Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 142/2012-T
Data da decisão: 2013-04-26  IVA  
Valor do pedido: € 310.019,71
Tema: Sujeição a IVA da atividade de cedência de pessoal
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Processo n.º 142/2012-T

 

Acordam os Árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Árbitro Presidente), Dr. António Nunes dos Reis e Prof. Doutor Diogo Leite de Campos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral:

 

  1. Relatório

 

A – …, SGPS, S.A., com sede em …, pessoa colectiva n.º …, sociedade incorporante da B…, S.A., com o número de identificação de pessoa colectiva e de matrícula …, com sede na Rua … Loures, (de ora em diante "Requerente"), veio, ao abrigo dos artigos 10.º e 2.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, ("RJAT"), e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, para pronúncia arbitral sobre os actos tributários de liquidação, identificados com os n.ºs …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, relativos a Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante, "IVA"), dos anos de 2008 a 2010, no montante total de € 317.077,51 (trezentos e dezassete mil e setenta e sete Euros e cinquenta e um cêntimos), bem como dos actos tributários de liquidação, identificados com os n.ºs …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, relativos a juros compensatórios correspondentes aos períodos supra mencionados, no montante total de € 17.189,88 (dezassete mil, cento e oitenta e nove Euros e oitenta e oito cêntimos), cuja reclamação graciosa foi objecto de indeferimento do qual foi notificada através o Oficio n.º …, de 31.05.2011.

A Requerente imputa aos actos impugnados vícios de erros sobre os pressupostos de facto e de direito e de falta de fundamentação e, para o caso de se julgar necessário, pede reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia.

 

A Requerente termina a sua petição inicial pedindo a anulação das liquidações adicionais referidas, relativas a IVA e juros compensatórios, nos valores, respectivamente, de € 295.717,68 e de € 14.302,03, referente aos períodos de tributação de 2008, 2009 e 2010, bem como o pagamento dos respectivos juros indemnizatórios, por pagamento indevido de prestação tributária.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Árbitro Presidente), o Dr. António Nunes dos Reis e o Prof. Doutor Diogo Leite de Campos, que comunicaram a aceitação do encargo.

Em 12-12-2012 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 13-02-2013.

Em 18-3-2013, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defende que os pedidos devem ser julgados improcedentes, com a sua absolvição dos pedidos.

Em suma, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende que as operações de participação da Requerente no capital de outras empresas não constituem uma actividade económica para efeito de IVA, pelo que não é dedutível o IVA suportado com ela conexionado.

No dia 8-04-2013, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que se decidiu haver lugar a produção de prova testemunhal e alegações orais, que vierem a ter lugar em 17-04-2013.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.

Tudo visto, cumpre proferir decisão.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

  1. A B.., S.A. (doravante “B.., SA”), que veio a ser incorporada na Requerente, detinha participações sociais em empresas cuja actividade principal se traduz na recolha e transformação de todo o tipo de subprodutos animais (designadamente, na C, … SA, na D…, SA, na, E…SA, e D… AS) e na recolha e gestão de óleos alimentares usados (a F … LDA) processo de inspecção junto aos autos);

  2. Na sequência da análise interna que surgiu no âmbito do controlo e avaliação do pedido de reembolso de IVA, do período de 10/08T, no valor de €40.973,35, apresentado pela B …, SA, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu verificar-se a existência de situações susceptíveis de correcção para os anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, o que originou a abertura de ordens de serviço (…, …, … respectivamente) de âmbito interno e parcial (IVA) a esses exercícios (processo de inspecção junto aos autos);

  3. Foi apurado pela inspecção tributária que a B …, SA efectuou aquisições de outros bens ou serviços à taxa normal desde 03/12T até 10/08T, apresentou operações activas de imposto desde 06/12T até 08/09T, começando a apresentar IVA liquidado a partir de 08/12T (processo de inspecção junto aos autos);

