Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 114/2020-T
Data da decisão: 2020-10-30  IRC  
Valor do pedido: € 446.101,07
Tema: IRC – Derrama; Crédito de Imposto por Dupla Tributação Jurídica Internacional; Liberdade de gestão fiscal.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Fernando Borges de Araújo e Dr. Rui Miguel Zeferino Ferreira (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 05-08-2020, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., S.A. (adiante abreviadamente designada por "A..." ou "Requerente"), titular do número de identificação de pessoa coletiva ..., com sede na ..., nº ..., ...-..., ... concelho da Trofa, veio, nos termos do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa proferida no âmbito do processo n.º ...2019..., bem como a anulação parcial do acto de liquidação de IRC n.º 2018..., emitido em 15 de Outubro de 2018, decorrente da submissão da Declaração de Rendimentos (Modelo 22) de IRC com a identificação nº... .

A Requerente pede ainda o reembolso da importância de € 446.101,07 correspondente ao imposto que considera pago indevidamente no período de tributação de 2017, relativo à derrama municipal liquidada em excesso.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 18-02-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 06-07-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 05-08-2020.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 01-10-2020, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações.

As Partes apresentaram alegações, limitando-se a administração tributária a reafirmar o que disse na resposta.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

                2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

A.           A Requerente é a sociedade dominante do grupo C... que é tributado, em sede de IRC, pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), consagrado nos artigos 69.º a 71.º do CIRC;

B.            No período de tributação de 2017, o grupo integrou as seguintes sociedades, além da dominante:

 

C.            A Requerente procedeu à autoliquidação do IRC do grupo, do período de tributação de 2017, mediante a entrega da declaração periódica de rendimentos modelo 22 no dia 29 de junho de 2018, identificada com o n.º ... (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

D.           Na referida declaração, a Requerente apurou uma colecta total de IRC, no valor de € 7.532.887,06, incluindo derrama estadual no valor de € 1.288.398,97 e derrama municipal no valor de € 446.101,07;

E.            Para além dos referidos valores, no exercício de 2017, foi apurado e pago pela Requerente, a título de tributação autónoma, o montante de € 529.776,22;

F.            Resulta do Quadro 07 do Anexo D da Declaração de Rendimentos Modelo 22 submetida pela Requerente (relativo a benefícios fiscais que operam por dedução à colecta), que esta possuía um saldo de benefícios fiscais passíveis de dedução, no período de tributação de 2017, no valor total de € 79.037.892.00 tendo deduzido no campo 355 da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC um montante de € 5.573.240,49, a título de SIFIDE, reportando para os períodos de tributação seguintes um valor de SIFIDE de € 73.464.651,51, conforme se detalha na seguinte tabela:

 

G.           A Requerente deduziu à colecta total de IRC um montante de € 1.959.646,57, a título de Crédito de Imposto por Dupla Tributação Jurídica Internacional (“CIDTJI”) (campo 353 da Modelo 22), conforme detalhe incluído no quadro 14 da Declaração Modelo 22 e que se apresenta conforme a seguinte tabela:

 

H.           A Requerente deduziu o montante total de CIDTJI apenas à colecta total de IRC por imposição do sistema informático de submissão da Declaração Modelo 22 e, se tal fosse possível, preferiria deduzir tal crédito prioritariamente à derrama municipal;

I.             Na sequência da autoliquidação foi emitida a liquidação n.º 2018..., datada de 15-10-2018, que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

J.             Em 19-09-2019, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa, com vista à anulação de parte da liquidação referida e ao reembolso do montante de € 446.101,07, baseando o pedido na possibilidade de dedução do montante apurado a título de CIDTJI, referente a países com Convenção para Evitar a Dupla Tributação, em primeira linha, à derrama municipal e, posteriormente, à coleta total de IRC, invocando a ausência de base legal que obrigue a que a dedução seja efectuada em ordem inversa (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

K.            Em 11-11-2019, a Requerente foi notificada do projecto de indeferimento da reclamação graciosa, para exercer o direito de audição, nos termos que constam do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

L.            No projecto de indeferimento da reclamação graciosa refere-se, além do mais, o seguinte:

Vem a reclamante supra identificada deduzir reclamação graciosa, ao abrigo dos art.º 68º e ss do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), contra a liquidação de IRC nº 2018... no valor de 446.101,07€, referente à derrama municipal apurada no exercício de 2017.

Compulsados os elementos junto aos autos, verifica-se que:

Nos termos dos arts. 9º, 68º e 131º do CPPT, a reclamação apresentada é o meio próprio, é tempestiva e a reclamante tem legitimidade para o ato.

Não foi apresentada impugnação judicial.

DO ALEGADO PELA RECLAMANTE

A reclamante pretende a anulação da autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2017, por

entender ter ocorrido erro no valor da Derrama Municipal a pagar.

Refere que por força do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 90º do CIRC deduziu à coleta total de IRC o montante de 1.959.646,57€ a título de CIDTJI (campo 353 do quadro 10 da declaração Mod 22).

Acrescenta que deduziu o montante de CIDTJI apenas à coleta total, por imposição do sistema informático da AT para submissão da declaração de rendimentos, apesar de não concordar com este procedimento.

No seu entender não existe norma legal que obrigue o CIDTJI, em primeiro lugar, a ser deduzido à coleta total de IRC e, em segunda lugar, à derrama municipal.

Garante que, pela leitura das instruções de preenchimento da declaração de rendimentos Mod 22 de IRC aprovadas pelo Despacho nº 984/2018, de 26 de janeiro de 2018, não restam dúvidas à reclamante que o montante declarado a título de CIDTJI, inerente aos rendimentos obtidos em países com os quais Portugal celebrou CDT, pode ser deduzido ao montante apurado a título de derrama municipal, no exercício de 2017.

Conclui a reclamante que o normativo internacional permite a dedução do CIDTJI à derrama municipal e não existe norma internacional que obrigue o sujeito passivo a deduzir o CIDTJI, em primeiro lugar à coleta e em segundo lugar à derrama municipal.

E em relação ao normativo nacional, quer as decisões do Tribunal Arbitral, quer os entendimentos emitidos pela AT e o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 91º do CIRC, vão no sentido de que o CIDTJI é dedutível quer à coleta do IRC, quer à coleta de derrama municipal.

No entender da impugnante, apesar de as instruções de preenchimento da Mod 22 não preverem a hipótese de dedução do CIDRJI à derrama municipal previamente à dedução à coleta total de IRC, os sujeitos passivos têm a faculdade de optar pela ordem de dedução do CIDTJI, relativamente aos demais benefícios.

Pretende, pois, a restituição do imposto indevidamente pago em excesso a título de derrama municipal, no valor de 446.101,07€ em resultado da não dedução à derrama municipal da CIDTJI.

DA APRECIAÇÃO DO PEDIDO

Nos termos do n.º 1 do artigo 18.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, a derrama municipal incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC (com o limite máximo de 1,5%) que corresponda à proporção do rendimento gerado na área geográfica do município por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável neste território.

No caso de declarações do grupo, no regime especial de tributação dos grupos de sociedades, como é o caso em análise, o cálculo da derrama é efetuado de acordo com o regime previsto no n.º 8 do artigo 18.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro.

Assim, quando seja aplicado este regime de tributação, a derrama é calculada e indicada individualmente por cada uma das sociedades na sua declaração, sendo preenchido, também individualmente, o anexo A, se for caso disso. O somatório das derramas assim calculadas é indicado no campo 364 do quadro 10 da correspondente declaração do grupo, competindo o respetivo pagamento à sociedade dominante.

Apesar de a derrama municipal incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, é autónoma daquele e pode ser liquidada e exigida mesmo que o imposto principal não atinja o estádio pleno. Também não é considerada como coleta de IRC.

Por este motivo quando estamos perante um crédito de imposto por dupla tributação internacional, não se permite que este seja deduzido ao valor da derrama municipal, nem esta entra no cálculo da fração prevista na alínea b) do artigo 91º do CIRC.

Quando o sujeito passivo tenha obtido rendimentos em país com o qual tenha sido celebrada Convenção para evitar a dupla tributação (CDT), e que sejam tributados nos dois Estados, e que aí esteja prevista a derrama municipal como imposto abrangente, a dedução do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional pode ser efetuada até à concorrência do somatório da coleta total (campo 378) e da derrama municipal (campo 364) e assim é preenchido o campo 379 do quadro 10.

Este campo só deve ser preenchido quando o crédito de imposto relativo à dupla tributação jurídica internacional não pôde ser integralmente deduzido no campo 353, por ser superior à coleta total (campo 378), o que não foi o caso.

