Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 128/2012-T
Data da decisão: 2013-04-23  IVA  
Valor do pedido: € 75.204,54
Tema: Direito à dedução do IVA suportado com assessoria jurídica e consultadoria destinado a aquisição de participações sociais; holding vs. sociedade operacional
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Processo n.º 128/2012-T

 

Acordam os Árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Árbitro Presidente), Dr. José Alberto Pinheiro Pinto e Dr. José Manuel Pedroso de Melo, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral:

 

  1. Relatório

 

A... — , S.A., com o número de pessoa colectiva e de matrícula …, com sede em … , veio, ao abrigo dos artigos 10.º e 2.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, prescindindo da faculdade de designar árbitro, para pronúncia arbitral sobre a legalidade das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios:

• Liquidação adicional de IVA, relativa ao período de 0804, identificada com o n.º …, no montante de € 2.558,34;

• Liquidação adicional de IVA, relativa ao período de 0807, identificada com o n.º …, no montante de € 8.748,25;

• Liquidação adicional de IVA, relativa ao período de 0809, identificada com o n.º …, no montante de € 309,00;

• Liquidação adicional de IVA, relativa ao período de 0811, identificada com o n.º …, no montante de € 3.325,00;

• Liquidação adicional de IVA, relativa ao período de 0812, identificada com o n.º …, no montante de €1.430,00;

• Liquidação adicional de IVA, relativa ao período de 0901, identificada com o n.º …, no montante de € 12.114,00;

• Liquidação adicional de IVA, relativa ao período de 0903, identificada com o n.º …, no montante de € 41.294,30; e

• Liquidação adicional de IVA, relativa ao período de 0907, identificada com o n.º …, no montante de € 2.724,87;

• Liquidação adicional de juros compensatórios, relativa ao período de 0804, identificada com o n.º …, no montante de € 249,53;

• Liquidação adicional de juros compensatórios, relativa ao período de 0807, identificada com o n.º …, no montante de € 766,01;

• Liquidação adicional de juros compensatórios, relativa ao período de 0809, identificada com o n.º …, no montante de € 24,99;

• Liquidação adicional de juros compensatórios, relativa ao período de 0811, identificada com o n.º …, no montante de € 245,96;

• Liquidação adicional de juros compensatórios, relativa ao período de 0812, identificada com o n.º …, no montante de € 101,24;

• Liquidação adicional de juros compensatórios, relativa ao período de 0901, identificada com o n.º …, no montante de € 1.192,15;

• Liquidação adicional de juros compensatórios, relativa ao período de 0903, identificada com o n.º …, no montante de € 3.783,24; e

• Liquidação adicional de juros compensatórios, relativa ao período de 0907, identificada com o n.º …, no montante de € 213,21.

 

A Requerente defende, em suma, que deve deduzir IVA em todas as operações subjacentes às liquidações adicionais de IVA cuja declaração de ilegalidade é pedida.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo em suma, que, entre as actividades da Requerente se inclui a aquisição e detenção de partes sociais e a consequente percepção de dividendos e «eventual obtenção de mais-valias e juros de obrigações» que não integram o conceito de actividade económica para efeitos de IVA, não podendo ser deduzido o IVA com elas conexionado.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Árbitro Presidente), o Dr. José Alberto Pinheiro Pinto e o Dr. José Manuel Pedroso de Melo, que comunicaram a aceitação do encargo.

As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 24-01-2013.

No dia 6-03-2013, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que se decidiu haver lugar a inquirição de testemunhas no dia 8-4-2013 e a alegações orais em 12-4-2013, que vieram a ter lugar.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.

Tudo visto, cumpre proferir decisão.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A Requerente encontra-se enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade mensal (artigo 13.º da petição inicial);

  2. A Requerente tem como actividade a fabricação de … (artigo 14.º da petição inicial);

  3. Apesar de o núcleo central da sua actividade ser a produção de …, a Requerente integra um conjunto de cerca de 40 empresas, operando em áreas complementares, como a produção de …, …, …, …, …, …, ou ainda a exploração de … (artigos 16.º e 17.º da petição inicial);

  4. Em Portugal, a produção é assegurada através das fábricas da A...-, da B …– e da C… – a primeira propriedade da Requerente e as restantes da subsidiária da Requerente e por esta integralmente detida, a D…, S.A. (artigo 18.º da petição inicial)

  5. Sendo que, a par das referidas fábricas, a Requerente assegura a comercialização dos seus Produtos através de uma estrutura integrada, suportada por uma rede de distribuição que permite abastecer os seus clientes, directamente ou através de entrepostos comerciais localizados em vários pontos do país (artigo 19.º da petição inicial);

