Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 393/2023-T
Data da decisão: 2023-11-06  ISV  
Valor do pedido: € 3.550,88
Tema: ISV - Caducidade do direito de impugnação arbitral — Determinação da matéria coletável em sede de Imposto Sobre Veículos (ISV) — Métodos de medição das emissões de dióxido de carbono (New European Driving Cycle e Worldwide Harminized Light Vehicle Test Procedure).
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

— I —

           

            A..., contribuinte fiscal n.º ..., (doravante “o requerente”), com domicílio fiscal na... –... ...Torres Novas, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral tributária contra a AUTO­RI­DADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “a AT” ou “a requerida”), peticionando a declaração da ilegalidade do ato de liquidação de Imposto Sobre Veículos (ISV) n.º 2022-..., relativa à admissão da viatura de matrícula  ..., de sua propriedade.

Para tanto alegou, em síntese, que, no cálculo do ISV incidente sobre veículos ligeiros de passageiros são tidos em conta, entre  outros critérios, a cilindrada, o nível de emissões de dióxido de carbono (CO2) e a antiguidade da viatura; que, de acordo com a regulamentação europeia, a metodologia para cálculo das emissões de CO2 a metodologia a seguir na medição das emissões daquele gás foi alterada do método New European Driving Cycle (NEDC) para o método Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure (WLTP); que, isso não obstante, o Despacho n.º 348/2018 do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais veio determinar que, com relação às viaturas matriculadas até 31-12-2018, o método de medição das emissões de CO2 manter-se-ia, para efeitos de cálculo do ISV, o NEDC; que o requerente procedeu à admissão no território nacional de uma viatura da marca BMW com data de primeira matrícula em 03-09-2018, tendo declarado na competente declaração fiscal o valor de emissões de CO2 de 128g/Km, determinado por aplicação da metodologia NEDC, correspondente àquela utilizada em todos os documentos utilizados no procedimento de legalização e matriculação daquela viatura em Portugal; que, não obstante, a Alfândega de Peniche no decurso do procedimento de liquidação do tributo corrigiu oficiosamente aquele elemento, tendo fixado um valor de emissões de 167g/Km apurado com base na metodologia WLTP; que, por essa razão, a tributação em sede de ISV excedeu em EUR 3.065,34 o valor de imposto que legalmente seria devido; que, além do mais, a atuação da requerida coloca também em causa o princípio da não discriminação previsto no art. 110.º do TFUE, já que as reduções aplicadas na determinação da componente ambiental do ISV são inferiores àquelas aplicadas na componente de cilindrada do mesmo imposto, circunstância que equivale ao um tratamento desigual entre estas duas componentes do imposto, correspondendo assim a uma liquidação de ISV que excedeu em EUR 485,54 o valor de imposto que legalmente seria devido.

Concluiu peticionando a anulação parcial da liquidação de ISV n.º 2022-... e bem assim a condenação a requerida na restituição dos montantes por si indevidamente pagos ao abrigo de tal ato tributário e no pagamento de juros indemnizatórios.

Juntou documentos e declarou não pretender proceder à designação de árbitro. Atribuiu à causa o valor de EUR 3.550,88 e procedeu ao pagamento da taxa de arbitragem inicial.

*

            Constituído o Tribunal Arbitral Singular, nos termos legais e regulamentares aplicá­veis, e depois de o requerente ter, a convite do Tribunal, procedido ao aperfeiçoamento do pedido de pronúncia arbitral, foi determinada a notificação da administração tributária requerida, na pessoa do seu dirigente máximo, para os efeitos previstos no art. 17.º do RJAT.

            Devidamente notificada, a requerida veio apresentar resposta defendendo-se por exceção e por impugnação. Por exceção invocou a caducidade do direito de ação, alegando que o ato de liquidação impugnado foi proferido em 30-05-2022 e o prazo para o pagamento voluntário da prestação tributária nele liquidada terminava a 14-07-2022; que o requerente deduziu um pedido de revisão oficiosa do ato impugnado em 21-09-2022 junto da Alfândega de Peniche, que foi indeferido por despacho do Diretor da Alfândega de 19-12-2022, notificado ao requerente em 27-12-2022; que, uma vez que o pedido de pronúncia arbitral apenas foi deduzido em 30-05-2023, mostra-se ultrapassado o prazo de 90 dias para a apresentação do pedido de pronúncia arbitral previsto no art. 10.º, n.º 1, al. a), do RJAT.