  4. No âmbito da sua actividade, a B… SA prestava serviços de gestão às empresas subsidiárias, sendo, até Novembro de 2008, os montantes a pagar por estas, referentes à cedência de pessoal, debitados pelo custo suportado pela B… SA, sem IVA;

  5. A partir de Novembro de 2008, na sequência de alterações internas, foi decidido pela nova Administração que os custos com o pessoal suportados pela B … SA deviam ser reavaliados e debitados acrescidos de uma margem, sujeitos a liquidação de IVA (processo de inspecção junto aos autos);

  6. As deduções de IVA apresentadas pela B … SA que foram objecto de correcção pela Autoridade Tributária e Aduaneira dizem respeito aos referidos custos relativos à cedência de pessoal, a partir de Novembro de 2008 (relatório da inspecção tributária junto aos autos);

  7. A Inspecção Tributária entendeu que tais operações de cedência de pessoal não necessitam de custos sujeitos a IVA, por terem como suporte apenas os ordenados do pessoal cedido com uma margem de lucro, bem como a refacturação de alguns custos (relatório da inspecção tributária junto aos autos);

  8. A Inspecção Tributária entendeu que, não respeitando as despesas sujeitas a IVA à cedência de pessoal, respeitavam à actividade principal "operações de participação no capital de outras empresas” (relatório da inspecção tributária junto aos autos);

  9. Foram efectuadas as correcções propostas pela Inspecção Tributária dando origem às seguintes liquidações (documentos n.ºs 1 e 2, juntos com o pedido de pronúncia arbitral cujos teores se dão como reproduzidos);

– n.º …, de IVA relativo ao período 0803T, no montante de € 2.957,23, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 327,97;

– n.º …, de IVA relativo ao período 0806T, no montante de € 844,13, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 84,83;

– n.º …, de IVA relativo ao período 0809T, no montante de € 23.456.09, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 2.123,26;

– n.º …, de IVA relativo ao período 0812T, no montante de € 29.272.29, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 2.357,82;

– n.º …, de IVA relativo ao período 0903T, no montante de € 18.200,47, e n.º v, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 1.290,49;

– n.º …, de IVA relativo ao período 0906T, no montante de € 28.698,69, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 1.739,22;

– n.º …, de IVA relativo ao período 0909T, no montante de € 24.303,80, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 1.230,50;

– n.º …, de IVA relativo ao período 0912T, no montante de € 42.863,85, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 1.742,74;

– n.º …, de IVA relativo ao período 1001, no montante de € 16.106,16, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 610,52;

– n.º …, de IVA relativo ao período 1002, no montante de € 17.643,40, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 609,06;

– n.º …, de IVA relativo ao período 1003, no montante de € 18.144,83, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 570,69;

– n.º …, de IVA relativo ao período 1004, no montante de € 18.203,70, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 508,71;

– n.º …, de IVA relativo ao período 1005, no montante de € 16.293,47, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 399,97;

– n.º …, de IVA relativo ao período 1006, no montante de € 17.788,56, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 380,14;

– n.º …, de IVA relativo ao período 1007, no montante de € 6.128,22, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 110,14;

– n.º …, de IVA relativo ao período 1008, no montante de € 14.817,79, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 215,97;

  1. Em 20-10-2011, a B …SA apresentou reclamação graciosa das liquidações referidas na alínea anterior (reclamação junta ao processo);

  2. A reclamação graciosa referida na alínea anterior foi indeferida por despacho de 29-5-2012, do Senhor Director de Finanças Adjunto de …, em regime de substituição, notificado à B … SA em 11-6-2012 (processo de reclamação graciosa junto ao presente processo);

  3. Em 12-7-2012, a B... SA interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (processo de recurso hierárquico junto ao presente processo);

  4. O recurso hierárquico referido na alínea anterior não foi decidido até 10-12-2012, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo;

  5. Em 30-5-2011, a Requerente pagou as quantias a que se reportam as liquidações indicadas na alínea i) (documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  6. Os serviços prestados pela B... SA às suas participadas tinham natureza administrativa e financeira, designadamente apoio à contabilidade, apresentação de contas, cumprimento de obrigações fiscais, definição de estratégia de grupo e logística (depoimento da testemunha …);

