Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 180/2020-T
Data da decisão: 2020-10-08  IRC  
Valor do pedido: € 322.650,05
Tema: IRC - Juros compensatórios. Cessação de RETGS. Falta de culpa
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Francisco José Nicolau Domingos e Prof. Doutor Eduardo Paz Ferreira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 05-08-2020, acordam no seguinte:

          

                1. Relatório

 

A..., S.A, com sede na Rua ..., ..., ...-... ..., com o número único de pessoa coletiva e de matrícula na Conservatória do Registo Comercial ... (doravante apenas “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade das decisões das reclamações graciosas que mantiveram na ordem jurídica o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas («IRC») n.º 2019... e da demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., referentes ao ano de 2015 (em que se inclui a liquidação de juros compensatórios por retardamento da liquidação n.º 2019...) e, bem assim, o acto de liquidação IRC n.º 2019... e da demonstração de liquidação de juros compensatórios nº 2019..., referentes ao ano de 2016 (em que se inclui a liquidação de juros compensatórios por retardamento da liquidação n.º 2019...).

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade daqueles actos na parte em que reflectem a liquidação de juros compensatórios.

A Requerente pede ainda o reembolso dos montantes indevidamente pagos com juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 17-03-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 16-01-20209, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 05-08-2020 (considerando a suspensão de prazos determinada pelo artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março).

A AT apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 22-09-2020 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A)           A Requerente é uma sociedade anónima, com sede em território português, com o capital social detido a 100% pela B..., SPGS, SA (doravante, B... SGPS), e que tem por objecto tem por objecto a realização de actividades no âmbito da gestão, manutenção, exploração e consultoria nas indústrias do ambiente, incluindo a locação e aquisição de bens móveis e aquisição de serviços dentro das empresas que integram o grupo C...;

B)           Em 2010, a B... SGPS e as sociedades cujo capital social era pela mesma detido em, pelo menos, 90%, entre as quais a Requerente, formaram um grupo de empresas sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto no artigo 69.º do Código do IRC (Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

C)           No exercício de 2010, em que o grupo foi constituído, o capital social da B... SGPS era detido: i) em 72,18% pela D..., SGPS, S.A. (D...); ii) em 19% pela E..., SGPS, S.A. (E...); e iii) em 8,82% pela Direção Geral do Tesouro (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

D)           Em 31 de Janeiro de 2013, a D... adquiriu à Direção Geral do Tesouro a participação de 8,82% que esta detinha no capital social da B... SGPS, passando a posição acionista da D... na B... SGPS a corresponder a 81% do respetivo capital social (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

E)            A estrutura accionista da B... SGPS — que se mantém inalterada até hoje — passou a ser composta pelas participações sociais pertencentes à D... e à E..., correspondentes, respetivamente, a 81% e 19% do capital social da B... SGPS;

F)            Só em finais de 2017 é que a B... SGPS deu por verificado que havia deixado de reunir as condições para ser a sociedade dominante do Grupo C..., por efeito da alteração de 90% para 75% da percentagem de detenção mínima necessária à integração de uma sociedade num grupo de sociedades — para efeitos de aplicação do RETGS — resultante da entrada em vigor da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, por a partir de 01-01-2015 ser considerada sociedade dominada da D...;

G)           Até finais de 2017, tanto a B... SGPS, como as restantes sociedades do Grupo C..., incluindo a Requerente e a Administração Tributária continuaram a actuar no pressuposto, errado, de que aquela era, e que podia ser, a sociedade dominante do Grupo C...;

H)           Até finais de 2017, as sociedades do Grupo C... cumpriram as suas obrigações tributárias – as obrigações declarativas e as obrigações principais (entrega das prestações tributárias) – de acordo com o quadro normativo do regime especial de tributação dos grupos de sociedades;

I)             Em 2015, as sociedades que formavam o Grupo C... estavam obrigadas a entregar à Administração Tributária os seguintes montantes (anuais) a título de pagamento por conta e a título de pagamento adicional por conta (Documentos n.ºs 7 a 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos):

 

J)            Nesse mesmo ano de 2015, a B... SGPS entregou ao Estado – assumindo-se como sociedade dominante do suposto Grupo C...– os pagamentos por conta e os pagamentos adicionais por conta referentes ao ano de 2015 repartidos por três prestações de igual valor, nos seguintes termos e datas (Documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido):

 

K)           Em 2016, as sociedades que formavam o Grupo C... estavam obrigadas a entregar à Administração Tributária os seguintes montantes (anuais) a título de pagamento por conta e a título de pagamento adicional por conta (Documentos n.ºs 14 a 19 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos):

 

L)            Nesse mesmo ano de 2016, a B... SGPS entregou ao Estado – assumindo-se como sociedade dominante do suposto Grupo C...– os pagamentos por conta e os pagamentos adicionais por conta referentes ao ano de 2016 repartidos por três prestações de igual valor, nos seguintes termos e datas (Documentos n.ºs 20 a 25 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos):

 

M)          Antes de ter procedido às referidas entregas, a B... SGPS recebeu da Requerente os valores correspondentes aos pagamentos por conta e aos pagamentos adicionais por conta de que a mesma era (individualmente), devedora;

N)           Tendo, no final de 2017, identificado o erro em que laborava, a B... SGPS comunicou o sucedido à Unidade dos Grandes Contribuintes;

O)           Após a realização de diversas reuniões e troca de missivas entre a Unidade dos Grandes Contribuintes e a B... SGPS, a Administração Tributária instaurou procedimentos de inspeção tributária às diversas sociedades que integraram o Grupo C... (Documentos 7 a 12 e 14 a 19 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

P)           No Relatório da Inspecção Tributária relativo à inspecção à Requerente relativa ao exercício de 2015, que consta do documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais o seguinte:

 

III.2.1 PAGAMENTOS POR CONTA

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º do CIRC, as entidades que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem procederão pagamento do imposto em três pagamentos por conta, com vencimento em julho, setembro e 15 de dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável, e, de acordo com o n.º 6 do artigo 105.º do CIRC: "No período de tributação seguinte àquele em que terminar a aplicação do regime previsto no artigo 69.º, os pagamentos por conta a efetuar por cada uma das sociedades do grupo são calculados nos termos do n.º 1 com base no imposto que lhes teria sido liquidado relativamente ao período de tributação anterior se não estivessem abrangidas pelo regime".

