Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 178/2020-T
Data da decisão: 2021-01-14  IVA  
Valor do pedido: € 118.440,49
Tema: IVA – Caducidade; Convolação de reclamação graciosa em revisão oficiosa com fundamento em ilegalidade.
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Sumário:

a)            Se à data do alargamento do âmbito da OI, passando de inspeção parcial, para IRC, a inspeção geral (de modo a abranger o IVA), conforme classificação da alínea a) do n.º 1 do artigo 14. ° do RCPITA, o prazo previsto no n.º 1 do artigo 45.° da LGT já se encontrava ultrapassado, a suspensão prevista no n.º 1 do artigo 46.° do mesmo diploma legal, só pode operar relativamente ao IRC, sendo inaplicável ao IVA, com a consequente caducidade do direito à liquidação deste.

b)           Recaindo sobre a Administração Tributária e Aduaneira o poder-dever de proceder à convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão do ato de autoliquidação, e considerando que na data em que é apresentada a reclamação, ainda não se encontrava esgotado o prazo dentro do qual a revisão oficiosa podia ser pedida e ordenada, não podia o pedido de reclamação dirigido à administração tributária ser indeferido por intempestividade.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Fernanda Maçãs (na qualidade de Presidente), Dr. Henrique Nogueira Nunes (na qualidade de Vogal) e Dr. Paulo Lourenço (na qualidade de Vogal) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante designado apenas por CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

1.1.        A... S.A, contribuinte fiscal n.º..., com sede no ... ..., ..., ...-... ..., ..., requereu a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).

1.2.        O pedido de pronúncia arbitral, tal como configurado, tem por objeto imediato o indeferimento da reclamação graciosa apresentado contra as liquidações adicionais de IVA, referentes ao ano de 2014, no montante total de € 117.212,48 e respetivos juros compensatórios no valor de 1.228,01, perfazendo o montante total impugnado de € 118.440,49, e, como objeto mediato, as próprias liquidações adicionais de IVA controvertidas, melhor identificadas na petição arbitral e que têm os seguintes números: ... (1403T) de € 15.698,33, ... (1406T) de € 77.613,21, ... (1409T) de € 7.581,63 e ... (1412T) de € 16.319,47  e juros compensatórios e de mora nos valores de € 1.228,01 (liq. 2019...) e € 75,60 (liq. 2019...), perfazendo o referido montante total de € 118.516,25.

1.3.        A fundamentar o seu pedido imputa a Requerente, em síntese, os seguintes vícios:

(i)           Que as liquidações impugnadas enfermam de uma ilegalidade clara e evidente, por violação do direito à dedução do IVA, o que configura vício de violação de lei, por violação do disposto nos artigos 19.º, nº 1, alínea a) e 20º, nº 1, alínea a), do CIVA, bem como nos artigos 167º e 168º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006.

(ii)          Que ao contrário do que se afirma no relatório de inspeção tributário, não pode haver dúvidas de que a Requerente exerceu, efetivamente, a sua atividade no exercício de 2014.

(iii)         Pelo que não está devidamente fundamentada nem tem qualquer suporte legal a conclusão formulada pela AT de que não exerceu atividade em 2014, para permitir retirar daí que os gastos declarados não seriam dedutíveis nos termos do artº 23º do CIRC e que o respetivo IVA suportado não poderia ter sido deduzido.

(iv)         E que é totalmente descabida, desprovida de sentido e não tem qualquer aderência à realidade dos factos, a conclusão formulada pela AT de que a Requerente “não realiza nenhuma operação enquadrável na legislação citada, sendo que as únicas operações realizadas no exercício consistem na venda de bens do ativo fixo tangível, para as quais os bens e serviços adquiridos e relativamente aos quais foi deduzido IVA, não contribuíram.”.

(v)          Que o ato de alienação pela Requerente, em 2014 de bens que integram o seu ativo empresarial, como é o caso das suas aeronaves, configura o exercício de uma atividade, ainda mais, quando a compra e venda de aeronaves faz parte do seu objeto social.

(vi)         E que se verifica, diz, ao longo do relatório, uma interpretação abusiva por parte da AT daquilo que são as normas que regulamentam a sua atividade, ao mesmo tempo que uma tal conclusão constitui uma intromissão indevida na gestão e direção da empresa.

(vii)        E que de acordo com a vasta doutrina e jurisprudência sobre o tema, que identifica na sua petição arbitral, e ao contrário do que se entendeu no relatório de inspeção, os custos que nele foram desconsiderados, são gastos fiscalmente dedutíveis nos termos do artº 23º do CIRC, tendo o sujeito passivo direito à dedução do respetivo IVA.

