunhas indicadas pela Requerente. As partes foram notificadas para alegações escritas sucessivas, com a fixação do prazo de 10 dias, tendo sido prorrogado o prazo para prolação da decisão, nos termos do disposto no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, atento o período de férias judiciais, as diligências instrutórias empreendidas e a tramitação processual subsequente.

 

O Tribunal advertiu a Requerente da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente, até à data de prolação da decisão arbitral.

 

                A Requerente apresentou alegações, no dia 18 de dezembro de 2020 e mantém a sua posição inicial, considerando-a confirmada pela prova testemunhal produzida nos autos. A Requerida optou por não alegar. 

 

II.            SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, para conhecer dos atos de liquidação de IRC, incluindo tributação autónoma, impugnados, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado da notificação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) (aplicando-se, neste caso, a respetiva alínea e)).

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO

 

1.            MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

A.           A A..., LDA., aqui Requerente, é uma sociedade de direito português, enquadrada no regime geral de tributação em IRC, que exerce a título principal a atividade de construção de empreendimentos próprios para comercialização, organização e construção de obras civis e compra e venda de bens imobiliários, a que correspondem os CAE’s 68100 e CAE 41200 – cf. PA e certidão de registo comercial junta como o requerimento da Requerente de 11 de dezembro de 2020.

B.            O mercado imobiliário em Portugal atravessou uma profunda crise que abrangeu os anos 2013 e 2014, bem como os imediatamente antecedentes, com a Requerente a confrontar-se com dificuldades, pois não conseguia comercializar os apartamentos que tinha em carteira – cf. PA e depoimento das duas testemunhas inquiridas.

C.            Na sequência de contactos estabelecidos em Lisboa com o responsável da B... (adiante também referida por “B...”), de origem chinesa, a Requerente celebrou, em 20 de abril de 2013, um contrato com aquela sociedade, cuja sede se situa em Hong Kong. Nos termos do referido contrato, a B... comprometia-se a angariar clientes no mercado chinês para os apartamentos da Requerente, a obter a assinatura de reserva, fornecer os documentos relativos aos apartamentos, organizar e prestar assistência nas viagens dos potenciais clientes tendo em vista a visita aos imóveis, obter a documentação necessária para a realização da promessa e da venda e prestar a assistência necessária à execução dos contratos – cf. PA,  http://...  e depoimento das duas testemunhas inquiridas.

D.           Pela prestação de tais serviços, foi acordada uma remuneração de 15% (quinze por cento) sobre o valor de venda de cada apartamento e ainda a comparticipação de € 2.000,00 (dois mil euros) por pessoa para custear o transporte, com um limite, por apartamento, de € 4.000,00 (quatro mil euros) – cf. PA e depoimento da segunda testemunha.

E.            Os potenciais compradores eram trazidos da China pela B... para visitas aos imóveis, acompanhados de tradutores e de uma estrutura de apoio. Esta atividade envolveu diversas etapas e tarefas, desde a identificação de clientes chineses com interesse em aceder ao regime de “vistos gold”  e perfil aquisitivo adequado, assegurar toda a logística de fazer chegar esses clientes chineses a Portugal, o seu acompanhamento permanente durante a sua estadia em território nacional até ao fecho do negócio e a assistência nos trâmites jurídicos e documentação necessária – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas.

F.            Em 2013, produto da relação estabelecida entre a B... e a Requerente materializaram-se três vendas, que totalizaram o valor global de € 1.560.000,00, as quais deram origem às faturas emitidas à Requerente pela B..., sob os n.ºs 005/2013, 006/2013 e 007/2013, nos valores de € 79.000,00, € 77.000,00 e € 88.000,00, respetivamente, todas com o descritivo “Marketing Consulting” – cf. PA.

G.           Em 20 de agosto de 2013, a Requerente obteve um certificado de residência emitido pelas autoridades competentes de Hong Kong atestando que a B... era uma sociedade residência nesse território, para efeitos do disposto na Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Hong Kong para o ano 2013, tendo obtido em 10 de fevereiro de 2014 igual certificado para este ano – cf. PA.

H.           Em 2014, a relação estabelecida entre a B... e a Requerente materializou-se na realização de uma venda no valor de € 314.500,00, que deu origem à fatura emitida pela B..., sob o n.º 089/2014, no valor de € 49.160,00, também com o descritivo “Marketing Consulting” – cf. PA.

I.             A intervenção da B... foi determinante na prospeção, identificação e apresentação de clientes chineses para a concretização de vendas dos imóveis da Requerente em 2013 e 2014 – cf. PA e depoimento das duas testemunhas inquiridas.

J.             Diversas empresas com atividade de promoção imobiliária similar à da Requerente e com referência ao mesmo período (2013, 2014) contrataram os serviços de angariação de clientes chineses da B... e de outras empresas congéneres para promoverem a comercialização dos respetivos imóveis a clientes chineses, com condições remuneratórias idênticas às acordadas pela Requerente, sendo o valor das comissões fixado entre um intervalo de 15% a 25% – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas, decisões arbitrais nos processos n.ºs 198/2017-T, de 21.11.2017; 369/2017-T, de 12.02.2018, 33/2018-T, de 15.04.2019, n.º 295/2018-T de 31.05.2019.

K.            A Requerente apresentou nos anos 2013 e 2014 prejuízos fiscais de € 235.525,74 e € 48.420,57, respetivamente – cf. PA.

L.            A Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo externo aos exercícios de 2013 e 2014, que resultou em correções à matéria coletável declarada naqueles exercícios, para efeitos de IRC, por desconsideração fiscal de gastos contabilizados com marketing e publicidade respeitantes a faturas emitidas pela sociedade B..., com sede em Hong Kong, e na liquidação do correspondente imposto [IRC], incluindo Tributação Autónoma, acrescido de juros compensatórios, nos termos do quadro seguinte – cf. PA:

ANO      ATO DE LIQUIDAÇÃO     VALOR A PAGAR*

2013      2017...  € 97.526,22

2014      2017...  € 18.591,82

TOTAL   € 116.118,04

*inclui juros compensatórios

 

M.          Em concreto, entenderam os Serviços de Inspeção Tributária que os gastos relativos às faturas de marketing e publicidade emitidas pela sociedade B... não poderiam ser deduzidos ao lucro tributável, atento o disposto no artigo 65.º do Código do IRC, na redação em vigor no ano 2013, e no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r) do mesmo Código, na redação em vigor a partir de 2014, e deviam ser sujeitos a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º, n.ºs 8 e 14 daquele diploma – cf. PA.

N.           Isto, por estarem em causa pagamentos a entidade não residente em Portugal, sediada no território de Hong Kong, o qual estava incluído nos exercícios em causa (2013 e 2014) na lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, aprovada pela Portaria n.º 292/2011, de 8 de novembro, aplicando-se a cláusula de salvaguarda que opera mediante a inversão do ónus da prova. Os Serviços de Inspeção Tributária entenderam que não foi feita prova, pelo sujeito passivo, das três condições cumulativas de afastamento da presunção: os gastos corresponderem a operações reais e não terem um caráter anormal, ou um montante exagerado – cf. PA.

O.           A Requerente procedeu ao pagamento dos referidos atos de liquidação em 14 de junho de 2017 – cf. documentos 1 e 2 juntos com o ppa.

P.            Em discordância com as liquidações de IRC, Tributação Autónoma e juros compensatórios referentes ao exercício de 2013 e 2014 supra identificadas, a Requerente apresentou, em 13 de outubro de 2017, reclamação graciosa, autuada sob o n.º ...2017..., ao abrigo do disposto no artigo 70.º do CPPT – cf. PA.