Nestes termos, o sujeito passivo deveria ter efetuado três pagamentos por conta, com vencimento em julho, setembro e 15 de dezembro de 2015 no montante de €494.933,00 cada, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º do CIRC e calculados em conformidade com o artigo 105º, ambos do CIRC (conforme quadro infra), havendo lugar a juros compensatórios sobre os pagamentos por conta não realizados de acordo com o n.º 1 do artigo 102.º daquele diploma, que são contados até ao termo do prazo para envio da declaração ou até à data de pagamento da autoliquidação, se anterior, ou, em caso de mero atraso, até à data da entrega por conta, devendo, neste caso, ser pagos simultaneamente nos termos do n.º 5 do artigo 104.º do CIRC e do artigo 35.º da Lei Geral Tributária.

 

III.2.2 PAGAMENTOS ADICIONAIS POR CONTA

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 105.º-A do CIRC, as entidades obrigadas a efetuar pagamentos por conta e pagamentos especiais por conta devem efetuar o pagamento adicional por conta nos casos em que no período de tributação anterior fosse devida derrama estadual nos termos referidos no artigo 87.º-A. Segundo a alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º-A, devem ser efetuados três pagamentos adicionais por conta, com vencimento em julho, setembro e 15 de dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável.

Nestes termos, o sujeito passivo deveria ter efetuado três pagamentos adicionais por conta, com vencimento em julho, setembro e 15 de dezembro de 2015 no montante de €44.404,54 cada, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º- A, conjugado com o artigo 105.º-A, ambos do CIRC (conforme quadro infra), havendo lugar a juros compensatórios sobre os pagamentos adicionais por conta não realizados, que são contados até ao termo do prazo para envio da declaração ou até é data de pagamento da autoliquidação, se anterior, ou, em caso cie mero atraso, até à data da entrega por conta, devendo, neste caso, ser pagos simultaneamente de acordo com o n.º 5 do artigo 104.º do CIRC e artigo 35.º da LGT.

 

(...)

IX - Direito de Audição.

Resumidamente, os pagamentos antecipados não efetuados durante o ano de 2015 são os que constam no quadro infra:

 

Há lugar a juros compensatórios sobre os pagamentos antecipados não efetuados nos termos do artigo 35.º da LGT conjugado com o n.º 5 do artigo 104.º do CIRC, no caso dos pagamentos por conta e adicionais por conta.

 

Q)           No Relatório da Inspecção Tributária relativo à inspecção à Requerente relativa ao exercício de 2016, que consta do documento n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais o seguinte:

III.2.1 PAGAMENTOS POR CONTA

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 104.ºdo CIRC, as entidades que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem proceder ao pagamento do imposto em três pagamentos por conta, com vencimento em julho, setembro e 15 de dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável, e, de acordo com o n.º 6 do artigo 105.º do CIRC: "No período de tribulação seguinte àquele em que terminar a aplicação do regime previsto no artigo 69.º, os pagamentos por conta a efetuar por cada uma das sociedades do grupo são calculados nos termos do n.º 1 com base no imposto que lhes teria sido liquidado relativamente ao período de tributação anterior se não estivessem abrangidas pelo regime".

Nestes termos, o sujeito passivo deveria ter efetuado três pagamentos por conta, com vencimento em julho, setembro e 15 de dezembro de 2016 no montante de €517.976,00 cada de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º do CIRC e calculados em conformidade com o artigo 105.º, ambos do CIRC (conforme quadro infra), havendo lugar a juros compensatórios sobre os pagamentos por conta não realizados de acordo com o n.º 1 do artigo 102.º daquele diploma, que são contados até ao termo do prazo para envio da declaração ou até à data de pagamento da autoliquidação, se anterior, ou, em caso de mero arraso, até à data da entrega por conta, devendo, neste caso, ser pagos simultaneamente nos termos do n.º 5 do artigo 104.º do CIRC e do artigo 35.º da Lei Geral Tributária.

 

III.2.2 PAGAMENTOS ADICIONAIS POR CONTA

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 105 - A do CIRC, as entidades obrigadas a efetuar pagamentos por conta e pagamentos especiais por conta devem efetuar o pagamento adicional por conta nos casos em que no período de tributação anterior fosse devida derrama estadual nos termos referidos no artigo 87.º-A. Segundo a alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º-A, devem ser efetuados três pagamentos adicionais por conta, com vencimento em julho, setembro e 15 de dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável.

Nestes termos, o sujeito passivo deveria ter efetuado três pagamentos adicionais por conta, com vencimento em julho, setembro e 15 de dezembro de 2016 no montante de €54.551,47 cada, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º- A, conjugado com o artigo 105.º-A, ambos do CIRC (conforme quadro infra), havendo lugar a juros compensatórios sobre os pagamentos adicionais por conta não realizados, que são contados até ao termo do prazo para envio da declaração ou até à data de pagamento da autoliquidação, se anterior, ou, em caso de mero atraso, até à data da entrega por conta, devendo, neste caso, ser pagos simultaneamente de acordo com o n.º 5 do artigo 104.º do CIRC e artigo 35.º da LGT.

 

(...)

IX - Direito de Audição.

Resumidamente, os pagamentos antecipados não efetuados durante o ano de 2016 são os que constam no quadro infra:

 

Há lugar a juros compensatórios sobre os pagamentos antecipados não efetuados nos termos do artigo 35.º da LGT conjugado com o n.º 5 do artigo 104.º do CIRC, no caso dos pagamentos por conta e adicionais por conta.

 

R)           Em 17-01-2019, a Administração Tributária emitiu os actos de liquidação adicional de IRC a cada uma das sociedades que integraram o Grupo C..., nos termos, que resumidamente, se seguem (documentos n.ºs 26 a 37 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos):

 

S)            Relativamente à Requerente, foram emitidas, relativamente ao exercício de 2015, a liquidação de IRC n.ºs 2019 ... e a liquidação de juros compensatórios «por retardamento da liquidação» n.º 2019... (esta no valor de € 195.638,25) (demonstração de liquidação n.º 2019..., que consta do documento n.º 30 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

T)            Relativamente à Requerente e ao exercício de 2016, foram emitidas a liquidação de IRC n.º 2019 ... e a liquidação de juros compensatórios por «retardamento da liquidação» n.º 2019 ... (esta no valor de € 127.011,80) (demonstração de liquidação n.º 2019 ..., que consta do documento n.º 36 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

U)           Em 24-06-2019, a Requerente reclamou graciosamente dos actos de liquidação adicional de IRC, na parte em que refletem o apuramento de juros compensatórios, alegando, não terem sido devidamente refletidos (considerados) nas referidas liquidações os pagamentos por conta e os pagamentos adicionais por conta que foram realizados pela sociedade B... SGPS em 2015 e em 2016 por conta da Requerente e que no caso em apreço não se verificam os pressupostos de que depende a liquidação de juros compensatórios fixados no artigo 35 .º da Lei Geral Tributária;

V)           Na decisão da reclamação graciosa n.º ...2019..., relativa ao exercício de 2015, que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais, o seguinte:

INFORMAÇÃO N.º 300-AIR/2019

Com referência aos presentes autos de procedimento administrativo de reclamação graciosa que correm seus termos junto desta Unidade dos Grandes Contribuintes "(UGC"), instaurados sob o registo em epígrafe, somos, conforme segue, e ao abrigo da norma inserta no artigo 75.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário ("CPPT"), atenta a redação conferida pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 6/2013, de 17 de janeiro, ao n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro3, a informar com correspondência ao "quadro-síntese" Infra, para os termos e efeitos de Consideração Superior.

