Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 118/2012-T
Data da decisão: 2013-05-16  IRS  
Valor do pedido: € 2.000,00
Tema: Enquadramento no regime simplificado ou regime de contabilidade organizada; competência do tribunal arbitral
Versão em PDF

CAAD – Arbitragem Tributária

Processo Arbitral n.º 118/2012-T

Tema: IRS – enquadramento no regime simplificado ou regime de contabilidade organizada | competência do tribunal arbitral

 

 

CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa

 

Arbitragem Tributária

 

 

Processo Arbitral nº 118/2012 – T CAAD

 

 

 

O árbitro Ana Teixeira de Sousa, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de

Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, acorda no seguinte:

 

RELATÓRIO

 

1. Requerentes

 

…, contribuinte fiscal nº …, com domicílio fiscal na Av. … Lisboa e sua mulher, …, contribuinte fiscal n.º …, residentes em Lisboa.

 

2. Requerida

 

Autoridade Tributária e Aduaneira (abreviadamente AT) representada pelas Ex.mas. Juristas da Direcção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso … e …, designadas por despacho do Director-Geral da referida Autoridade, datado de 2 de Novembro de 2012.

 

3. Constituição e funcionamento do Tribunal Arbitral

 

O Requerente supra identificado apresentou no CAAD, no dia 26 de Outubro de 2012, um pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 2.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de

Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Ex. mo Senhor Presidente do CAAD e devidamente notificado às partes, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT.

 

A signatária, Ana Teixeira de Sousa, foi designada pelo Ex. mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) como árbitro-singular, nomeação que foi aceite por ter considerado não existir qualquer impedimento para o exercício da função.

 

O Mandatário do Requerente é o próprio Requerente, advogado com a cédula profissional Nº … L, com domicílio profissional na Av. … Lisboa.

 

O Tribunal Arbitral foi, assim, legalmente constituído em 14-12-2012, de que foi lavrada a competente ata, tendo desde logo sido notificada a Requerida para apresentar resposta, no prazo e termos legais e acordado o dia 28-01-2013 para realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

 

Quer a Resposta da AT quer o respectivo processo administrativo foram atempadamente

apresentados e juntos ao processo.

 

A reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi realizada na prevista data de 28-01-2013, tendo comparecido os representantes do Requerente e da Requerida.

 

Foi aceite a junção aos autos de um documento, a que foi atribuído o número 7, junção que tinha sido requerida pelo Requerente em 23-01-2013 e a que a Requerida não se opôs, ficando o documento anexo à acta.

 

O Tribunal aceitou igualmente a junção de uma cópia mais nítida da declaração de alterações do Requerente, que ficou anexa à acta.

 

Na sequência da reunião e no uso da palavra o representante do Requerente declarou prescindir da audição da testemunha arrolada no pedido de pronúncia arbitral prescindindo igualmente da produção de alegações orais e nada mais tendo a requerer.

 

A representante da Requerida declarou igualmente prescindir da produção de alegações orais e nada mais ter a requerer.

 

O Tribunal designou o dia 18 de Abril para prolação da decisão arbitral, que foi posteriormente adiado para dia 30 de Abril por Despacho do Tribunal de 17-04-2013.

 

4. Do pedido e da causa de pedir

 

O Requerente supra identificado vem, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei

n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, nos termos do artigo 99º do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT) requerer a constituição do Tribunal Arbitral Singular com vista a obter a declaração de ilegalidade do acto de fixação da matéria tributável do Requerente através do regime simplificado de tributação, pretendendo que a liquidação de IRS relativa ao ano de 2011 reflicta a opção pela contabilidade organizada efectuada pelo Requerente através de Declaração de Alterações entregue e recepcionada pelo Serviço de Finanças de Lisboa … no dia 30-03-2011.

 

O Requerente requer ainda que, se for mantida a fixação da matéria tributável pelo regime simplificado de tributação para o ano de 2011 que se aceite que a opção efectuada através da supra citada declaração de alterações produza efeitos na liquidação de IRS relativa ao ano de 2012.

O Requerente vem articular os seguintes factos na sua Petição Inicial:

1º. No dia 9/05/2012 o contribuinte nº … entregou a sua declaração de IRS Modelo 3 de IRS (Anexo C) relativa ao ano de 2011, conforme Doc.6 junto.

2º A declaração Modelo 3 de IRS (Anexo C) foi entregue pelo seu Técnico Oficial de Contas, e correctamente recepcionada pelo portal das finanças, uma vez que no 30 de Março ano de 2011 o contribuinte tinha optado pelo regime de contabilidade organizada.

No domingo 13 de Maio de 2012 recebeu um e mail do Portal das Finanças como seguinte teor “Caro Contribuinte … (…), Foram detectadas erros centrais de preenchimento na declaração de IRS entregue em 2012-05-09 13:18:02. Para consultar e corrigir os mesmos aceda a opção Serviços > Entregar > IRS em www.portaldasfinancas.gov.pt. Deverá corrigir a sua declaração no prazo máximo de 30 dias (Portaria nº159/2003 de 18 de Fevereiro, 7º alínea d))”.