Q.           Por despacho de 11 de dezembro de 2017, do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, notificado à Requerente em 29 de dezembro de 2017, foi a reclamação graciosa indeferida. – cf. PA.

R.            Tal reclamação graciosa foi indeferida com os fundamentos constantes de uma informação que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

“[…]

A presente reclamação graciosa é legal (art.° 68° do CPPT), tempestiva (n.° 1 do art.° 70° do CPPT), não se tem conhecimento que tenha sido apresentada impugnação judicial onde se discuta a liquidação reclamada e o reclamante tem legitimidade (art.° 65° LGT e art.° 9° do CPPT), pelo que é necessário apreciar do mérito da sua pretensão.

A Autoridade Tributaria e Aduaneira (AT), procedeu a liquidação de imposto, resultando as liquidações n.° 2017... e no 2017... efetuadas respetivamente em 19-04-2017 e 20-04-2017, e em função dos elementos constantes deste processo e consultados os dados informáticos através do sistema central de informação, verifica-se que as alegacões do reclamante, não tem fundamento, dada que:

- Em 20-04-2013 foi assinado, um contrato de prestação de serviços entre a A..., SA e a B...;

- Neste acordo, consta uma remuneração no valor de 15% sobre o valor da venda, acrescida de uma comparticipação de € 2.000,00 por pessoa para custear o transporte, com o limite de 4.000,00 por imóvel;

- Através da aprovação da Lei n° 29/2012 de 09-08, que alterou a lei n° 23/2007 de 04-07, com as quais o Governo português aprovou a legislação que alterou o regime jurídico de entrada, permanência e saída de estrangeiros do território nacional, permitindo a cidadãos não membros da UE (União Europeia), através de catividades de investimento, obter uma autorização especial de residência, denominadas "Vistas Gold", que Ihes permite circular pelos países do Espaço Shengen;

- Os "Vistos Gold" são atribuídos aos cidadãos que a requeiram, mediante aquisição de imoveis de valor igual ou superior a 500.000,00, ou transferência de capital num montante igual ou superior a € 1.000.000,00, ou investimento que conduza a criação de, pelo menos, 10 postos de trabalho;

- A A... vendeu durante o ano de 2013 seis apartamentos, e durante o ano de 2014 um apartamento, sempre a cidadãos chineses, e por um valor individual, sempre igual ou superior a 500.000,00;

- Os gastos com marketing e publicidade, que atingiram valores relativamente elevados, e que foram pagos a uma entidade não residente no tentório nacional, pelo que é necessário verificar se assiste ao sujeito passivo a faculdade de as poder deduzir para efeitos da determinação do resultado fiscal;

- Na redação aplicável até ao ano de 2013, o artigo 23° n° 1 do CIRC, estabelece as condições gerais a que terão de obedecer os gastos para serem fiscalmente dedutíveis:

«Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:»

- São assim requeridos 3 requisitos essenciais para que os gastos suportados sejam valorados e aceites fiscalmente: a comprovação (justificação), a indispensabilidade e o da ligação aos ganhos sujeitos a imposto;

 - A comprovação (justificação) reporta a efetividade da realização dos gastos o qual consiste várias formas de apoio escritural aos lançamentos contabilísticos, portanto, a sua prova documental;

- A indispensabilidade faz depender a dedutibilidade fiscal do gasto de uma relação justificada com a atividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se desde que esses encargos se conectem com a obtenção de lucro;

- A ligação aos ganhos sujeitos a imposto, que decorre do princípio geral do art° 23° do CIRC;

- A comprovação (justificação) encontra-se preenchido se assentar numa base documental, como por exemplo, faturas ou contratos;

- No caso de pagamentos a  entidades não residentes em Portugal e localizadas em jurisdições de fiscalidade privilegiada, de acordo com o n° 1 do art° 65° do CIRC, não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer titulo, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime  fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não tem um caracter anormal ou um montante exagerado;

- Trata-se de uma dupla prova em que o sujeito passivo terá de demonstrar que os gastos se materializaram em actos efectivos e também que esses gastos não são anormais ou excessivos, tendo que confrontar esses gastos com situações comparáveis de mercado num contexto de plena concorrência;

- O que deve ser objecto de prova é a efectiva prestação de serviços, ou o recebimento de um empréstimo;

- Quanto a prova da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas, terá de se confrontar com situações comparáveis de mercado, num contexto de plena concorrência;

- Se o contribuinte não conseguir produzir tal prova, o gasto não é fiscalmente aceite, sendo a matéria coletável aumentada para efeitos de tributação;

- Neste caso em concreto, foram efetuados pela reclamante pagamentos a uma entidade com sede em Hong Kong, território que faz parte da lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada claramente mais favoráveis (Portaria n° 292/2011 de 08-11-2011, de acordo com o Artigo 1° n° 31);

- A reclamante, apresentou no âmbito do processo inspectivo, as escrituras de compra e venda dos imoveis, faturas emitidas pela B... e meios de pagamento das faturas através de transferências bancarias, não tendo sido evidenciado que tenha sido praticada qualquer acção, campanha publicitaria ou equivalente concreta e efectiva, pela citada empresa prestadora de serviços (B...), visando a venda de ações;

- Apenas foi evidenciada troca de correio eletrónico com o prestador de serviços, alguns dos mails não estão relacionados com os clientes e/ou frações da A..., mas sim com a venda de outros imoveis que eventualmente intermediou;

- Em sede de reclamação graciosa, a reclamante não junta mais evidências relativamente a esta situação, pelo que não existe qualquer comprovação da realização material das prestações de serviços (publicidade/propaganda) por parte da empresa sediada em Hong Kong;

- Não é possível aferir do carácter normal face a actividade desenvolvida de publicidade e comissões, dado que também não se conseguiu provar a substância do gasto;

- A reclamante deveria também possuir em arquivo elementos, que permitissem ajuizar da adequação do montante a finalidade e possibilitar a aferição de um eventual exagero, com identificação dos recursos humanos envolvidos, horas aplicadas e taxas horárias por consultor, evidencia de reuniões, deslocações, experiência profissional de quem executou o trabalho, o que não sucedeu, dado que não foram apresentados quaisquer elementos pertinentes a este objectivo;

- A reclamante, durante a acção de inspeção, foi notificada, em obediência ao no 4 do artigo 65° do CIRC, para o ano de 2013, e em obediência ao artigo 23° A n° 8 do CIRC, para o ano de 2014, para apresentar documentos de prova efectiva sobre a cumprimento dos requisitos exigidos quanta a materialidade das operações e inexistência do seu caracter anormal e montante exagerado;

- Conforme foi referido anteriormente, houve um contrato celebrado em 20-04-2013, entre a reclamante e a empresa B..., Ltd, com sede em Hong Kong, tendo sido emitido um certificado de residência pelas autoridades competentes de Hong Kong;

- A reclamante não conseguiu demonstrar que as operações envolvendo pagamentos a não residentes submetidos a um regime fiscal mais favorável foram efetivamente realizadas, dada que não foi evidenciada que tenha sido praticada qualquer ação ou campanha publicitaria visando a venda de frações, não bastando a existência de um contrato, faturas ou transferências bancarias, ou mesmo troca de correio eletrónico;

- É necessária a evidência de todo um conjunto de realização de ações, atuações ou campanhas concretas de publicidade, portanto, de elementos justificativos complementares a documentação fiscalmente relevante, sem os quais ficam fundadas duvidas acerca da efectiva realização das operações que as faturas pretendem titular;