 

§ IV.I.II. DA DECISÃO

24.  Como alega a Reclamante, as entregas ao Estado a título de pagamentos antecipados foram efetuadas pela então designada sociedade dominante no pressuposto de continuar em vigor o RETGS.

Nesta medida,

25.   Tendo sido tais entregas imputadas pela AT às liquidações adicionais de imposto das empresas designadas para o efeito pelo grupo (a empresa F..., SA, NIPC ... e a empresa B... SGPS, NIPC...), em conformidade com as decisões tomadas nas reuniões efetuadas, não se mostram exigidos na liquidação aqui reclamada de quaisquer juros compensatórios incidentes sobre eventuais pagamentos antecipados não realizados pela Reclamante.

26.   Sem prejuízo da procedência da argumentação expendida pela Reclamante, o certo é que a liquidação  reclamada  não  contém  quaisquer juros compensatórios  decorrentes  da  falta  de realização de pagamentos antecipados por parte da Reclamante, contrariamente ao exposto no relatório de inspeção tributária.

De facto,

27.   Ao nível do então considerado existente grupo fiscal os pagamentos antecipados foram efetuados, dentro dos prazos legais, pela sociedade B... SGPS, na qualidade de sociedade dominante, os quais foram assumidos pela AT e imputados nas respetivas liquidações corretivas de imposto, na esfera das empresas escolhidas para o efeito.

Assim,

28.   A pretensão da Reclamante de não lhe serem exigidos juros compensatórios pela falta de realização dos pagamentos antecipados mostra-se satisfeita na exata medida em que a liquidação reclamada não os contempla.

29.  Como expressa a Reclamante, e já atrás se fez referência, tais pagamentos relativos ao período de tributação de 2015 foram imputados às empresas eleitas para o efeito, estando contemplados nas respetivas liquidações de IRC, conforme a seguir se indica:

>    Os pagamentos adicionais por conta, no total de € 4 635 574,92, foram imputados à empresa B..., SGPS, NIPC..., encontrando-se refletidos na liquidação de IRC n.º 2019..., com o valor a reembolsar de € 2 551 616,23 2I;

>    Os pagamentos por conta, no total de € 19 257 405,51, foram imputados à empresa F..., SA, NIPC..., encontrando-se refletidos na liquidação de IRC n.º 2019..., com o valor a pagar de € 572,27 22.

Contudo,

30.   A liquidação reclamada insere um montante de juros compensatórios de € 195 638,25.

Porém,

31.   Esse montante de juros mostra-se devido por ser respeitante ao retardamento da liquidação do imposto devido a final pela Reclamante, individualmente considerada.

De facto,

32.   No que se refere a juros compensatórios, dispõe o n.º 1 do artigo 35.º da LGT que "São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária".

E,

33.   No mesmo sentido determina o número 1 do artigo 102.º do Código do IRC.

Ou seja,

34.   Impende sobre os sujeitos passivos o dever de pagar ao Estado juros compensatórios sempre que, por facto que lhes seja imputável, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto23.

35.   O Estado vê-se ressarcido dos danos sofridos com o atraso na liquidação do imposto originado pela falta de cumprimento da sua efetivação no prazo legal.

36.   Os juros compensatórios visam assim ressarcir o Estado pelo prejuízo sofrido com o retardamento da liquidação por facto imputável ao contribuinte.

37.   No caso em apreço, não há dúvida que se mostram reunidas as condições para a conferência do direito ao Estado a juros compensatórios.

Com efeito,

38.   O facto que conduziu ao retardamento da liquidação e da entrega do imposto devido pela Reclamante apenas â mesma é imputável, já que, a sua integração no grupo derivou de erro de apreciação das regras subjacentes ao RETGS, previsto nos artigos 69.º a 71.º do Código do IRC.

39.   Face ao exposto improcede o pedido de anulação dos juros compensatórios constantes da liquidação reclamada.

 

§ V. DO DIREITO DE AUDIÇÃO

35.   Em conformidade com o exposto nos pontos anteriores foi elaborado o Projeto de Decisão, no sentido do indeferimento do pedido, consubstanciado na Informação n.º 258-AIR1/2019, sendo a Reclamante através de ofício emanado desta Unidade Orgânica devidamente notificada para, querendo, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, por sua vez conjugado com o preceituado no artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo ("CPA").

36.   Exerceu a Reclamante esse direito, expondo as razões pelas quais não concorda com a decisão projetada, aqui dadas  por integralmente  reproduzidas  para todos os efeitos  legais,  e que, sumariamente, reiteram a argumentação anteriormente aduzida.

Nesse contexto,

37.   A Reclamante volta a defender a impossibilidade de ocorrer o apuramento dos juros compensatórios constantes da liquidação contestada, entendendo que nem o Estado se viu privado da totalidade do valor correspondente ao imposto devido nem as entidades envolvidas agiram com culpa.

Ora,

38.   Os princípios e regras para a integração e manutenção de um grupo de sociedades no RETGS encontram-se objetivamente definidas no Código do IRC não podendo a Reclamante escudar-se no seu desconhecimento.

39.   Como bem sabe a Reclamante a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas.

40.   A deteção do erro em que lavrou o grupo determinou que para efeitos da sua correção fossem encetados os devidos procedimentos de liquidação de imposto na esfera individual de cada uma das empresas.

Contudo,

41.   Uma vez que a "suposta empresa dominante" efetuou em nome do "suposto grupo" pagamentos antecipados, foi assumido em reuniões havidas com a AT, como refere a Reclamante, que tais pagamentos seriam assumidos na esfera das empresas eleitas para o efeito.

Nessa sequência,

42.  Não foram liquidados às diversas empresas juros compensatórios relativos à falta de entrega nos cofres do Estado de pagamentos antecipados.

Porém,

43.   Situação diversa é a que respeita ao retardamento da liquidação do imposto devido a final por cada empresa individualmente considerada.