  6. A Requerente pretendeu alargar o seu âmbito de actuação com um projecto de internacionalização (artigo 20.º da petição inicial);

  7. A Requerente instalou-se na Tunísia, onde dispõe de uma fábrica de …, a E …, na qual detém uma participação maioritária (artigo 21.º da petição inicial);

  8. A Requerente tem em Angola uma participação indirecta (através da A... Angola) de 51 % na A... Lobito, empresa que explora a fábrica de … no Lobito (artigo 22.º da petição inicial);

  9. A Requerente adquiriu uma participação maioritária (indirectamente) na empresa F..., localizada a sul de Beirute, no Líbano (artigo 23.º da petição inicial);

  10. No dia 20.01.2010, a Requerente foi notificada, através da Carta Aviso n.º 152, de 19.01.2010, de que iria ser dado início a uma acção inspectiva, de âmbito geral, relativa ao período de tributação de 2008, por parte da Autoridade Tributária, com a finalidade de verificar do cumprimento das correspondentes obrigações tributárias (artigo 26.º da petição inicial);

  11. No dia 06.12.2010, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária (doravante, "Relatório de Inspecção 2008") com as conclusões e correcções decorrentes da inspecção efectuada às contas individuais, bem como das cópias das facturas cujo IVA foi corrigido (artigo 31.º da petição inicial);

  12. A Autoridade Tributária efectuou correcções, em sede de IVA, no valor de € 16.370,59, por considerar que a A... deduziu indevidamente o IVA referente:

(i) à aquisição de serviços de reparação do Pavilhão Desportivo dos Bombeiros Voluntários de …, que consubstanciaram um donativo em espécie – € 3.875,55;

(ii) à aquisição de serviços de consultadoria prestados pela … [consultora], no âmbito da aquisição de partes de capital – € 12.495,04. (artigo 34.º da petição inicial e Relatório de inspecção 2008);

  1. A referida correcção de € 12.495,04 reporta-se às seguintes facturas (artigo 72.º da petição inicial):

...

  1. As facturas referidas na alínea anterior respeitam à tentativa de aquisição de participações sociais na G… e à aquisição e detenção de participação social da H…, S. A. (artigo 67.º da petição inicial);

  2. Posteriormente, em 15.12.2010, foi a Requerente notificada das liquidações adicionais de IVA no montante de € 16.370,59, e respectivos juros compensatórios, no valor de € 1.387.73, o que perfaz o montante total de € 17.758,32, relativas ao período de tributação de 2008, e com data limite de pagamento a 28.02.2011, assim discriminadas:

• Liquidação adicional de IVA, relativa ao período de 0804, identificada com o n.º …, no montante de € 2.558,34;

• Liquidação adicional de IVA, relativa ao período de 0807, identificada com o n.º …, no montante de € 8.748,25;

• Liquidação adicional de IVA, relativa ao período de 0809, identificada com o n.º …, no montante de € 309,00;

• Liquidação adicional de IVA, relativa ao período de 0811, identificada com o n.º …, no montante de € 3.325,00;

• Liquidação adicional de IVA, relativa ao período de 0812, identificada com o n.º …, no montante de €1.430,00;

• Liquidação adicional de juros compensatórios, relativa ao período de 0804, identificada com o n.º …, no montante de € 249,53;

• Liquidação adicional de juros compensatórios, relativa ao período de 0807, identificada com o n.º …, no montante de € 766,01;

• Liquidação adicional de juros compensatórios, relativa ao período de 0809, identificada com o n.º …, no montante de € 24,99;

• Liquidação adicional de juros compensatórios, relativa ao período de 0811, identificada com o n.º …, no montante de € 245,96;

• Liquidação adicional de juros compensatórios, relativa ao período de 0812, identificada com o n.º …, no montante de € 101,24 (artigo 32.º da petição inicial e cópias das liquidações juntas com ela);

  1. A Requerente efectuou o pagamento do imposto, e dos respectivos juros compensatórios, em 25.02.2011 (artigo 33.º da petição inicial);

  2. Com excepção da correcção referente à dedução do IVA suportado na aquisição de serviços de reparação do Pavilhão Desportivo dos Bombeiros Voluntários de …, no valor de € 3.875,55 (factura n.º 161/2008, de Julho, do fornecedor I... Sociedade de Construções, Lda.), a A... contestou as correcções efectuadas, no montante global de € 12.495,04, porquanto considerou que a Autoridade Tributária inobservou o disposto pelo artigo 20.º do CIVA, ao considerar não comprovada a conexão das aquisições a que respeitam com a actividade sujeita e não isenta de IVA (artigo 36.º da petição inicial);