- Não existe qualquer comprovação da realização material da publicidade por parte da empresa sediada em Hong Kong, não havendo qualquer elemento concreto sabre a publicidade alegadamente realizada pela B...;

- Este tipo de operações implica o pagamento a empresa imobiliária duma comissão que é habitualmente de 5% do valor da venda do imóvel, podendo ir num limite inferior aos 3%, ou num limite superior aos 6%;

- Neste caso em concreto, as comissões variam entre os 15% e as 16% e absorvem a totalidade das margens brutas das vendas, provocando um prejuízo final na actividade operacional;

- Pode-se concluir que a reclamante não cumpriu com o ónus da prova, evidenciado nos artigos 65° e 23° - A do Código do IRC, portanto os gastos relativos aos pagamentos em causa são fiscalmente desconsiderados nos exercícios de 2013 e de 2014;

- Não tendo a reclamante cumprido como ónus da prova, as despesas em causa não são aceites fiscalmente coma gastos do exercício, ficando sujeitas, conforme o disposto nos n°s 1 e 8 do artigo 88° do CIRC, a tributação autónoma a taxa de 35%;

- Pelo que ficou atrás dito, é nosso parecer que não deverá ser dado provimento a pretensão da reclamante, ou seja, dever-se-ão manter as liquidações de IRC n° 2017... de 2013 e n° 2017... de 2014, com o valor a pagar respectivamente de € 97.526,22 e de € 18.591,82;

- Acrescenta-se ainda que, por não se verificarem in casu os pressupostos do artigo 43º nº 1 da Lei Geral Tributária, não assiste ao reclamante o direito a juros indemnizatórios.

[…]”– cf. PA.

S.            Inconformada, em 29 de janeiro de 2018, a Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, o qual foi indeferido, por Despacho do Diretor da Direção de Serviços de IRC, de 26 de dezembro de 2019, notificado à Requerente em 2 de janeiro de 2020, “uma vez que não se verifica terem sido alterados os pressupostos da decisão no processo de reclamação graciosa” – cf. PA.

T.            A decisão do recurso hierárquico, cujo teor se dá como reproduzido, alicerçou-se nos seguintes fundamentos que parcialmente se transcrevem – cf. PA:

“21.        Atento o exposto pela Recorrente na reclamação graciosa apresentada e agora no presente recurso hierárquico, refira-se estar em causa a comprovação, por parte da Recorrente, de que as despesas em causa cumprem os requisitos estatuídos no artigo 23º do CIRC e não estão excluídas pelo previsto no artigo 65º do CIRC, no que toca ao ano económico de 2013, e pelo artigo 23º-A do CIRC no que tange ao ano económico de 2014.

[…]

Da prova da efetividade das operações

[…]

36.          Para efeitos da prova exigida, a Requerente trouxe ao procedimento as «escrituras de compra e venda dos imóveis», o «framework Agreement», «as faturas emitidas pelo prestado do alegado serviço [indicando apenas “Marketing Consulting”] (.  ) e os meios de pagamento das faturas através de transferências bancárias», tudo documentos que dotam as alegadas operações dos requisitos formais;

37.          Juntou ainda evidência de “troca de correio eletrónico com o prestador de serviços, sendo (   ) que alguns deles não estão relacionados com os clientes e/ou frações da A... mas sim com a venda de outros imóveis que eventualmente intermediou, relativos à sociedade C..., Lda. com o NIF […] da qual D... (procurador e gerente de facto da Requerente nos anos de 2013 e 2014 […]

38.          Não foi, contudo, aportada prova da realização por parte da sociedade emitente das faturas aqui em questão, de serviços de publicidade e/ou marketing, conforme contabilizados, e/ou dos serviços descritos no contrato celebrado com a mesma visando a venda dos imóveis alienados pela Requerente, como alega;

39.          O descritivo das faturas referindo apenas genericamente “Marketing Consulting” não permite aferir em concreto a que “trabalhos/serviços/ações” se refere e menos ainda se se refere a operações imobiliárias, como alega a Requerente, a que operações imobiliárias corresponde se às apontadas pela Requerente, se a outras;

40.          A prova a Realizar dos concretos serviços prestados deve permitir comprovar que i) os serviços foram efetivamente prestados, ii) foram prestados pela B... e iii) o efetivo beneficiário do serviço foi a Requerente: mormente que foram dirigidos às concretas frações alienadas pela Requerente. De relembrar que a Requerente alega que o valor faturado pela B... corresponde a 15% sobre o valor de venda dos imóveis acrescido do valor da «comparticipação de € 2.000,00 (…) com um limite por apartamento de € 4.000,00» conforme acordo celebrado;

41.          A prova da efetiva realização dos serviços tendo como beneficiário a Requerente assume ainda maior relevância quando se constata que a empresa B... presta alegados serviços de idêntica natureza aos aqui em questão a outras empresas sedeadas em território nacional e mais ainda a empresa da qual é sócio o gerente de facto da Requerente nos anos em questão. Coloca-se também aqui em causa a comprovação, conforme determina o artigo 23.º do CIRC de que os alegados gastos que representam uma parcela negativa no apuramento do resultado tributável respeitam à obtenção, ou ao processo tendente à obtenção, dos rendimentos que constituem a parcela positiva nesse apuramento, i.e respeitam à fonte produtora dos mesmos;

42.          A Requerente, contudo, não logrou efetuar a prova que sobre si impendia de que os gastos faturados reuniam os requisitos de efetividade na sua vertente objetiva/material e que na sua vertente subjetiva provinham da esfera da sociedade B... (enquanto prestadora efetiva do serviço) e se incorporavam na esfera da própria Requerente (enquanto beneficiária efetiva do serviço).

Da prova do carácter não anormal ou do montante não exagerado das operações

43.          No tocante ao caráter de normalidade ou anormalidade das operações em exame o mesmo deverá ser aferido por referência à atividade empresarial desenvolvida pela requerente e à persecução dos seus objetivos estatutários.

44.         Em abstrato os serviços de marketing/publicidade/consultoria poderão contribuir para a angariação de potenciais clientes e consequentemente contribuir de forma positiva para que a atividade desenvolvida pela empresa – atividade de construção, compra e venda de imóveis – tenha resultados positivos, podendo assim assumir-se como um gasto normal;

45.          No caso concreto, contudo, não tendo a Requerente logrado comprovar a efetividade dos serviços descritos (de forma vaga “marketing Consulting”) na fatura, resulta necessariamente não comprovada a natureza económica dos alegados serviços e a sua consentaneidade com a atividade desenvolvida

Da prova do montante não exagerado das operações

46.          No que tange à prova do carácter “não exagerado” do montante pago nas operações sob escrutínio – que se pretende constituir gasto fiscal – o mesmo deverá passar por um lado pela demonstração da relação equilibrada entre o custo e o benefício presente e/ou futuro que se espera e por outro pela sua conformidade com a prática do mercado em operações semelhantes.

[…]

52.          No caso concreto, resulta desde logo não estar demonstrada a efetiva materialidade das operações expressas nas faturas em crise, conforme referido anteriormente, de onde a aferição do carácter não exagerado dos montantes registados resulta inviabilizada por não se saber em concreto que serviços foram prestados, qual a sua real dimensão e extensão;

53.          Não foi igualmente demonstrada a concreta adequação da medida fixada para a remuneração dos alegados serviços, a qual conforme alega a Requerente, fixada no alegado contrato celebrado com a empresa B... em 15% sobre o valor de venda dos imóveis acrescido de uma comparticipação de € 2.000,00 por pessoa para custear o transporte, com limite de € 4.000,00 por imóvel.