(viii)       No caso dos autos, diz, a AT emitiu um juízo de razoabilidade sobre determinados proveitos realizados com as suas aeronaves para concluir que os montantes daqueles proveitos seriam inferiores aos respetivos custos. Ora, sustenta, este juízo por parte da AT não corresponde a nenhum critério previsto na lei fiscal, tratando-se de meras opiniões sobre oportunidade, conveniência ou de uma suposta irracionalidade que não têm guarida nos critérios que a lei estabelece para a indispensabilidade dos custos fiscalmente dedutíveis.

(ix)         Conclui que no concreto caso em apreço o relatório de inspeção só poderia ter considerado como não indispensáveis os custos que, comprovadamente se verificasse não terem relação causal e justificada, imediata ou mediatamente, com a atividade da empresa ou com a manutenção dos seus ativos empresariais e que o relatório de inspeção vem desconsiderar, globalmente e na totalidade, a própria atividade do sujeito passivo, considerando que o IVA suportado não confere direito à sua dedução porque, alegadamente, incidiu sobre “bens e serviços adquiridos que não contribuíram para atividade do sujeito passivo”.

(x)          E que como consta do seu objeto social e é do conhecimento da AT, a Requerente no âmbito da sua atividade, aluga as suas aeronaves a terceiros, embora, alega, não o tenha feito, de facto, no exercício de 2014, por razões excecionais e imprevistas.

(xi)         Uma vez que aluga a aeronave a terceiros, e se faz pagar por isso e sendo essa atividade de aluguer de aeronaves uma das que é exercida e pela qual se encontra devidamente coletada junto da AT, entende que os custos relacionados com a sua atividade, nomeadamente, os custos suportados para manter as aeronaves, constituem operações que contribuem para a obtenção de proveitos ou para a manutenção da sua fonte produtora.

(xii)        E que os gastos do exercício, no valor de € 494.458,14, respeitam, todos, a encargos com aeronaves do sujeito passivo, concretamente, trabalhos de reparação, rendas e alugueres, seguros, taxas de aeródromos, taxas de aterragem e descolagem e taxas de abrigo mensal de aeronaves, e que todos estes gastos são, material e objetivamente, dedutíveis nos termos do artº 23º, nºs 1 e 2, l), do CIRC.

(xiii) E que exerceu a sua atividade em 2014 e inclusive obteve proveitos, declarou um lucro tributável positivo do exercício e pagou o correspondente IRC, pelo que este entendimento da AT enferma de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que inquina a liquidação adicional do vício de violação de lei, por violação do disposto no art.º 23º do CIRC.

(xiv) Além do mais, diz, os custos em causa foram efetivamente suportados, encontram-se devidamente declarados e comprovados documentalmente.

(xv) E que, no seu entendimento, não pode haver dúvida de que o IVA que incidiu sobre as aquisições daqueles bens e serviços a que aqueles custos respeitam, pode ser deduzido, nos termos do artº 20º, nº 1, do CIVA, ao contrário do que, erradamente, foi concluído pela AT  para, indevidamente, fundamentar as liquidações do IVA em crise nos autos.

(xvi) E que o relatório de inspeção não questiona (como tal, constitui matéria não controvertida nos presentes autos) que o montante do IVA em causa, deduzido pela Requerente respeita a operações efetivamente realizadas; foi liquidado nas respetivas facturas; foi efetivamente suportado pela Requerente; e foi entregue ao Estado pelo respetivo sujeito passivo.

(xvii) Conclui que de acordo com a jurisprudência do STA, do TJUE e do CAAD, o direito à dedução só pode ser excluído em situações estritamente excecionais previstas no Código e na Diretiva IVA, nomeadamente, em casos de utilização fraudulenta. O que não é, manifestamente, sustenta, o caso em apreciação nos presentes autos.

(xviii) Vem igualmente imputar às liquidações impugnadas o vício da sua caducidade, pois, diz, as mesmas só foram efetuada em data muito posterior ao decurso do prazo legal de caducidade fixado nos artºs 45º, nºs 1 e 4 e 46º, nº 1, da LGT.

(xix) Que as liquidações de IVA em causa respeitam ao ano de 2014 e resultam do relatório de inspeção externa iniciada em 05/11/2018.

(xx)  E que a ação inspetiva externa foi aberta com âmbito parcial em sede de IRC para o ano   de 2014, sendo que em 08/03/2019 “foi assinada nova ordem de serviço em virtude de ter sido alterado o âmbito do procedimento inspectivo de parcial em sede de IRC para geral.”.