44.   A este nível, obviamente que resulta haver empresas com imposto a reembolsar e empresas com imposto a pagar.

45.   No caso concreto, a empresa aqui Reclamante, individualmente considerada, tem um valor total a pagar de € 2 150 949,36, sendo € 1 955 311,11 respeitantes a imposto e € 195 638,25 a juros compensatórios.

46.    É o que resulta da liquidação adicional de IRC n.º 2019..., referente ao período de tributação de 2015, que se deverá manter.

E, assim sendo,

47.   Considerando a permanência da validade dos pressupostos que, de facto e de direito, alicerçaram o nosso "Projeto de Decisão", somos, então, a entender pela definitividade do mesmo, com todas as consequências legais.

 

§ VI. DA CONCLUSÃO

Em conformidade com todo o exposto e compulsados os elementos dos autos, designadamente o nosso anterior "Projeto de Decisão" e as peças processuais carreadas pela Reclamante, parece-nos ser de indeferir totalmente o pedido inserto nos autos, em conformidade com o teor do "quadro-síntese" mencionado no intróito desta nossa Informação, com todas as consequências legais, designadamente, sendo o caso, no que tange ao preceituado no artigo 163.º do CPA e, bem como, ao cumprimento do determinado pelo artigo 100.º da LGT.

Mais se informa que, em caso de Concordância Superior, se promova a notificação da Reclamante, através de ofício nos termos do previsto nos artigos 35.º a 41.º do CPPT, com todas as consequências legais.

 

W)          Na decisão da reclamação graciosa n.º ...2019..., relativa ao exercício de 2016, que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais o seguinte:

INFORMAÇÃO N.º 304-AIR/2019

Com referência aos presentes autos de procedimento administrativo de reclamação graciosa que correm seus termos junto desta Unidade dos Grandes Contribuintes "(UGC"), instaurados sob o registo em epígrafe, somos, conforme segue, e ao abrigo da norma inserta no artigo 75.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário ("CPPT")2, atenta a redação conferida pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 6/2013, de 17 de janeiro, ao n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro3, a informar com correspondência ao "quadro-síntese" Infra, para os termos e efeitos de Consideração Superior.

 

(...)

§ IV.I.II. DA DECISÃO

25.   Como alega a Reclamante, as entregas ao Estado a título de pagamentos antecipados foram efetuadas pela então designada sociedade dominante no pressuposto de continuar em vigor no período de tributação de 2016 o RETGS.

Nesta medida,

26.   Tendo sido tais entregas imputadas pela AT à liquidação adicional de imposto da empresa designada pelo grupo para o efeito {a empresa F..., SA, NIPC...), em conformidade com as decisões tomadas nas reuniões efetuadas, não se mostram exigidos na liquidação aqui reclamada quaisquer juros compensatórios incidentes sobre eventuais pagamentos antecipados não realizados pela Reclamante.

27.   Sem prejuízo da procedência da argumentação expendida pela Reclamante, o certo é que a liquidação  reclamada  não contém juros compensatórios derivados da falta de  realização de pagamentos por conta e de pagamentos adicionais por conta, contrariamente ao que se encontra exposto no relatório de inspeção tributária.

De facto,

28.   Ao nível do então considerado existente grupo fiscal os pagamentos antecipados foram efetuados, dentro dos prazos legais, pela sociedade B... SGPS, na qualidade de sociedade dominante, os quais foram assumidos pela AT e imputados na liquidação corretiva de imposto emitida para a empresa F..., SA, NIPC ...

Desta forma,

29.   A liquidação reclamada não tem contemplados, nem pode ter, pagamentos antecipados desta natureza, nem, tão pouco, juros compensatórios deles decorrentes.

Assim,

30.   A pretensão da Reclamante de não lhe serem exigidos juros compensatórios pela falta de realização dos pagamentos por conta e dos pagamentos adicionais por conta mostra-se satisfeita na exata medida em que a liquidação reclamada não os contempla.

31.  Como expressa a Reclamante, e já atrás se fez referência, no período de tributação de 2016, esses pagamentos foram realizados pela sociedade então considerada dominante, e imputados, conforme assunção pelo grupo, à empresa "F..." eleita para o efeito, estando contemplados na respetiva liquidação adicional de IRC.

Por sua vez,

32.   No que respeita ao pagamento especial por conta, este foi efetuado pelo valor de € 3 634,56, também, pela sociedade então considerada dominante, em função dos elementos relativos a cada empresa".

33.   Encontrando-se imputado na liquidação corretiva emitida para esta mesma empresa para o período de tributação de 2016.

Desta forma,

34.   O montante de juros compensatórios de € 1 031,86, constante da liquidação reclamada, relativo ao PEC não realizado pela Reclamante em 2016 não se mostra devido, devendo ser anulado.

Já no que respeita,

35.   Aos juros compensatórios no montante de € 127 011,80, relativos, conforme atrás se referiu, ao retardamento da liquidação do imposto devido a final pela Reclamante individualmente considerada os mesmos mostram-se devidos.

De facto,

36.   No que se refere a juros compensatórios, dispõe o n.º 1 do artigo 35.º da LGT que "São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária".

E,

37.    No mesmo sentido determina o número 1 do artigo 102.º do Código do IRC.

Ou seja,

38.   Impende sobre os sujeitos passivos o dever de pagar ao Estado juros compensatórios sempre que, por facto que lhes seja imputável, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto.

39.  Os juros compensatórios visam, assim, ressarcir o Estado pelo prejuízo sofrido com o retardamento da liquidação, por facto imputável ao contribuinte.

40.   No caso em apreço, não há dúvida que se mostram reunidas as condições para a conferência do direito ao Estado a juros compensatórios.

41.   O facto que conduziu ao retardamento da liquidação e entrega do imposto devido pela Reclamante apenas à mesma é imputável, já que, a sua integração no grupo derivou de erro de apreciação das regras subjacentes ao RETGS, previstas nos artigos 69.º a 71.º do Código do IRC.

Face ao exposto,

42.   Improcede o pedido de anulação dos juros compensatórios, no valor de € 127 011,80.

E, assim sendo,

43.   Deve proceder-se à anulação da liquidação reclamada na parte em que insere o valor de € 1 031,86 relativo a juros compensatórios por falta de realização do PEC.

§ V. DO DIREITO DE AUDIÇÃO

44.   Em conformidade com o exposto nos pontos anteriores foi elaborado o Projeto de Decisão, no sentido do deferimento parcial do pedido, consubstanciado na Informação n.º 269-AIR1/2019, sendo a Reclamante através de ofício emanado desta Unidade Orgânica devidamente notificada para, querendo, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, por sua vez conjugado com o preceituado no artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo ("CPA").