55.          Para nenhum dos valores, porém, foi demonstrada a sua adequação com elementos de prova concretos e sindicáveis.

56. Acresce ainda, conforme referido pelos Serviços Inspetivos o facto de não obstante as margens brutas de comercialização se apresentarem positivas, as mesmas serem absorvidas pelos gastos com fornecimentos e serviços externos relativos a marketing e publicidade, IVA incluído, «o que prejudica a rentabilidade da sociedade que releva na contabilidade resultados líquidos negativos».

[…]

58.          Por todo o exposto supra, conclui-se não ter a Requerente logrado demonstrar que os gastos contabilizados aqui em crise cumprem os requisitos definidos pelo legislador nos referidos artigos 65.º do CIRC (ano 2013) e artigo 23º-A do CIRC (ano 2014) para derrogar a sua não elegibilidade fiscal.

[…]

Do ónus da prova e da violação, por parte da AT, do dever de apuramento da verdade material, plasmado no artigo 58º da LGT

66.          Defende a Requerente que, no caso, a AT não cumpriu o dever de apuramento da verdade material consagrado no artigo 58º da LGT, desde logo porquanto, existindo CDT celebrada entre Portugal e Hong Kong, deveria ter acionado o mecanismo de cooperação administrativa estabelecido no artigo 25º daquela CDT para procurar, nomeadamente, averiguar se a sociedade B... estava sujeita a imposto sobre o rendimento nesse território – e dessa forma (alega) confirmar que desenvolve atividade operacional efetiva – ou sobre os beneficiários efetivos dos rendimentos da sociedade.

[…]

69.          Ora, com o devido respeito, e olhando para a letra da lei, afigura-se poder concluir-se com segurança que não obstante a renumeração da norma, que deixou de constar do no artigo 65º do CIRC, em vigor em 2013, e passou a constar no artigo 23º-A do CIRC, em vigor em 2014 – não ter ocorrido qualquer alteração na determinação substancial da mesma;

70.          Não se entende, como parece entender a Requerente, que constando um território identificado na «portaria do membro do governo responsável pela área das finanças como [tendo] um regime de tributação claramente mais favorável» se deva ainda demonstrar que uma entidade aí sedeada “está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável”.

71.          Antes se retira do elemento literal da norma que, estando um território identificado na aludida Portaria o mesmo é tido como um território que tem um regime de tributação claramente mais favorável e consequentemente as empresas aí sedeadas tidas como submetidas a um regime de tributação claramente mais favorável;

72.          À AT apenas lhe é exigido que demonstre que a sociedade a quem foram efetuados os pagamentos cujos correspondentes gastos se pretendem elegíveis fiscalmente, se encontra sedeada num território identificado na dita Portaria.

[…]

77.          Quanto à alegada necessidade de acionar o mecanismo de cooperação administrativa estabelecido no artigo 25º daquela CDT celebrada com Hong Kong, refira-se ainda que o que os normativos aqui em referência (artigo 65º do CIRC / artigo 23º-A do CIRC) determinam que seja comprovado, para efeitos de aceitação fiscal do gasto não é que a entidade a quem foram efetuados os pagamentos que traduzem o gasto existe, que está sedeada e tem a direção efetiva no território de Hong Kong (i.e num território com quem o Estado Português celebrou uma CDT), ou que aí paga imposto, o que os normativos exigem sim, é que se comprove que as operações que alegadamente subjazem aos pagamentos efetuados foram efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado, não olvidando os requisitos impostos logo à priori pelo artigo 23º do CIRC é esta informação que se atém aos concretos pagamentos e operações subjacentes não está na disponibilidade das autoridades de Hong kong, antes está na disponibilidade do sujeito passivo que é quem está na posse das informações relativas ao negócios e às concretas operações que desenvolve.

78.          Pelo exposto anteriormente não se afigura existir qualquer incumprimento do princípio do inquisitório por parte da AT e menos ainda que por tal motivo estejam as liquidações aqui em crise feridas de ilegalidade.

Da existência de CDT celebrada entre Portugal e Hong Kong e sua prevalência sobre a norma interna de Tributação Autónoma

79.         Defende a Recorrente que a pretensão do Estado Português de tributar rendimentos de uma entidade residente em Hong Kong admitida pelo Código do IRC não pode prevalecer sobre os compromissos assumidos no plano internacional pelo Estado Português (   ) sem violação do primado do direito internacional plasmado no artigo 8º da nossa Constituição.

[…]

83.          Está em causa a aplicação ao caso concreto do disposto no n.º 8 do artigo 88º do CIRC, que determina que «São sujeitas ao regime dos n.ºs 1 ou 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respetivamente, 35 % ou 55 %, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável a que se refere o n.º 1 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária, ou cujo pagamento seja efetuado em contas abertas em instituições financeiras aí residentes ou domiciliadas, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.»

[…]

84.          As Convenções e os Acordos para evitar a dupla tributação de rendimentos constituem, como é sabido, acordos bilaterais celebrados entre sujeitos de direito internacional – maioritariamente Estados – tendo como principais objetivos eliminar ou prevenir a dupla tributação internacional e estabelecer mecanismos de cooperação em matéria de tributação do rendimento entre os Estados Signatários – como bem assinalou a Requerente. Neste desiderato convencionam-se cedências mútuas de soberania fiscal e a distribuição do poder de tributação dos rendimentos entre os estados contraentes.

85.          Reconhecida que seja a competência para tributar determinada natureza de rendimento a um Estado contratante, o mesmo exerce-a de conformidade com a respetiva legislação fiscal interna;

86.          A aplicação da lei interna no exercício da competência reconhecida apenas poderá ser limitada se alguma disposição nesse sentido for expressa pelas partes no acordo assinado e sê-lo-á apenas nos termos que o for:

 87.        As convenções para evitar a dupla tributação dos rendimentos desempenham, assim, uma função negativa de delimitação da tributação, a qual, bem entendido só pode ser exercida com base na existência de normas internas que imponham a tributação dos rendimentos, em conformidade com os princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade da tributação.

88.          Voltando-nos para o Acordo celebrado entre Portugal e a Região Administrativa Especial de Hong Kong da República Popular da China, retira-se, é certo que nos termos do nº 1 do artigo 7º da mesma «os lucros de uma empresa de uma Parte Contratante só podem ser tributados nessa Parte, a não ser que a empresa exerça a sua actividade na outra Parte Contratante através de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer a sua actividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados na outra Parte, mas unicamente na medida em que sejam imputáveis a esse estabelecimento»;

89.          Contudo, dispõe o artigo 27º do referido Acordo que «o disposto no presente Acordo não prejudicará o direito de cada Parte Contratante de aplicar a sua legislação e medidas internas relativas à evasão fiscal, quer seja ou não qualificada como tal».

90.          Como vimos antes, as normas vertidas nos artigos 65º do CIRC e 23º-A do CIRC constituem normas de caráter antiabuso, pese embora prevejam a possibilidade de o sujeito passivo vir demonstrar que o gasto reúne as condições aí estatuídas determinantes da sua aceitabilidade.

91.          Igualmente, a disposição contida no n.º 8 do artigo 88º do CIRC – que determina a tributação autónoma – constitui uma norma de carácter antiabuso, não obstante, e em consonância com as normas anteriores, permitir ao Sujeito passivo vir demonstrar que o gasto reúne as condições aí definidas, que permitem o afastamento da tributação autónoma.

