Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 467/2023-T
Data da decisão: 2024-02-29  Liquidação Outros 
Valor do pedido: € 130.297,89
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR); competência dos tribunais arbitrais; Ineptidão da petição; legitimidade.
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SUMÁRIO:

  1. A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) é um tributo que se qualifica como “imposto” e não como “contribuição”, pelo que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar matérias a ela respeitantes.
  2. Os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de actos de liquidação de CSR e já não de actos de repercussão daquele imposto.
  3. A falta de identificação dos actos de liquidação de CSR contestados, cuja declaração de ilegalidade e anulação se requer, implica a ineptidão do pedido arbitral.
  4. A Requerente não suportou o encargo da CSR por repercussão legal, pelo que carece de legitimidade processual para contestar a legalidade dos actos de liquidação daquele imposto.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Nina Aguiar e João Pedro Rodrigues, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

            1. A..., LDA., NIPC ..., com sede na..., ..., ...-... ... (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º-A, n.º 2, e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”) com base nas Declarações de Introdução no Consumo (“DIC”) submetidas pelas sociedades B..., S.A. (“B...”), C... S.A. (“C...”), D..., S.A. (“D...”) e E..., Lda. (“E...”) (em conjunto designadas como “fornecedoras de combustíveis”) e, bem assim, dos consequentes actos de repercussão da CSR consubstanciados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário àquelas adquirido pela Requerente no decurso do período compreendido entre Novembro de 2018 e Março de 2022.

 

            2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral apresentado pela Requerente em 27 de Junho de 2023, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

 

            3. No pedido arbitral a Requerente invocou, em síntese, que:

  • A CSR, aprovada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, está em antinomia com o regime geral dos impostos especiais de consumo vertido na Directiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008 (“Directiva 2008/118/CE”), conforme entendeu o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) no despacho Vapo Atlantic proferido em 7 de Fevereiro de 2022, no processo n.º C-460/21;
  • Tal antinomia resulta do facto de a CSR não prosseguir “motivos específicos”, na acepção do artigo 1.º, n.º 2, da Directiva 2008/118/CE, uma vez que “as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar‑se como suficiente, para estabelecer uma relação directa entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objectivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental”;
  •  Neste sentido, os actos tributários praticados ao abrigo das normas internas que conformam o regime jurídico da CSR padecem do vício de ilegalidade abstracta por violação de norma do direito da União Europeia de parâmetro hierárquico superior;
  • O direito da União Europeia vincula todos os serviços do Estado, o que significa que a AT estava obrigada a desaplicar as referidas normas internas com fundamento na apontada desconformidade com o direito da União Europeia, por forma a evitar a consequente ilegalidade abstracta dos putativos actos de aplicação;
  • Uma vez que a AT não o fez, conclui-se que o erro (ilegalidade) ínsito nos actos tributários objecto do presente processo é imputável aos serviços, que deviam ter procedido à respectiva revisão nos termos previstos na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”);
  • Devem assim ser anulados os actos tributários objecto do presente processo arbitral e, em consequência, devolvidas à Requerente as quantias pela mesma suportadas a título de CSR, no montante global de € 130.297,89.

 

            4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 11 de Agosto de 2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

            5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 30 de Agosto de 2023, sendo que naquela mesma data foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta.

 