O valor excedente, se respeitar a países com CDT, pode ser deduzido neste campo até à concorrência do valor da derrama municipal inscrito no campo 364.

Tal procedimento é consentâneo com o disposto nos normativos legais bem como com a interpretação da AT nesta matéria.

 

CONCLUSÃO

Face ao exposto, propõe-se o indeferimento da reclamação graciosa.

Da presente proposta de decisão, deverá a reclamante ser notificada para, querendo, vir exercer o direito de audição prévia nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 60.º n.º 1 al. b) da LGT.

M.          A Requerente não exerceu o direito de audição sobre o projecto de decisão da reclamação graciosa, que veio a ser indeferida, com a fundamentação do projecto, por despacho de 19-12-2019, que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

N.           A Requerente pagou através de autoliquidação a quantia de € 684.178,11 relativamente ao exercício de 2017 (liquidação que consta do documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

O.           Em 20-02-2020, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Não se apurou em que data a Requerente pagou a quantia autoliquidada, que se refere na linha 31 da liquidação a consta do documento n.º 2.

Não há outros factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente, que constam também do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto dada como provada.

 

3. Matéria de direito

               

                O artigo 90.º, n.º 2, do CIRC estabelece que à matéria colectável determinada nos termos do n.º 1 são efectuadas as deduções aí indicadas, pela ordem aí prevista.

                Na alínea a) desse n.º 2, prevê-se a dedução «correspondente à dupla tributação jurídica internacional».

                Por força do n.º 6 do mesmo a4rtigo 90.º «quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1».

                O regime do Crédito de Imposto por Dupla Tributação Jurídica Internacional (CIDTJI) consta do artigo 91.º do CIRC, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 91.º

 

Crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional

 

1 - A dedução a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º é apenas aplicável quando na matéria coletável tenham sido incluídos rendimentos obtidos no estrangeiro e corresponde à menor das seguintes importâncias:

 

a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;

b) Fração do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, acrescidos da correção prevista no n.º 1 do artigo 68.º, líquidos dos gastos direta ou indiretamente suportados para a sua obtenção.

 

2 - Quando existir convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efetuar nos termos do número anterior não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção.

3 - A dedução prevista no n.º 1 determina-se por país considerando a totalidade dos rendimentos provenientes de cada país, com exceção dos rendimentos imputáveis a estabelecimento estável de entidades residentes situados fora do território português cuja dedução é calculada isoladamente.

4 - Sem prejuízo da limitação prevista no número anterior, sempre que não seja possível efetuar a dedução a que se refere o n.º 1, por insuficiência de coleta no período de tributação em que os rendimentos obtidos no estrangeiro foram incluídos na matéria coletável, o remanescente pode ser deduzido à coleta dos cinco períodos de tributação seguintes, com o limite previsto na alínea b) do n.º 1 que corresponder aos rendimentos obtidos no país em causa incluídos na matéria coletável e depois da dedução prevista nos números anteriores.

 

                No caso em apreço, está em causa a dedução de rendimentos obtidos pela Requerente e sujeitos a tributação nos Estados Unidos da América, com quem Portugal celebrou a Convenção e o Protocolo entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 39/95, de 12 de Outubro (doravante "CDT").

                No artigo 2.º desta CDT estabelece-se o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 2.º

 

Impostos visados

 

1 - Os impostos actuais a que esta Convenção se aplica são:

a) Em Portugal:

i) O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);

ii) O imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC); e

iii) A derrama (...)

 

Nas Instruções de Preenchimento da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, aprovadas pelo Despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais n.º 984/2018, de 16-01-2018, publicado no Diário da República, II Série, de 26 de Janeiro de 2018, emitido «nos termos do n.º 2 do artigo 117.º do Código do IRC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, republicado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro», refere-se, além do mais, o seguinte:

 

Campo 379 – Dupla tributação jurídica internacional – Países com CDT

• Quando o sujeito passivo tenha obtido rendimentos em país com o qual tenha sido celebrada Convenção para evitar a dupla tributação (CDT) e que sejam tributados nos dois Estados, a dedução do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional pode ser efetuada até à concorrência do somatório da coleta total (campo 378) e da derrama municipal (campo 364).

• Este campo só deve ser preenchido quando o crédito de imposto relativo à dupla tributação jurídica internacional não pôde ser integralmente deduzido no campo 353, por ser superior à coleta total (campo 378). O valor excedente, se respeitar a países com CDT, pode ser deduzido neste campo até à concorrência do valor da derrama municipal inscrito no campo 364.

 

No caso em apreço, existindo CDT, não é controvertido que a Requerente tem direito a deduzir o seu crédito sobre a colecta da derrama, como é expressamente reconhecido nas instruções da declaração modelo 22.

Na verdade, apesar de na decisão da reclamação graciosa se ter dito, inicialmente, que «quando estamos perante um crédito de imposto por dupla tributação internacional, não se permite que este seja deduzido ao valor da derrama municipal, nem esta entra no cálculo da fração prevista na alínea b) do artigo 91º do CIRC», refere-se, mais adiante, que a possibilidade de ser deduzido crédito sobre o valor da derrama existe no caso ser aplicável uma CDT, o que sucede no caso em apreço, possibilidade essa que se refere expressamente nas instruções da declaração modelo 22.

Assim, a controvérsia tem por objecto apenas na possibilidade ou não de a Requerente poder deduzir o seu CIDTJI prioritariamente sobre o valor da derrama: enquanto a Requerente entende que pode optar por deduzir esse crédito sobre o valor da derrama prioritariamente, a Administração Tributária entende que essa dedução tem de ser efectuada prioritariamente sobre a colecta de IRC e, só no caso de esta ser insuficiente para integral dedução do CIDTJI, pode ser efectuada dedução sobre o valor da derrama.

O interesse da Requerente em deduzir o CIDTJI primeiramente à derrama tem subjacente o seu entendimento de que «com a dedução do CIDTJI. referente a um país com o qual Portugal celebrou CDT, à derrama municipal, a quota-parte da coleta total de IRC que deixa de ser absorvida pelo CIDTJI (no valor de Euro 446.101,07) deverá ser compensada pela dedução do benefício fiscal SIFIDE reportável de anos anteriores no mesmo valor» (artigo 124.º do pedido de pronúncia arbitral).

A Administração Tributária está de acordo com esta interpretação da Requerente sobre o alcance do benefício fiscal do SIFIDE, dizendo que «na realidade, na situação em apreço, a aplicação do entendimento da Requerente, segundo os seus cálculos, conduziria a que o montante da derrama municipal fosse integralmente consumido e daí resultasse um aumento da dedução dos benefícios fiscais que operam por dedução à coleta do IRC, passando para € 6.019.341,56, transitando após esta dedução o montante de benefícios fiscais de € 73.018.550,44, gerando assim um reembolso da importância de € 446.101,07». (artigo 12.º da Resposta).

 

3.1. Posições das Partes

 

A Requerente defende o seguinte, em suma:

– a derrama é um imposto autónomo em relação ao IRC;

– a derrama está prevista na CDT como um dos impostos a que se aplica;

– a alínea a) do n.º 3 do artigo 25.º da CDT estabelece a dedução ao imposto sobre os rendimentos a pagar em Portugal, em que se inclui a derrama, de uma importância igual ao imposto ao imposto sobre os rendimentos pago nos Estados Unidos da América;

– este regime prevalece sobre o direito interno português, por força do preceituado no n.º 2 do artigo 8.º da CRP;

– não existe norma que estabeleça a ordem de dedução do CIDTJI, designadamente que obrigue o sujeito passivo a deduzir o CIDTJI, em primeiro lugar, à colecta total de IRC e, em segundo lugar, à derrama municipal, designadamente;

– a Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro, que estabelece o regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais, não refere a ordem pela qual a dedução sobre o valor da derrama é efectuada;

– face à ausência de normas legais, quer no normativo internacional, quer no Código do IRC e na Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro, que expressamente determinem que o CIDTJI é passível de dedução, em primeiro lugar, à colecta de IRC e, em segundo lugar, à colecta de derrama municipal, não restam dúvidas à Requerente de que, não sendo proibido, é permitido que a ordem pela qual é deduzido o CIDTJI seja estabelecida pelo respectivo sujeito passivo;

– a Administração Tributária não fundamenta a razão pela qual se afigura legalmente impossível a dedução do CIDTJI, em primeira linha, à derrama municipal e apenas, posteriormente, à colecta total, o que deixa visivelmente ameaçado o respeito pelo dever constitucional de fundamentação dos actos tributários, previsto no artigo 268.º da CRP e no artigo 77.º da LGT;