  3. Em 28-6-2011, a Requerente apresentou reclamação graciosa das referidas liquidações relativas ao ano de 2008, reclamação essa que veio a ser indeferida por despacho de 28-8-2012 (artigos 37.º a 40.º da petição inicial e página 4 do PA1, junto ao processo);

  4. Em cumprimento da Ordem de Serviço/Despacho n.º …, foi dado início, no dia 02.02.2011, a uma acção inspectiva, de âmbito geral, relativa ao período de tributação de 2009, por parte da Autoridade Tributária, com a finalidade de verificar do cumprimento das correspondentes obrigações tributárias (artigo 41.º da petição inicial)

  5. A Autoridade Tributária fixou correcções relativas ao ano de 2009 no montante total de € 56.133,17, por entender que a Requerente deduziu indevidamente o IVA constante das seguintes facturas relativas a aquisição de serviços a sociedades de advogados e consultadoria: (artigo 49.º da petição inicial e documentos n.ºs 3 e 4 com ela juntos, cujos teores se dão como reproduzidos)

 

  1. Destas facturas, as quatro últimas, no valor global de € 52.219,17, estão relacionadas com potencial realização de investimentos pela Requerente na Líbia (documento n.º 4 e junto com a petição inicial e relatório da inspecção do ano de 2009, cujos teores se dão como reproduzidos);

  2. A primeira das facturas indicadas reporta-se com os serviços adquiridos pela Requerente à [consultora] relacionados com a aquisição da J... –, S.A. (artigo 80.º da petição inicial e documento n.º 4 junto com a petição inicial e relatório da inspecção do ano de 2009, cujos teores se dão como reproduzidos);

  3. A Autoridade Tributária entendeu ter sido inobservado pela Requerente o disposto pelo artigo 20.º CIVA, por alegada falta de comprovação da conexão das aquisições a que respeitam com a actividade sujeita e não isenta de IVA (artigo 50.º da petição inicial);

  4. Posteriormente, em 16.09.2011, foi a A... notificada das liquidações adicionais de IVA, no montante de € 56.133,17, e respectivos juros compensatórios, no montante de € 5.188,60, relativas aos períodos de 0901, 0903 e 0907, com data limite de pagamento de 30.11.2011, assim discriminadas:

• Liquidação adicional de IVA, relativa ao período de 0901, identificada com o n.º …, no montante de € 12.114,00;

• Liquidação adicional de IVA, relativa ao período de 0903, identificada com o n.º …, no montante de € 41.294,30; e

• Liquidação adicional de IVA, relativa ao período de 0907, identificada com o n.º …, no montante de € 2.724,87;

• Liquidação adicional de juros compensatórios, relativa ao período de 0901, identificada com o n.º …, no montante de €1.192,15;

• Liquidação adicional de juros compensatórios, relativa ao período de 0903, identificada com o n.º …, no montante de € 3.783,24; e

• Liquidação adicional de juros compensatórios, relativa ao período de 0907, identificada com o n.º 11135463, no montante de € 213,21. (artigo 46.º da petição inicial);

  1. A A... efectuou o pagamento do imposto, e dos respectivos juros compensatórios, em 29.11.2011 (artigo 47.º da petição inicial);

  2. A Requerente deduziu, em 16.03.2012, reclamação graciosa dos referidos actos tributários de liquidação de IVA, relativos ao ano de 2009 (artigo 51.º da petição inicial);

  3. Através do Ofício n.º 1931, de 28.09.2012, foi a Requerente notificada do indeferimento expresso da reclamação graciosa (artigo 55.º da petição inicial);

  4. Relativamente à Líbia, Tunísia e Angola as iniciativas da Requerente de aquisição de participações sociais em empresas desses países inseriu-se numa sua estratégia de internacionalização, tendo em vista o abastecimento dos mercados respectivos e países limítrofes, atenuando os efeitos negativos da crise do sector imobiliário em Portugal;

  5. A própria natureza do … o torna difícil exportá-lo na sua forma acabada, pelo que a Requerente, para colocar … no estrangeiro, necessita de o exportar sob a forma de clinquer que é transformado no estrangeiro;

  6. Para assegurar o fabrico de … no estrangeiro, a Requerente faz cedência de pessoal qualificado, assistência e formação técnica as suas participadas;

  7. A aquisição de participações sociais no estrangeiro não visa apenas a obtenção de dividendos e mais-valias, tendo como objectivo a interferência na gestão e desenvolvimento das participadas, através de intervenção de colaboradores da Requerente nestas, fiscalizando a actividade desenvolvida e a formação dos seus recursos humanos, com reflexos a nível da consolidação da quota de mercado da Requerente e da sua actividade.