Por impugnação, sustentou em síntese, que o requerente apresentou e, 30-05-2022 uma Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) na qual declarou o valor de emissões de 128g/km apurado de acordo com o método NEDC; que em 03-06-2022 a AT criou uma segunda versão da DAV, tendo procedido à correção dos campos correspondentes para um valor de emissões de 169g/km determinado segundo o método WLTP, desta correção resultando um acréscimo de imposto devido no montante de EUR 3.063,34; que o despacho do Secretário de Estado em que faz assentar a sua pretensão apenas visou a situação dos veículos que já haviam obtido homologação técnica anteriormente a 01-12-2017; que, uma vez que a homologação do veículo sobre que incidiu a liquidação impugnada ocorreu em 2018, não se subsume no âmbito de aplicação de tal despacho governamental; que, nessa conformidade, se deverá ter em conta o disposto no Regulamento (EU) n.º 2017/1151 que a metodologia WLTP se aplica aos veículo ligeiros de passageiros de modelos homologados após 01-09-2017; que o referido veículo foi homologado em 28-03-2018; que, de acordo com tal metodologia de medição, as emissões de CO2 do veículo em causa são de 169g/km; finalmente, que inexiste qualquer decisão jurisprudencial que declare com força obrigatória geral que o art. 11.º do CISV ofenda quaisquer princípios de Direito Europeu, pelo que o ato impugnação não padece de qualquer vício.

            Concluiu pela sua absolvição da instância ou, subsidiariamente, pela improcedência do pedido e sua consequente absolvição. Juntou um despacho de nomeação de mandatários forenses e um processo administrativo.

*

            Dispensada a realização da reunião a que se refere o art. 18.º do RJAT, foi ordenada a notificação das partes para, querendo, produzirem alegações escritas quanto à matéria de facto e de direito. Ambas as partes procederam à apresentação de alegações, nas quais mantiveram no essencial as posições por si já vertidas nos seus articulados, tendo ainda o requerente demonstrado ter procedido ao pagamento do remanescente da taxa de arbitragem.

 

— II —

As partes gozam de personalidade judiciária e capacidade judiciária, têm legitimidade ad causam e estão devidamente patrocinadas nos autos.

***

            Nos termos do art. 97.º-A do CPPT, o valor atendível, para efeitos de custas, quando se impugne um ato de liquidação será o da importância cuja anulação se pretende. Tendo isso presente, o requerente atribuiu à presente arbitragem o valor de EUR 3.550,88, sem impugnação por parte da requerida. Não se vislumbrando qualquer motivo para divergir da posição consensual das partes, há que aceitar o montante em que elas acordaram.

            Fixo assim à presente arbitragem o valor de EUR 3.550,88.

***

Fixado que está o valor da causa e uma vez que o requerente optou por não proceder à designação de árbitro, dispõe o presente Tribunal Arbitral Singular de competência funcional e de competência em razão do valor para conhecer da presente arbitragem (art. 5.º, n.º 2, do RJAT).

É o presente Tribunal igualmente competente em razão da matéria por força do art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT e da vinculação à arbitragem tributária institucionalizada do CAAD por parte da administração tributária requerida, tal como resulta da cit. Portaria n.º 112-A/2011.

***

            Vem excecionada a caducidade do direito de impugnação, porquanto, alega a requerida, o requerente teria deduzido a sua pretensão para além do prazo de 90 dias previsto no art. 10.º, n.º 1, al. a), do RJAT.

Notificado para se pronunciar acerca desta exceção, o requerente nada veio dizer aos autos.

Importa assim conhecer da referida exceção.

*

Antes de mais, para efeito de conhecimento da presente exceção considero sumária e indiciariamente provados os seguintes factos:

a) Em 30-05-2023 o requerente submeteu na Alfândega de Peniche a Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2022/..., de cujo campos 49a e 50 constavam os seguintes valores de emissão de CO2: 128g/km determinado segundo o método NEDC;

b) Na sequência da DAV referida em a), a requerida procedeu à liquidação do ISV devido, através da Liquidação n.º 2022/..., da qual resultava um montante total de imposto devido no valor de EUR 5.524,83;

c) Em 03-06-2023 os serviços da Alfândega de Peniche procederam à correção oficiosa dos valores referidos em a), mediante a correção dos campos 49a e 50 dos quais passaram a constar os seguintes valores de emissão de CO2: 167g/km determinado segundo o método WLTP;

d) Na sequência da correção oficiosa referida em c), a requerida procedeu à liquidação do ISV devido, através da Liquidação n.º 2022/..., da qual resultava um montante total de imposto devido no valor de EUR 8.590,18;

e) Em 08-06-2023 a requerida emitiu o Documento de Cobrança n.º 2022/... para a cobrança da diferença entre os montantes de imposto liquidados nos atos de liquidação referidos em b) e d) do qual resultava como data limite para pagamento a seguinte data: 21-06-2022;

f) Em 21-09-2022 mediante requerimento apresentado junto da Alfândega de Peniche sob a entrada n.º 2022..., o requerente deduziu um pedido de revisão oficiosa tendo por objeto o ato de liquidação referido em d), que veio a ser autuado sob o n.º 205/2022;

g) Em 19-12-2022, a funcionária tributária B... elaborou, no âmbito do procedimento tributário referido em f), uma informação na qual concluiu pela proposta de decisão final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa deduzido pelo requerente;

h) Sobre a informação referida em g) o Diretor da Alfândega de Peniche proferiu, em 19-12-2022, o seguinte despacho; “Concordo com a informação.”

i) O despacho referido em h) foi notificado ao requerente por intermédio do ofício n.º ... datado de 19-12-2022.

j) O ofício referido em h) foi expedido por via postal registada sob o registo postal n.º RF...PT;

k) O aviso de receção referente ao objeto postal referido em 27-12-2022 pelo próprio requerente;

l) O requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos presentes autos em 30-05-2023.