(xxi) Alega que uma ação inspetiva externa só é suscetível de suspender o prazo de caducidade da liquidação, nos termos do artigo 46.º, nº 1, da LGT, relativamente a impostos que tenham sido abrangidos pelo respetivo âmbito, tal como definido na ordem de serviço ou do despacho que determinou o início do procedimento de inspeção, notificada nos termos a que alude o artigo 51.º do RCPITA.

(xxii) E que o prazo de 4 anos para a liquidação do IVA de 2014 caducou em 31/12/2018, nos termos dispostos no artº 45º, nºs 1 e 4 da LGT.

(xxiii) Sendo que o alargamento do âmbito da ação inspetiva ao IVA só ocorreu em 08/03/2019, mais de 2 meses após o termo do prazo legal de caducidade da liquidação do IVA que expirou em 31/12/2018.

(xxiv) E que a lei não prevê que o alargamento do âmbito da ação inspetiva externa, nos termos do artigo 15.º do RCPITA, tenha efeitos retroativos, designadamente, quanto à suspensão do prazo de caducidade da liquidação que já tenha expirado na data do alargamento.

(xxv) E que aquando do início da ação inspetiva – em 08/03/2019 no que respeita ao IVA de 2014 – há muito que já tinha expirado o prazo legal da liquidação, razão pela qual, sustenta, a subsequente liquidação resultante de tal inspeção também viola o prazo legal de caducidade.

(xxvi) Vem dizer que não se encontrando preenchidos os pressupostos do artigo 46.º, nº 1 da LGT, o prazo de caducidade do direito a liquidar o IVA de 2014 terminou em 31/12/2018.

(xxvii) Uma vez que as liquidações em causa foram realizadas após aquela data de 31/12/2018, as mesmas violam o prazo legal de caducidade previsto no artº 45º, nºs 1 e 4, da LGT, bem como a norma da suspensão daquele prazo, constante do artº 46º, nº 1, da mesma LGT.

(xxviii) Pugna, assim, pela procedência do pedido, devendo o tribunal declarar ilegais os atos tributários de liquidação adicional de IVA referentes ao ano de 2014 e respetivos juros compensatórios e determinar a sua anulação.

 

1.4. A Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, respondeu, em síntese, como segue:

(i) Vem defender-se por exceção e por impugnação.

(ii) Alega não assistir razão à Requerente.

(iii) Por exceção vem invocar que em relação às liquidações n.ºs ... (1403T), ... (1406T) e ... (1412T), com valor de correção respetivamente de € 15.698,33, € 77.613,21 e € 16.319,47, a contagem do início do prazo para deduzir a reclamação graciosa ocorreu em 09/05/2019 (contribuinte considerado notificado pela entrega do documento – 04/05/2019 - na caixa postal do ViaCTT – n.º 9 do art.º 38.º e n.º 10 do art.º 39.º do CPPT – na redação conferida pelo DL 93/2017, de 1/8.) pelo que o prazo limite para apresentar a reclamação graciosa seria 06/09/2019, sendo que como a data do registo do envio da petição de 12/09/2019, a mesma mostra-se intempestiva relativamente a este facto.

(iv) E que atendendo à intempestividade da reclamação graciosa quanto às liquidações n.ºs ... (1403T), ...(1406T) e ... (1412T), não podem ser revogados tais atos, nem serem objeto de apreciação em sede de decisão arbitral, tendo em consideração que só a tempestividade da reclamação graciosa abriria à Requerente a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações impugnadas.

(v) Assim, sustenta, a intempestividade do meio impugnatório implica a não pronúncia sobre as questões suscitadas na petição inicial, mesmo que estas fossem de conhecimento oficioso, na medida em que a lide impugnatória não chega a ter o seu início, uma vez que sendo a reclamação graciosa intempestiva, o pedido arbitral terá de improceder por inimpugnabilidade do ato.

(vi) Por impugnação vem dizer que em sede inspetiva verificou-se no que respeita aos fornecimentos e serviços externos que se encontram contabilizados muitos documentos referentes ao exercício de 2013 e anteriores, sendo que as faturas foram emitidas nos respetivos exercícios, pelo que não eram desconhecidas do sujeito passivo à data do encerramento das contas, motivo que leva à não aceitação como gasto do exercício, nos termos do art.º 18.º CIRC.