 

Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os juízos probatórios baseiam-se nas afirmações da Requerente, que não são contestadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira e nos documentos do processo administrativo e do processo de reclamação graciosa juntos aos autos.

A finalidade das despesas referidas nas facturas relativamente às quais é questionada a dedução de IVA baseou-se nos depoimentos das testemunhas …, que mostraram ter conhecimento do funcionamento da Requerente e aparentaram depor com isenção.

Não há factos relevantes para decisão que não se tenham provado.

 

 

3. Matéria de direito

 

 

 

3.1. Posição da Requerente

 

A Requerente defende, em suma:

– que desenvolve uma actividade económica – o fabrico de … o – o que lhe confere a qualidade de sujeito passivo de IVA, pelo que não se lhe aplica o regime das sociedades holding cujo único objecto consiste na tomada de participações noutras sociedades;

– que todas as operações efectuadas e questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira são enquadráveis na sua actividade empresarial;

– que não é uma holding mista e que continua a produzir …, sendo essa a sua actividade principal, expandindo essa sua actividade com a aquisição e detenção de participações sociais noutras sociedades com objecto social idêntico ou pertencente ao mesmo ramo de actividade, que desenvolvem actividades idênticas, ou próximas ou complementares à sua;

– as aquisições, incluindo a aquisição de acções ou de outros valores mobiliários, efectuadas no quadro do desenvolvimento de uma actividade económica, comportam a dedução do IVA, desde que a actividade económica com a qual estejam conexas confira o direito à dedução, como sucede com a actividade de produção de …;

– que essa possibilidade de dedução de IVA existe mesmo para as sociedades holding, pelo que, por maioria de razão, existirá para as sociedades operacionais, que desenvolvem uma actividade económica para efeitos de IVA;

– o objectivo da aquisição de participações sociais pela Requerente foi o de concretizar um plano de expansão e internacionalização;

– a aquisição e detenção de participações pela Requerente com este objectivo constitui um prolongamento directo permanente e necessário da sua actividade;

– é admissível dedução de IVA relativo a despesas relacionadas com a identificação de oportunidades de investimento, mesmo que estes não se venham a concretizar;

– a forma como a Requerente se afirma noutros mercados tem sido a aquisição de participações em sociedades nacionais desses países;

– para assegurar o fabrico de … no estrangeiro, a Requerente faz cedência de pessoal qualificado, assistência e formação técnica as suas participadas;

– a aquisição de participações sociais no estrangeiro não visa apenas a obtenção de dividendos e mais-valias, tendo como objectivo a interferência na gestão e desenvolvimento das participadas, com reflexos a nível da consolidação da quota de mercado da Requerente e da sua actividade;

– o IVA suportado com assessoria jurídica e consultadoria destinado a aquisição de participações sociais é fiscalmente dedutível;

– o sistema do IVA deve garantir a sua neutralidade quanto à carga de todas as actividades económicas;

– a Requerente não tem uma actividade subsidiária de aquisição de participações sociais distinta da actividade principal;

– mesmo na falta de uma relação directa e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução, há direito a dedução de IVA quando os custos dos serviços em causa fazem parte das despesas gerais.

 

3.2. Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma:

 

– a Requerente é uma holding mista consistindo o seu objecto social e actividade principal numa actividade de natureza industrial e comercial – produção e comercialização de … – a que acresce, ainda, em paralelo e com carácter acessório o exercício de uma actividade de aquisição de participações sociais, noutras sociedades nacionais ou estrangeiras, pelo que, no âmbito e na sequência do exercício desta actividade de aquisição e detenção de participações sociais a A. pode obter (ou vir a obter) dividendos, mais-valias, etc..;

– este tipo de proveitos não são considerados para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado (Código do IVA e Directiva 2006/112/CEE), como resultantes do exercício de uma actividade económica, para efeitos do preenchimento da incidência pessoal do imposto – conceito delimitado por vasta jurisprudência comunitária proferida pelo TJUE.