92.          Sendo o anterior forçoso será concluir que em abstrato a aplicação desta norma, apesar da existência do dito Acordo assinado entre Portugal e Hong Kong, não viola o primado do direito internacional plasmado no artigo 8º da nossa Constituição.

93.          Não violando igualmente a sua aplicação ao caso concreto e mais ainda na medida em que a Requerente, conforme ficou exposto anteriormente, não logrou comprovar reunirem os pagamentos em questão os requisitos determinados nos artigos 65º do CIRC (ano 2013) e 23º A do CIRC (ano 2014) bem como o nº 8 do artigo 88º do CIRC – quais sejam que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado – que afastam a desconsideração fiscal do gasto e da correspondente tributação autónoma, determinados nestas normas antiabuso. 

94.          Por todo o anterior entende-se não padecer de ilegalidade quer a desconsideração fiscal dos gastos relativos aos pagamentos efetuados à sociedade B..., aqui em questão, quer a Tributação Autónoma Liquidada sobre o montante da despesa consubstanciada nesses mesmos pagamentos.

Dos Juros Indemnizatórios

[…]

97.          Afigurando-se-nos aqui ser de manter as correções efetuadas pelos SIT e a consequentes liquidações adicionais de IRC em questão, conclui-se pela inexistência de qualquer direito a juros indemnizatórios.”

U.           Em face do indeferimento do recurso hierárquico relativo às liquidações de IRC, Tributação Autónoma e juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2013 e 2014, acima identificadas, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 24 de fevereiro de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo.

 

MOTIVAÇÃO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados pela sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e nos depoimentos das duas testemunhas inquiridas, conforme referenciado em cada um dos factos supra fixados.

 

As testemunhas depuseram com objetividade e conhecimento direto dos factos relatados relativos à atividade da B... e aos serviços por esta prestados e das circunstâncias específicas do mercado imobiliário que se verificavam à data.

 

A primeira testemunha, E..., foi responsável por uma empresa de promoção imobiliária que, à semelhança da Requerente, também negociou com a B... e cujas únicas vendas que logrou efetuar nos anos em causa foram a clientes chineses apresentados pela B... . A segunda testemunha, D..., sócio-gerente da Requerente até 2012, tendo nessa data passado o cargo de administração para o seu filho, acompanhou diretamente as negociações da Requerente com a B... .

 

Confirmaram que a B... realizava a atividade de angariação de clientes chineses para imóveis portugueses e que a sua intervenção foi fundamental para a recuperação dos negócios, tendo nos anos em causa sido as únicas vendas realizadas. Afirmaram que as empresas de promoção imobiliária começaram por pagar remunerações de 15% do valor de venda dos imóveis, como aquelas praticadas nos presentes autos, tendo a B... subido posteriormente para 20% e 25%.

 

FACTOS NÃO PROVADOS

 

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

2.            DO DIREITO

 

2.1.        DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR

 

Discute-se na presente ação a dedutibilidade fiscal, em sede de IRC, dos gastos incorridos com serviços prestados à Requerente, pela sociedade sediada em Hong Kong B... e, bem assim, a incidência de tributação autónoma sobre as importâncias pagas a esse título, por aplicação dos artigos 65.º [IRC 2013], 23.º-A, n.º 1, alínea r) [IRC 2014] e 88.º, n.ºs 1 e 14 [tributação autónoma], todos do Código do IRC.

 

2.2.  DEDUTIBILIDADE DOS GASTOS NO CÓDIGO DO IRC – QUADRO LEGAL

 

                Estão em causa serviços adquiridos pela Requerente a uma sociedade com sede em Hong Kong, qualificada pelo legislador como uma região com regime de tributação privilegiada claramente mais favorável, atenta a sua inclusão na lista constante da Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, na redação dada pela Portaria n.º 292/2011, de 8 de novembro.

 

                Suscita-se, por essa razão, a aplicação da disciplina de marcado pendor anti-abuso, que estabelece uma regra de inversão do ónus probatório , prevista nos citados artigos 65.º (na redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, vigente em 2013); 23.º e 23.º-A, n.º 1, alínea r) (na redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, vigente em 2014); e 88.º, n.º 8 do Código do IRC, conjugados com o artigo 63.º–D da LGT e com a referida Portaria.

 

                Neste contexto, a Requerida desconsiderou a dedução fiscal dos gastos incorridos pela Requerente, em relação aos serviços prestados pela B..., com fundamento na falta de comprovação das três condições necessárias para afastamento da presunção legal: a efetividade do gasto, o seu caráter normal e o montante não exagerado.

 

                Dispõem as normas aplicáveis nos seguintes termos:

 

“Artigo 23.º [CIRC redação vigente em 2013]

Gastos

1 — Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: […]”

 

“Artigo 65.º [CIRC redação vigente em 2013]

Pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado

1 – Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

2 – Considera-se que uma pessoa singular ou colectiva está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando o território de residência da mesma constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60 % do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.

3 – Para efeitos do disposto no número anterior, os sujeitos passivos devem possuir e, quando solicitado pela Direcção-Geral dos Impostos, fornecer os elementos comprovativos do imposto pago pela entidade não residente e dos cálculos efectuados para o apuramento do imposto que seria devido se a entidade fosse residente em território português, nos casos em que o território de residência da mesma não conste da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

4 – A prova a que se refere o n.º 1 deve ter lugar após notificação do sujeito passivo, efectuada com a antecedência mínima de 30 dias.

[…]”

(redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)

 

“Artigo 23.º [CIRC redação vigente em 2014]

Gastos e perdas

                1 – Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. […]”

 

“Artigo 23.º-A [CIRC redação vigente em 2014]

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

                1 – Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

                […]

                r) As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal identificado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado. […]”

                (redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que republicou o Código do IRC)

 

“Artigo 63.º-D [LGT redação vigente em 2013 e 2014]

Países, territórios ou regiões com um regime fiscal claramente mais favorável

1 – O membro do Governo responsável pela área das finanças aprova, por portaria, a lista dos países, territórios ou regiões com regime claramente mais favorável. […]”

 

“Artigo 1.º

[Portaria n.º 292/2011 - redação vigente em 2013 e 2014]

Alteração à Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro

                Para os efeitos previstos na lei, a lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis, constante da Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, passa a ter a seguinte redação:

                […]

                31) Hong Kong;

                […]”

 

                Com a Reforma do Código do IRC em 2014, este compêndio sofreu uma renumeração e reorganização sistemática, tendo o artigo 65.º sido revogado e a disciplina aí contida transposta para o novo artigo 23.º-A, que rege os encargos não dedutíveis.

 

                A regra anti-abuso prevista primeiro no artigo 65.º e depois no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r) do referido Código, criada com o intuito de combater a fraude e a evasão fiscal, prevê a indedutibilidade fiscal dos pagamentos efetuados a entidades residentes fora de Portugal e sedeadas em “paraísos fiscais”, para efeitos de determinação do lucro tributável, ainda que contabilizados como gastos no período de tributação.

 

                O n.º 2 do artigo 65.º do Código do IRC consagra o pressuposto que à Administração Fiscal cumpre demonstrar , querendo acionar a norma:

(i)           O território de residência da pessoa singular ou coletiva a quem são feitos os pagamentos conste da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças; ou

(ii)          A pessoa singular ou coletiva a quem são feitos os pagamentos não seja tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC; ou

(iii)         Relativamente às importâncias pagas ou devidas à pessoa singular ou coletiva não residente, o montante de imposto pago seja igual ou inferior a 60% do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.