(vii) E que os valores mais significativos respeitam a: (1) Trabalhos especializados - correspondem a faturas emitidas pela empresa B..., Lda, referentes à reparação da  aeronave CS-... e rendas mensais de gestão de aeronavegabilidade da aeronave CS-... - junto se anexa uma fatura e o acordo realizado entre as partes. (2) Conservação e reparação de avião - despesas várias referentes à conservação e reparação da aeronave CS-.... (3) Seguro aviões - seguros referentes aos vários aviões, nomeadamente: CS-..., CS-..., CS-..., CS-... e G-... (4) Taxas aeródromo - Despesas várias de empresas nacionais, comunitárias e de países terceiros, referentes a taxas de aterragem e descolagem; taxas de controlo de terminal e taxas de abrigo mensal de aeronaves. E que estas facturas correspondentes a esta rubrica representam quase a totalidade dos gastos contabilizados na conta e respeitam à fatura n.º 2014/1 de 2014/09/01 no valor de € 67.800,00 (base tributável) emitida pela empresa C..., S.A.., representando perto de 13% do total dos gastos do exercício são gerados pela utilização das aeronaves.

(viii) Que cerca de 51% dos gastos correspondem às menos valias contabilísticas apuradas pela Requerente no exercício e resultam da alienação das aeronaves- Avião ... CS-..., Avião ... CS-..., Avião ... CS-..., Avião ...CS-... e Avião G-... e da viatura ... ... .

(ix) E que os restantes 36% dos gastos estão relacionados com a posse das aeronaves independentemente da sua utilização ou não.

(x) Alega que não tendo a Requerente, enquanto sujeito passivo, realizado nenhuma operação enquadrável na alínea a) do número do artigo 20.º CIVA, os bens e serviços adquiridos e relativamente aos quais foi deduzido IVA, não contribuíram para a realização de operações tributáveis pelo que não podia esse IVA ser deduzido, devendo ser corrigido nas declarações respetivas.

(xi) Sustentando que o IVA suportado pela Requerente no exercício de 2014 e deduzido nas Declarações Periódicas de IVA no montante total de € 112.826,63 não poderá ser aceite fiscalmente, devendo ser corrigido nas declarações respetivas.

(xii) Pugna, assim, pela improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral.

1.5. Entendeu o Tribunal dispensar a realização da primeira reunião do Tribunal Arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, conforme despacho arbitral notificado às partes, considerando que havia já notificado previamente a Requerente para, querendo, exercer o contraditório sobre  a matéria de exceção suscitada pela Requerida na sua Resposta, o que esta veio a fazer em 13- 10-2020.

Ambas as partes foram igualmente notificadas para apresentar Alegações sucessivas, querendo, tendo ambas as partes optado por fazê-lo confirmando/reforçando a sua argumentação.

Foi fixado prazo para o efeito de prolação da decisão arbitral até ao dia 5 de Fevereiro de 2021.

Em 04-12-2020 o Tribunal, através de um despacho arbitral e na sequência da notificação ao Requerente no dia 16-09-2020 da revogação da liquidação de IVA referente ao período de 2014/09T, e do conhecimento da Informação n.º..., de 03-09-2020, em que a AT reconhece que todas as liquidações de IVA devem ser revogadas por caducidade, notificou a Requerida para esclarecer o Tribunal se todos os atos de liquidação de IVA em crise nos autos foram revogados ou apenas o identificado supra, bem como ordenando a junção aos autos da Informação n.º 1544, de 03-09-2020.

A Requerida em resposta ao despacho arbitral de 04-12-2020, veio juntar a informação solicitada e esclarecer o Tribunal que a decisão de revogação em causa respeita apenas a uma liquidação de IVA, melhor notificada à Requerente.

 

* * *

 

1.6. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

2. MATÉRIA DE FACTO

Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A) A Requerente é uma sociedade comercial que tem como objeto social “a compra, venda, revenda e aluguer de aeronaves, adestramento e treino de pilotos, manutenção de aeronaves, nomeadamente de mecânica, chaparia e electricidade” (Cfr. certidão de registo comercial – pg. 2 do RIT junto aos autos).

B) Em 05/11/2018, a Requerente foi objeto de uma ação de inspeção tributária pela Direção de Finanças de ..., de âmbito parcial, quanto ao IRC de 2014, que considerou que esta não teria exercido qualquer atividade em 2014, e com tal fundamentação, considerou não serem fiscalmente dedutíveis os custos suportados no montante de € 1.274.316,89. (Cfr. RIT junto aos autos).