Em face desta informação o Requerente ficou (relativamente) descansado até porque de acordo com a documentação que obteve e aqui se junta:

A declaração de Alterações de Actividade foi aceite pela repartição de Finanças no dia 30 de Março de 2011, Doc. nº1 (registo informático efectuada pela repartição):

Passou a constar no Portal das Finanças, na parte referente ao cadastro do Contribuinte a sujeição a contabilidade organizada por opção informatizada (Doc. nº2 que se junta).

Em face desta situação o contribuinte, antes de esgotar o prazo de 30 dias que lhe foi concedido apresentou no dia 12/06/2012 exposição ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa … – relatando os factos supra descritos (Doc. nº4 que se junta), e concluindo o seu pedido nos seguintes termos:

“… vem à cautela e antes de esgotado o prazo requerer que as declarações de IRS referentes ao ano de 2011 dos contribuintes … e … sejam consideradas correcta e atempadamente apresentadas dado que nenhum erro lhes pode ser imputado e em nada deverão como tal ser penalizadas nomeadamente no prazo de reembolso de IRS que pagaram a mais e cuja restituição atempada aguardam”.

Também é certo que o Contribuinte não recebeu qualquer notificação da Repartição de Finanças …, ou serviço de Finanças relativa a qualquer erro ou situação irregular.

Resulta claro da consulta efectuada ao Portal das Finanças, que o Contribuinte não possui qualquer processo de divergência em aberto.

Só no dia 27/09/2012 o contribuinte recebeu notificação da Autoridade Tributária em resposta ao seu requerimento, na qual sem se debruçar sobre questões por ele apresentadas, vem surpreendentemente e pela primeira vez notificá-lo de que “segundo entendem” o contribuinte apesar de ter passado a ter contabilidade organizada continua a permanecer no regime simplificado.

10º Refere ainda a AT na sua resposta, que o contribuinte se encontrava integrado no regime simplificado no triénio de 2009 a 2011 e que apenas poderia alterar a para Regime de Contabilidade durante o mês de Março de 2012.

11º Com esta resposta pretende ainda a AT informar que, não só que a Declaração de Alterações de Actividade que recepcionou no dia 30 de Março de 2011, não produziu efeitos no ano de 2011 como que a mesma não produzirá efeitos para o triénio 2012 a 2014, vez que a mesma teria de ser apresentada no mês de Março de 2012.

Na Petição Inicial o Requerente reitera os argumentos supra descritos que foram aqueles que utilizou na exposição apresentada no dia 12-06-2012 à Administração Tributária.

Acrescenta que, no seu entendimento, ainda que a Declaração de Alterações de Actividade recepcionada pela Repartição de Finanças no dia 30 de Março de 2011, não produzisse efeitos no ano de 2011 (o que apenas por mera hipótese de raciocínio admite) ela teria forçosamente que produzir efeitos para o triénio 2012 a 2014, uma vez que de acordo com a al b) do nº4 do art. 28º do CIRS tal pedido pode ser apresentado “Até ao fim do mês de Março…” e não no Mês de Março como menciona a decisão da AT supra referida em 14. a 16.

Finalmente, o pedido apresentado na Petição Inicial consubstancia-se no pedido de decisão arbitral que determine:

  1. Que o contribuinte em 30/03/2011 alterou o regime simplificado, em que se encontrava, para o regime de contabilidade organizada, sendo desde o ano de 2011 a determinação dos seus rendimentos efectuada com base em contabilidade, tal como foi por si solicitado;

  2. Que as declarações de IRS Modelo 3 referentes ano de 2011 entregues pelos Contribuintes … e … no dia 09-05-2012, foram correcta e atempadamente apresentadas, e em consequência;

  3. A AT deve efectuar o reembolso de IRS que os contribuintes pagaram a mais no ano de 2011, pagando-lhes ainda juros de mora à taxa legal, desde a data em que deveria ter sido efectuado o reembolso e da efectiva restituição;

  4. Caso se considere que o contribuinte, não poderia ter optado no ano de 2011 pela contabilidade organizada, o que apenas por mera hipótese académica se concebe, se determine que a Declaração de Alterações apresentada em Março de 2011, produziu efeitos a partir do ano de 2012, por não ser possível a sua entrega antecipada e que como tal, desde o ano de 2012 que o contribuinte tem os rendimentos determinados com base em contabilidade organizada.

O Requerente apresenta seis documentos.