  7. A B... SA efectuou pagou à …– Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, Lda e à …S.A., as quantias indicadas nos documentos de fls. 43 a 48 do documento denominado «P 142 T 2012 – AT – Processo inspectivo 2.pdf», cujos teores se dão como reproduzidos, relativas, como nesses documentos se indica, a elaboração de relatórios de preços de transferência, a apoio ao processo negocial do Grupo B... com a G…, apoio ao processo de preparação para o Due diligence e apoio à contratação e consultadoria no âmbito do processo de gestão e acompanhamento de cadáveres de suínos (documentos referidos);

  8. Em 4-5-2000, a Direcção de Serviços do IVA emitiu o Ofício-Circulado 30019, de que consta o seguinte:

IVA – CEDÊNCIA DE PESSOAL

Com vista à necessária uniformidade de procedimentos comunica-se que por despacho concordante de Sua Exª o Ministro das Finanças (nº 384/99-XIII, de 13.10.99), foi sancionado o seguinte entendimento:

1. Atendendo à natureza residual e, consequentemente, ampla do conceito de prestação de serviços consignado no nº 1 do artº 4º do Código do IVA, em princípio, as operações de cedência de pessoal qualificam-se como operações sujeitas a tributação.

2. Subsumem-se na norma acima citada todas as situações em que materialmente existe uma colocação de pessoal à disposição, independentemente de tais operações se qualificarem, ou não, em termos jurídicos, como sendo de cedência de pessoal e apesar de os respectivos trabalhadores manterem os seus vínculos laborais originários com as correspondentes entidades patronais.

3. Face à doutrina veiculada pelo ofício-circulado nº 32 344, de 14.10.86, "o simples débito ao Estado, a um sindicato ou outra entidade pública ou organismo sem finalidade lucrativa, da importância correspondente aos vencimentos de um funcionário por esses organismos requisitado, cujo pagamento fora antes efectuado pela empresa, deve considerar-se um simples reembolso de despesas efectuadas, não existindo a prestação de qualquer serviço nem, por conseguinte, a sujeição a IVA".

4. Esta doutrina administrativa, ou seja, a inexistência de prestação de serviços e, consequentemente, a não sujeição a imposto, é igualmente aplicável em todas as situações em que o montante debitado comprovadamente corresponda ao reembolso exacto de despesas com ordenados ou vencimentos, quotizações para a segurança social e quaisquer outras importâncias obrigatoriamente suportadas pela empresa a que pertence o trabalhador, por força de contrato de trabalho ou previstas na legislação aplicável (v.g. prémios de seguros de vida, complementos de pensões, contribuições para fundos de pensões, etc.).

 

2.2. Fundamentação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos ao processo, identificados relativamente a cada facto e, no ponto indicado, com fundamento no depoimento da testemunha … que aparentou depor com isenção e com conhecimento profundo da actividade da B... SA.

 

 

2.3. Factos não provados

 

Não se provou que as despesas efectuadas com a …– Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, Lda e com a … S.A. não fossem necessárias ao funcionamento do grupo de empresas em que a B… SA se inseria e negociações tendentes à sua incorporação na G … .

 

3. Matéria de direito

 

De harmonia com o art. 2.º da Directiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28-11-2006, estão sujeitas ao IVA, para além de outras, as operações de entregas de bens efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, as aquisições intracomunitárias de bens efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro, as prestações de serviços efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade e as importações de bens.

Na mesma linha o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) estabelece, no seu art. 1.º, que estão sujeitas a este imposto as transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, as importações de bens e as operações intracomunitárias efectuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias.

Nos termos do art. 9.º da Directiva «entende-se por "sujeito passivo" qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma actividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa actividade» e «entende-se por "actividade económica" qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada actividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência».