C) No âmbito da referida ação inspetiva foi desconsiderado o mesmo montante dos custos que haviam sido deduzidos pela Requerente, os quais foram, assim, acrescidos à matéria coletável, alterando o lucro tributável declarado de 884.029,74 para 2.158.346,63. (Cfr. RIT junto aos autos).

D) A Requerente foi objeto de uma liquidação do IRC referente ao exercício de 2014, efetuada com base no RIT constante dos autos, e em que foi requerida a constituição de Tribunal Arbitral (Proc. 607/2019-T, do CAAD) no decurso do qual, a própria AT veio proceder à  revisão oficiosa da liquidação, aceitando a dedutibilidade fiscal dos gastos do exercício suportados pela Requerente, anulando, nessa medida, a liquidação do correspondente IRC, nos termos do artº 78º, nº 1, da LGT (Cfr. Documento n.º 3 junto pela Requerente com a sua petição arbitral).

 

E) No âmbito da ação inspetiva realizada pela Direção de Finanças de Portalegre, ao exercício de 2014, veio a AT quanto aos fundamentos das liquidações de IVA em crise nos autos referir:

“3.1.1. Gastos não dedutíveis (...)

Desta forma, e nos termos do disposto do artigo 20° do CIRC, que considera “rendimentos e ganhos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória”, conclui-se que a venda do património do sujeito passivo, pode ser classificada como um ganho ocasional, visto tratar-se da venda   da totalidade das aeronaves na propriedade do sujeito passivo, mas não constitui em si uma atividade comercial, assim como os rendimentos derivados de depósitos a prazo.

Efetivamente a atividade para a qual se encontra coletado o sujeito passivo não foi por este exercida no exercício de 2014, na medida em que não existe na contabilidade qualquer rendimento que reflita a sua ocorrência, nem apresenta física ou formalmente condições para o seu desenvolvimento.

Por outro lado, o artigo 23° do CIRC considera que “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

Conforme referido anteriormente o sujeito passivo não realiza nenhuma atividade suscetível de gerar rendimentos sujeitos a imposto, pelo que todos os gastos por ele declarados, à exceção dos decorrentes da venda dos bens do ativo fixo tangível, não são dedutíveis nos termos do artigo supra citado.

De facto, para a obtenção dos rendimentos resultantes da alienação dos bens do ativo fixo tangível ou dos juros do depósito bancário, não concorrem os gastos contabilizados pelo sujeito passivo durante o exercício em análise, à exceção das menos valias apuradas com a venda dos respetivos bens.”.

Cfr. Páginas 9 e 10 do RIT junto aos autos.

F) Continuando-se aí a ler:

“Como foi descrito no ponto 3.1. do presente relatório o sujeito passivo não realiza nenhuma operação enquadrável na legislação citada, sendo que as únicas operações realizadas no exercício consistem na venda de bens do ativo fixo tangível, para as quais os bens e serviços adquiridos e relativamente aos quais foi deduzido IVA, não contribuíram.

Assim sendo e nos termos da legislação supra citada, o imposto sobre o valor acrescentado suportado pelo sujeito passivo no exercício em análise e deduzido nas Declarações Periódicas de IVA no montante total de € 112.826,63, não poderá ser aceite fiscalmente, devendo ser corrigido nas declarações respetivas.

 

3.2.2 IVA Liquidado

Da mesma forma e porque se considerou que não foi realizada qualquer atividade económica no decurso de uma ação normal por parte do sujeito passivo, para além da venda de património, o imposto liquidado pelo mesmo nos campos 17 e 41 das Declarações Periódicas de IVA do exercício, que somam o montante de € 2.513,99, não serão aceites fiscalmente, devendo ser também corrigidas.

(...)

Pelo exposto, o sujeito passivo encontra-se em falta relativamente à liquidação do IVA no valor de € 6.900,00, tendo o sujeito passivo infringindo o disposto nos artigos 27° n.º 1 e 41° n.º 1 alínea b) do CIVA.”.

 

(Cfr. Páginas 16 a 18 do RIT junto aos autos)

G)           As liquidações de IVA em crise nos autos respeitam ao ano de 2014 e resultam de uma inspeção externa iniciada em 05/11/2018, de âmbito parcial em sede de IRC. (Cfr. Página 1 do RIT junto aos autos).

H) Em 08/03/2019, foi assinada nova ordem de serviço em virtude de ter sido alterado o âmbito do procedimento inspetivo de parcial em sede de IRC para geral. (Cfr. pgs 1 e 4 do RIT junto aos autos).

I) A Requerente apresentou Reclamação Graciosa a qual tramitou sob o n.º ...2019... e que foi expressamente indeferida e notificada à Requerente em 17/12/2019. (Cfr. Documento n.º 1 junto pela Requerente com a sua petição arbitral).