 

5. Da resposta apresentada pela Requerida

 

A Administração Tributária apresentou a sua resposta à Petição Inicial apresentada pelo Requerente alegando o seguinte:

A Administração Tributária entende que a Petição Inicial concretiza a pretensão do Requerente de que a liquidação de IRS, relativa ao ano de 2011, reflicta a opção pelo regime de contabilidade organizada efectuada pelo Requerente, através da Declaração de Alterações de Actividade entregue e recepcionada pelo Serviço de Finanças de Lisboa …, no dia 30/03/2011, ou, se assim se não entender, que essa opção produza efeitos na liquidação de tal imposto, relativo ao ano de 2012.

Estando em causa o regime jurídico de aplicação das regras decorrentes do regime simplificado, no âmbito da determinação dos rendimentos profissionais.

Contudo a Administração Tributária entende que não assiste qualquer razão aos requerentes, nenhuma ilegalidade havendo a imputar, nesta matéria, à posição da Requerida.

Segundo a Requerida, de acordo com o estipulado no nº1 do artigo 28º do CIRS, a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais faz-se, regra geral, através da aplicação das regras decorrentes do regime simplificado ou com base na contabilidade.

Ficando abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua actividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de 150 000 € (cfr. Art. 28º, nº 2).

Discorre a Administração Tributária que o período mínimo de permanência quer no regime simplificado, quer no da contabilidade, é, nos termos conjugados dos nºs 5 e 4 do artigo 28º do CIRS, de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se, finalizado esse período, o contribuinte apresentar até ao fim do ano do mês de Março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação do rendimento, mediante a declaração de alterações.

Dispõe, por seu turno, o nº 6 do mesmo artigo 28º que a aplicação do regime simplificado cessa quando o montante anual ilíquido de 150 000€00, estipulado no nº2 deste preceito legal, for ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou, quando o seja num único exercício, em montante superior a 25%, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos. Decorre do exposto quadro legal que a cessação do regime simplificado pode ocorrer, tanto por opção do contribuinte – após a conclusão do triénio de submissão ao regime e desde que reúna os pressupostos legais para o efeito – como por decisão da admiração tributária, nos casos previstos no referido nº 6 do artº 28.

Tendo em conta o regime de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, a Administração Tributária entende que a alteração do regime, por opção do contribuinte, e desde que se verifiquem os pressupostos do mesmo, não pode nunca ocorrer durante o triénio. Considerando que a lei é clara quanto a esse aspecto, quando no nº3 do artigo 28º do CIRS prevê a renovação subsequente e automática do regime em períodos trienais.

Mais alega a Administração Tributária que o requerente, à data de 30-03-2011, estava abrangido, no âmbito do IRS, para efeitos de determinação, pelo regime simplificado correspondente ao triénio 2009 – 2011 (de 1 Janeiro de 2009 a 31 Dezembro de 2011), mantendo, a esse mesma data, dado o montante de rendimento anual ilíquido dos dois últimos exercícios, os pressupostos de aplicação do regime.

Consequentemente, conclui a Administração Tributária que a alteração do regime (do regime simplificado para o regime de contabilidade organizada) apenas poderia ocorrer, por opção do contribuinte, e conforme decorre da disciplina conjugada do disposto no nº 5 e na alínea b) do nº 4 do artigo 28º do CIRS, depois de concluído o triénio de 2009-2011, através da manifestação expressa, até ao final de Março do ano de 2012 (ano em que se inicia novo triénio, o de 2012/2014).

Continua, ou seja, esta alteração nunca poderia ocorrer durante o triénio de 2009 – 2011, uma vez que o período mínimo de permanência no regime simplificado é de 3 anos.

Para concluir que se justifica a apresentação de divergências na Declaração Modelo 3 de IRS respeitante ao ano de 2011,uma vez que estes não apresentaram o modelo B correspondente ao regime simplificado.

 

6. Do Saneamento e da Excepção Dilatória da Incompetência do Tribunal

 

O Tribunal foi regularmente constituído.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e os Requerentes e

Requerida estiveram legalmente representados.

 

Da determinação da natureza e tipo de acto que é objecto do processo decorre, em primeira linha, o conhecimento das excepções nomeadamente a da incompetência ou erro na forma do processo.

 

De forma a verificar a competência do Tribunal há necessidade de saber qual o acto administrativo tributário que é objecto do processo arbitral ou cuja declaração de ilegalidade o Requerente pretende.

Ora, pela leitura atenta da petição inicial e avaliação dos documentos anexos como meios de prova decorrem as seguintes conclusões relativas ao acto que é objecto do presente processo arbitral:

 

  1. Não se trata de um acto de liquidação de imposto, especificamente o IRS, na medida em que não existe, até ao momento da interposição da petição inicial, qualquer liquidação da declaração modelo 3 de IRS nem referente a 2011 nem a 2012;

  2. Não se solicita consequentemente a declaração de ilegalidade de um acto de liquidação ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro;

  3. O pedido de constituição de tribunal arbitral é efectuado ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro referindo-se a “declaração de ilegalidade de acto de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo”;

  4. O pedido feito na Petição Inicial reconduz-se se a pedido de decisão arbitral que determine que o contribuinte … em 30-03-2011 alterou o regime simplificado, em que se encontrava para, o regime contabilidade organizada, sendo desde o ano de 2011 a determinação dos seus rendimentos efectuada com base em contabilidade, tal como foi por si solicitado e que a declaração modelo 3 de IRS de 2011 entregue em 09-05-2012 foi correcta e atempadamente entregue devendo ter o consequente tratamento fiscal;

 

Face ao pedido inserto na Petição Inicial o Tribunal entende dever conhecer em primeira da sua própria competência.