45.   Exerceu a Reclamante esse direito, expondo as razões pelas quais não concorda com a decisão projetada, aqui dadas  por integralmente  reproduzidas  para todos os efeitos  legais,  e que, sumariamente, reiteram a argumentação anteriormente aduzida.

Nesse contexto,

46.   A Reclamante volta a defender a impossibilidade de ocorrer o apuramento dos juros compensatórios constantes da liquidação contestada, entendendo que nem o Estado se viu privado da totalidade do valor correspondente ao imposto devido nem as entidades envolvidas agiram com culpa.

Ora,

47.   Os princípios e regras para a integração e manutenção de um grupo de sociedades no RETGS encontram-se objetivamente definidas no Código do IRC não podendo a Reclamante escudar-se no seu desconhecimento.

48.   Como bem sabe a Reclamante a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas.

49.   A deteção do erro em que lavrou o grupo determinou que para efeitos da sua correção fossem encetados os devidos procedimentos de liquidação de imposto na esfera individual de cada uma das empresas.

Contudo,

50.   Uma vez que a "suposta empresa dominante" efetuou em nome do "suposto grupo" pagamentos antecipados, foi assumido em reuniões havidas com a AT, como refere a Reclamante, que tais pagamentos seriam assumidos na esfera das empresas eleitas para o efeito.

Nessa sequência,

51.   Não foram liquidados às diversas empresas juros compensatórios relativos à falta de entrega nos cofres do Estado de pagamentos antecipados.

Porém,

52.   Situação diversa é a que respeita ao retardamento da liquidação do imposto devido a final por cada empresa individualmente considerada.

53.   A este nível, obviamente que resulta haver empresas com imposto a reembolsar e empresas com imposto a pagar.

54.   No caso concreto, a empresa, aqui Reclamante, individualmente considerada, tem um valor de imposto a pagar de € 467 767,54 sobre o qual são devidos juros compensatórios de € 28 450,51, derivados do retardamento da sua determinação.

55.   É o que resulta da liquidação adicional de IRC n.º 2019..., referente ao período de tributação de 2016, que se deverá manter,

E, assim sendo,

56.   Considerando a permanência da validade dos pressupostos que, de facto e de direito, alicerçaram o nosso "Projeto de Decisão", somos, então, a entender pela definitividade do mesmo, com todas as consequências legais.

 

§ VI. DA CONCLUSÃO

Em conformidade com todo o exposto e compulsados os elementos dos autos, designadamente o nosso anterior "Projeto de Decisão" e as peças processuais carreadas pela Reclamante, parece-nos ser de deferir parcialmente o pedido inserto nos autos, em conformidade com o teor do "quadro-síntese" mencionado no intróito desta nossa Informação, com todas as consequências legais, designadamente, sendo o caso, no que tange ao preceituado no artigo 163.º do CPA e, bem como, ao cumprimento do determinado pelo artigo 100.º da LGT.

Mais se informa que, em caso de Concordância Superior, se promova a notificação da Reclamante, através de ofício nos termos do previsto nos artigos 35.º a 41.º do CPPT, com todas as consequências.

X)           No dia 16-12-2019, a Requerente foi notificada das decisões finais das reclamações graciosas;

Y)            Em 20-02-2019, a Requerente efectuou o pagamento da quantia de € 2.150.949,36 relativa à liquidação do exercício de 2015 (página 25 da parte do processo administrativo com a designação «PA 1_Parte1»);

Z)            Na mesma data de 20-02-2019, a Requerente efectuou o pagamento da quantia de € 2.220.070,15 relativa à liquidação do exercício de 2016 (página 25 da parte do processo administrativo com a designação «PA 2 – Rec Graciosa_Parte1»);

AA)        Em 16-03-2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e nos que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a materialidade relevante para a decisão das questões de ilegalidade das liquidações suscitadas no processo.

 

3. Matéria de direito

 

                Antes de 2015, a Requerente estava inserida no grupo de sociedades a que era aplicável o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), previsto nos artigos 69.º e seguintes do CIRC.

                As sociedades que constituíam o grupo só se aperceberam em finais de 2017 que uma alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, implicava a cessação da possibilidade de tributação segundo esse regime a partir de 01-01-2015, pelo que todas as sociedades do grupo continuaram a cumprir durante os exercícios de 2015 e 2016 as suas obrigações fiscais declarativas e de pagamentos de IRC como se fosse aplicável esse regime.

                Na sequência de inspecções, a Administração Tributária, para além de definir a tributação individual que cabia à Requerente naqueles exercícios de 2015 e 2016, afastando a aplicação das regras do RETGS, aplicou à Requerente juros compensatórios «por retardamento da liquidação», referindo nas respectivas liquidações, para além, do período de tempo e valor sobre que incidiram os juros, a taxa aplicável  os «art.ºs 102.º do CIRC e 35.º da LGT».             

               

                3.1. Posições das Partes

 

                A Requerente defende o seguinte, em suma:

– os pagamentos podem, ser feitos por terceiros e, neste caso, foram efectuados pagamentos por conta e os pagamentos adicionais por conta pela sociedade dominante, com recurso ao patrimônio de cada uma das sociedades devedoras;

– a Administração Tributária considerou não se ter verificado retardamento na entrega dos pagamentos por conta e dos pagamentos adicionais por conta, não tendo, por conseguinte, cobrado quaisquer juros compensatórios por referência ao período que mediou entre a data limite para a sua entrega e a data limite para liquidação do imposto devido a final;

– ao arrepio de tal entendimento, a Administração Tributária desconsiderou, aquando da emissão das liquidações de IRC sub judice, as referidas entregas antecipadas de imposto; mais concretamente, a Administração Tributária fez incidir a taxa de juros compensatórios sobre a totalidade do imposto apurado a final, desconsiderando, em absoluto, que a Requerente já havia entregado as quantias de € 1.618.011,88 e de € € 1.717.582,41 – em 2015 e 2016, respetivamente –  através dos pagamentos por conta e os pagamentos adicionais por conta;

– tendo a Administração Tributária recebido, dentro dos prazos legais, os pagamentos por conta e os pagamentos adicionais por conta, o Estado não sofreu o prejuízo (dano) decorrente da indisponibilidade do valor correspondente ao imposto devido, não sendo, por conseguinte, devidos juros compensatórios sobre tais montantes;

– a responsabilidade de verificar a manutenção dos pressupostos de que depende a aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades – e de comunicar à Administração Tributária os factos que determinam, ou podem determinar, a sua cessação – compete, única e exclusivamente, à respetiva sociedade dominante;

– não cabendo — enquanto mera sociedade dominada — verificar a (in)existência dos requisitos de que dependia a subsistência daquele grupo de sociedades, a Requerente não poderia deixar de atuar no pressuposto de que aquele grupo de sociedades ainda subsistia e de que, nessa medida, cabia à B... SGPS proceder à entrega dos respetivos pagamentos por conta e pagamentos adicionais por conta, bem como do imposto devido, a final, pelo Grupo, pelo que não qualquer retardamento da liquidação de imposto por facto imputável à Requerente, não se verificando, assim, quer a culpa, quer o nexo de causalidade de cuja verificação depende a liquidação de juros compensatórios ao abrigo do citado artigo 35 .º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.