J)A Requerente foi notificada das liquidações adicionais de IVA com os n.ºs ... (1403T) de € 15.698,33, ... (1406T) de € 77.613,21, ... (1409T) de € 7.581,63 e ...(1412T) de € 16.319,47 e juros compensatórios e de mora nos valores de € 1.228,01 (Iiq. 2019...) e € 75,60 (liq. 2019...), perfazendo o montante total de € 118.516,25.(Cfr. Documento n.º 1 junto pela Requerente com a sua petição arbitral).

L) Na pendência dos presentes autos arbitrais, a AT notificou a Requerente do ofício n.º..., de 2020-09-16 o qual ditou a revogação da liquidação adicional de IVA n.º... referente ao período 1409T, mantendo os restantes atos tributários. (Cfr. Documento junto pela Requerente com a resposta à exceção invocada pela Requerida).

K) Pela Informação n.º ..., datada de 2020-09-03, da Direção de Serviços do  IVA, veio aquela Direção reconhecer nos seus pontos 21, 26 e 28 a caducidade das liquidações de IVA notificadas à Requerente e que constituem o objeto mediato dos presentes autos. (Cfr. Documento junto aos autos em 2020-12-09 pela Requerida após notificação do Tribunal).

M) A Requerente apresentou, em 17-03-2020, pedido de pronúncia arbitral.

 

3.FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem outros factos com relevo para a decisão de mérito dos autos que não se tenham provado.

4. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.

De referir que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pela Requerente enquanto autor (cfr. artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs. 2 a 4, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607º, nº.5, do C.P.Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré- estabelecida na Lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371º, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

6. DO DIREITO

- Da ilegalidade das liquidações impugnadas.

A Requerente intentou a presente ação arbitral contra o indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2019..., e, consequentemente, a ilegalidade das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.ºs ... (1403T) de € 15.698,33, ... (1406T) de € 77.613,21, ... (1409T) de € 7.581,63 e ... (1412T) de € 16.319,47 e juros compensatórios e de mora nos valores de € 1.228,01 (liq. 2019...) e € 75,60 (liq. 2019...), perfazendo o montante total de € 118.516,25).

Refere a Requerida na contestação que notificou a Requerente da revogação da liquidação adicional de IVA n.º ... referente ao período 1409T, com as devidas consequências legais, mantendo os restantes atos tributários.

Para fundamentar essa decisão, no indeferimento da reclamação graciosa, pode ler-se que, no caso concreto, existem dois inícios distintos de contagem de prazo.

Em relação às liquidações n.ºs ... (1403T), ... (1406T) e ... (1412T), com valor de correção respetivamente de € 15.698,33, € 77.613,21 e € 16.319,47, o início do prazo para deduzir a reclamação graciosa ocorreu em 09/05/2019 (contribuinte considerado notificado pela entrega do documento – 04/05/2019 - na caixa postal do ViaCTT – n.º 9 do art.º 38.º e n.º 10 do art.º 39.º do CPPT – na redação conferida pelo DL 93/2017, de 1/8.

Assim sendo, o prazo limite para apresentar a reclamação graciosa seria 06/09/2019, pelo que, sendo a data do registo do envio da petição de 12/09/2019, a mesma mostra-se intempestiva relativamente a este facto.

Atendendo à intempestividade da reclamação graciosa quanto às liquidações n.ºs ... (1403T), ... (1406T) e ... (1412T), não podem ser revogados tais atos, nem serem objeto de apreciação em sede de decisão arbitral, tendo em consideração que só a tempestividade da reclamação graciosa abriria à Requerente, a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações impugnadas.

Por sua vez, para a Requerente, tratando-se de IVA de períodos de 2014, notificadas após 1 de janeiro de 2019, todas as liquidações se encontram caducadas. Com efeito, as liquidações reclamadas deveriam ter sido notificadas até 31/12/2018 e só foram liquidadas e notificadas em 09/05/2019, ou seja, muito para além do limite daquele prazo legal, pelo que, as liquidações reclamadas são todas manifestamente ilegais, por violação do prazo legal de caducidade estipulado no artº 45º, nº 1, da LGT.

Alega a Requerente que, a ser assim, a revogação deveria ter sido total em relação a todas as liquidações do IVA de 2014 reclamadas.

 

Vejamos.

 

§1.º Quanto à caducidade das liquidações

Estamos a falar de liquidações do IVA de períodos de 2014, notificadas após 1 de janeiro de 2019, constatando-se que a mesma ocorreu para além do prazo previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT.