 

Os artigos 13º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 16º do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 101º e seguintes do Código do Procedimento Civil (CPC) estabelecem que a infracção das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal.

 

A incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa.

 

Correspondendo a incompetência a uma situação de nexo negativo que decorre da circunstância de os critérios determinativos da competência de uma dada espécie de tribunais não lhe atribuírem a medida de jurisdição suficiente para o efeito.1

 

Desta forma, a infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, pelo que importa, antes de mais, proceder à sua apreciação.

 

Vejamos então o âmbito e medida da competência dos tribunais arbitrais.

 

O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Orçamento do Estado para 2010), autorizou o Governo a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, de modo a que o processo arbitral tributário constituísse um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.

 

O nº 4 do artigo 124º estatuía que o âmbito da autorização prevista neste artigo compreenderia, nomeadamente: “a delimitação do objecto do processo arbitral tributário, nele podendo incluir-se os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária”.

 

A autorização legislativa consagrada no artigo 124º da Lei nº3-B/2010,de 28 de Abril veio a ser concretizada por meio da aprovação do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

 

Confessadamente quis o Governo que “A arbitragem tributária, tal como contemplada no Regime da Arbitragem Tributária viesse a apresentar âmbito mais estreito relativamente ao que figurava na autorização legislativa do orçamento do estado para 2010, pela consciência de que esta era, e continua a ser, uma experiência inovadora que não vai sem os seus riscos”.2

 

“Desde logo, por não se descortinar, no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que o processo arbitral seja alternativa à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, actualmente prevista pelo artigo 145.º do CPPT (e, anteriormente, de forma inovadora, pelo artigo 165.º, do Código de Processo Tributário), enquanto meio residual de tutela efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes contra “quaisquer actos que os lesem, independentemente da sua forma”, de “determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos” e de “adopção de medidas cautelares adequadas”.3

 

Atenda-se pois ao facto de não sido esgotado o âmbito da autorização legislativa atribuída pelo artigo 124º da Lei nº 3-B/2010,de 28 de Abril, que previa que o processo arbitrário constituísse não apenas um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial mas também à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária (nºs 2 e 4, alíneas a e b) do citado artigo 124º), uma vez que não foi objecto de regulamentação esta última parte. Desta forma podemos retirar uma outra restrição ao âmbito de competência dos tribunais arbitrais que decorre de o pedido de reconhecimento de direitos e interesses legítimos em matéria tributária apenas integrar o círculo de competência dos tribunais arbitrais nos casos em que está subjacente a uma declaração de ilegalidade de um acto tributário de liquidação ou actos que fixam a matéria ou lucro tributável.

 

Aliás, a recente alteração legislativa ao Decreto-Lei nº10/2011, operada pelo artigo 161º da Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que veio revogar a alínea c) do nº 1 do artigo 2º, retirando do âmbito da competência dos tribunais arbitrais “ a apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão da liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior” reforça precisamente a supra referida delimitação restritiva de competência.

 

O âmbito da jurisdição arbitral tributária encontra-se delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material.

 

Assim, nos termos do artigo 2.º do RJAT, a competência desta “espécie” de tribunais, tribunais arbitrais, seria a de proceder à apreciação de pretensões dos contribuintes, relativas:

  1. À declaração da ilegalidade de actos tributários (de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta) – artigo 2.º, n.º 1, alínea a);

  2. À declaração da ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de determinação da matéria colectável e de fixação de valores patrimoniais – artigo 2.º, n.º 1, alínea b);

  3. À apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que não exista meio processual adequado à satisfação da pretensão referida na alínea anterior – artigo 2.º, n.º 1, alínea c), entretanto revogada pelo artigo 161º da Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro.

 

Por seu turno, dado o carácter voluntário da sujeição das partes à jurisdição arbitral, o mesmo RJAT, no nº 1 do seu artigo 4.º, postula que a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais depende de portaria dos ministros das Finanças e da Justiça.

 

Esta mesma vinculação veio a concretizar-se através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março que, no seu artigo 2.º, sob a epígrafe “Objecto da vinculação”, restringe de forma expressa as pretensões que podem ser cometidas aos tribunais arbitrais tributários.

 

Decorre assim, desde logo, do RJAT uma outra limitação da competência dos tribunais arbitrais uma vez que, remetendo a aprovação desta Portaria para o membro do Governo responsável pela área das finanças, restringe-se a competência dos tribunais a litígios fiscais excluindo-se outras matérias tributárias, nomeadamente algumas taxas e contribuições para a segurança social.