– deve, assim, ser restituído à Requerente o imposto indevidamente pago em excesso a título de derrama municipal, no valor de € 446.101,07, em resultado da não dedução, em primeiro lugar, à derrama municipal do CIDTJI, referente a países com CDT;

– com a dedução do CIDTJI à derrama municipal, a quota-parte da coleta total de IRC que deixa de ser absorvida pelo CIDTJI (no valor de € 446.101,07) deverá ser compensada pela dedução do benefício fiscal SIFIDE reportável de anos anteriores no mesmo valor;

– «a interpretação normativa que permite incluir no inciso "fração de IRC" a coleta da derrama municipal não é de molde a pôr em causa a garantia da autonomia local na dimensão de autonomia financeira e patrimonial dos municípios. Nesse plano, a autonomia local pressupõe que as autarquias disponham de meios financeiros suficientes para o desempenho das suas atribuições e competências e gozem de autonomia de gestão desses meios, e assenta essencialmente num princípio de equilíbrio financeiro entre o Estado e as autarquias que assegure a justa repartição dos recursos públicos. Todavia, a dedução de um crédito por dupla tributação internacional na coleta da derrama municipal, no ponto em que esta se entenda como constituindo fração de IRC, em nada interfere com a autonomia financeira dos municípios. A opção legislativa prende-se com considerações de política fiscal que respeitam exclusivamente a um imposto estadual e que, podendo determinar a redução do montante do imposto a pagar pelo sujeito passivo, e que não afeta nem restringe a receita que é legalmente atribuída às autarquias locais nem limita os poderes de gestão que se enquadram no poder autonômico.";

A Administração Tributária defende o seguinte, em suma:

– a tese da Requerente não encontra respaldo na letra e no espírito da lei interna e da convenção para evitar a dupla tributação ao caso aplicável, além de colidir com o princípio constitucional da autonomia financeira das autarquias locais;

– a norma convencional não prescreve o modo como é operacionalizado o CIDTJI, remetendo implicitamente para a regulamentação de cada um dos Estados Contratantes, a qual, no entanto, não pode comprometer o objetivo principal da CDT - a eliminação da dupla tributação jurídica internacional dentro dos limites do método do crédito de imposto ordinário ou normal;

– na situação sub judice, o imposto pago nos EUA sobre os rendimentos provenientes de royalties foi integralmente deduzido ao IRC liquidado pela Requerente com base na matéria colectável do Grupo;

– IRC e derrama são impostos autónomos;

– com a entrada em vigor do art.º 14.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, posteriormente revogado pelo atualmente em vigor art.º 18.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro, a base de incidência da derrama municipal deslocou-se da colecta de IRC para o lucro tributável em IRC;

– a solução legislativa consagrada pelo legislador do Código do IRC está balizada pelo respeito da autonomia financeira dos municípios e pelas regras de cálculo da derrama municipal constantes do artigo 18.º da Lei n.º 73/2013, de 03 de Setembro;

– estatuindo o legislador, no artigo 90.º, n.º 2 e no artigo 91.º, n.º 1, do mesmo Código, que é à colecta do IRC que são efectuadas as deduções aí previstas, seja a título de eliminação da tributação jurídica internacional, seja de benefícios fiscais ou deduções de outra natureza, não é legítimo ao intérprete ou ao aplicador da lei fazer uma interpretação destes normativos que não cabe nem na letra e nem no espírito destas normas, ou proceder à sua aplicação a outras situações que nela não estão contempladas;

– o artigo 18.º da Lei n.º 73/2013 não prevê que ao montante da derrama seja efectuada qualquer dedução, a título do CIDTJI, só por força de uma CDT que inclua as derramas, essa dedução pode efectivar-se;

– o direito internacional fiscal é colocado na ordem jurídica interna num grau hierárquico superior ao da lei ordinária e, consequentemente, em caso de conflito, a convenção sobrepõe-se à lei interna;

– a possibilidade de dedução do CIDTJI à derrama constitui um benefício decorrente da aplicação de uma CDT que, aliada à natureza da derrama como imposto dependente do IRC - assumido, como expressão da autonomia financeira das autarquias locais, consagrada na Constituição da República Portuguesa, - ditaram o estabelecimento de uma regra para a dedução do CIDTJI, que coloca na primeira linha da imputação do imposto pago no estrangeiro a coleta do imposto principal – o IRC – e se este montante for insuficiente, é, então, feita a dedução à colecta da derrama;

– a regra que consta das instruções de preenchimento da declaração modelo 22 permite assegurar o cumprimento dos dois princípios fundamentais que aqui estão em causa: o da eliminação da dupla tributação jurídica internacional consagrado nas normas convencionais e o de preservação da autonomia das finanças locais, consagrado na Constituição;

– a derrama é imposto acessório do IRC;

– a tese da Requerente tem efeitos desproporcionados e imprevisíveis na observância do princípio da autonomia financeira instituído no artigo 238.º da CRP;

– a opção que a Requerente defende é que necessitaria de previsão legal expressa por afrontar princípios legalmente consagrados, vindo a propósito lembrar a afirmação lapidar com que o Professor Doutor Manuel Pires termina a declaração de voto (de vencido): «As possíveis melhores soluções de jure condendo não permitem ao intérprete substituir-se ao legislador»;

– a dedução não pode fazer-se ao somatório das derramas municipais liquidadas pelas sociedades do grupo, porquanto, o cálculo deste imposto não obedece a uma lógica de grupo e, assim sendo, a redução da receita própria de cada município apenas deve ser afectada na justa medida, ou seja, proporcionalmente, à receita a que teria direito, como decorre do artigo 18.º, n.º 6, da Lei n.º 73/2013;

– o que se explica pela ligação existente entre este imposto e «o rendimento gerado na área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território», conforme dispõe o n.º 1 do mesmo preceito;

– por imperativo dos princípios da justiça e da correcta repartição das receitas tributárias, a receita da derrama é atribuída ao município onde é desenvolvida a actividade económica geradora dos rendimentos tributados;

– também seria necessário, proceder ao cálculo da fração da derrama calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que foram tributados nos Estados Unidos do limite da dedução, de modo a levar em conta o limite a que alude a segunda frase do artigo 25.º, n.º 3, alínea a), da CDT ao caso aplicável;

– a ordem estabelecida para efeitos de dedução do CDTJI no Quadro 10 da Declaração Periódica de Rendimentos Modelo 22, que prevê a dedução, em primeira linha, à colecta de IRC do grupo (acrescida da derrama estadual individual) e, quando insuficiente, à derrama municipal da sociedade a que respeita o crédito, compatibiliza o objetivo de assegurar a eliminação da dupla tributação nos termos previstos na CDT aplicável com o da preservação do princípio constitucional da autonomia financeira das autarquias locais;

– a pretensão da Requerente, no sentido de o crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional obtido pela sociedade pertencente ao grupo B... S.A. ser deduzido, primeiramente ao valor da derrama municipal do grupo e só depois ao valor da colecta total do grupo composta pela soma do IRC e da derrama estadual, deve ser julgada totalmente improcedente;

– é materialmente inconstitucional a interpretação normativa proposta pela Requerente, no sentido de incluir a derrama municipal na expressão constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do Código do IRC, para efeitos de para efeitos de eliminação da dupla tributação internacional, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º do mesmo diploma, por violação do princípio do Estado de Direito democrático, da reserva da lei fiscal, e da separação de poderes, com a consequente subordinação dos tribunais à lei, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto nos artigos 2.º, 103.º, 165.º e 202.º da CRP;

– reputa-se tal interpretação normativa de materialmente inconstitucional, também por violação do princípio da legalidade tributária, na vertente da generalidade e abstração da lei fiscal, decorrentes do princípio da legalidade e enquanto instrumentos da igualdade fiscal e, portanto, igualmente por violação do princípio da igualdade tributária, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto no artigo 13.º e no artigo 103.º da CRP;

– reputa-se de materialmente inconstitucional a interpretação normativa propugnada pela Requerente por violação do princípio da prevalência do direito internacional, previsto no artigo 8.º da CRP.

 

3.2. Apreciação da questão

 

                3.2.1. Fundamentação do acto a atender

 

                Antes de mais, importa precisar qual a fundamentação a atender.

                Os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD decidem segundo o direito constituído (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), estando a sua actividade limitada à declaração da ilegalidade de actos dos tipos referidos no artigo 2.º, n.º 1, do mesmo diploma.

                Está-se, assim, no âmbito de um contencioso de mera legalidade, em que se tem de apreciar a legalidade ou ilegalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo arbitral.