Repare-se, porém, que a Requerida alega que “foi emitida uma ordem de serviço com vista a uma ação inspetiva parcial a incidir sobre o IRC do exercício de2014, ação que teve início em 05/11/2018 e seu términus em 29/04/2019).

Assim, nos termos do n.º 1 do artigo 46.º da LGT, o prazo de caducidade suspende-se com notificação ao contribuinte, nos termos legais da ordem de serviço ou despacho no início da ação externa.

Porém, na fundamentação do despacho de revogação parcial pode ler-se que a ação inspetiva era parcial e dirigida ao IRC de 2014, portanto a suspensão opera somente em relação ao IRC.

Quanto ao IVA, o alargamento do âmbito da inspeção só ocorreu a 8/03/2019, data em que dele foram notificados os legais representantes da Requerente.

Pode ler-se naquele despacho que: “ Sendo certo que o artigo 15.° do RCPITA prevê  no seu  n.º 1 a possibilidade de “(o)s fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspeção podem ser alterados durante a sua execução…”, na verdade, quando a 8/03/2020 se alargou o âmbito da OI passando de inspeção parcial, para IRC, a inspeção geral, conforme classificação da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.° do RCPITA, já o direito à liquidação do IVA respeitante aos períodos de 2014, tinha caducado. Isto porque o prazo previsto no n.º 1 do artigo 45.° da LGT já se encontrava ultrapassado e a suspensão prevista no n.º 1 do artigo 46.° do mesmo diploma legal, só pode operar relativamente ao IRC, como já se viu, sendo inaplicável ao IVA por esse mesmo motivo.

Assim não restam dúvidas que o direito à liquidação do IVA aqui em questão tinha caducado quando ocorreu o alargamento da ação inspetiva e, por conseguinte, as liquidações a que deu origem devem ser afastadas da ordem jurídica por serem ilegais. ”.

Por conseguinte, resulta do exposto que é a Requerida ela própria a reconhecer que todas as liquidações reclamadas são ilegais, porque foram realizadas pela AT muito para além do prazo de caducidade.

Note-se, porém que, de seguida, a fundamentar a não revogação total, repete-se que apenas a liquidação n.º ... (1409T) se mostra tempestiva, pelo que, atendendo à intempestividade da reclamação graciosa quanto às liquidações n.ºs ... (1403T), 2726 (1403T), ... (1406T) e ... (1412T) não devem as mesmas serem revogadas.

Em suma, como alega a Requerente, “A ilegalidade agora reconhecida pela própria Autoridade Tributária e que foi invocada, fundadamente, pela Requerente no seu pedido arbitral, não deixa margem para dúvidas. E tem acolhimento na já vasta jurisprudência produzida sobre a questão, como, a título de exemplo, se pode ver na decisão arbitral do CAAD, de 08-07-2018, proferida no Proc. 564/2017-T e no Acórdão do STA, de 12-10-2016, proferido no processo 0879/15”, ambos transcritos pela Requerente no presente pedido arbitral.

Por conseguinte, não havendo dissídio quanto à questão da caducidade das liquidações impugnadas, a questão desloca-se da caducidade para a da tempestividade.

§2.º Quanto à tempestividade

Nesta sede, saliente-se que a Requerente não nega que a reclamação seja intempestiva. Argumenta, porém, que, embora “intempestiva como reclamação graciosa, verifica-se que, quando deduzida, a petição da Requerente encontrava-se (e ainda hoje se encontra) dentro do prazo de 4 anos após as liquidações, para a sua revisão oficiosa, com fundamento em erro imputável aos serviços, nos termos do disposto no artº 78º, nº 1, da LGT.

“Pelo que, estando em prazo para a revisão oficiosa, deveria a Autoridade Tributária, oficiosamente, ter convolado a reclamação graciosa em revisão oficiosa do ato tributário. Como lhe impõe a lei (Cfr. artº 52º do CPPT).”

“Neste mesmo sentido vai, igualmente, toda a linha jurisprudencial que o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a adoptar, designadamente nos acórdãos proferidos em 7/10/2009, nos processos nºs 475/09 e 476/09, em 2/11/2011, no processo n.º 329/11 e em 14/12/2011, no processo 0366/11, em que se decidiu que a Administração Tributária tem o dever de convolar uma reclamação em procedimento de revisão oficiosa, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT  .