 

Em matéria de vinculação e respectivo objecto, atento o disposto no artigo 2º da Portaria nº112-A/2011, de 23 de Março, a Direcção Geral dos Impostos apenas veio aceitar a jurisdição do tribunal arbitral desde que tenha lugar a necessária reclamação graciosa prevista nos artigos 131º a 133º do CPPT como condição prévia da impugnação judicial nos casos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamentos por conta, o que se poderá considerar justificado face à aplicação subsidiária das normas de processo e procedimento tributário operada pelo artigo 29º do RJAT bem como a qualificação da arbitragem como um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial.4

 

Atento ainda o texto da Portaria aprovada e com relevância para os presentes autos são excluídas as matérias referentes à aplicação de métodos indirectos, conforme infra se transcreve:

 

“Artigo 2.º

Objecto da vinculação

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam -se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) (…)

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão”.

 

Esta disposição legal introduz uma outra limitação na definição do objecto da vinculação excepcionando a vinculação da Direcção Geral dos Impostos no que se refere a pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão de procedimento de revisão.

 

Importa, pois, aferir se a matéria em litígio se enquadra no domínio da competência ou da exclusão de competência do tribunal arbitral.

 

Pois que, verificando-se a incompetência em razão da matéria, incluindo a falta de vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao tribunal arbitral, tal preclude a possibilidade da eficácia subjectiva de uma decisão que, se fosse proferida por este tribunal, não produziria quaisquer efeitos sobre a parte que haveria de o executar.

 

Como é sabido, a competência do tribunal determina-se pelo pedido do autor e pela causa de pedir em que o mesmo se apoia, expressos na petição inicial, já que ela não depende nem da legitimidade das partes nem da procedência da acção, tal como é entendimento uniforme na doutrina e na jurisprudência (cfr., entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 91; Miguel Teixeira de Sousa, Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, pág. 36; e Acs. do STJ de 12/1/94, 2/7/96 e de 3/2/97, no BMJ, respectivamente, n.ºs 433, pág. 554, 459/444 e 364/591, de 5/2/2002, na CJ – STJ -, ano X, tomo I, pág. 68, de 18/3/2004, no processo n.º 04B873, de 13/5/2004, no processo n.º 04A1213 e de 10/4/2008, no processo n.º 08B845, estes três últimos disponíveis em www.dgsi.pt; do Tribunal de Conflitos, de 20/10/2011, proferido no processo n.º 13/11, disponível no mesmo sítio, e desta Relação de 7/11/2000, CJ, ano XXV, tomo V, pág. 184).

 

A violação das regras da competência absoluta do tribunal em razão da matéria, constitui excepção dilatória, que pode e/ou deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal.

 

A ter-se por verificada a referida excepção dilatória, ficará prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pelo Requerente na sua Petição Inicial. 5

 

A falta de jurisdição do tribunal para dirimir o litígio configura efectivamente a excepção dilatória da incompetência e não qualquer outra, fazendo-se, atenta a natureza arbitral do tribunal, uma leitura integrada do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, com o n.º 1 do seu artigo 4.º e, ainda, com o mencionado artigo 2.º da Portaria de vinculação nos termos acima transcritos.

 

Pelo que, prosseguindo, a verificação da excepção dilatória da incompetência, que o tribunal pode e deve conhecer oficiosamente, implicará, nos termos do CPC e CPPT, a absolvição do réu ou, no caso, da Requerida.

 

Nos presentes autos é formulado um pedido de declaração de ilegalidade de acto de fixação da matéria tributável que não origina a liquidação de qualquer tributo. Reconduzindo-se o mesmo pedido, conforme explanado e concluído na Petição Inicial, à particularidade de o fundamento aventado ser a (suposta) ilegalidade da decisão da Administração Tributária que procedeu ao enquadramento do Requerente no âmbito do regime simplificado, por via da não aceitação da produção de efeitos da declaração de alterações entregue pelo Requerente em 30 de Março de 2011.

 

Efectivamente, aquilo que se pretende é a declaração de ilegalidade da decisão da Administração Tributária que não aceitou que a declaração de alterações apresentada pelo Requerente para passar a ser tributado pelo regime da contabilidade organizada produzisse efeitos em 2011, mantendo o enquadramento atribuído ao Requerente no regime simplificado de tributação.

 

Cabe-nos determinar se o pedido, conformado pela Petição Inicial nos termos anteriormente descritos, integra o recorte legal de pretensão de declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais incluído na alínea b)do nº1 do artigo2º do RJAT.

 

De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, integrariam as competências dos tribunais arbitrais a declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de determinação da matéria colectável e de fixação de valores patrimoniais – embora apenas nas situações de avaliação directa, por a Administração Tributária se não ter vinculado às decisões relativas a actos de determinação da matéria tributável e da matéria colectável, por métodos indirectos, nem mesmo quando as mesmas incidam sobre “a decisão do procedimento de revisão”.