                Por isso, não pode a Administração Tributária, após a prática do acto, justificá-lo por razões diferentes das que constem da sua fundamentação expressa.

                Mas, quando dois actos têm por objecto definir a posição da Administração Tributária sobre a mesma situação jurídica, o segundo, quando não é confirmativo, é revogatório por substituição. (  )

                Os actos que indeferem impugnações administrativas podem ser confirmativos, não alterando a ordem jurídica, quando «se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores» (artigo 53.º, n.º 1, do CPTA).

                Mas, nomeadamente nos casos de reclamação graciosa (ou recurso hierárquico) de actos de liquidação, se a respectiva decisão mantém o acto impugnado com diferente fundamentação, deverá entender-se que se opera revogação por substituição daquele acto (que será ratificação-sanação se a fundamentação inicial era ilegal), passando a subsistir na ordem jurídica um novo acto que, apesar de manter o mesmo conteúdo decisório, terá a nova fundamentação.

                Nos casos em que a decisão fundamentada da impugnação administrativa aprecia um acto sem fundamentação expressa (como sucede nos casos de reclamação graciosa de autoliquidação), não se está perante uma situação em que o acto seja confirmativo, à face do preceituado no artigo 53.º, n.º 1, do CPTA, pois a autoliquidação não tem fundamentação originária emitida pela Administração Tributária, pelo que se está perante uma situação de revogação por substituição, em que a liquidação é mantida na ordem jurídica pela decisão da reclamação graciosa com a fundamentação que desta conste, como está ínsito no artigo 173.º do Código do Procedimento Administrativo de 2015. (   )

                Mas, também neste caso, não é relevante a fundamentação posterior ao acto que decidir a impugnação administrativa, que é o acto que define a posição da Administração Tributária em relação ao contribuinte.

                Por isso, no caso em apreço, é à face da fundamentação da decisão da reclamação graciosa que há que apreciar a legalidade da auto-liquidação e da liquidação que a confirmou, sendo irrelevantes possíveis motivos de indeferimento que naquela não são invocados, designadamente os que apenas forem invocados na Resposta apresentada no processo arbitral.

 

3.2.2. Questão da falta de fundamentação

 

                A Requerente imputa ao acto impugnado falta de fundamentação, por não indicar «a razão pela qual se afigura legalmente impossível a dedução do CIDTJI, em primeira linha, à derrama municipal e apenas, posteriormente, à coleta total», «facto que deixa visivelmente ameaçado o respeito pelo dever constitucional de fundamentação dos atos tributários, previsto no artigo 268.º da CRP e no artigo 77.º da LGT» (artigos 95.º a 97.º do pedido de pronúncia arbitral).

                A Administração Tributária, na sua Resposta, nada diz sobre esta matéria.

                Nos artigos 42.º a 44.º a Requerente diz ainda que a decisão da reclamação graciosa refere que «"tal procedimento é consentâneo com o disposto nos normativos legais", não especificando, contudo, os normativos legais que preveem tal procedimento» e utiliza «uma argumentação parca e claramente insuficiente».

                A exigência de fundamentação dos actos administrativos lesivos é feita no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, que estabelece, que «carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».

                Concretizando o conteúdo da fundamentação no procedimento tributário, o artigo 77.º, n.º 1, da LGT que estabelece a regra geral de que «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária».

                O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. (  )

                Assim, para a fundamentação ser considerada suficiente não é necessário que sejam apreciados todos os argumentos invocados pelos interessados no procedimento, mas sim que sejam perceptíveis as razões por que se decidiu no sentido em que se decidiu.

                Mas, por força do disposto no n.º 2 do referido artigo 77.º da LGT, «a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo». (negrito nosso).

                A indicação das disposições legais aplicáveis é, pois, um requisito mínimo da fundamentação dos acto tributários.

                No caso em apreço, como diz a Requerente, não é indicada na fundamentação da decisão da reclamação graciosa qualquer norma que possa ser interpretada como impondo que a dedução do CIDTJI à colecta de IRC, em primeiro lugar e, só depois à derrama.

                Na verdade, as únicas normas legais invocadas na fundamentação são o artigo 18.º, n.ºs 1 e 8, da Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro, e a alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do CIRC.

                Aquelas normas da Lei n.º 73/2013, estabelecem o seguinte:

                1 - Os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5 %, sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território.

                (...)

                8 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115.º do Código do IRC.

 

                É manifesto que nenhuma destas normas esclarece qual a ordem de dedução do CIDTJI ao IRC e derrama.

                A alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do CIRC estabelece o seguinte:

 

1 - A dedução a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º é apenas aplicável quando na matéria coletável tenham sido incluídos rendimentos obtidos no estrangeiro e corresponde à menor das seguintes importâncias:

 

(...)

 

b) Fração do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, acrescidos da correção prevista no n.º 1 do artigo 68.º, líquidos dos gastos direta ou indiretamente suportados para a sua obtenção.

           

                Esta alínea b) do artigo 91.º do CIRC é referida na fundamentação da decisão da reclamação graciosa para sustentar que «quando estamos perante um crédito de imposto por dupla tributação internacional, não se permite que este seja deduzido ao valor da derrama municipal, nem esta entra no cálculo da fração prevista na alínea b) do artigo 91º do CIRC».

                Mas, logo a seguir, diz-se que a alegada inadmissibilidade de dedução do CIDTJI ao valor da derrama não se aplica aos casos em que exista uma CDT e abranja a derrama: «quando o sujeito passivo tenha obtido rendimentos em país com o qual tenha sido celebrada Convenção para evitar a dupla tributação (CDT), e que sejam tributados nos dois Estados, e que aí esteja prevista a derrama municipal como imposto abrangente, a dedução do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional pode ser efetuada até à concorrência do somatório da coleta total (campo 378) e da derrama municipal (campo 364) e assim é preenchido o campo 379 do quadro 10».

                Como é óbvio, a referida alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º, que a Administração Tributária entende que até afasta completamente a possibilidade de dedução do CIDTJI à derrama, não esclarece qual a ordem pela qual se faz de dedução, nos casos em que esta se possa fazer.

                Para além de não se indicar qual a norma ou normas legais que podem levar a concluir que a dedução do CIDTJI se tem de fazer, em primeiro lugar, à colecta de IRC e, só depois, à derrama, na medida em que não possa ser deduzido à colecta de IRC, na decisão da reclamação graciosa não se explica qual o fundamento jurídico desse invocado regime que está ínsito nos campos 353, 378, 364 e 379, pois a Administração Tributária limita-se a referir que «tal procedimento é consentâneo com o disposto nos normativos legais bem como com a interpretação da AT nesta matéria».

                Naturalmente que a fundamentação suficiente, neste contexto, teria de esclarecer quais são os «normativos legais» não especificados e a razão ou razões pela qual a Administração Tributária interpreta dessa forma os «normativos legais» a que alude e não perfilha qualquer outra interpretação de quaisquer outros normativos.

                Assim, tem de se concluir que a decisão da reclamação graciosa enferma de vício de falta de fundamentação.

 

3.2.3. Questão da ordem de dedução do CIDTJI

 

                Embora as Partes teçam considerações sobre a possibilidade ou não, em geral, de dedução do CIDTJI à derrama, estão de acordo que essa possibilidade existe nos casos em que haja uma CDT que abranja a derrama, como sucede no caso em apreço, de rendimentos obtidos nos Estados Unidos da América [artigo 2.º, n.º 1., alínea a), subalínea iii) da CDT]

                Aliás, essa possibilidade de dedução do CIDTJI à derrama, nos casos em que é aplicável CDT que a abranja, está expressamente prevista nas Instruções de Preenchimento da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, aprovadas pelo Despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais n.º 984/2018, de 16-01-2018, publicado no Diário da República, II Série, de 26 de Janeiro de 2018, que se transcreveram, sendo precisamente por tal dedução à derrama se poder fazer que se coloca a questão controvertida da ordem pela qual a dedução deve ser efectuada.

                Também há acordo das Partes quanto a não existe qualquer norma de natureza legislativa que estabeleça explicitamente a ordem pela qual se faz a dedução do CIDTJI nas situações em que existe CDT.

                Na verdade, essa norma não se encontra no CIRC, que não faz referência explícita à derrama nos seus artigos 90.º e 91.º. Por isso, mesmo que se entenda que a referência à «fracção de IRC» que se faz na alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do CIRC abrange a derrama (como já se tem entendido em jurisprudência arbitral), é seguro que não se esclarece aí qual a ordem pela qual deve ser efectuada a dedução do CIDTJI, nos casos em a dedução à derrama resulta explicitamente de uma CDT.