 

*

Com relevância para o conhecimento da presente exceção inexistem quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou do conhecimento oficioso do Tribunal, que se devam considerar como não provados.

*

Na decisão da matéria de facto relevante para a decisão desta exceção o Tribunal teve em consideração a prova documental constante do Processo Administrativo (PA) junto aos autos pela requerida, em especial o teor de fls. 48 [facto k)], fls. 47 [facto j)], fls. 44 a 46 [factos h) e i)] e fls. 2 a 35 (demais factos). Já o facto l) resulta demonstrado pela consulta à ficha eletrónica dos presentes autos na plataforma informática em uso no CAAD.

Do aviso de receção constante de fls. 48 do PA vem manuscrita, presumivelmente pelo próprio punho do requerente, como data de receção do correspondente objeto postal o dia “7-12-2022”. Todavia, essa data é manifestamente incongruente: é que a correspondência em causa foi expedida a 19-12-2022, pelo que seria impossível que pudesse ter sido recebida no dia 7 desse mesmo mês. O carimbo aposto pelo operador do serviço postal na devolução do aviso de receção (que está datado de 27-12-2022) permite concluir com segurança que aquela data de 07-12-2022 manuscrita no aviso de receção será o resultado de um lapso de escrita e que a assinatura do aviso de receção, e correspondente receção do expediente postal, terá efetivamente tido lugar no dia 27-12-2022.

*

Quando esteja em causa a impugnação de atos tributários, o acesso à jurisdição arbitral tributária deve fazer-se no prazo de 90 dias a contar de qualquer um dos factos previstos no art. 102.º, n.º 1, do CPPT [art. 10.º, n.º 1, al. a), do RJAT], prazo que, por não se estar ainda no âmbito de um procedimento arbitral, se conta nos termos gerais dos prazos tributários de natureza substantiva.

Por seu turno, no referido art. 102.º, n.º 1, do CPPT prevê-se, como factos deter­mi­nan­tes do início da contagem do referido prazo de 90 dias, os seguintes factos:

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;

b) Notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não deem origem a qualquer liquidação;

c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;

d) Formação da presunção de indeferimento tácito;

e) Notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código;

f) Conhecimento dos atos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.

 

Ora, em face da aplicação conjugada daqueles dois preceitos legais, é possível asseverar com segurança que o requerente dispunha, para a propositura da presente ação arbitral, de um prazo de 90 dias a contar do termo do prazo para pagamento voluntário ou da notificação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que deduziu.

Tendo presente que o prazo para proceder ao pagamento voluntário do ato de liquidação impugnado a título principal terminou a 21-06-2022 [facto e) do probatório], a impugnação poderia ter sido deduzida até ao dia 19-09-2022.

Uma vez que foi deduzido um pedido de revisão oficiosa, cuja decisão final de indeferimento foi notificada ao requerente em 27-12-2022 [facto k) do probatório], sempre poderia o requerente aproveitar o prazo resultante da notificação deste último ato. Assim, o processo arbitral que tivesse por objeto imediato a impugnação dessa decisão (e, mediatamente, a impugnação do ato de liquidação sobre o qual incidira o procedimento de revisão oficiosa) poderia ainda ser deduzido até 27-03-2023.

Dado que o pedido de pronúncia arbitral foi submetido eletronicamente neste CAAD apenas em 30-05-2023 [facto l) do probatório], é manifesta a intempestividade do exercício do direito de ação.

Torna-se assim evidente, e sem necessidade de maior demonstração, que a presente ação arbitral foi proposta muito para além do prazo legal previsto no art. 10.º, n.º 1, al. a), do RJAT, pelo que terá de proceder a exceção extemporaneidade e caducidade do direito de ação.

Procedendo esta exceção, tem a requerida de ser absolvida da presente instância arbitral, com a consequente extinção da mesma.

***

            Tendo sido o requerente a dar causa à extinção da presente instância arbitral, é ele o responsável pelas custas da arbitragem — art. 12.º, n.º 2, do RJAT e arts. 4.º, n.º 5, e 6.º, al. a), do Regulamento de Custas da Arbitragem Tributária do CAAD.

            Desse modo, tendo em conta o valor atribuído ao processo em sede de saneamento, por aplicação da l. 2 da Tabela I ane­xa ao mencionado Regulamento — e atendendo a que não se encontra prevista qualquer redução da taxa de arbitragem quando o processo não conclua com decisão de mérito —, há que fixar a taxa de arbitragem do presente processo em EUR 612,00, em cujo pagamento se condenará a final o requerente.

 

— III—

            Assim, pelos fundamentos expostos, na procedência da exceção dilatória de caducidade do direito de ação absolvo a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira da pre­sen­te instância arbitral e, em consequência, condeno o requerente A... nas custas do presente proces­so, fixando a taxa de arbitragem em EUR 612,00.

 

Notifiquem-se as partes.

CAAD, 6/11/2023

O Árbitro

 

(Gustavo Gramaxo Rozeira)