O CIVA estabelece que são sujeitos passivos, além de outras, «as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC)».

O direito à dedução surge no momento em que o imposto se torna exigível (art. 167.º da Directiva n.º 2006/112/CE e art. 22.º n.º 1, do CIVA) e, em regra, só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de operações tributadas (arts. 168.º da Directiva n.º 2006/112/CE e art. 20.º, n.º 1, do CIVA).

Porém, na sequência da jurisprudência recente do Tribunal de Justiça da União Europeia, deverá entender-se que é admissível «um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo» (acórdão 6-9-2012 do proferido no processo n.º C-496/11, citando jurisprudência anterior do TJCE adoptada nos acórdãos Kretztechnik, n.º 36, Investrand, n.º 24, e SKF, n.º 58). ( 1 )

A questão que é objecto do presente processo é a de saber se a B... SA (que foi incorporada pela Requerente), podia deduzir o IVA que deduziu, relativamente à cedência de pessoal que fez em relação a empresas suas subsidiárias, a partir de Novembro de 2008.

De harmonia com o preceituado no artigo 68.º-A, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), «a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias».

Este artigo 68.º-A foi aditado à Lei Geral Tributária pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor em 1-1-2009, nos termos do seu art. 174.º. No entanto, já anteriormente existia norma semelhante, na alínea b) do n.º 4 do artigo 68.º da LGT, que estabelecia que a administração tributária está vinculada «às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza emitidas sobre a interpretação das normas tributárias que estiverem em vigor no momento do facto tributário».

Assim, independentemente de ser ou não correcta a interpretação da lei constante de orientações genéricas, tem de se concluir que enfermam de vício de violação de lei, por incompatibilidade com os citados artigos 68.º, n.º 4, alínea b), e 68.º-A, n.º 1, os actos que a Administração Tributária pratique em dissonância com essas orientações.

Como resulta da matéria de facto fixada, a partir de Novembro de 2008, os serviços prestados pela B... SA às suas participadas através de cedência de pessoal, que foram debitados a estas com base no seu custo acrescido de uma margem, constituem prestação de serviços, sujeita a IVA, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do CIVA, que estabelece que «são consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens».

Por isso, resultando claramente do referido ofício circular que a Administração Tributária se vinculou a apenas não considerar como prestação de serviços os casos em «que o montante debitado comprovadamente corresponda ao reembolso exacto de despesas com ordenados ou vencimentos, quotizações para a segurança social e quaisquer outras importâncias obrigatoriamente suportadas pela empresa a que pertence o trabalhador», tem de concluir-se que não pode a Administração Tributária deixar de considerar que a cedência de pessoal constitui actividade sujeita a IVA.

Por outro lado, não se vislumbra como pode tal actividade referida ser enquadrável na isenção prevista no artigo 9.º, n.º 28 do CIVA que (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 120/2008, de 20 de Junho, já vigente à data em que ocorreu a acção de inspecção e ainda actualmente em vigor) se reporta a «as operações de seguro e resseguro, bem como as prestações de serviços conexas efectuadas pelos corretores e intermediários de seguro».

Mesmo que se possa aventar tratar-se de um lapso e que a Administração Tributária pretendia reportar-se ao n.º 28 do artigo 9.º do CIVA na redacção anterior (a que corresponde na nova redacção o n.º 27), não se vê em qual das situações aí indicada poderia enquadrar-se a situação, pois aí refere-se isenção de IVA para as operações seguintes:

a) A concessão e a negociação de créditos, sob qualquer forma, compreendendo operações de desconto e redesconto, bem como a sua administração ou gestão efectuada por quem os concedeu;

b) A negociação e a prestação de fianças, avales, cauções e outras garantias, bem como a administração ou gestão de garantias de créditos efectuada por quem os concedeu;

c) As operações, compreendendo a negociação, relativas a depósitos de fundos, contas correntes, pagamentos, transferências, recebimentos, cheques, efeitos de comércio e afins, com excepção das operações de simples cobrança de dívidas;