 

                Com a prova da inserção do território de Hong Kong na lista da Portaria n.º 292/2011, e certificada a residência da B... nessa região administrativa, conforme atestado pelas autoridades chinesas competentes, encontra-se preenchido o pressuposto constante da alínea (i) supra, condição suficiente para que seja aplicável a estatuição do n.º 1 do artigo 65.º do Código do IRC: a indedutibilidade do custo.

 

                Com efeito, os requisitos enumerados nas alíneas (i), (ii) e (iii) que antecedem são alternativos. Basta a verificação de um deles para completar a previsão normativa, pelo que a Requerida fica dispensada de provar os demais, no caso em análise, que sediada naquela região não foi tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou que o montante de imposto pago foi igual ou inferior a 60% do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.

 

                Idêntica conclusão se retira, para o ano 2014, do cotejo do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r) com o artigo 63.º-D e a Portaria n.º 150/2004, conforme assinala a decisão arbitral proferida no processo do CAAD n.º 382/2018-T:

“Quanto a esta questão, o artigo 23º-A aplicável aos exercícios de 2014 não trouxe qualquer alteração. Não são dedutíveis as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal identificado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável. Basta à Requerida demonstrar que foram feitos pagamentos a residentes fora do território Português e que esse território está incluído na portaria dos regimes de tributação claramente mais favorável. Estando o território incluído nesta portaria não tem a Requerida que demonstrar que esse território está submetido a um regime fiscal mais favorável.

O território de Hong Kong estava e continua incluído na «lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis», que constava da Portaria n.º 292/2011, de 8 de novembro, que alterou a Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro.”

 

                Com efeito, conforme resulta do preâmbulo da Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro:

“Tendo em conta as dificuldades em definir “paraíso fiscal” ou “regime fiscal claramente mais favorável”, o legislador nacional, na esteira das orientações seguidas por outros ordenamentos jurídico-fiscais, optou, nuns casos, por razões de segurança jurídica, pelo sistema de enumeração casuística e, noutros, por um sistema misto, estando, no entanto, ciente de que tais soluções obrigam a revisões periódicas dos países, territórios ou regiões que figuram na lista”.

 

                Assim, tendo os pagamentos em causa sido efetuados pela Requerente a uma entidade com sede em território que consta do n.º 31 da lista constante da mencionada Portaria – Hong Kong – esta é considerada como estando aí submetida a um regime fiscal claramente mais favorável, sem necessidade de outras diligências averiguadoras de tal estatuto.

 

                Isto, naturalmente, sem prejuízo de ser feita prova do contrário, que cabe à Requerente, atenta a inversão do ónus probatório (ficando, desta forma, afastado o regime geral do artigo 74.º da LGT e a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes contida no artigo 75.º da LGT). 

 

                Interessa, pois, aferir se a Requerente satisfez o ónus de comprovação das três condições estabelecidas pelas normas anti-abuso ínsitas nos artigos 65.º, n.º 1, 23.º, n.º 1, alínea r) e 88.º, n.º 8 do Código do IRC relativas à efetividade dos gastos suportados com os serviços prestados pela B... , entidade residente numa região com um regime de tributação claramente mais favorável, à normalidade desses gastos e à razoabilidade do respetivo valor.

 

EFETIVIDADE DOS SERVIÇOS DE ANGARIAÇÃO PRESTADOS À REQUERENTE

               

                Resulta da prova produzida nos autos que, nos exercícios de 2013 e 2014, a B... prestou à Requerente serviços relativos à prospeção, identificação e apresentação de clientes chineses no âmbito da comercialização da carteira de imóveis desta, incluindo assistência administrativa e na celebração dos contratos promessa e de venda. A B... trouxe a Portugal os potenciais clientes chineses interessados na aquisição de imóveis, em regra, para acederem ao regime dos vistos gold com a consequente obtenção de residência em Portugal, e estes potenciais clientes realizaram visitas às frações que estavam a ser comercializadas, acompanhados por tradutores/guias que faziam parte da estrutura de apoio disponibilizada por aquela entidade.

 

                Os serviços prestados culminaram em quatro vendas efetivas de imóveis pela Requerente aos clientes apresentados pela B... nos anos 2013 e 2014. O produto da venda destes imóveis ascendeu a € 1.874.500,00 (€ 1.560.000,00 em 2013 e € 314.400,00 em 2014).

 

                Previamente à prestação dos serviços, foi formalizado um acordo escrito entre as partes tendo em vista a divulgação e promoção dos imóveis da Requerente junto de potenciais clientes chineses com perfil e capacidade aquisitiva, a deslocação a Portugal e o acompanhamento permanente desses potenciais clientes em território nacional, além da assistência nos trâmites administrativos e burocráticos necessários à conclusão dos processos de venda dos imóveis.

 

                Interessa notar que a Requerente no decurso do procedimento de inspeção clarificou a natureza dos serviços que lhe foram prestados e referiu, desde logo, que contratou os serviços da B... para angariar clientes no mercado chinês, juntando cópias das escrituras de venda e do contrato celebrado, explicações que reiterou mais tarde, em sede de reclamação graciosa e do ulterior recurso hierárquico, correspondentes à realidade.

 

                Nem sequer seria razoável supor que a Requerente tivesse assegurado o afluxo de clientes chineses, a milhares de quilómetros de distância de Portugal e com diferenças linguísticas e culturais assinaláveis, sem recorrer a empresas especializadas e com presença no mercado chinês, que identificassem os potenciais interessados atendendo ao seu perfil de investimento, organizassem e assegurassem a respetiva vinda a Portugal, selecionassem os imóveis adequados às finalidades visadas (relembra-se que o investimento imobiliário mínimo para efeitos de vistos gold se cifrava em € 500.000,00) e apoiassem esses clientes nos trâmites jurídico-administrativos necessários à concretização das operações.

 

                Aliás, a própria Requerida acaba por reconhecer na sua Resposta que a Requerente “vem demonstrar exactamente o inverso, provando e demonstrando que afinal foram outros serviços prestados”, os serviços de angariação e intermediação (sublinhado nosso). 

 

                Assim, a Requerida reconhece a efetividade dos serviços e, para manter a tese da validade dos atos de liquidação, argumenta, na Resposta, que as operações realizadas não correspondem à realidade com o declarado e que “os verdadeiros serviços foram afinal de mediação imobiliária, quando nem sequer a entidade com quem supostamente estabeleceu uma relação comercial está legalmente autorizada para o exercício de atividade de mediação imobiliária”, a que acrescenta que a prestação de tais serviços é ilegal, pois contorna a regulação da atividade de mediação e intermediação em Portugal.

 

                Antes de mais, convém salientar que a Requerente sempre partilhou com a Requerida a natureza dos serviços em causa, os quais, sem prejuízo de prosseguirem o objetivo de angariação de clientes para a venda dos seus imóveis, incluem diversas atividades que não fazem parte de uma mediação imobiliária tout court, suplantando-a. Não se constata, assim, qualquer atuação por parte da Requerente indutora de erro ou suscetível de configurar abuso de direito.

 

                Por outro lado, apesar de o descritivo “Marketing Consulting”, que consta das faturas emitidas pela B..., poder não ser aquele que melhor se adequa à representação dos serviços prestados por esta entidade, tem de ser avaliado em conjunto com outros elementos de prova complementares, como o teor dos serviços descritos no contrato e as demais evidências que permitem concluir, sem dificuldade, que estamos perante uma atividade que visou identificar e apresentar potenciais clientes à Requerente, levando-os a visitar os imóveis que esta tinha em carteira, com vista à sua comercialização.