 

Seguimos aqui a exposição a este propósito desenvolvida no Parecer sancionado por Sua Excelência o Provedor de Justiça datado de 14-11-2011 a propósito de “Alterações ao Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária”.

Conforme refere este parecer, “as expressões “matéria tributável” e “matéria colectável” são muitas vezes usadas em sinonímia, embora possam não ser exactamente coincidentes; estamos em crer, aliás, que a sua distinção entre as referidas expressões seja particularmente nítida no caso do IRC, em que a matéria colectável = lucro tributável – prejuízos – benefícios (cfr. o artigo 15.º, do Código do IRC).

 

Por seu turno, o lucro tributável das pessoas colectivas com sede ou direcção efectiva em

território português, que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, corresponde à soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e, eventualmente, corrigidos nos termos do Código do IRC (cfr. o artigo 17.º do mesmo Código).

 

Assim, o lucro bruto, ou seja, o lucro contabilístico apurado no balanço, com as correcções decorrentes das normas tributárias, constitui a base do imposto, a matéria tributável, só este podendo ser determinado por métodos indiretos , nas situações expressamente previstas na Lei Geral Tributária, mas não já (nem sempre) a matéria colectável o poderá ser, caso sejam conhecidos prejuízos de anos anteriores ou benefícios fiscais dedutíveis, dada a subsidiariedade da avaliação indirecta relativamente à avaliação directa, sendo-lhe aplicáveis, sempre que possível, as regras da avaliação directa (cfr. o artigo 85.º, da Lei Geral Tributária).

 

A confirmar a distinção entre aqueles conceitos, está o n.º 2 do artigo 15.º, do Código do IRC que manda aplicar, com as necessárias adaptações, as disposições das alíneas a), b) e c) do número anterior, atinentes à determinação da matéria colectável, sempre que “haja lugar à determinação do lucro tributável por métodos indirectos”.

 

A referida distinção já não se afigura tão nítida nos restantes impostos, maxime no IRS, salvo para os sujeitos passivos que tenham rendimentos profissionais, comerciais, industriais ou agrícolas (categoria B) e sejam tributados com base na contabilidade, cuja determinação segue as regras do Código do IRC (por remissão do artigo 32.º, do Código do IRS).

 

…, citado no mesmo Parecer sancionado por Sua Excelência o Provedor de Justiça 6 refere que, anteriormente às alterações introduzidas ao Código do IRS pela Lei n.º 127-B/2007, de 20/12 (Orçamento do Estado para 1998), que transformou a maioria dos abatimentos ao rendimento líquido total (previstos no então artigo 55.º, daquele Código) em deduções à colecta (artigo 80.º, na redacção que então lhe foi conferida), que a matéria tributável de IRS correspondia ao rendimento líquido das diversas categorias de rendimentos, após efectuadas as respectivas deduções específicas (cfr. o actual artigo 22.º, do Código citado – “Englobamento”); por seu turno, a matéria colectável seria o valor sobre o qual incidiria a colecta, após terem sido feitos os abatimentos ao rendimento líquido.

 

Segundo o Autor citado, “Em termos teóricos, poder-se-á afirmar que, para a fixação da matéria tributável, concorrem operações destinadas a deduzir do rendimento ou lucro ilíquido os montantes cujo dispêndio se relacione com a própria produção do rendimento ou lucro (que, no caso dos trabalhadores dependentes, englobarão pelo menos as contribuições para a Segurança Social – Aºs 2º/7 e 25º CIRS). Para a determinação da matéria colectável, pelo contrário, já concorrem operações que visam atender às circunstâncias especiais do sujeito passivo que à produção do rendimento ou lucro se não reportam”.7

 

Também Jorge Lopes de Sousa8 conclui que as expressões “matéria tributável” e “matéria colectável”, não tendo exactamente o mesmo alcance, são utilizadas indistintamente pela lei, inclusive no RJAT. Aparentando a redacção da alínea b) do nº 1 do artigo 2º que as mesmas têm um alcance diferente, o mesmo RJAT utiliza noutros artigos uma e outra expressão com o mesmo sentido. Para concluir, ainda o mesmo autor, que a distinção fará mais sentido em sede de IRC, em que poderemos considerar a matéria colectável como “ o montante que que serve directamente de base de cálculo ao imposto, com aplicação da taxa do tributo enquanto que a matéria tributável é um dos elementos a considerar para cálculo da matéria colectável, sendo esta constituída pela matéria tributável reduzida em função de abatimentos e deduções, benefícios fiscais e prejuízos fiscais que devam ser considerados.”

 

Veja-se então se o acto objecto do litígio pode ser qualificado como um acto de fixação de matéria tributável que não dá origem à liquidação de qualquer tributo para efeitos da alínea b) do nº 1 do artigo 2º do RJAT.