 

                A Administração Tributária no presente processo defendendo o seguinte, em suma:

 

– quanto à falta de realização dos PEC e pagamentos adicionais por conta, a AT atendeu, na reclamação graciosa, à pretensão da Requerente, pelo que não exige juros compensatórios nessa parte (pois a sociedade anteriormente dominante do grupo efectuou pagamentos no pressuposto de ainda estar abrangida pelo RETGS, o que permitiu que a AT e todas as sociedades que integravam anteriormente o grupo concordassem com a imputação individual desses valores às várias sociedades, com os critérios de divisão por cada sujeito passivo baseados nos cálculos que a sociedade dominante utilizou para efectuar os pagamentos por conta);

– pois estão reunidos os pressupostos do artigo 35º da LGT: foi retardada a liquidação e por facto imputável ao sujeito passivo (ainda que este alegue desconhecimento da Lei);

– e no mesmo sentido vai o artigo 102º do Código de IRC;

– os juros compensatórios visam, assim, ressarcir o Estado pelo prejuízo sofrido com o retardamento da liquidação, o que é imputável à Requerente, que não se pode escudar no desconhecimento da Lei para fundar a afirmação da sua ausência de culpa;

– pois para a cobrança de juros compensatórios não exige a Lei a actuação dolosa do contribuinte, basta que os motivos do atraso da liquidação lhe sejam atribuíveis;

– o facto que conduziu ao atraso da liquidação e entrega de imposto devido é o erro de apreciação da Requerente, que desconhecia as condições de inclusão no RETGS (artigos 69º a 71º CIRC);

– sendo consabido que a ignorância ou má interpretação da Lei não justifica a falta do seu cumprimento, nem isenta as pessoas das sanções estabelecidas (artigo 6º do Código Civil);

– ou seja, a AT não imputa à Requerente juros compensatórios por não ter efectuado pagamentos antecipados de imposto que lhe eram exigíveis (pois a sociedade anteriormente dominante efectuou pagamentos antecipados, que se imputaram às anteriormente dominadas);

– questão diferente é o imposto devido a final, por cada sociedade individualmente considerada;

– e se nalguns casos existem sociedades com imposto a reembolsar (pelo que não se sujeitam a juros compensatórios), no caso da Requerente determina-se imposto a pagar (questão que a própria Requerente assume e não contesta);

– E sobre esse valor, porque a liquidação foi retardada pelo facto de a Requerente desconhecer a Lei, terão de incidir juros compensatórios, por todos os motivos já referidos supra.

 

3.2. Apreciação da questão

 

                3.2.1. Juros compensatórios por retardamento da liquidação

 

                O artigo 102.º do CIRC estabelece o regime de juros compensatórios em sede de IRC, estabelecendo o seguinte:

 

Artigo 102.º

 

Juros compensatórios

 

1 - Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega do imposto a pagar antecipadamente ou a reter no âmbito da substituição tributária ou obtido reembolso indevido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios à taxa e nos termos previstos no artigo 35.º da Lei Geral Tributária.

 

2 - São igualmente devidos juros compensatórios nos termos do número anterior pela entrega fora do prazo ou pela falta de entrega, total ou parcial, do pagamento especial por conta.

 

3 - Os juros compensatórios contam-se dia a dia nos seguintes termos:

 

a) Desde o termo do prazo para a apresentação da declaração até ao suprimento, correção ou deteção da falta que motivou o retardamento da liquidação;

b) Se não tiver sido efetuado, total ou parcialmente, o pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º, desde o dia imediato ao termo do respetivo prazo até ao termo do prazo para a entrega da declaração de rendimentos ou até à data da autoliquidação, se anterior, devendo os juros vencidos ser pagos conjuntamente;

c) Se houver atraso no pagamento especial por conta, desde o dia imediato ao do termo do respetivo prazo até à data em que se efetuou, devendo ser pagos conjuntamente;

d) Desde o recebimento do reembolso indevido até à data do suprimento ou correção da falta que o motivou.

 

4 - Entende-se haver retardamento da liquidação sempre que a declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º seja apresentada ou enviada fora do prazo estabelecido sem que o imposto devido se encontre totalmente pago no prazo legal.

 

                Este artigo está em sintonia com as regras gerais previstas no artigo 35.º da LGT, para que remete parcialmente.

                No caso em apreço, as liquidações de juros compensatórios impugnadas são apenas as que se basearam em «retardamento da liquidação».

                Relativamente ao exercício de 2015, a Administração Tributária liquidou, a título de juros compensatórios por retardamento da liquidação, a quantia de € 195.638,25, calculada sobre o valor de € 1.955.311,11 (documento n.º 30, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

                Quanto ao exercício de 2016, a Administração Tributária liquidou, a título de juros compensatórios por retardamento da liquidação, a quantia de € 127.011,80, calculada sobre o valor de € 2.092.026,49 (documento n.º 36, junto com o pedido de pronúncia arbitral, em que se referem outros juros compensatórios relativos aos pagamentos especiais por conta, que não estão em causa neste processo).

                Pelas liquidações de IRC emitidas em relação à Requerente pela Administração Tributária, reconstruindo a tributação que seria aplicável sem a aplicação do RETGS, que estão subjacentes às liquidações de juros compensatórios, constata-se que nelas não foram considerados valores dos pagamentos por conta e dos pagamentos especiais por conta que haviam sido pagos pela sociedade dominante.

                Na verdade, o cálculo do IRC relativo a 2015 é o seguinte:

              

                A liquidação de juros compensatórios relativa ao exercício de 2015 é a seguinte:

             

                Como se vê, a quantia de € 1.955.311,11 que serviu de base à liquidação de juros compensatórios nesta liquidação n.º 2019...  (quantia essa que resulta do «valor a pagar» de € 2.150.949,36, abatido do valor de € 195.638,25 indicado na linha 27, incluído naquele «valor a pagar»), foi determinada sem considerar qualquer pagamento por conta ou pagamento especial por conta (linhas 14 e 18 da liquidação de IRC), que a Administração Tributária reconhece terem sido efectuados pela sociedade dominante e serem imputáveis à Requerente.