 

                Demonstrada a materialidade das operações, a eventual desconformidade parcial do descritivo, desconformidade que no caso nem sequer é imputável à Requerente, pois a emissão da fatura cabe ao prestador de serviços, configura o incumprimento de um requisito formal que não é cominado pela desconsideração do gasto no cômputo da matéria coletável de IRC da Requerente.

 

                Como afirma RUI MORAIS “a não aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efetivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva.” – v. Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, pp. 79-80.  No mesmo sentido aponta a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, como, a título ilustrativo, a constante dos acórdãos de 5 de julho de 2012, processo n.º 658/11, e de 14 de setembro de 2011, processo n.º 433/11. Apesar de anteriores à Reforma do IRC de 2014, cremos que estas considerações se mantêm válidas .

 

                Acresce referir que os únicos fundamentos que antecederam a liquidação de IRC aqui em causa referem-se à efetividade, ao caráter normal e ao montante dos serviços prestados à Requerente pela B..., nada tendo sido invocado relativamente à eventual ilegalidade da prestação dos serviços de intermediação por essa empresa, não tendo sido, igualmente, apontada pela Requerida, qualquer atuação da Requerente violadora do dever de colaboração no decurso do procedimento inspetivo.

 

                Assim, esta linha argumentativa configura fundamentação a posteriori, que não é legalmente admissível, pois só é permitida na apreciação da validade dos atos impugnados a fundamentação contextual, contemporânea da prática do ato, como declara a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, atento o disposto no artigo 153.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (anterior artigo 125.º, n.º 1). Neste sentido, entre outros, v. os acórdãos de 4 de outubro de 2017, processo n.º 0406/13; de 6 de julho de 2017, processo n.º 1436/15; de 27 de janeiro de 2016, processo n.º 043/16; e de 16 de setembro de 2015, processo n.º 0156/15.

 

                De igual modo, não colhe a alegação da prática de eventuais crimes tributários, ponto que nunca foi ventilado no procedimento inspetivo, nem se vislumbra base para a sua sustentação.

                Constata-se, pois, uma efetiva prestação de serviços diretamente conexos com a concretização das vendas dos imóveis e em razão destas, por parte da B... à Requerente. Tais vendas representaram rendimentos de aproximadamente 1.87 milhões de euros, numa conjuntura económica afetada por anos de contração da procura e de estagnação do mercado imobiliário, e um encaixe financeiro importante na atividade da Requerente. 

 

                O facto de, apesar das referidas vendas, a Requerente ainda registar nos anos 2013 e 2014 resultados negativos e prejuízos fiscais não afeta a conclusão alcançada sobre a efetividade dos serviços em apreço. A efetividade é uma condição distinta, que se prende com a prestação real e materializada dos serviços e não com o sucesso ou insucesso do contributo dos mesmos para os objetivos visados. Tal aceção implicaria que pudessem ser postas em causa as operações dos sujeitos passivos sempre que estes apresentassem resultados negativos/prejuízos e que a AT pudesse apreciar as decisões de gestão dos sujeitos passivos, o que é liminarmente de afastar e contenderia com o princípio de “liberdade de gestão e autonomia da vontade do sujeito passivo” – v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (pleno), de 15 de junho de 2011, processo n.º 049/11.

 

                À face do exposto, conclui-se que os encargos suportados pela Requerente com a B... dizem respeito a operações efetivas e que apresentam o indispensável nexo causal com a atividade imobiliária desenvolvida pela Requerente, como postulam os artigos 23.º, n.º 1, 65.º (na redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro vigente em 2013) e 23.º–A, n.º 1, alínea r) (na redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, vigente em 2014). 

 

CARÁTER NORMAL DOS SERVIÇOS

 

                A comercialização de imóveis situados em Portugal junto de clientes chineses implicou a prestação de serviços específicos de promoção, intermediação e agenciamento internacional, no caso realizados pela B..., existindo, para além da Requerente, diversos promotores imobiliários portugueses que utilizaram os serviços daquela empresa (e de outras similares) para lograrem vender os seus imóveis.

 

                Como acima mencionado, não se afigura viável que a angariação de clientes chineses fosse realizada por mediadoras nacionais, que não têm presença, nem representação na China.

 

                Importa não esquecer a conjuntura económica que se viveu em Portugal nos anos em causa e antecedentes, de retração da procura e de falta de liquidez, com as empresas do setor imobiliário alavancadas (endividadas), sob pressão e com enorme premência na comercialização dos imóveis detidos para conseguirem cumprir os compromissos financeiros assumidos.

 

                Nestas circunstâncias, o recurso a empresas como a B..., capacitadas para captar clientes internacionais (in casu, chineses) com capacidade aquisitiva para comprarem os imóveis que os promotores não estavam a conseguir escoar, não só é normal, como uma prudente medida de gestão.

 

                De assinalar que, como no caso da Requerente, não comportava sequer a assunção de quaisquer custos fixos, ocorrendo os pagamentos quando da concretização das vendas.

 

                Anormal seria que perante as circunstâncias económicas desfavoráveis que tinham perdurado nos anos anteriores, as empresas do setor imobiliário não tentassem revertê-las e dinamizar as vendas de ativos essenciais à obtenção de liquidez.

 

                Neste sentido ajuíza a decisão arbitral proferida no processo análogo do CAAD n.º 198/2017-T, de 21 de novembro de 2017 , conforme o seguinte excerto ilustrativo:

 

“Não se justificam dúvidas sobre a realização desta atividade, não só porque foi junta documentação comercial e correspondência trocada entre a Requerente e a B… relativa a essas atividades, mas também porque foi nesse sentido a prova produzida em audiência, por quem teve em Portugal contacto direto com essas atividades.

Aliás, o facto, que não é controvertido, de a Requerente ter vendido grande quantidade de imóveis a cidadãos chineses é uma prova indireta, mas convincente, de que houve uma eficiente atividade de angariação, pois sem esta não se vislumbra como poderiam ter conhecimento de que a Requerente dispunha de imóveis para venda. Por outro lado, o facto de que a remuneração da B… só era paga precisamente se fosse se tivesse como resultado a concretização das vendas, assegura que não houve pagamentos que não tivessem subjacente atividade de angariação.

Por isso, não se justifica que não se considere provado que os gastos suportados pela Requerente com pagamentos à B… correspondem a operações efetivamente realizadas.

Neste contexto, afigura-se manifestamente injustificado exigir, para prova da efetividade da atividade desenvolvida pela B…, a «identificação dos recursos humanos envolvidos, horas aplicadas e taxas horárias por consultor», a «evidência de reuniões, "surveys"; «saber se quem executou tem experiência profissional», pois, para além de serem informações que normalmente não serão acessíveis a quem contrata a uma empresa estrangeira serviços de angariação, não haverá grande preocupação do adquirente quando se trata de pagamentos que são efetuados apenas em função dos resultados.”

 

                As condições contratuais constantes do contrato celebrado com a B... apresentam-se equilibradas, sendo reais as vantagens auferidas com a sua celebração por banda da Requerente que, após a contratação dos serviços da B..., conseguiu encaixar 1.87 milhões de euros em vendas a clientes chineses. Os encargos assumidos, i.e., a remuneração dessas vantagens, têm uma relação direta com os benefícios resultantes da prestação de serviços, pois constituem uma percentagem [15%] do valor de comercialização dos imóveis junto dos clientes angariados, de harmonia com os critérios enunciados no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCA Sul”) de 19 de fevereiro de 2015, proferido no processo n.º 8126/14 .