 

Ora o Tribunal entende que o acto da Administração Tributária, de rejeição da produção de efeitos da declaração de alterações apresentada pelo Requerente em 30 de Março de 2011, no sentido de vir o mesmo a ver os seus rendimentos empresariais e comerciais serem apurados com base na contabilidade organizada, nesse ano de 2011 e no ano seguinte, 2012, não configura um acto de fixação de matéria tributável nos termos da supra citada alínea b) do nº 1 do artigo 2ºdo RJAT.

 

Na situação objecto dos presentes autos confronta-se o regime de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, nos termos do artigo 28ºe seguintes.

 

O artigo 28º do Código do IRS estabelece que a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais faz-se com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado ou com base na contabilidade. Inserindo-se este artigo no Capítulo II do CIRS “ Determinação do Rendimento Colectável”.

 

Este artigo 28º enquadra e desenvolve as regras de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais fixando as condições em que deve ser aplicado, mantido, renovado ou prorrogado o enquadramento no regime simplificado ou regime de contabilidade organizada, fixando os pressupostos de aplicação e ou cessação de cada um destes dois regimes de determinação de rendimentos da categoria B de IRS.

 

Por sua vez, o artigo 65º do CIRS, inserido no Capítulo III, “ Processo de determinação do Rendimento Colectável” inclui as “Bases para o apuramento, fixação ou alteração dos rendimentos”, determinando o seguinte:

 

1 - O rendimento colectável de IRS apurar-se-á de harmonia com as regras estabelecidas nas secções precedentes e com regras relativas a benefícios fiscais a que os sujeitos passivos tenham direito, com base na declaração anual de rendimentos apresentada em prazo legal e noutros elementos de que a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos disponha.

2 - A Direcção-Geral das Contribuições e Impostos procederá à fixação do conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação quando ocorra alguma das situações ou factos previstos no nº 4 do artigo 29º, no artigo 39º ou artigo 52º;

b) Não tenha sido apresentada a declaração prevista no artigo 57º quando o deva ser;

3 – (Revogado),

4 - A Direcção-Geral dos Impostos procederá à alteração dos elementos declarados sempre que, não havendo lugar à fixação a que se refere o nº 2, devam ser efectuadas correcções decorrentes de erros evidenciados nas próprias declarações, de omissões nelas praticadas ou correcções decorrentes de divergência na qualificação de actos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto.

5 - A competência para a prática dos actos de apuramento, fixação ou alteração referidos no presente artigo é exercida pelo director distrital de finanças em cuja área se situe o domicílio fiscal dos sujeitos passivos, podendo ser delegada noutros funcionários sempre que o elevado número daqueles o justifique.

 

Sendo que o regime simplificado de tributação é um método indirecto de avaliação ou determinação do rendimento líquido mas, ao contrário dos outros métodos indirectos, não aplicado em situações patológicas da relação jurídico-tributária (cfr. Lei Geral Tributária, artigo 87º) no qual apenas a avaliação indirecta assente em regime simplificado de tributação não pressupõe a existência de uma desconformidade entre o quadro legal e a realidade subjacente).9

 

O Capítulo V da Lei Geral Tributária, “Procedimentos de avaliação” contém os princípios e regras de avaliação, directa e indirecta da matéria tributável.

 

A avaliação da matéria tributável é efectuada directamente, segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei, atento o artigo 81ºda LGT, que define o âmbito da avaliação.

 

O artigo 83º estabelece os fins da avaliação, directa e indirecta, enquanto que o artigo 84º do mesmo diploma prevê os critérios técnicos que devem presidir à avaliação dos rendimentos ou valores sujeitos a tributação.

 

A fixação da matéria tributável (ou matéria colectável) precede logicamente o acto de liquidação do correspondente tributo. Excepto nos casos de auto liquidação, em que o sujeito passivo determina o montante do tributo, a fixação da matéria tributável é feita pela administração tributária, quer se trate de avaliação directa quer se trate de avaliação indirecta. O sujeito passivo não é no entanto alheio a este processo de fixação da matéria tributável, na medida em que nele colabora activamente, apresentado declarações, cumprindo com obrigações de contabilidade e outras obrigações declarativas.

 

A fixação da matéria tributável envolve um conjunto de actos, que podem ser demonstrados de forma objectiva, quer quanto aos elementos utilizados quer quanto ao método de cálculo utilizado.10

 

A determinação da matéria tributável ou matéria colectável é assim efectuada através de elementos objectivos (contabilidade e respectiva documentação) podendo incluir um processo de avaliação que envolverá sempre uma certa margem de subjectividade nomeadamente quando é necessário ponderar factores cuja qualificação é subjectiva ou em cuja quantificação intervêm elementos incertos como por exemplo quando é necessário determinar taxas de amortização, constituição de provisões, fixar o valor de rendimentos em espécie.