– «se a actividade de aquisição e detenção de partes sociais e a consequente percepção dos dividendos, bem como a eventual obtenção de mais-valias e juros de obrigações, daí resultantes, não integram o conceito de actividade económica para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado – forçoso é concluir que esta actividade está fora do campo de aplicação do imposto, porque não integra o conceito de actividade económica considerado para efeitos da definição de sujeito de IVA»;

– e se estamos perante uma actividade fora do campo de aplicação do imposto, tal tem consequências ao nível da sujeição – liquidação de imposto nas operações activas e dedução do imposto suportado a montante – ou seja, nada deste feixe de poder/ dever, ocorre nestes casos;

– se assim não acontecesse na hipótese de a A. receber dividendos resultantes de uma qualquer participação social que detém (numa outra sociedade), não percebia somente o montante do dividendo, já que sobre este acresceria o IVA nele incidente à taxa legal; o mesmo acontecendo quando alienasse as referidas participações sociais, o que de todo não acontece;

– poderia até não existir obrigatoriedade de liquidação do imposto se preenchidas as regras relativas à localização das operações tributáveis se chegasse à conclusão que em tais casos elas não se consideravam efectuadas em território nacional e como tal não ficariam sujeitas a imposto (mas, tal derivava do facto de a operação não se considerar realizada em Portugal e não pelo facto de não estarmos perante uma actividade económica).

– para efeitos do disposto no artigo 2° do Código do IVA, diversas entidades podem ser ao mesmo tempo sujeitos passivos do imposto relativamente a determinadas operações que praticam e não sujeitos passivos relativamente a outras;

– nos termos legais em vigor – quer das normas constantes do Código do IVA, quer das disposições da Directiva 2006/112/CEE – e, ainda segundo jurisprudência pacífica da UE, só se pode deduzir o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de operações que sejam sujeitas a imposto e dele não isentas, ou seja operações efectivamente tributadas, com excepção das exportações e operações assimiladas;

– no caso dos autos os outputs derivados da aquisição das participações sociais são a obtenção de lucros que se traduzem em dividendos e, eventualmente, mais-valias, que não estão sujeitos a IVA pelo que o IVA suportado nas despesas referentes à aquisição dos referidos inputs (aquisição das participações sociais), não é dedutível nos termos do artigo 20° do Código do IVA;

– nos termos do artigo 20° do Código do IVA, só se pode deduzir o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de operações que sejam sujeitas a imposto e dele não isentas;

– na formulação da citada disposição legal exige-se um nexo de causalidade entre o imposto suportado e dedutível e a realização, por parte do sujeito passivo, de operações sujeitas a imposto e dele não isentas;

– a denominação deste tributo é "imposto sobre o valor acrescentado", o que desde logo indicia que a tributação opera sobre o valor acrescentado apurado em cada fase do circuito económico;

– é assim, com maior evidência quando o imposto opera segundo o método directo subtractivo ou base de base;

– no entanto, funcionando o nosso modelo de imposto (com excepção do regime de tributação das agências de viagens e do regime de tributação dos bens em segunda mão, que funcionam segundo aquele método), de acordo com o método subtractivo indirecto, do crédito de imposto ou das facturas, a final não deixa de verificar-se o mesmo resultado, ou seja, como se o imposto incidisse sobre o valor acrescentado apurado em cada fase do circuito económico;

– por assim ser, a liquidação adicional do imposto referente ao ano de 2008, no montante de € 12 495,04, não enferma de qualquer ilegalidade já que se reporta a IVA deduzido pela A. respeitante à aquisição de serviços de advogados e consultores no âmbito de uma operação de aquisição de participações sociais, a qual por si só não integra o conceito de actividade económica para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado;

– a A. refere que "as operações de aquisição e de detenção de participações sociais apenas estão excluídas de aplicação do IVA nos casos de mera posse de participações sociais é acompanhada pela interferência directa ou indirecta na gestão das sociedades, na medida em que tal interferência implique a realização de transacções sujeitas a IVA (...)", não tendo, no entanto, nem no decurso do procedimento inspectivo, nem no âmbito da reclamação graciosa, demonstrado e provado que realizou operações tributáveis, dado que as referidas operações não constam do seu Dossier de Preços de Transferência.

– Na tese da A. toda só nas chamadas holdings puras é que o direito à dedução do IVA se encontra coarctado ou limitado, mas é de todo incorrecto querer associar as limitações do direito à dedução no âmbito do IVA, à caracterização societária do sujeito passivo;

– a forma jurídica adoptada (ou não adoptada) pelo sujeito passivo não deve ter influência para efeitos de oneração em IVA;

– Logo, o IVA incorrido nas despesas em causa nos presentes autos não pode ser dedutível já que não são inputs da actividade tributada, dado que as referidas despesas são conexas a um investimento de natureza financeira, cujos outputs serão necessariamente constituídos por dividendos e mais-valias;

– Ora, também no que se refere ao IVA deduzido pela A. durante o ano de 2009, no montante global de € 56 219,17, referente à aquisição de serviços a sociedades de advogados e de auditoria, no âmbito de trabalhos relativos ao chamado «Projecto Líbia» e à aquisição da J..., valem os argumentos atrás referidos para fundamentar a sua não dedutibilidade;