 

                Ficou demonstrado que os encargos incorridos são comuns e habituais no contexto do mercado imobiliário à data, tendo sido suportados por diversos promotores imobiliários em circunstâncias similares às da Requerente, no âmbito da contratação de serviços de “intermediação imobiliária internacional” e apresentam conexão direta com os benefícios auferidos pela Requerente em relação aos serviços adquiridos à B... .

 

MONTANTE NÃO EXAGERADO

 

                No que se refere ao quantum da remuneração suportada pela Requerente em relação aos serviços prestados pela B..., cifrada em 15% do valor de venda dos imóveis, ficou provado que a mesma se situa no intervalo de 15% a 25% praticado pela B... e por outros operadores com diversos promotores imobiliários portugueses que, em muitos casos, pagaram até valores consideravelmente superiores. Convém, ainda, assinalar que não estão em causa partes relacionadas, nem tal foi invocado na fundamentação da AT.

 

                Conclui-se, desta forma, que a Requerente incorreu em gastos comparáveis àqueles suportados por empresas do mesmo setor que adquiriram serviços idênticos para comercialização dos seus imóveis a clientes chineses, pelo que os mesmos se afiguram razoáveis, i.e., de montante não exagerado.

 

              2.3.  TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA

 

Para além da desconsideração (da dedução) fiscal da comissão paga à B..., a AT sujeitou-a a tributação autónoma, ao abrigo do disposto no artigo 88.º, n.ºs 8 e 14 do Código do IRC, que dispõe nos termos seguintes:

 

“Artigo 88.º do Código do IRC

Taxas de tributação autónoma

[…]

8 – São sujeitas ao regime do n.º 1 ou do n.º 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respetivamente, 35% ou 55%, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

[…]

14 – As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores [redação até 2014] relacionados com o exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC [segmento acrescentado em 2014] . […]”

 

                Como se extrai da leitura do n.º 8 deste preceito, os pressupostos da incidência de tributação autónoma são idênticos aos previstos nos artigos 65.º, n.º 1 e 23.º, n.º 1, alínea r) do Código do IRC acima escrutinados, pelo que, tendo-se concluído que a Requerente fez prova da efetividade das operações (serviços prestados pela B...), do caráter normal destas e do montante não exagerado dos encargos suportados, fica afastada a presunção que subjaz ao regime anti-abuso que a norma corporiza, não sendo devida, em consequência, tributação autónoma sobre os pagamentos em causa.

 

EM SÍNTESE,

 

A Requerente demonstrou que os gastos desconsiderados pela Requerida foram incorridos no âmbito da atividade de promoção imobiliária desenvolvida, em conformidade com o interesse social, e preenchem os requisitos de dedutibilidade constantes do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC. Satisfez o que ónus que sobre si impendia de demonstração da efetividade, normalidade e do caráter não exagerado dos encargos suportados com os serviços prestados pela B..., relativos às faturas n.ºs 005/2013, 006/2013, 007/2013 e 089/2014, afastando a tributação prevista nos artigos 65.º, n.º1 e 23.º-A, n.º 1, alínea r), ambos do Código do IRC.

 

Pela mesma razão (demonstração da efetividade dos serviços, da sua normalidade e razoabilidade dos encargos inerentes), não se verificam os pressupostos de incidência de tributação autónoma previstos no artigo 88.º, n.º 8 do Código do IRC. 

 

Concluindo-se pela invalidade das correções efetuadas por vício gerador de anulabilidade, não se verifica também o pressuposto constitutivo de juros compensatórios, pois não foi retardada a liquidação de imposto que fosse devido (artigo 35.º da LGT).

 

Nestes termos, as liquidações adicionais de IRC, incluindo a tributação autónoma, enfermam de vício material de erro nos pressupostos de facto e de direito e são anuláveis, de acordo com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do CPA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT .

 

2.4.  QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, atenta a mais estável ou eficaz tutela da situação tributária da Requerente, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – cf. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

               

                É o que sucede com os argumentos invocados pela Requerente no plano do direito internacional. Neste âmbito, importa relembrar que as Convenções celebradas para evitar a dupla tributação não contêm normas de incidência tributária, limitando-se a desempenhar uma função negativa de repartição da competência tributária dos Estados, que só pode ser exercida com base em normas internas de incidência.

 

                Verificado que, dada a factualidade provada, a situação em análise não é passível de tributação com fundamento no direito interno, e sem prejuízo de se considerar que o facto de existir uma Convenção celebrada entre Portugal e Hong Kong não afasta a qualificação desse território como enquadrado num regime de tributação privilegiada, mostra-se prejudicada, por ser inútil, a apreciação da matéria relativa à articulação do regime anti-abuso do Código do IRC com a Convenção e da alegada violação, neste âmbito, de compromissos assumidos pelo Estado português, no plano internacional, ao abrigo do disposto no artigo 8.º da Constituição da Republica Portuguesa.

 

2.5.  JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

O direito a juros indemnizatórios é regido pelo artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida.

 

Na situação vertente, está em causa a errada interpretação e aplicação pela Requerida de normas de incidência tributária e ficou demonstrado que as liquidações impugnadas padecem de erro substantivo imputável à AT, que não deveria ter procedido à liquidação de IRC e tributação autónoma em causa, verificando-se, desta forma, o pressuposto de erro imputável aos serviços.

 

A jurisprudência arbitral do CAAD tem reiteradamente afirmado a competência destes tribunais para proferir pronúncias condenatórias derivadas do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT, que, havendo decisão a favor do sujeito passivo, postulam o restabelecimento da situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.

 

Assim, as liquidações de IRC, tributação autónoma e juros compensatórios associados são suscetíveis de constituir na esfera da Requerente o direito ao recebimento de juros indemnizatórios que a visam ressarcir da ilegal privação desta quantia pelo período de tempo que perdurar, até à sua integral restituição, conforme preceituado nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

 

IV.          DECISÃO

 

                Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:

(a)          Julgar totalmente procedente o pedido de anulação dos atos tributários de liquidação de IRC e tributação autónoma, incluindo juros compensatórios, relativos a 2013 e 2014, no valor global de € 116.118,04, e do despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico que confirmou estes atos tributários; e

(b)          Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, tudo com as legais consequências.

 

VI.          VALOR DO PROCESSO

 

A Requerente impugna dois atos de liquidação abrangendo IRC, Tributação Autónoma e juros compensatórios, que perfazem o valor de € 116.118,04. No entanto, indica um montante superior, de € 116.671,55 como valor da causa, sem que, quer nas alegações, quer no pedido, seja feita a referência a algum ato tributário passível de corresponder àquela diferença. Por outro lado, junta como documento 3 uma liquidação de juros compensatórios, de € 553,51, em relação à qual não faz qualquer alegação, não estabelece conexão com a matéria em discussão nos autos, nem deduz pedido anulatório.

 

De acordo com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) o valor atendível, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, quando seja impugnada a liquidação, é o da importância cuja anulação se pretende. Assim, dirigindo-se o pedido anulatório exclusivamente aos atos tributários que totalizam € 116.118,04, é corrigido para esta importância o valor da causa indicado pela Requerente. A alteração efetuada, dada a variação de valor, não tem impacto nas custas da ação, nem no regime de recursos.

              

VII.         CUSTAS

 

                Custas no montante de € 3.060,00, a cargo da Requerida, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Lisboa, 25 de fevereiro de 2020

 

Notifique-se.

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins

José Nunes Barata

Rui Miguel de Sousa Simões Fernandes Marrana