 

No caso de aplicação do regime simplificado de tributação a matéria tributável resulta directamente de factores previstos na lei, acabando por se traduzir num método indirecto e automático de determinação da matéria tributável, de que o contribuinte não pode requerer a revisão, nos termos dos artigos 91.º e seguintes, da LGT.

 

A lei concede aos contribuintes a possibilidade de verem o seu rendimento determinado através de avaliação directa, dependendo da observância do quadro normativo descrito anteriormente no artigo 28º e seguintes do Código do IRS.

 

Ora o acto sindicado nos presentes autos não integra o elenco potencial dos actos de fixação de matéria tributável ou matéria colectável na medida em que não aplica um conjunto de factores, objectivos ou subjectivos, que conduzem à liquidação do correspondente tributo, localizando-se, antes, a “montante” da fixação da matéria tributável.

 

No presente caso é formulado um pedido de declaração de ilegalidade de acto de fixação da matéria tributável que não origina a liquidação de qualquer tributo. Reconduzindo-se o mesmo pedido, conforme explanado e concluído na Petição Inicial, à particularidade de o fundamento aventado ser a (suposta) ilegalidade da decisão da Administração Tributária que manteve o enquadramento do Requerente no âmbito do regime simplificado, em 2011, não tendo atribuído a Administração Tributária relevância fiscal à declaração de alterações que o Requerente entregou em 30-03-2011 com o objectivo de ver os seus rendimentos empresariais e profissionais serem determinados com base na contabilidade organizada.

 

Efectivamente, aquilo que se pretende é a declaração de ilegalidade da decisão da Administração Tributária que manteve o enquadramento jurídico do Requerente, sujeito passivo, no âmbito de um regime de tributação.

 

Este procedimento (de enquadramento cadastral) sendo prejudicial face ao “acto de liquidação” propriamente dito também não se confunde com o acto de fixação da matéria tributável.

 

O pedido objecto da Petição Inicial entregue pelo Requerente não corresponde ao pedido de declaração de ilegalidade de um acto tributário de liquidação ou de declaração de ilegalidade de um acto de fixação da matéria colectável que não originou a liquidação de qualquer imposto.

 

O pedido concretiza a declaração de erro da Administração Tributária nos pressupostos de aplicação do regime de tributação dos rendimentos empresariais e profissionais do Requerente o que, tendo em conta a matéria a sindicar, não é susceptível de resolução por via arbitral fiscal.

 

O meio próprio para impugnar estes actos, que não comportam a apreciação da legalidade de actos de liquidação e que também não são actos de fixação da matéria tributável ou da matéria colectável não é a impugnação judicial mas sim a acção administrativa especial, em conformidade com a alínea p) do nº 1 do artigo 97º do CPPT e artigo 46ºe seguintes do CPTA.

 

Estando perante um acto administrativo sobre questão fiscal, que não integra os actos previstos na alínea a) e b) do nº 1 do artigo 2º do RJAT, fica afastada a competência dos tribunais arbitrais que se pretende constituírem um meio alternativo à impugnação judicial (e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, segundo o disposto na lei de autorização legislativa – artigo 124º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril ainda que, em nosso entendimento, careça a competência nesta matéria de regulamentação adequada).

 

7. Do Dispositivo

 

Nestes termos, detectada a incompetência absoluta do tribunal, ainda que no momento de ser proferida a sentença, e tratando-se a incompetência absoluta de pressuposto processual de conhecimento prioritário, podendo sê-lo inclusive até ao trânsito em julgado da sentença que haja apreciado o fundo da causa, decide o árbitro que constitui este Tribunal Arbitral julgar procedente a excepção de incompetência absoluta do foro arbitral, em razão da matéria e, em consequência, rejeitar o pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se a Requerida da instância.

 

 

Custas a cargo do Requerente fixando-se o respectivo montante no valor mínimo de € 306,00.

 

Notifique-se

 

Lisboa, 16 de maio de 2013

 

 

Árbitro Singular

 

Ana Teixeira de Sousa

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138º, número 5 do Código de Processo Civil aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime da Arbitragem Tributária.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 

 

 

 

 

 

 

1 Acórdão do CAAD de 14/05/2012 no Processo nº 17/2012-T

2 Segue-se Parecer sancionado por Sua Excelência o Provedor de Justiça datado de 14/11/2011 “ALTERAÇÕES AO REGIME JURÍDICO DA ARBITRAGEM EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA”

3 Ibidem nota 2

4 Ibidem nota 2

5 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto no processo 292/087TBVLP.P1, de 26/2/2013

6 Ibidem nota 2

7 Ibidem nota 2

8 in “Guia da Arbitragem Tributária” Editora Almedina, 2013

9 Manuel Faustino, estudo sobre “Os Regimes Simplificados de Tributação em IRS, IRC e IVA” do Gabinete de Estudos Legislativos da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, Julho 2004

10 Lei Geral Tributária, comentada e anotada por Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Editora VISLIS, ano 2000