                Por outro lado, essa ordem não se encontra prevista na CDT que se limita a dizer, no que aqui interessa:

 

Artigo 25.º

Eliminação da dupla tributação

3 - No caso de Portugal:

a) Quando um residente de Portugal obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam se tributados nos Estados Unidos (com base noutro critério que não seja o da cidadania), Portugal permitirá a dedução do imposto sobre o rendimento desse residente de uma importância igual ao imposto de rendimento pago no Estados Unidos. A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto sobre o rendimento calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados nos Estados Unidos;

 

                Nada se estabelece nesta norma sobre a ordem de dedução do CIDTJI nos casos em que há mais que um tipo de imposto sobre o rendimento, o que inculca que, na perspectiva subjacente à CDT, é indiferente a ordem pela qual se faça a dedução.

                Também nada se refere sobre esta matéria da dedução do CIDTJI ma Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro, designadamente no seu artigo 18.º. Está-se, assim, perante uma situação que não é regulada por qualquer norma de natureza legislativa.

 

                3.2.3.1. O princípio da liberdade de gestão fiscal

 

                A Requerente defende, no essencial, que «não sendo proibido, é permitido que a ordem pela qual é deduzido o CIDTJI seja estabelecida pelo respetivo sujeito passivo»

                A questão que se coloca, assim, é a de saber se, numa situação em que a lei não estabelece uma ordem de dedução do CIDTJI, o Sujeito Passivo pode optar pela ordem que entender, o que se conexiona com o princípio da liberdade de gestão fiscal, que tem sido doutrinalmente afirmado.

                Na verdade, tem sido generalizadamente reconhecida pela doutrina a liberdade de gestão fiscal, que é corolário dos princípios constitucionais enunciados nos artigos 61.º, n.º 1 (iniciativa privada), 80.º alínea c) (liberdade de iniciativa), e 86.º, n.º 2 (limitação à intervenção do Estado na gestão das empresas).

                Assim, CASALTA NABAIS ensina (  ):

– «partindo do princípio do Estado fiscal, por um lado, e das liberdades económicas fundamentais, sobretudo das liberdades de iniciativa económica e de empresa, por outro, podemos dizer que a tributação das empresas se rege pelo princípio constitucional da liberdade de gestão fiscal»;

– «o Estado fiscal, que, perspectivado a partir da comunidade organizada em que se concretiza, nos revela um Estado suportado em termos financeiros basicamente por tributos unilaterais ou impostos, visto a partir dos destinatários que o suportam, concretiza-se no princípio da livre disponibilidade económica dos indivíduos e suas organizações empresariais. Em sentido lato, este princípio exige que se permita com a maior amplitude possível a livre decisão dos indivíduos em todos os domínios da vida, admitindo-se a limitação dessa liberdade de decisão apenas quando do seu exercício sem entraves resultem danos para a colectividade ou quando o Estado tenha de tomar precauções para preservar essa mesma liberdade individual»;

– «isto requer, antes de mais, uma economia de mercado e a consequente ideia de subsidiariedade da acção económica e social do Estado e demais entes públicos.

 – «o que tem como consequência, em sede do sistema económico-social (global), que o suporte financeiro daquele(s) não decorra da sua actuação económica positivamente assumida como agente(s) económico(s), mas do seu poder tributário ou impositivo, e, em sede do (sub)sistema fiscal, o reconhecimento da livre conformação fiscal por parte dos indivíduos e empresas, que assim podem planificar a sua actividade económica sem preocupações com as necessidades financeiras da comunidade estadual, actuando de molde a obter os melhores resultados económicos em consequência do seu planeamento fiscal (tax planning)».

 

A liberdade de gestão fiscal tem limites, como assinala o mesmo Autor:

 

                «Os limites à liberdade de gestão fiscal

                 Pois bem, como acabamos de ver, a liberdade de gestão fiscal, que suporta o planeamento fiscal, constitui um princípio constitucional do maior significado e alcance em sede da tributação das empresas. Todavia, como liberdade que é, à semelhança do que ocorre com os demais direitos e liberdades, mesmo fundamentais, não pode deixar de ter limites. Por isso, essa liberdade comporta limites, não podendo ser consideradas manifestações dela as que constituam abusos da configuração jurídica dos factos tributários, provocando evasão fiscal ou fuga aos impostos através de puras manobras ou disfarces jurídicos da realidade económica". Limites que vêm sendo tratados sob o tema das cláusulas de combate as práticas de evasão e fraude fiscais, as quais frequentemente são designadas por cláusulas anti-abuso, muito embora a maioria das chamadas cláusulas especiais anti-abuso raramente se reportem a situações de verdadeiro abuso. Uma ideia que é, de resto, reconhecida na nossa ordem jurídica fiscal, tendo a mesma inequívoca expressão na circunstância de a aplicação de tais cláusulas não desencadear o procedimento específico previsto para a aplicação da cláusula anti-abuso constante do art. 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

 

                Na mesma linha, ensinam DIOGO LEITE DE CAMPOS e MÔNICA LEITE DE CAMPOS:

 

                «A gestão das famílias e empresas é também uma gestão fiscal: previsão de impostos e escolha da via fiscalmente menos onerosa compatível com os interesses visados».(   )

                «A intenção de pagar o menos imposto que se possa, nos quadros da lei, não só não é condenável, ética ou legalmente, como de algum modo é uma reacção normal dentro do princípio da gestão dos interesses pessoais e das organizações» (  )

                «As escolhas fiscais (legitimas) estão assentes no princípio da liberdade de gestão fiscal». (  )

               

                «Tratar-se-á de escolhas permitidas pela legislação fiscal que oferece ao contribuinte um leque de opções, deixando-lhe a faculdade de escolher. Daqui resulta uma subtributação em benefício do contribuinte que foi oferecida ou, pelo menos, permitida pelo legislador. É um procedimento "intra legem", ou seja, deixado à escolha do contribuinte pela própria lei fiscal. O contribuinte escolheu voluntariamente, dos instrumentos legais postos à sua disposição, aquele que mais lhe convinha. E que normalmente também é o que mais convém à Administração. É também um resultado "secundum legem": não há aqui qualquer oposição à lei, qualquer ilícito, mas sim uma mera aplicação da lei à situação concreta, e que pareceu mais favorável ao contribuinte». (  )

 

                «Aquele que gere o seu património em termos de se colocar nas situações tributadas mais pesadamente, não pode senão merecer um juízo de censura daqueles que têm interesses legítimos ou direitos em relação a esse património. Podendo mesmo incorrer na acusação de prodigalidade ou má gestão. Os consultores jurídicos e financeiros do "pai de família" e do empresário serão passíveis de censura se não aconselharem o seu cliente a levar a cabo o comportamento que seja susceptível de menor imposto». (   )

               

                Na mesma linha, ensina SALDANHA SANCHES:

 

                «O planeamento fiscal como actividade lícita e juridicamente tutelada constitui não só um direito subjectivo do sujeito passivo das obrigações fiscais, mas também uma condição necessária para a segurança jurídica nas relações tributárias. É uma condição necessária para a obtenção da segurança jurídica, pois já não estamos na época em que bastava ao contribuinte aguardar tranquilamente que um Estado, paternal e autoritário, lhe dissesse quanto devia pagar». (  )

                «Não é hoje assim: se o sujeito passivo passa a ter um ónus de planeamento e o direito subjectivo de optar entre vários comportamentos legalmente admissíveis, temos de considerar que estamos perante um direito fundamental cujo núcleo terá de ser respeitado e cujos limites terão de ser definidos.(  )

                «O planeamento fiscal consiste numa técnica de redução da carga fiscal pela qual o sujeito passivo renúncia a um certo comportamento por este estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias soluções que lhe são proporcionadas pelo ordenamento jurídico, aquela que, por acção intencional ou omissão do legislador fiscal, está acompanhada de menos encargos fiscais. O planeamento fiscal ilegítimo consiste em qualquer comportamento de redução indevida, por contrariar princípios ou regras do ordenamento jurídico-tributário, das onerações fiscais de um determinado sujeito passivo». (  )

 

Ou seja, a evolução da lei é clara no sentido de proporcionar fundamento legal para o planeamento fiscal, desde que seja praticado sem o abuso de formas jurídicas, sem negócios jurídicos artificiosos e fraudulentos, mas limitando-se a escolher a via que se encontra aberta e que lhe permite realizar economias fiscais. (   )

 

                Assim, pode concluir-se que «é legítima a minimização dos encargos fiscais operada através de práticas não abusivas, nem fraudulentas, de planeamento fiscal (tax planning). Só é legítima a actuação intra legem. O contribuinte pode, por exemplo, aproveitar os benefícios fiscais ou as exclusões tributárias previstas na lei, bem como explorar as alternativas fiscais que o ordenamento jurídico coloca à sua disposição». (  )

                Por isso, no direito tributário, a falta de regulamentação de alguma situação jurídica em que aplicação de regras se pode sobrepor ou conflituar, tem como corolário a liberdade de conformação pelos contribuintes, no exercício da sua liberdade de gestão fiscal, actuando intra legem, tendo como limite a proibição de práticas abusivas, dando-lhe, designadamente, o direito de «explorar as alternativas fiscais que o ordenamento jurídico coloca à sua disposição».