d) As operações, incluindo a negociação, que tenham por objecto divisas, notas bancárias e moedas, que sejam meios legais de pagamento, com excepção das moedas e notas que não sejam normalmente utilizadas como tal, ou que tenham interesse numismático;

e) As operações e serviços, incluindo a negociação, mas com exclusão da simples guarda e administração ou gestão, relativos a acções, outras participações em sociedades ou associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias e dos títulos representativos de operações sobre bens imóveis quando efectuadas por um prazo inferior a 20 anos;

f) Os serviços e operações relativos à colocação, tomada e compra firmes de emissões de títulos públicos ou privados;

g) A administração ou gestão de fundos de investimento;

 

Aliás, a Autoridade Tributária e Aduaneira não indica sequer em qualquer das actuais sete alíneas entende que é possível enquadrar a situação dos autos, pelo que, a entender-se que pretendia reportar-se a este n.º 27, estar-se-ia perante uma situação de manifesta falta de fundamentação dos actos impugnados, já que não é possível descortinar quer a disposição legal (alínea) que a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou aplicável, quer as razões porque entendeu enquadrar-se nessa desconhecida norma e não noutra qualquer.

Não se vê também como a actividade que se provou ter sido desenvolvida pela B... SA em relação às suas participadas possa ser qualificada como «investimentos em participação no capital das empresas participadas», já que não há qualquer relação entre a actividade que se provou existir e a aquisição ou detenção de participações sociais.

Designadamente, no que concerne às despesas com a …– Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, Lda e com a …S.A., reportam-se a elaboração de relatórios de preços de transferência, a apoio ao processo negocial do Grupo B... com a G…, apoio ao processo de preparação para o Due diligence e apoio à contratação e consultadoria no âmbito do processo de gestão e acompanhamento de cadáveres de suínos (fls. 43 a 48 do documento denominado «P 142 T 2012 – AT – Processo inspectivo 2.pdf»), pelo que não têm a ver com participação da B... SA no capital das suas participadas, em que nem sequer se inclui a G … .

Assim, é de concluir que aquela actividade de cedência de pessoal é uma actividade sujeita a IVA e não isenta e não se provou existir qualquer outra actividade que se enquadre em qualquer isenção, designadamente nos n.ºs 27 ou 28 do artigo 9.º do CIVA.

Por outro lado, como se referiu, deverá entender-se, com o Tribunal de Justiça da União Europeia, que é admissível «um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo». Na verdade, como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no art. 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o art. 234.º do Tratado de Roma, anterior art. 177.º), a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o direito da União. ( 2 )

À face desta jurisprudência, as despesas com a aquisição de serviços de consultadoria, destinados ao funcionamento global do grupo de empresas, devem considerar-se como estando relacionadas directamente com o conjunto da actividade económica da B... SA e, consequentemente, desta podia deduzir o IVA respectivo.

Assim, tem concluir-se que tem cobertura legal a dedução pela B... SA de todo o IVA suportado com serviços e bens adquiridos que tenham nexo directo e imediato com os serviços prestados às suas participadas com direito a dedução ou que, não tendo nexo directo e imediato com determinados serviços, seja IVA suportado com custos que fazem parte das despesas gerais da B... SA que tenham nexo directo e imediato com o conjunto da sua actividade económica.

No que concerne à dispensabilidade destas despesas alegada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, é sobre ela que recai o ónus da prova do que invoca (artigo 74.º, n.º 1, da LGT), sendo certo que um non liquet em processo jurisdicional sobre essa matéria tem de ser processualmente valorado a favor do contribuinte e não contra ele, por força do preceituado no n.º 1 do artigo 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

Pelo exposto, concluir-se que enferma de erro de interpretação do artigo 20.º, n.º 1, do CIVA a posição assumida pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao defender que a B... SA não podia deduzir o IVA que deduziu relativamente à prestação de serviços às suas participadas através da cedência de pessoal.

Esse erro configura vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito que justifica a anulação dos actos de liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida [artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT].