– Na verdade, a mera aquisição de participações sociais no chamado "Projecto Líbia", quando a A. não tem qualquer interferência directa ou indirecta na gestão das sociedades em que participa (implicando esta gestão a realização de operações tributáveis) não é susceptível de ser caracterizada como actividade económica e o imposto suportado nos gastos inerentes à tomada das referidas participações sociais não é dedutível nos termos do artigo 20.º do Código do IVA;

– a intervenção na gestão das sociedades afiliadas poderá constituir uma actividade económica para efeitos de IVA se e na exacta medida em que implique a realização de transacções sujeitas a imposto, nomeadamente a prestação de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos;

– o alegado e denominado "prolongamento da actividade produtiva", não configura a realização de operações tributáveis entre a A. e as suas afiliadas;

– Por assim ser, relativamente ao IVA suportado nas facturas emitidas pelas sociedades de advogados e de auditores relativas ao "Projecto Líbia" e à "Aquisição da J...", tal não foi considerado dedutível, atendendo à natureza das despesas e pelo facto da A. não ter demonstrado, ao longo do procedimento inspectivo, a ligação directa entre a aquisição dos referidos serviços com a prática de operações tributáveis;

– a A. tem o ónus legal de comprovar os factos constitutivos do direito à dedução do IVA e não fez essa prova;

– não sendo a A. a entidade beneficiária da fusão da J..., não resulta da sua aquisição a existência de qualquer gasto por ela suportado e muito menos conexo com as suas operações tributáveis.

 

3.3. Decisão

 

De harmonia com o art. 2.º da Directiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28-11-2006, estão sujeitas ao IVA, para além de outras, as operações de entregas de bens efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, as aquisições intracomunitárias de bens efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro, as prestações de serviços efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade e as importações de bens.

Na mesma linha o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) estabelece, no seu art. 1.º, que estão sujeitas a este imposto as transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, as importações de bens e as operações intracomunitárias efectuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias.

Nos termos do art. 9.º da Directiva «entende-se por "sujeito passivo" qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma actividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa actividade» e «entende-se por "actividade económica" qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada actividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência».

O CIVA estabelece que são sujeitos passivos, além de outras, «as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC)».

O direito à dedução surge no momento em que o imposto se torna exigível (art. 167º da Directiva n.º 2006/112/CE e art. 22.º n.º 1, do CIVA) e, em regra, só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de operações tributadas (arts. 168.º da Directiva n.º 2006/112/CE e art. 20.º, n.º 1, do CIVA).

No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações (arts. 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º n.ºs 1 e 2, do CIVA).

O pro rata de dedução é determinado para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo e resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes:

a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução;

b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução (arts. 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º n.º 4, do CIVA).

 

O pro rata de dedução é determinado anualmente, fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior (arts. 177.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º n.º 4, do CIVA).

De harmonia com o disposto no art. 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro ( 1 ) as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, sendo a participação numa sociedade considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.

O art. 4.º, n.º 1, do mesmo diploma ( 2 ) permite às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações.

É ponto que não é questionado pelas Partes que mera aquisição e detenção de participações sociais não devem ser consideradas como uma actividade económica para efeitos da Sexta Directiva (n.º 77/388/CEE, de 17-5-1977) e da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que entrou em vigor em 1-1-2007, cujo regime é essencialmente semelhante à anterior, neste ponto.

Como resulta da matéria de facto fixada, a Requerente não é uma sociedade holding, mas sim uma sociedade operacional, que tem como actividades principais a fabricação de … e produtos destinados à sua produção e adquire participações noutras sociedades e intervém na sua gestão com o objectivo de potenciar a sua actividade principal, designadamente expandindo internacionalmente a sua área de vendas a novos mercados e assegurando condições para a comercialização dos seus produtos.

A questão que se coloca é a de saber se a Requerente pode deduzir o IVA suportado com a aquisição de bens e serviços necessários à aquisição dessas participações sociais e intervenção noutras empresas.

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no art. 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o art. 234.º do Tratado de Roma, anterior art. 177.º), a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o direito da União. ( 3 )

A recente jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a possibilidade de dedução de IVA por sociedades gestoras de participações sociais é potencialmente aplicável ao caso em apreço, por estar em causa a dedução de IVA relacionado com uma actividade deste tipo. Na verdade, o facto de a Requerente ter como actividade principal a produção de …, uma actividade económica para efeitos de IVA, não implica qualquer diminuição do direito à dedução, antes pelo contrário. Por isso, a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre aquela matéria será aplicável por paridade, se não por maioria de razão.