“Veja-se, por exemplo, o Acórdão do STA, de 14/12/2011, Proc. 0366/11, onde se sumariou:

Sumário:

I - Apesar de não ter sido deduzida reclamação contra o acto de autoliquidação no prazo previsto no artigo 131.º do CPPT, o interessado podia ainda solicitar à administração tributária a revisão oficiosa do acto ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, vez que a lei ficciona que os erros da autoliquidação são imputáveis à administração e esta não pode demitir-se de tomar a iniciativa de revisão quando demandada para o efeito pelo interessado, estando mesmo obrigada a proceder à convolação nesse meio procedimental quando conclui que a reclamação apresentada é intempestiva – artigo 52.º do CPPT.

II – (...)

III –(...).

IV - Considerando o poder-dever atribuído à administração tributária de proceder à convolação da reclamação em pedido de revisão do acto de autoliquidação, e considerando que na data em que é apresentado a reclamação ainda não se encontrava esgotado o prazo dentro do qual a revisão oficiosa podia ser pedida e ordenada, não podia o pedido de anulação do acto que a reclamante dirigiu à administração tributária ser indeferido por intempestividade.”

(…)

“No mesmo sentido, vai o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo n.º 1349/10.0BELRS, de 23.03.2017:

(...)

“ 4. Recorde-se que nos casos previstos na norma de iniciativa oficiosa de revisão, podem os contribuintes provocar a revisão a levar a efeito pela A. Fiscal, visto se entender a revisão como um poder-dever, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a Fazenda Pública tem de observar na globalidade da sua actividade (artº.266, nº.2, da C.R.P., artº.55, da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei.”

Alega a Requerente que “Em vez de ter indeferido por intempestividade o pedido da Reclamante, a AT deveria ter convolado, oficiosamente, a petição em revisão do ato tributário   e ter, consequentemente anulado as liquidações ilegais reclamadas, de acordo com o juízo de ilegalidade que a AT delas fez, atentos os princípios da justiça, da  igualdade e da legalidade  que a AT tem de observar na sua actividade, decorrentes dos artigos 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 55.º da Lei Geral Tributária (LGT).”

A Requerente refere, ainda, mais jurisprudência no mesmo sentido.

Isto posto, afigura-se que assiste razão à Requerente.

Em primeiro lugar, é inquestionável que, ainda não tinha decorrido o prazo de revisão oficiosa. Assim sendo, como ficou consignado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da seção do CT, processo n.º 0793/2014), de 3 de junho de 2015, “(…) o meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação)…”.

Por outro lado, quanto ao prazo de recurso à via da revisão oficiosa, constitui, hoje, jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do ato tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (artigo 78.º, n.º 1, da LGT), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento.

Assim sendo, reconhecendo a Requerida que as liquidações ora impugnadas foram notificadas para além do prazo de caducidade, deveria ter procedido à convolação da reclamação graciosa em revisão oficiosa, com vista à sua revogação total, com fundamento em ilegalidade.

Além da jurisprudência, o dever que impende sobre a Administração revogar todos os seus atos ilegais é um princípio há muito defendido pela doutrina administrativista, como alega a Requerente, na resposta à matéria de exceção  decorrente de exigências ligadas aos princípios  da igualdade, da imparcialidade e do acesso à tutela judicial efetiva.

Termos em que a exceção invocada não pode proceder porque, contrariamente à pretensão da Requerida, a reclamação do contribuinte é tempestiva por estar em prazo para ser convolada   em revisão oficiosa, nos termos do artigo 52.º do CPPT, preceito que foi violado no caso em apreço.

§3. Questões prejudicadas

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com fundamento nos vícios atrás referidos, o que assegura uma efetiva e estável tutela dos direitos dos Requerentes, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados.

Na verdade, como está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no artigo 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), julgado procedente um vício que obste à renovação do ato impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados.

Por isso, julgado procedente o pedido com fundamento num vício que impede a renovação do ato impugnado com o mesmo sentido, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados, sejam formais e procedimentais, seja também de violação da lei.

 

IV. Decisão

Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido  arbitral e, consequentemente:

a) Julgar improcedente a exceção da intempestividade;

b) Declarar ilegal e anular o indeferimento da reclamação graciosa;

c) Anular, em consequência, as liquidações de IVA impugnadas, supra identificadas.

 

V. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 118.440,49, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. Custas

 

Conforme o disposto no artigo 24.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, por ter dado causa à ação.

 

Notifique-se.

Lisboa, 14 de Janeiro de 2021.

 

Os Árbitros,

 

(Fernanda Maçãs - presidente)

(Henrique Nogueira Nunes – vogal)

(Paulo Lourenço – vogal)