                A esta luz, afigura-se ser claro que a Requerente tinha direito a optar pela dedução do CIDTJI à derrama, antes da sua dedução à colecta de IRC.

                Na verdade, desde logo, trata-se de uma solução perfeitamente compatível o artigo 25.º, n.º 3, da CDT, que impõe que Portugal permita a dedução do CIDTJI ao «imposto sobre o rendimento», conceito este que, no contexto da CDT, abrange indistintamente o IRC e a derrama (artigo 2.º, n.º 1, da CDT).

                A dedução do CIDTJI é uma faculdade atribuída ao residente em Portugal que obtenha rendimentos tributados nos Estados Unidos da América, que, como tal, ele exercerá ou não se entender e nos termos que entender, desde que permitidos pela CDT.

                Permitindo a CDT o exercício do direito à dedução do CIDTJI indistintamente sobre o IRC ou a derrama ou ambos, é por aquela implicitamente colocada na disponibilidade do sujeito passivo a possibilidade de optar por qualquer das alternativas compatíveis com a CDT, sem deixar de agir intra legem, de harmonia com o referido princípio da liberdade de gestão fiscal, que tem fundamento constitucional, como se referiu.

                Por outro lado, colocando a CDT na disponibilidade do sujeito passivo o direito de optar por qualquer das alternativas referidas, não podia nem pode o Estado Português, enquanto estiver vinculado pela CDT, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 8.º da CRP, afastar a aplicação desse regime, introduzindo uma distinção entre o IRC e a derrama para efeito do exercício do direito à dedução do CIDTJI, restringindo ou eliminando aquela liberdade.

Num Estado de Direito, a Administração Tributária está subordinada ao princípio da legalidade, que tem suporte nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, decorre que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos» [artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT]. À face desta norma, o princípio da legalidade deixou de ter «uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa». (   )(   )

Assim, não havendo suporte legal para a proibição de dedução prioritária do CIDTJI à colecta da derrama e contrariando a liberdade dos sujeitos passivos que emerge da CDT, as referidas instruções de preenchimento da declaração modelo 22 enfermam de vício de violação de lei, que justifica a anulação da liquidação impugnada, mantida com a fundamentação pela decisão da reclamação graciosa.

 

                3.2.3.2. A solução legalmente preferida e a natureza não abusiva da opção da Requerente

 

O objectivo da opção da Requerente de maximizar os efeitos do benefício fiscal que lhe é reconhecido, por ter preenchido os pressupostos de que a lei faz depender a sua atribuição é, obviamente, legítimo, com também o é o direito a evitar a dupla tributação de rendimentos.

                Na verdade, com a possibilidade de dedução do CIDTJI sobre o valor da derrama, permitida pela CDT, visa-se legislativamente concretizar a justiça fiscal e procurar assegurar tendencialmente a igualdade dos contribuintes, manifestamente afectados pela dupla oneração da tributação dos mesmos rendimentos, o que é uma preocupação legislativa de dimensão praticamente universal, como se vê pela multiplicidade de convenções para evitar a dupla tributação em vigor na generalidade dos países.

                Por seu turno, com a atribuição do benefício fiscal do SIFIDE, pretendeu-se legislativamente assegurar objectivos extrafiscais de incentivar os investimentos em investigação e desenvolvimento, considerados factores decisivos para a competitividade das empresas e do país, bem como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, o que se refere com clareza na fundamentação da Proposta de Lei n.º 5/X e no Relatório do Orçamento do Estado para 2011:

A capacidade de investigação e desenvolvimento (I&D) das empresas é um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, facto, aliás, expressamente reconhecido no Programa do XVII Governo, assim como em relatórios internacionais recentes, nomeadamente nas conclusões do relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) “Tax Incentives for Research and Development”, 2003, e no relatório da Comissão Europeia sobre “Monitoring Industrial Research”, 2004.

(...)

Importa, pois, repor, como previsto no Programa do Governo, os incentivos fiscais de dinamização da I&D empresarial em cooperação com as Universidades e outras Instituições de investigação, que terá um papel fundamental na implementação do Plano Tecnológico. A meta apontada, de triplicar as actividades de I&D pelas empresas a laborar em Portugal, só é possível com um redobrar do apoio público às empresas que efectivamente queiram apostar na inovação científica e tecnológica como eixo central das suas estratégias de competitividade. O apoio sob a forma de incentivo fiscal terá uma importância crescente, não só por ser uma forma mais expedita para as empresas que queiram intensificar os seus investimentos de forma organizada e continuada, como por permitir alavancar os efeitos dos apoios financeiros. Nas medidas de apoio financeiro à I&D em consórcio entre empresas e instituições de investigação do QCA 3 (POCTI e POSI) foi introduzida uma componente de apoio reembolsável, que representa um passo assinalável no envolvimento das empresas nos resultados dos projectos. A reposição do SIFIDE, ao permitir deduzir parte dos reembolsos que irão efectuar às entidades financiadoras, é um justo prémio a um envolvimento que se quer crescente.

 

II.2.2.4.4. Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento

Empresarial II (SIFIDE)

 

Tendo em conta que uma das valias da competitividade em Portugal passa pela aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, a Proposta de Orçamento do Estado para 2011 propõe renovar o SIFIDE (Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial), agora na versão SIFIDE II, para vigorar nos períodos de 2011 a 2015, possibilitando a dedução à colecta do IRC para empresas que apostam em I&D (capacidade de investigação e desenvolvimento).

Dado o balanço positivo dos incentivos fiscais à I&D empresarial, e considerando também a evolução do sistema de apoio dos outros países, foi decidido rever e reintroduzir por mais cinco períodos de tributação este sistema de apoio. A I&D das empresas é um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, facto, aliás, expressamente reconhecido no Programa do XVIII Governo, assim como em vários relatórios internacionais recentes.

É neste contexto que, no panorama internacional, a OCDE considera desde 2001 Portugal como um dos três países com um avanço mais significativo na I&D empresarial. Sendo o sistema nacional vigente, comparativamente aos demais sistemas que utilizam a dedução à colecta e a distinção entre taxa base e taxa incremental, é um dos mais atractivos e competitivos.

 

Assim, tendo a Requerente desenvolvido uma actividade de I&D enquadrável na previsão leal do benefício fiscal, tem, naturalmente, direito a este, pois é a consequência jurídica prevista a lei para o preenchimento da hipótese normativa do benefício fiscal.

Por isso, é perfeitamente legítima a pretensão da Requerente de maximizar os dois direitos que a lei lhe reconhece, nesta situação.

Mas, para além de a opção da Requerente ser permitida por lei e, por isso ser ilegal a recusa da sua aceitação pela Administração Tributária e ser legítima a sua pretensão, ela é também a que melhor satisfaz os interesses públicos que se entrecruzam nesta situação (no pressuposto de que parte Requerente e aceite pela Administração Tributária de que o SIFIDE apenas é dedutível à colecta de IRC e não também de derrama).

                Numa situação em que a lei reconhece dois direitos, que são o afloramento de dois interesses públicos que a lei visa assegurar simultaneamente, e a prossecução legislativa simultânea dos dois objectivos legislativos neles ínsitos pode ser parcialmente incompaginável na sua aplicação prática, a solução interpretativa correcta é no sentido da sua harmonização e, quando ela for impossível, efectuar uma ponderada limitação parcial dos interesses conflituantes, à luz do princípio da proporcionalidade, de forma a 0bter a máxima concretização possível dos interesses legislativamente prosseguidos ou o menor sacrifício possível de qualquer deles.

                Nesta ponderação há que ter em conta que os benefícios fiscais são «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF), pelo que a optimização da prossecução do interesse publico prosseguido obtém-se com a maximização do alcance prático do benefício, isto é, maximização do incentivo ao investimento que se pretende alcançar, e não com a amplificação da arrecadação de receitas fiscais, pois este é um interesse público legislativamente considerado inferior ao interesse público extrafiscal que justifica o benefício fiscal.