O Tribunal de Justiça da União Europeia, no acórdão 6-9-2012 do proferido no processo n.º C-496/11 ( 4 ) veio a decidir o seguinte:

 

O artigo 17.º, n.ºs 2 e 5, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que uma sociedade holding como a que está em causa no processo principal, que, acessoriamente à sua actividade principal de gestão das participações sociais das sociedades de que detém a totalidade ou parte do capital social, adquire bens e serviços que factura em seguida às referidas sociedades, está autorizada a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado pago a montante, na condição de os serviços adquiridos a montante apresentarem um nexo directo e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução. Quando os referidos serviços são utilizados pela sociedade holding para realizar simultaneamente operações económicas com direito a dedução e operações económicas sem direito a dedução, a dedução só é admitida para a parte do imposto sobre o valor acrescentado que seja proporcional ao montante relativo às primeiras operações e a Administração Tributária nacional está autorizada a prever um dos métodos de determinação do direito a dedução enumerados no dito artigo 17.º, n.º 5. Quando os referidos bens e serviços são utilizados simultaneamente para actividades económicas e para actividades não económicas, o artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva 77/388 não é aplicável e os métodos de dedução e de repartição são definidos pelos Estados-Membros, que, no exercício deste poder, devem ter em conta a finalidade e a economia da Sexta Directiva 77/388 e, a esse título, prever um modo de cálculo que reflicta objectivamente a parte de imputação real das despesas a montante a cada uma destas duas actividades.

 

Este acórdão veio afastar o obstáculo conceitual da inadmissibilidade de dedução integral do IVA suportado por uma SGPS, atenta a sua natureza, quando se trata de uma sociedade deste tipo que presta serviços às suas participadas.

Na verdade, refere-se expressamente naquele acórdão que «caso seja de considerar que todos os serviços adquiridos a montante têm um nexo directo e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução, o sujeito passivo em causa teria o direito, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 2, da Sexta Directiva, de deduzir a integralidade do IVA que tenha onerado a aquisição a montante dos serviços em causa no processo principal. Este direito a dedução não pode ser limitado pelo simples facto de a regulamentação nacional, em razão do objecto social das referidas sociedades ou da sua actividade geral, qualificar as operações tributadas de acessórias da sua actividade principal».

Assim, o direito à dedução nasce de uma relação de utilização: se os recursos foram utilizados pela Requerente em actividades que conferem direito a dedução, o IVA será dedutível, independentemente do peso relativo em termos de valor gerado por essa actividade no confronto com a totalidade dos proveitos.

A referida jurisprudência do TJUE tem suporte explícito na legislação da União Europeia, no art. 168.º da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE) que estabelece que, quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes do IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo.

A legislação nacional está em sintonia com aquela norma, ao estabelecer no art. 20.º do CIVA, que pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações que aí se indicam, entre as quais se incluem as transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.

Por outro lado, ainda em sintonia com o citado acórdão do TJUE a interferência da Requerente «na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma actividade económica», para efeitos de tributação em IVA, estando a Requerente autorizada a deduzir o IVA pago a montante, na condição de os serviços adquiridos a montante apresentarem um nexo directo e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução.

Para além disso, como se refere no mesmo acórdão ( 5 ), «admite-se igualmente um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo».

Assim, tem cobertura legal a dedução pela Requerente de todo o IVA suportado com serviços e bens adquiridos que tenham nexo directo e imediato com os serviços prestados às suas participadas com direito a dedução ou que, não tendo nexo directo e imediato com determinados serviços, seja IVA suportado com custos que fazem parte das despesas gerais da Requerente que tenham nexo directo e imediato com o conjunto da sua actividade económica.

No caso em apreço, provou-se a aquisição de participações e os estudos relacionados com elas, bem como a intervenção de colaboradores da Requerente em sociedades participadas, fiscalizando a actividade desenvolvida e a formação de recursos humanos destas, se inserem na sua estratégia global de comercialização dos seus produtos (… e …), tendo em vista obtenção de novos mercados com ligação com empresas locais (Líbano e vários países africanos) e assegurar o transporte desse produtos (terminal portuário de …) e comercialização interna (caso da aquisição da J... –, S.A.)

Assim, apesar de não se ter provado um nexo directo e imediato entre as despesas de consultadoria que foram objecto das correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, provou-se que a existência de um nexo directo e imediato entre essas despesas e o conjunto da actividade económica da Requerente, pelo que os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta, tratando-se, portanto, de custos com «um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo», o que, na perspectiva da referida jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia basta para conferir o direito à dedução.