                Por isso, é de concluir, que os juros compensatórios incidiram sobre a da colecta de IRC, apenas abatida das retenções na fonte, não levando em conta os pagamentos que a Administração Tributária aceita terem sido efectuados pela sociedade dominante, respeitantes à Requerente. Isto é, como defende a Requerente, foram calculados juros compensatórios relativamente a quantias que estavam pagas tempestivamente através de pagamentos por conta e especiais por conta.

                O mesmo se passa, em essência, quanto à liquidação do exercício de 2016, cujo cálculo tem o seguinte teor:

 

                Neste caso, está apenas em causa o valor dos juros compensatórios por retardamento da liquidação no valor de € 127.011,80, referido na liquidação n.º 2019..., que foi determinado com base no valor de € 2.092.026,49.

                Como se vê pelos campos 14 e 18 da liquidação de IRC, também neste caso o «valor a pagar» em que se inclui aquele valor € 2.092.026,49, foi determinado sem considerar os pagamentos por conta e pagamentos especiais por conta que a Administração Tributária reconhece terem sido efectuados pela sociedade dominante, respeitantes à Requerente.

                Assim, conclui-se que, também relativamente ao exercício de 2016, os juros compensatórios incidiram sobre a colecta de IRC apenas abatida do valor das retenções na fonte, não levando em conta os pagamentos que a Administração Tributária reconhece terem sido efectuados pela sociedade dominante, respeitantes à Requerente. Isto é, também neste caso, foram calculados juros compensatórios relativamente a quantias que estavam pagas tempestivamente através de pagamentos por conta e especiais por conta.

                Visando os juros compensatórios «ressarcir o Estado pelo prejuízo sofrido com o retardamento da liquidação», como bem diz a Administração Tributária no presente processo, não se pode justificar a sua exigência quando a liquidação final foi efectuada fora do tempo em que normalmente deveria ter sido efectuada (neste caso apenas em 2019 relativamente a exercícios de 2015 e 2016), mas dela não resultou prejuízo para o Estado.

                Na verdade, a exigência de juros compensatórios pressupõe a existência de nexo de  causalidade entre o retardamento e um prejuízo sofrido pelo Estado, derivado do atraso na cobrança das quantias liquidadas que decorre do atraso na emissão da liquidação.

                É isso mesmo que resulta do artigo 102.º, n.ºs 1 e 5 , do CIRC ao estabelecer que há lugar juros compensatórios quando for «retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido»  e que «entende-se haver retardamento da liquidação sempre que a declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º seja apresentada ou enviada fora do prazo estabelecido sem que o imposto devido se encontre totalmente pago no prazo legal».

                Como se vê por esta parte final do n.º 5, não há «retardamento da liquidação», para este efeito, quando o imposto tardiamente liquidado se encontre pago no prazo legal.

                É também esse o alcance da referência a «retardamento da liquidação» que consta do artigo 35.º, n.º 1, da LGT, pois, numa interpretação teleológica, tem subjacente um atraso no pagamento do imposto devido, sendo esse atraso da arrecadação do imposto e não propriamente o da liquidação que justifica a atribuição ao erário público de uma compensação, sob a forma de juros.  Por isso, só há o retardamento da liquidação relevante para efeito de juros compensatórios quando dele resultou atraso na cobrança do imposto devido.

                No caso em apreço, parte do imposto devido pela Requerente em 2015 e 2016 foi pago, através da sociedade dominante, nos prazos legais, a título de pagamentos por conta e pagamentos especiais por conta, pelo que, nas partes correspondentes a esses pagamentos, as liquidações de juros compensatórios são ilegais, pois não houve retardamento das liquidações para efeitos do artigo 102.º, n.ºs 1 e 5 , do CIRC.

                Assim, desde logo, procede o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vício de violação de lei, que justifica a anulação das liquidações, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

                3.2.2. Questão da falta de imputabilidade do atraso da liquidação à Requerente

 

                A Requerente invoca um fundamento adicional de ilegalidade das liquidações, defendendo que não lhe pode ser imputada responsabilidade pelo retardamento das liquidações de IRC porque, em suma:

 

– agiu no pressuposto de que integrava o perímetro do Grupo B..., sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades;

– a responsabilidade de verificar a manutenção dos pressupostos de que depende a aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades – e de comunicar à Administração Tributária os factos que determinam, ou podem determinar, a sua cessação – compete, única e exclusivamente, à respetiva sociedade dominante;

– não cabendo — enquanto mera sociedade dominada — verificar a (in)existência dos requisitos de que dependia a subsistência daquele grupo de sociedades, a Requerente não poderia deixar de actuar no pressuposto de que aquele grupo de sociedades ainda subsistia e de que, nessa medida, cabia à B... SGPS proceder à entrega dos respetivos pagamentos por conta e pagamentos adicionais por canta, bem como do imposto devido, a final, pelo Grupo;

– por isso, não se verifica a culpa nem o nexo de causalidade de cuja verificação depende a liquidação de juros compensatórios.

 

No que concerne às liquidações de juros compensatórios, constata-se que a única fundamentação que consta dos Relatórios da Inspecção Tributária reporta-se à invocada falta dos pagamentos por conta e pagamentos, que a inspecção tributária considerou não terem sido realizados pela Requerente: «Há lugar a juros compensatórios sobre os pagamentos antecipados não efetuados nos termos do artigo 35.º da LGT conjugado com o n.º 5 do artigo 104.º do CIRC, no caso dos pagamentos por conta e adicionais por conta».

Trata-se de uma fundamentação que não se reporta ao «retardamento da liquidação», que é invocado nas liquidações de juros compensatórios, que a Administração Tributária considerou basear-se no artigo 102.º do CIRC e não no artigo 104.º, n.º 5, do mesmo Código.

  Assim, a única fundamentação contemporânea das liquidações de juros compensatórios é que a que consta das próprias liquidações, sendo a única que se pode ter em conta para apreciar a sua legalidade ou ilegalidade. Na verdade, a eventual fundamentação sucessiva ou a posteriori não é relevante para aferir a sua suficiência, quando não acompanhada de revogação e prática de um novo acto. (   ) Por isso, a fundamentação ou a remissão para documentos que a contenham têm de integrar-se no próprio acto e serem contemporâneas dele, não relevando para apreciação da validade formal do acto fundamentos invocados posteriormente, nomeadamente em impugnações administrativas ou no processo de impugnação contenciosa.

Nas liquidações de juros compensatórios que aqui está em causa, indicam-se os períodos a que se referem os juros, a taxa aplicável, a causa da liquidação (retardamento de liquidação) e referências genéricas aos artigos 102.º do CIRC e 35.º da LGT.