                No caso em apreço (no referido pressuposto, aceite pelas Partes, de que o benefício fiscal SIFIDE não possa ser deduzido à colecta da derrama, mas apenas à de IRC), a compatibilização máxima conjunta daqueles interesses na eliminação da injustiça ínsita na dupla tributação e da maximização do incentivo à investigação e desenvolvimento que justifica o benefício fiscal do SIFIDE é atingida precisamente com a opção formulada pela Requerente e não com o método restritivo de dedução previsto nas instruções da declaração modelo 22, que restringe o direito ao benefício fiscal.

                Na verdade, por um lado, a opção da Requerente permite eliminar completamente a dupla tributação, satisfazendo plenamente o interesse de afastar a injustiça da dupla tributação dos mesmos rendimentos, e, por outro lado, não afectando, ou pelo menos diminuindo em menor medida, a concretização do benefício fiscal, satisfaz de forma mais eficiente o interesse público extrafiscal prosseguido com a criação do benefício fiscal.

                Como o ensina FRANCESCO FERRARA, toda a disposição de direito tem um escopo a realizar, quer cumprir certa função e finalidade, para cujo conseguimento foi criada. A norma descansa num fundamento jurídico, numa ratio iuris, que indigita a sua real compreensão. É preciso que a norma seja entendida no sentido que melhor responda à consecução do resultado que quer obter, pois que a lei se comporta para com a ratio iuris, como o meio para com o fim: quem quer o fim quer também os meios. (   )

Neste caso, a opção da Requerente corresponde ao meio que permite satisfazer concomitantemente os dois fins públicos cuja prossecução se entrecruza, pelo que esse é também o meio preferido pelo legislador, neste contexto, para atingir esses fins.

Por esta via se confirma que a opção da Requerente não só é legítima, como é a legislativamente preferida, numa situação deste tipo.

 

                3.2.4. Questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Administração Tributária

 

                Nos artigos 55.º a 58.º da sua Resposta, a administração tributária coloca várias questões de inconstitucionalidade, relativamente à interpretação da Requerente, que no presente acórdão se adopta.

                Embora a Administração Tributária não densifique suficientemente as imputações de inconstitucionalidade (em 17 linhas conseguiu enunciar 8 questões de inconstitucionalidade), apreciar-se-ão na medida em que for discernível o entendimento da Administração Tributária.

                Afigura-se mesmo que pelo menos algumas dessas questões terão sido colocadas por lapso, pois reportar-se-ão à questão de saber se a derrama se inclui no conceito de «fracção do IRC» utilizado na alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do CIRC, que não se coloca no presente processo, em que está assente que a dedução do CIDTJI à derrama é assegurada pela CDT.            

 

                3.2.4.1. Questões da violação do princípio do Estado de Direito democrático, da reserva da lei fiscal, e da separação de poderes, com a consequente subordinação dos tribunais à lei, o quais decorrem, nomeadamente, do disposto nos artigos 2.º, 103.º, 165.º e 202.º da CRP (artigo 55.º da Resposta).

 

                A Administração Tributária refere que «entende-se, por todo o exposto, como materialmente inconstitucional a interpretação normativa proposta pela Requerente, no sentido de incluir a derrama municipal na expressão constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do Código do IRC, para efeitos de para efeitos de eliminação da dupla tributação internacional, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º do mesmo diploma, por violação do princípio do Estado de Direito democrático, da reserva da lei fiscal, e da separação de poderes, com a consequente subordinação dos tribunais à lei, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto nos artigos 2.º, 103.º, 165.º e 202.º da CRP».

                Afigura-se que há um equívoco nessa imputação de inconstitucionalidades, pois ela reporta-se à interpretação no sentido «de incluir a derrama municipal na expressão constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do Código do IRC, para efeitos de para efeitos de eliminação da dupla tributação internacional nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º », que não está em causa no presente processo.

                Na verdade, existindo CDT, como sucede no caso dos autos, não é objecto de controvérsia, no presente processo, que a derrama deve ser considerada para eliminação da dupla tributação internacional, sendo mesmo isso que consta das instruções de preenchimento da declaração modelo 22: «Quando o sujeito passivo tenha obtido rendimentos em país com o qual tenha sido celebrada Convenção para evitar a dupla tributação (CDT) e que sejam tributados nos dois Estados, a dedução do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional pode ser efetuada até à concorrência do somatório da coleta total (campo 378) e da derrama municipal (campo 364). O que está em causa no presente processo é apenas a questão da ordem de imputação do CIDTJI sobre os valores do IRC e da derrama.

                Assim, havendo acordo das Partes quanto a estar-se perante uma situação em que o CIDTJI é potencialmente dedutível ao valor da derrama, não são pertinentes as questões de inconstitucionalidade referidas, que, não tendo aplicação ao caso em apreço, se configuram como questões de inconstitucionalidade abstracta, cuja apreciação se insere na competência do Tribunal Constitucional, através de meio processual próprio (artigo 281.º da CRP).

                Quanto à interpretação que aqui se fez do artigo 25.º, n.º 3, da CDT, é a interpretação correcta, com apoio directo no texto do artigo 25.º, n.º 3, da CDT, pelo que é a própria CRP, no seu artigo 8.º, n.º 2, que assegura a sua vigência na ordem interna.

                Por outro lado, os princípios «do Estado de Direito democrático, da reserva da lei

fiscal, e da separação de poderes, com a consequente subordinação dos tribunais à lei, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto nos artigos 2.º, 103.º, 165.º e 202.º da CRP» invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não se opõem àquela interpretação.

                Na verdade, o princípio do Estado de Direito democrático impõe, decerto, a observância dos compromissos internacionais assumidos pelo Estado Português, designadamente através das CDT, e não a sua violação.

                No que concerne ao princípio da reserva de lei em matéria de impostos, a que se reportam os artigos 103.º e 165.º, n.º 2, da CRP, impõe a rejeição das restrições à aplicação da CDT adoptadas nas instruções sobre o preenchimento da declaração modelo 22 e não a solução nelas prevista.

                Na verdade, trata-se de matéria que, como se disse, está conexionada com a amplitude de um benefício fiscal (SIFIDE) (por a diminuição da colecta de IRC diminuir o alcance do benefício fiscal), que só poderia ser validamente regulada por lei em sentido formal ou decreto-lei autorizado pela Assembleia da República, de harmonia com o disposto nos artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), e 198.º n.º 1, alínea b), da CRP, e não por simples despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ao aprovar as instruções de preenchimento da declaração modelo 22.

                É em relação às normas emitidas pelo poder legislativo e pela Administração e não às condutas dos contribuintes que se coloca o princípio da reserva de lei, invocado pela Administração Tributária, pois ele visa obstar à emissão de normas de qualquer natureza à margem do consentimento da Assembleia da República e não limitar as possibilidades de opção dos contribuintes pelas alternativas de gestão fiscal que lhe são proporcionadas pelas CDT, quanto aos pontos nelas não regulamentados.

                A esta luz, quanto ao princípio da reserva de lei, invocado pela Administração Tributária, o que se verifica é que o do n.º 2 do artigo 117.º do Código do IRC, ao abrigo do qual foi emitido o Despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais n.º 984/2018, de 16-01-2018, publicado no Diário da República, II Série, de 26 de Janeiro de 2018, é que será materialmente inconstitucional, por ofensa dos referidos artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), e 198.º, n.º 1, alínea b), da CRP se interpretado como permitindo que, «no despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças» que se prevê que aprove o modelo oficial de declaração periódica de rendimentos, sejam introduzidas restrições ao alcance de benefícios fiscais, quer a nível das instruções de preenchimento, quer por via de limitação das possibilidades de opção proporcionadas aos contribuintes pelo sistema informático. À mesma conclusão sobre a inconstitucionalidade material do artigo 117.º, n.º 2, da CRP, na referida interpretação, conduz o n.º 5 do artigo 112.º da CRP, que, noutra vertente do princípio da reserva de lei, proíbe que qualquer lei crie «outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos». Por isso, também por esta via, o artigo 117.º, n.º 2, do CIRC será materialmente inconstitucional, na interpretação defendida pela Administração Tributária por violar o princípio da reserva de lei.