Por isso, os actos cuja declaração de ilegalidade é pedida violam o preceito no artigo 20.º, n.º 1, do CIVA, o que justifica a sua anulação (artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo).

 

4. Juros indemnizatórios

 

A Requerente pede juros indemnizatórios, como consequência da anulação das liquidações impugnadas.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Cumpre, assim, apreciar o pedido de juros indemnizatórios.

Resulta claro da matéria de facto fixada que as ilegalidades dos actos de liquidação de IVA e juros compensatórios são imputáveis à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, efectuou as correcções e as subsequentes liquidações sem suporte legal ( 6 ).

Está-se perante vícios de violação de lei substantiva, consubstanciado em erros nos pressupostos de facto e de direito, imputáveis à Administração Tributária

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia de € 12.495,04 desde 25-2-2011 e sobre a quantia de € 56.133,17 desde 29-11-2011, até ao integral reembolso do referido montante.

 

Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

– julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade das seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios, excepto na parte referente ao imposto respeitante à correcção de € 3.875,55 (aceite pela Requerente):

• Liquidação adicional de IVA, relativa ao período de 0804, identificada com o n.º …, no montante de € 2.558,34;

• Liquidação adicional de IVA, relativa ao período de 0807, identificada com o n.º …, no montante de € 8.748,25;

• Liquidação adicional de IVA, relativa ao período de 0809, identificada com o n.º …, no montante de € 309,00;

• Liquidação adicional de IVA, relativa ao período de 0811, identificada com o n.º …, no montante de € 3.325,00;

• Liquidação adicional de IVA, relativa ao período de 0812, identificada com o n.º …, no montante de €1.430,00;

• Liquidação adicional de juros compensatórios, relativa ao período de 0804, identificada com o n.º …, no montante de € 249,53;

• Liquidação adicional de juros compensatórios, relativa ao período de 0807, identificada com o n.º …, no montante de € 766,01;

• Liquidação adicional de juros compensatórios, relativa ao período de 0809, identificada com o n.º …, no montante de € 24,99;

• Liquidação adicional de juros compensatórios, relativa ao período de 0811, identificada com o n.º …, no montante de € 245,96;

• Liquidação adicional de juros compensatórios, relativa ao período de 0812, identificada com o n.º …, no montante de € 101,24 (artigo 32.º da petição inicial e cópias das liquidações juntas com ela);

– julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade das seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:

• Liquidação adicional de IVA, relativa ao período de 0901, identificada com o n.º…, no montante de € 12.114,00;

• Liquidação adicional de IVA, relativa ao período de 0903, identificada com o n.º …, no montante de € 41.294,30; e

• Liquidação adicional de IVA, relativa ao período de 0907, identificada com o n.º …, no montante de € 2.724,87;

• Liquidação adicional de juros compensatórios, relativa ao período de 0901, identificada com o n.º …, no montante de €1.192,15;

• Liquidação adicional de juros compensatórios, relativa ao período de 0903, identificada com o n.º …, no montante de € 3.783,24; e

• Liquidação adicional de juros compensatórios, relativa ao período de 0907, identificada com o n.º …, no montante de € 213,21.

 

– julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios à taxa legal contados calculados sobre a quantia de € 12.495,04 desde 25-2-2011 e sobre a quantia de € 56.133,17 desde 29-11-2011, até ao integral reembolso do referido montante, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar estes pagamentos.

 

Valor do processo: De harmonia com o disposto no art. 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 75.204,54.

 

Custas: Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 23-4-2013

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(José Alberto Pinheiro Pinto)

 

 

 

(José Manuel Pedroso de Melo)

1(  ) Redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro.

2(  ) Redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro.

3(  ) Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, página 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2593.

4(  ) Embora o acórdão tenha sido emitido aplicando o regime da 6.ª Directiva (n.º 77/388/CEE, de 17-5-1977) que foi revogada pela Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que entrou em vigor em 1-1-2007, o regime desta é essencialmente semelhante à anterior, no que aqui interessa, pelo que se deve fazer aplicação daquela jurisprudência a situação dos autos, apesar de estarem em causa factos ocorridos em 2008 e 2009.

5(  ) Citando jurisprudência anterior do TJCE adoptada nos acórdãos Kretztechnik, n.º 36, Investrand, n.º 24, e SKF, n.º 58.

6(  ) Excepto a correcção relativa à aquisição de serviços de reparação do Pavilhão Desportivo dos Bombeiros Voluntários de …, que consubstanciaram um donativo em espécie, no valor de € 3.875,55, que não foi impugnada.