O artigo 35.º, n.º 1, da LGT estabelece que «são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária».

Na mesma linha, no que aqui interessa, o n.º 1 do artigo 102.º do CIRC, prevê juros compensatórios «sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido».

A responsabilidade objectiva é excepcional, só ocorrendo nos casos especificados na lei (art. 483.º, n.º 2, do Código Civil) e, por isso, deverá entender-se que, para efeitos de responsabilidade por juros compensatórios, só se está perante um «facto imputável ao sujeito passivo» quando puder formular-se um juízo de censura em relação à sua conduta.

Nesta linha, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, uniformemente, que a imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de culpa, por parte do contribuinte. (   )

Assim, não sendo invocada culpa da Requerente como pressuposto das liquidações de juros compensatórios, nem sequer se indicando se se entendeu que o retardamento lhe é imputável e porquê, tem de concluir-se que as liquidações de juros compensatórios não assentam nos pressupostos legais exigidos.

Por outro lado, numa situação como a dos autos, não são claras as razões pelas quais a Administração Tributária terá eventualmente entendido que o alegado retardamento é imputável a Requerente a título de culpa, pois, com diz a Requerente, era à sociedade dominante que incumbia o relacionamento primacial com a Administração Tributária no âmbito do RETGS. Para além disso, não se pode olvidar que se está perante contribuintes que estavam sujeitos ao controle da Unidade dos Grandes Contribuintes, em que é exigido à Administração Tributária um «acompanhamento permanente e gestão tributária» (artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT), que, naturalmente, sendo devendo ser «permanente», decerto imporia à Administração Tributária, agindo com a diligência normalmente exigível no exercício de funções de fiscalização relativamente a contribuintes relativamente aios quais a lei impõe uma fiscalização acentuada, que detectasse ela própria a situação de cessação dos requisitos para aplicação do RETGS, muito tempo antes do momento em que a detectou.

Assim, se é  certo que, como diz a Administração Tributária, a Requerente «não se pode escudar no desconhecimento da Lei para fundar a afirmação da sua ausência de culpa», também o é que a Administração Tributária não pode deixar de ponderar a omissão prolongada do adequado cumprimento do seu próprio dever de acompanhamento permanente, que a levou a não detectar uma situação ilegal numa matéria de tão grande relevância fiscal, como é a aplicação global de um regime especial de tributação a grandes contribuintes.

Assim, desta perspectiva, a poder entender-se que, em alguma medida, o retardamento das liquidações de IRC seria imputável à Requerente, a imputabilidade não seria exclusiva,  pois há nexo de causalidade entre a omissão pela Administração Tributária de cumprimento adequado do seu dever de acompanhamento permanente que a lei lhe impõe e o retardamento das liquidações.

A falta de exclusividade da imputabilidade do retardamento à Requerente afasta a imposição de juros compensatórios, à face do artigo 35.º, n.º 1, da LGT e do artigo 102.º, n.ºs 1 e 5, do CIRC, pois pressupõem um «facto imputável ao sujeito passivo» como causa do retardamento, o que pressupõe que retardamento seja imputável apenas ao contribuinte, designadamente que não exista nexo de causalidade entre o retardamento e a actuação ou omissões da própria Administração Tributária. Na verdade, a existir uma conduta positiva ou omissiva da Administração Tributária como causa do retardamento, mesmo que concorra com uma actuação ou omissão do contribuinte, não se justificará, à face dos princípios da justiça e da proporcionalidade, a imposição ao contribuinte da totalidade das consequências do retardamento, como se fosse o único causador deste.  Por isso, aquela responsabilidade por juros compensatórios pressupõe que o retardamento é exclusivamente imputável ao  contribuinte.

Neste contexto, para além de não ser invocado como pressuposto das liquidações de juros compensatórios um dos requisitos legalmente exigidos (imputabilidade a título de culpa), é de concluir que não se verifica este requisito, que é a existência de nexo de causalidade exclusivo entre uma actuação positiva ou omissiva do contribuinte e o retardamento de uma  liquidação.

 Pelo exposto, as liquidações de juros compensatórios enfermam de vícios de violação de lei na totalidade, que justificam que sejam anuladas, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT. 

          

                4. Reembolso de quantia paga e juros indemnizatórios

 

Em 20-02-2019, a Requerente efectuou o pagamento das quantias de € 2.150.949,36 e € 2.220.070,15, relativas às liquidações impugnadas e pede o reembolso da quantia de € 322.650,05, correspondente à soma dos montantes das liquidações pagos a título juros compensatórios por retardamento de liquidação, nos valores de € 195.638,25 e € 127.011,80, relativos aos exercícios de 2015 e 2016 respectivamente.

                De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

                Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

                O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

                Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

 

                4.1. Reembolso

 

                O reembolso decorre da anulação das liquidações de juros compensatórios por retardamento da liquidação impugnadas, pelo que a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia de € 322.650,05 que pagou a esse título (€ 195.638,25 e € 127.011.80, relativos aos exercícios de 2015 e 2016 respectivamente).

 

                4.2. Juros indemnizatórios

 

                O direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

                No caso em apreço, conclui-se que há erros nas liquidações de juros compensatórios por retardamento das liquidações, que são imputáveis aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foi  esta que as elaborou por sua iniciativa.

                Os juros indemnizatórios devem ser calculados com base na quantia € 322.650,05 e contados desde 20-02-20219, data em que a Requerente efectuou os pagamentos das quantias liquidadas, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

                5. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

A)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

B)           Anular a liquidação de juros compensatórios «por retardamento da liquidação» n.º 2019... (no valor de € 195.638,25) efectuada na demonstração de liquidação n.º 2019..., bem como anular parcialmente a liquidação de IRC n.º 2019... na parte em que inclui aquela quantia;

C)           Anular a liquidação de juros compensatórios «por retardamento da liquidação» n.º 2019... (no valor de € 195.638,25) efectuada na demonstração de liquidação n.º 2019..., bem como anular parcialmente a liquidação de IRC n.º 2019... na parte em que inclui aquela quantia;

D)           Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia paga e condenar a Administração Tributária a pagar à Requerente a quantia de € 322.650,05;

E)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de juros indemnizatórios e condenar a Administração Tributária a pagá-los à Requerente, calculados com base na quantia € 322.650,05 e contados desde 20-02-20219, data em que a Requerente efectuou os pagamentos das quantias liquidadas, até ao integral reembolso daquela quantia, à taxa legal supletiva.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € 322.650,05.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.508,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

               

Lisboa, 08-10-2020

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Francisco José Nicolau Domingos)

(Eduardo Paz Ferreira)