                Se se interpretar este artigo 117.º, n.º 2, do CIRC como permitindo apenas a aprovação das declarações previstas no seu n.º 1 sem qualquer inovação em relação ao regime substantivo vigente, como será correcto, o referido Despacho será ilegal por ofender o princípio da hierarquia das normas, que emana daquele n.º 5 do artigo 112.º da CRP. Na verdade, «é a Constituição e não a lei que estabelece a hierarquia normativa. São por isso inconstitucionais as normas legais que infrinjam a proibição de delegação, sendo consequentemente ilegais os regulamentos que porventura sejam emitidos ao abrigo dessa delegação. (   )

                No que concerne ao princípio «da separação de poderes, com a consequente subordinação dos tribunais à lei» e à invocação do artigo 202.º da CRP pela Administração Tributária, nem é perceptível com exactidão o que defende. De qualquer modo, a presente decisão é proferida por um Tribunal, pelo que tem carácter jurisdicional, e, no exercício do poder jurisdicional, é aos Tribunais que incumbe interpretar e aplicar as leis. No caso em apreço, este Tribunal interpretou o artigo 25.º, n.º 3, da CDT, da forma que entendeu correcta, fundamentadamente, e não da forma como terá sido entendido nas instruções de preenchimento da declaração modelo 22 (se é que a restrição que nelas se faz à dedução do CIDTJI é uma interpretação da CDT e não pura e simplesmente uma intervenção regulamentar inovadora em matéria de natureza legislativa). E, naturalmente, o princípio da separação de poderes impõe aos tribunais arbitrais, que são órgãos independentes e apenas sujeitos à lei (artigos 203.º e 209.º, n.º 2, da CRP), que apliquem nos seus julgamentos a sua própria interpretação da lei e não a que a Administração Tributária eventualmente adoptaria se fosse a ela e não aos tribunais que a lei atribuísse poder jurisdicional. Por isso, a presente decisão arbitral é uma concretização do princípio da separação de poderes.

 

3.2.4.2. Violação dos princípios da legalidade tributária e da igualdade tributária (artigo 56.º da Resposta)

 

Também não é claro o alcance exacto da afirmação da Administração Tributária, ao dizer que «reputa-se tal interpretação normativa de materialmente inconstitucional, também por violação do princípio da legalidade tributária, na vertente da generalidade e abstração da lei fiscal, decorrentes do princípio da legalidade e enquanto instrumentos da igualdade fiscal e, portanto, igualmente por violação do princípio da igualdade tributária, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto no artigo 13.º e no artigo 103.º da CRP».

O artigo 25.º, n.º 3, da CDT é, manifestamente, uma norma, tendo natureza geral e abstracta.

As interpretações que dele façam os tribunais arbitrais são, por natureza, casuísticas, pois qualquer julgamento se reconduz, em última análise, a aplicar a lei, geral e abstracta, a uma situação concreta. De qualquer forma, não tendo este Tribunal Arbitral poderes para declarar uma interpretação com força obrigatória geral, não se vê como possa merecer censura não fazer uma interpretação com generalidade e abstracção, características dos actos de natureza normativa e não das decisões jurisdicionais sem força obrigatória geral.

Quanto à alegada violação do artigo 13.º da CRP, que enuncia o princípio da igualdade, não se vê como possa ser violado, pois, obviamente, sendo a interpretação do artigo 25.º, n.º 3, da CDT efectuada a correcta, ela é aplicável à generalidade dos contribuintes, a que se aplique a CDT e que beneficiem do SIFIDE. A única possível violação do princípio da igualdade que se entrevê nesta matéria de dedução do CIDTJI encontra-se na própria interpretação da Administração Tributária sobre a dedução do CIDTJI, ao restringir a extensão da dedutibilidade à derrama aos casos em que há CDT, pois poderá entender-se que implica uma discriminação negativa injustificada dos contribuintes que não tenham créditos provenientes de países com os quais foi celebrada CDT em relação aos restantes. Mas, esta questão de hipotética violação do princípio da igualdade é de natureza meramente abstracta, pois no caso em apreço, trata-se de uma situação em que existia CDT que abrange a derrama.

 

                3.2.4.3. Inconstitucionalidade por violação do princípio da autonomia financeira das autarquias locais, consagrado no artigo 238.º da CRP

 

                Tudo o que a administração tributária diz sobre esta inconstitucionalidade é: «Reputa-se, ainda, tal interpretação normativa de materialmente inconstitucional por violação do princípio da autonomia financeira das autarquias locais, consagrado no artigo 238.º da CRP».

                Não são perceptíveis as razões pelas quais a Administração Tributária entende que a ordem de imputação do CIDTJI ao IRC e derrama viola o princípio da autonomia financeira das autarquias locais

                De qualquer forma, nestes casos em que há CDT, a própria Administração Tributária reconhece que o CIDTJI é dedutível à derrama, estando em discussão apenas a ordem da dedução.

                Por outro lado, nestes casos, é a própria CRP que, no n.º 2 do seu artigo 8.º, reconhece que a CDT vigora na ordem interna, sobrepondo-se ao direito interno, o que, neste caso, tem como corolário que o direito a deduzir o CIDTJI se sobreponha aos interesses financeiros das autarquias locais.

                Assim, não ocorre violação daquele princípio.  

 

                3.2.4.4. Inconstitucionalidade por violação do princípio da prevalência do direito internacional, previsto no artigo 8.º da CRP (artigo 58.º da resposta)

               

                Sobre esta inconstitucionalidade a Administração Tributária diz apenas isto: «Por fim, reputa-se de materialmente inconstitucional a interpretação normativa propugnada pela Requerente por violação do princípio da prevalência do direito internacional, previsto no artigo 8.º da CRP».

                Como se disse, a interpretação correcta do artigo 25.º, n.º 3, da CDT é a que aqui se fez, pelo que ela não envolve violação do artigo 8.º da CRP, sendo, antes afirmação da prevalência do direito internacional, imposta pelo seu n.º 2.

 

3.3. Conclusão

 

Pelo exposto, conclui-se que a liquidação impugnada, mantida no ordem jurídica com a fundamentação que consta da decisão da reclamação graciosa, enferma de vícios de falta de fundamentação e violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, que justificam a sua anulação.

O facto de «quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115.º do Código do IRC», nos termos do artigo 18.º, n.º 6, da Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro (republicada pela Lei n.º 51/2018, de 16 de Agosto), não constitui obstáculo à pretensão anulatória da Requerente, pois nos termos do referido artigo 115.º do CIRC, é a sociedade dominante quem tem a obrigação de pagamento.

Procedem, assim, os pedidos de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa proferida no âmbito do processo n.º ...2019... e de anulação parcial do acto de liquidação de IRC n.º 2018..., que aquela manteve.

 

4. Restituição das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede o reembolso da importância de € 446.101,07, a título de imposto pago indevidamente no período de tributação de 2017 e ainda juros indemnizatórios.

A Requerente pagou a quantia a pagar reativam ao exercício de 2017 através de autoliquidação, como se refere na liquidação que consta do documento n.º 2 (linha 31).

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária». O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como os juros indemnizatórios dependem da existência de um montante a reembolsar, insere-se também na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD determinar a restituição de quantias indevidamente pagas, como consequência da anulação de actos de liquidação.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição das quantias pagas acrescidas de juros indemnizatórios.

 

4.1. Restituição de quantias pagas

 

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral quanto aos pedidos de anulação da decisão da reclamação graciosa e anulação parcial da liquidação de IRC, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia paga em excesso no montante de € 446.101,07, correspondente à derrama municipal a que poderia ter deduzido o CIDTJI.

 

4.2. Juros indemnizatórios

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2. Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

O erro que afecta a liquidação é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que emitiu instruções de preenchimento da declaração modelo 22 com ilegalidade quanto à ordem de dedução do CIDTJI e impôs a utilização de um sistema informático que não permitia à Requerente deixar de seguir essas instruções.

Trata-se de uma situação que, por mera interpretação declarativa, se enquadra no n.º 2 do artigo 43.º da LGT, inclusivamente por maioria de razão, pois nem deixava à Requerente a possibilidade de não seguir essas instruções.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.

 Os juros indemnizatórios são calculados com base no valor de 446.101,07, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal), desde a data em que foi efectuado o pagamento da quantia liquidada até ao integral reembolso.

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa proferida no âmbito do processo n.º ...2019...;

c)            Anular parcialmente o acto de liquidação de IRC n.º 2018..., emitido em 15 de Outubro de 2018, decorrente da submissão da Declaração de Rendimentos (Modelo 22) de IRC com a identificação nº..., na parte correspondente a valor da derrama municipal, no montante de € 446.101,07.

d)           Julgar procedente o pedido de restituição da quantia paga, quanto ao valor de € 446.101,07, e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar o seu pagamento à Requerente;

e)           Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente esses juros calculados sobe a quantia de € € 446.101,07, nos termos referidos no ponto 4.2. deste acórdão.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 446.101,07.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.038,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 30-10-2020

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Fernando Borges de Araújo)

(Rui Miguel Zeferino Ferreira)