Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 411/2023-T
Data da decisão: 2023-12-05  IRS  
Valor do pedido: € 68.623,75
Tema: IRS – Extinção da instância – Impossibilidade superveniente da lide.
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SUMÁRIO

  1. Da revogação do ato de liquidação pela AT, através da qual o sujeito passivo obteve a plena satisfação do seu pedido, resulta a impossibilidade superveniente da lide, que constitui causa de extinção da instância, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  2. Quando a AT comunicar a revogação do ato de liquidação após a constituição do Tribunal Arbitral, as custas são da sua responsabilidade, por lhe ser imputável a impossibilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância (cf. artigo 536.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (presidente), Dra. Ana Teixeira de Sousa e o Dr. Gonçalo Marquês de Menezes Estanque (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 14-08-2023, acordam no seguinte:

 

I.RELATÓRIO

A..., com o NIF ... (doravante “Requerente”), veio, em 02-06-2023, requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”), contra a liquidação de IRS e juros compensatórios respeitante ao ano de 2017, com os números 2021 ... e 2021..., nos montantes de € 60.437,39 e € 8.186,36 respetivamente, que foram objeto de reclamação graciosa (autuado com o n.º ...2022...), indeferida pelo Diretor de Finanças da Justiça Tributária de Faro por despacho de 01-03-2023, comunicado através do Ofício n.º..., datado de 02-03-2023, pretendendo a respetiva declaração de ilegalidade e anulação.

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante também designada por “Requerida” ou “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 02-06-2023, e notificado à AT de seguida.

Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a), no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e no artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo.

As Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 14-08-2023.

Notificada para responder, a Requerida veio, em 03-10-2023 solicitar a prorrogação do prazo para a apresentação de Resposta porquanto “(...) a Direcção de Serviços de Relações Internacionais (DSRI) comunicou que pediu informações à sua congénere polaca, tendo procedido à abertura de um procedimento de troca de informação a fim de averiguar se o contribuinte foi aí sujeito a imposto pela universalidade dos rendimentos”, informações essas que se encontravam, ainda, pendentes.

Este tribunal arbitral, em 19-10-2023, considerando o interesse e dever de descoberta da verdade material, prorrogou o supra referido prazo para a apresentação de resposta.

Posteriormente, a Requerida apresentou a sua Resposta e juntou o processo administrativo em 10-11-2023.

Em 13-11-2023, a Requerida comunicou a revogação da decisão de indeferimento proferida no âmbito da reclamação graciosa n.º ...2022... (de 09-11-2023), e das liquidações de IRS e juros compensatórios contestadas, tendo junto cópia do respetivo despacho aos autos.

Notificado para se pronunciar sobre se mantém o seu interesse no prosseguimento do processo arbitral e sobre a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, por perda de objeto, o Requerente informou os autos que não mantém interesse no prosseguimento do processo arbitral, e requereu a extinção do mesmo por inutilidade superveniente da lide, em 23-11-2023.

 

II. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

Suscita-se no processo uma causa de extinção do processo suscetível de obstar ao conhecimento do mérito da causa (nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), pelo que o Tribunal Arbitral, antes de se pronunciar sobre o mérito da causa, deve conhecer da mesma.

 

 

 

III. DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE

A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, por facto ocorrido na sua pendência, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência requerida, situação em que não existe qualquer efeito útil na decisão a proferir por já não ser possível o pedido ter acolhimento ou o fim visado com a ação ter sido atingido por outro meio.

O objeto do presente processo arbitral consiste na liquidação de IRS e juros compensatórios respeitante ao ano de 2017, com os números 2021 ... e 2021..., nos montantes de € 60.437,39 e € 8.186,36 respetivamente, e no ato de indeferimento da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2022... .

A revogação destes atos ocorreu e foi comunicada pela AT já no decorrer do processo arbitral.

Considerando que o Requerente comunicou ao Tribunal Arbitral que não tem interesse na prossecução do processo arbitral, verifica-se a inutilidade superveniente da lide, que determina a extinção do processo arbitral nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30-07-2014, proferido no processo n.º 0875/14: “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio.”

Julga-se, assim, a instância extinta por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), sem o Tribunal conhecer do mérito da pretensão do Requerente.

 

IV. DAS CUSTAS ARBITRAIS

Nos termos do disposto no artigo 536.º, n.º 3, do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), nos casos de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, “a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas”.

Dado que a Requerida apenas comunicou a revogação dos atos objeto do presente processo arbitral após a constituição do Tribunal Arbitral (i.e., para além do prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT), conclui-se que a ela é imputável a inutilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância, e que é sobre ela que recai a responsabilidade pelas custas.

Ficam, assim, as custas decorrentes do presente processo arbitral a cargo da Requerida, nos termos do artigo 536.º, n.º 3, do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

V. DECISÃO ARBITRAL

De harmonia com o exposto, acorda este Tribunal Arbitral:

  1. Julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, por falta de objeto, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  2. Condenar a Requerida no pagamento integral das custas processuais devidas, nos termos do artigo 536.º, n.º 3, do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

 

  1. VALOR DA CAUSA

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 68.623,75 (indicado pelo Requerente no PPA, e não contestado pela Requerida).

 

  1. CUSTAS ARBITRAIS

Nos termos do artigo 5.º do citado Regulamento e artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, que ficam totalmente a cargo da Requerida.

 

Lisboa e CAAD, 5 de dezembro de 2023

Os Árbitros,

 

Professora Doutora Rita Correia da Cunha

 

 

 

Dra. Ana Teixeira de Sousa

 

 

Dr. Gonçalo Marquês de Menezes Estanque