 

4. Questões prejudicadas

 

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com base no vício erro sobre os pressupostos de direito, por violação do artigo 20.º, n.º 1, do CIVA, que assegura efectiva e estável tutela dos direitos do Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados.

Na verdade, como está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no citado artigo 124.º do CPPT, julgado procedente um vício que obste à renovação do acto impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados. Com efeito, se fosse sempre necessário conhecer de todos os vícios imputados aos actos tributários seria indiferente a ordem pela qual o seu conhecimento se fizesse.

Por isso, julgado procedente o pedido com fundamento num vício de violação de lei que impede a renovação dos actos impugnados com o mesmo sentido, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados.

 

5. Juros indemnizatórios

 

A Requerente pede juros indemnizatórios, como consequência da anulação das liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Cumpre, assim, apreciar o pedido de juros indemnizatórios.

Resulta claro da matéria de facto fixada que as ilegalidades dos actos de liquidação de IVA e juros compensatórios são imputáveis à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, efectuou as correcções e as subsequentes liquidações sem suporte legal, relativamente aos períodos a partir de Novembro de 2008.

Está-se perante vícios de violação de lei substantiva, consubstanciado em erros nos pressupostos de direito, imputáveis à Administração Tributária

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia de € 310.019,71, desde 30-05-2011 (data dos pagamentos), até ao integral reembolso do referido montante.

 

6. Decisão

 

Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

a) julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b) anular das seguintes liquidações:

– n.º …, de IVA relativo ao período 0803T, no montante de € 2.957,23, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 327,97;

– n.º …, de IVA relativo ao período 0806T, no montante de € 844,13, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 84,83;

– n.º …, de IVA relativo ao período 0809T, no montante de € 23.456.09, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 2.123,26;

– n.º …, de IVA relativo ao período 0812T, no montante de € 29.272.29, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 2.357,82;

– n.º …, de IVA relativo ao período 0903T, no montante de € 18.200,47, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 1.290,49;

– n.º …, de IVA relativo ao período 0906T, no montante de € 28.698,69, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 1.739,22;

– n.º …, de IVA relativo ao período 0909T, no montante de € 24.303,80, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 1.230,50;

– n.º …, de IVA relativo ao período 0912T, no montante de € 42.863,85, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 1.742,74;

– n.º …, de IVA relativo ao período 1001, no montante de € 16.106,16, e n.º v, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 610,52;

– n.º …, de IVA relativo ao período 1002, no montante de € 17.643,40, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 609,06;

– n.º …, de IVA relativo ao período 1003, no montante de € 18.144,83, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 570,69;

– n.º …, de IVA relativo ao período 1004, no montante de € 18.203,70, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 508,71;

– n.º …, de IVA relativo ao período 1005, no montante de € 16.293,47, e n.º v, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 399,97;

– n.º …, de IVA relativo ao período 1006, no montante de € 17.788,56, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 380,14;

– n.º …, de IVA relativo ao período 1007, no montante de € 6.128,22, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 110,14;

– n.º …, de IVA relativo ao período 1008, no montante de € 14.817,79, e n.º …, dos respectivos juros compensatórios, no montante de € 215,97;

 

c) julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios à taxa legal calculados sobre a quantia de € 310.019,71 desde 30-5-2011, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar estes pagamentos.

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 310.019,71.

 

8. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.508,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 26-4-2013

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

(António Nunes dos Reis)

 

 

(Diogo Leite de Campos)

1(  ) Embora o acórdão tenha sido emitido aplicando o regime da 6.ª Directiva (n.º 77/388/CEE, de 17-5-1977) que foi revogada pela Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que entrou em vigor em 1-1-2007, o regime desta é essencialmente semelhante à anterior, no que aqui interessa, pelo que se deve fazer aplicação daquela jurisprudência à situação dos autos, apesar de estarem em causa factos ocorridos em 2008. 2009 e 2010.

2(  ) Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, página 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2593.