            6. Em 29 de Setembro de 2023, a Requerida apresentou a sua resposta onde invocou, em suma, o seguinte:

  • A identificação pela Requerente do acto ou actos tributários objecto do pedido arbitral é um requisito essencial à admissibilidade do pedido, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT;
  • No pedido arbitral a Requerente limitou-se a identificar facturas de aquisição de combustíveis aos seus fornecedores sem identificar qualquer acto tributário de liquidação, o que determina a nulidade de todo o processo e absolvição da Requerida da instância por verificação de excepção de ineptidão da petição inicial, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º alínea b) e 278.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º do RJAT;
  • Decorre dos artigos 15.º, n.º 2 e 16.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (“CIEC”) aplicáveis ex vi artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que o reembolso só poderá ser solicitado pelos sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto;
  • A Requerente não procedeu à introdução no consumo da CSR e não demonstrou ter suportado o pagamento do imposto, que no momento da venda poderá ou não ter sido transferido em parte ou na sua totalidade para os vários intervenientes na cadeia comercial;
  • Mesmo que a Requerente tivesse demonstrado que suportou o encargo da CSR, o respectivo reembolso seria ainda assim recusado em virtude de esta poder exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo, bem como pelo facto de o reembolso do imposto indevido por parte do sujeito passivo não ser, na prática, impossível ou excessivamente difícil, em conformidade com a jurisprudência do TJUE no acórdão Danfoss A/S, proferido em 20 de Outubro de 2011, no processo n.º C‑94/10;
  • Ao não ser a Requerente efectiva titular do direito ao reembolso, esta carece de legitimidade substantiva que sustente a sua pretensão, o que implica a verificação de excepção de ilegitimidade que determina a absolvição da Requerida da instância nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.ºs 1 e 3 e 579.º todos do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”);
  • No caso de se entender que a Requerente é parte legítima, suscitou a Requerida a intervenção principal provocada das fornecedoras de combustíveis ao abrigo do artigo 316.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º do CPPT;
  • A espécie tributária da CSR é qualificada como contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída do âmbito material da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (“Portaria de Vinculação”), tal como entendeu o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 29 de Maio de 2023, no processo n.º 31/2023-T;
  • A incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido da Requerente resulta ainda do facto de esta questionar a conformidade jurídico-constitucional do regime jurídico da CSR no seu conjunto, tendo em vista a suspensão da eficácia de actos legislativos aprovados por Lei da Assembleia da República no exercício das suas competências, o que extravasa as competências dos Tribunais Arbitrais previstas nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria de Vinculação;
  • Neste sentido, verifica-se a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral que determina a absolvição da Requerida da instância nos termos do disposto nos artigos 576.º e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT;
  • Nos termos do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, a CSR é devida pelos sujeitos passivos do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (“ISP”), sendo aplicável à sua liquidação cobrança e pagamento o disposto no CIEC, na LGT e no CPPT, com as devidas adaptações;
  • O artigo 15.º do CIEC estabelece as regras gerais de reembolso, referindo-se o artigo 16.º ao reembolso por erro na liquidação, cujo regime é especial face ao artigo 78.º, n.º 1 da LGT, sendo que em qualquer um destes regimes os titulares do direito de revisão dos actos tributários são os contribuintes/sujeitos passivos e a AT;
  • Por conseguinte, o direito à revisão oficiosa ou ao reembolso por erro não é conferido às entidades em que alegadamente foi repercutido o imposto, como é o caso da Requerente;
  • Acresce que caberia à Requerente a demonstração, de forma inequívoca, dos montantes efectivamente suportados a título de repercussão em cada uma das transacções comerciais (aquisições de produtos sujeitos a CSR, ao respectivo sujeito passivo/fornecedor), o que não foi feito;
  • Mesmo que se verificassem os pressupostos legais e processuais, e se considerasse efectuada a prova da repercussão da CSR, decorre da jurisprudência do TJUE que o Estado‑Membro, pode opor-se a um pedido de reembolso, apresentado pelo comprador repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo, tal como ocorre no direito nacional, pelo que deve improceder o pedido arbitral, por não provado, e absolvida a Requerida de todos os pedidos.

 

            7. Em 4 de Outubro de 2023, foi a Requerente notificada para exercer o direito ao contraditório, o que esta veio a fazer em 30 de Outubro de 2023, onde sustentou, em síntese, o seguinte:

  • Resulta da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto que a CSR deve constituir um encargo dos utilizadores da rede rodoviária nacional (identificados por via do seu consumo de combustível), de tal modo que a CSR liquidada pela AT deve ser legalmente repercutida até atingir a entidade nomeada pelo legislador como devendo suportar, em termos finais, o encargo económico deste tributo: o apontado consumidor de combustível;
  • Assim, a existência e a efectivação da repercussão constitui uma presunção (ainda que ilidível), na medida em que resulta de um dever legal projectado sobre os respectivos sujeitos passivos;
  • Resulta da jurisprudência do TJUE e do princípio da efectividade que o repercutido terá sempre o direito a obter a restituição do tributo suportado em violação do direito da União directamente junto da respectiva autoridade tributária nacional quando esse direito lhe seja atribuído pelo ordenamento jurídico doméstico, por um lado, e quando apesar de não lhe ser atribuído tal direito seja impossível ou excessivamente difícil obter essa restituição junto da entidade repercutente;
  • No caso concreto da CSR, além do ordenamento jurídico-tributário português atribuir aos repercutidos o direito de contestarem os actos tributários de repercussão de que sejam destinatários directamente junto da AT (artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT), esse é, de resto, o único meio à sua disposição para o efeito, não lhes sendo possível obter essa restituição junto das entidades repercutentes por via de uma acção para repetição do indevido (artigo 476.º, n.º 1, do Código Civil);
  • Em suma, no âmbito de uma relação jurídico-tributária sujeita a repercussão legal (como a de CSR), os actos de repercussão consubstanciam actos tributários autonomamente sindicáveis por parte dos respectivos repercutidos (a Requerente), cabendo-lhes, ao abrigo do princípio geral de repartição do ónus da prova consagrado no artigo 74.º da LGT, o ónus de identificação e de comprovação dos pertinentes actos tributários de repercussão que pretendam contestar (corporizados nas facturas que lhes foram emitidas pelas entidades repercutentes), mas já não o ónus de identificação e de comprovação dos antecedentes actos de liquidação repercutidos, o qual caberá à própria AT;
  • Sendo a AT a entidade incumbida de promover a liquidação da CSR, é esta quem está, na verdade, em condições de identificar os actos pressupostos pelos actos de repercussão, através dos meios ao seu dispor e ao abrigo dos respectivos poderes de indagação, averiguar a correlação entre os identificados actos de repercussão da CSR e o imposto liquidado, e, assim, proceder à específica identificação dos actos de liquidação de CSR aqui em causa;
  • Atribuir ao artigo 74.º da LGT um sentido interpretativo diferente do que fica enunciado, projectando sobre os terceiros repercutidos o ónus de identificarem e de juntarem aos autos actos tributários de que não foram destinatários e que não têm forma de conhecer – i.e., os actos de liquidação dirigidos aos respectivos sujeitos passivos primários e que constituem o quid da repercussão legal –, viola os princípios constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e da proporcionalidade previstos nos artigos 20.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), bem como o princípio da efectividade vigente no âmbito do direito da União;
  • Pelo que improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial invocada pela Requerida;
  • No presente caso era a AT que tinha o ónus de averiguar a correlação entre os respectivos actos de repercussão legal e os actos de liquidação de CSR que os antecedem e que estão na sua origem, não podendo a situação processual da Requerente sair prejudicada, designadamente quanto à aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa, pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso;
  • A remissão feita no n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto para o CIEC apenas abrange as matérias de liquidação, cobrança e pagamento da CSR, ficando assim de fora o regime especial de revisão oficiosa consagrado nos artigos 15.º e 16.º do CIEC;
  • De resto, a invocação de desconformidade entre as normas nacionais que sustentam os actos tributários sub judice (o regime da CSR vertido na Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto) e a norma de direito da União em causa (artigo 1.º, n.º 2 Directiva 2008/118/CE) consubstancia um erro imputável à AT para efeitos do disposto na última parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT;
  • Pelo que improcede a excepção de intempestividade invocada pela Requerida;
  • A Requerente tem legitimidade para sindicar, através do procedimento de revisão oficiosa regulado no artigo 78.º da LGT, a legalidade de actos tributários de liquidação de CSR, enquanto titular de interesse legalmente protegido, considerando-se que é na sua esfera patrimonial que se opera a repercussão desse tributo;
  • Qualquer interpretação que conclua pela inexistência do direito dos repercutidos legais a recorrer ao procedimento de revisão oficiosa regulado no artigo 78.º da LGT – ou que, considerando ser aplicável à CSR o regime especial de reembolso previsto nos artigos 15.º e 16.º do CIEC exclua os repercutidos legais do respectivo âmbito subjectivo de aplicação – violaria os princípios constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º da CRP), e da igualdade, por discriminar negativamente os repercutidos relativamente aos demais sujeitos da relação jurídico‑tributária de repercussão legal (artigo 13.º da CRP);
  • Sustentar que os repercutidos não têm legitimidade para contestar a legalidade dos actos de repercussão implica que o ordenamento jurídico doméstico não confere qualquer meio de reacção às entidades repercutidas para obterem, eficazmente, a restituição do tributo que tenham indevidamente suportado, o que viola o princípio da efectividade previsto no Direito da União;
  • Pelo que improcede a excepção de ilegitimidade invocada pela Requerida;
  • No âmbito da relação jurídico-tributária de repercussão legal, a legitimidade – e, nessa medida, a necessidade de intervenção – dos sujeitos passivos da relação tributária subjacente e dos respectivos repercutidos é mutuamente excludente, já que o reconhecimento de legitimidade para contestar a validade da CSR aos repercutidos exclui a possibilidade de os repercutentes o fazerem, e vice-versa;
  • Pelo que improcede a excepção de preterição de litisconsórcio necessário suscitada pela Requerida na sua resposta;
  • A CSR assenta em dois propósitos estruturalmente distintos: um primeiro, de simples arrecadação de receita (consistente na indicada remuneração da Infraestruturas de Portugal, S.A., enquanto entidade gestora da rede rodoviária nacional) e, um segundo, de comutação da utilização da referida rede;
  • A CSR deve, atenta a sua qualidade de contribuição especial por maiores despesas (segregada pelo legislador constitucional de 1997 do conceito de contribuições financeiras consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa), ser perspectivada como um verdadeiro imposto, quer em sede constitucional, quer, consequentemente, em sede infraconstitucional;
  • Deste modo, todos os actos tributários relacionados com a CSR serão plenamente arbitráveis nos termos dos artigos 2.º do RJAT e da Portaria de Vinculação;
  • Mesmo que se entendesse que a CSR deve ser qualificada como uma contribuição financeira a favor de entidades públicas, ela enquadrar-se-ia no conceito de tributo a que alude o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o que sempre seria suficiente para efeitos da sua arbitrabilidade;
  • Pelo que improcede a excepção de incompetência material invocada pela AT;
  • Caso subsistam dúvidas quanto ao direito da Requerente – na sua qualidade de repercutida – obter a restituição da CSR indevidamente suportada, em violação do direito da União, directamente junto da AT, deve ser promovido reenvio prejudicial do presente processo para o TJUE, nos termos previstos no artigo 267.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”),

 

            8. No requerimento de exercício do contraditório que apresentou a Requerente juntou aos autos uma declaração da C..., onde esta entidade afirmou ter integralmente repercutido na Requerente a CSR que entregou ao Estado na qualidade de sujeito passivo.

 

            9. Em 27 Novembro de 2023, foi a Requerente notificada ao abrigo do artigo 18.º, n.º 1, alínea c) do RJAT para juntar aos autos cópia das liquidações objecto de impugnação. Em resposta, afirmou a Requerente que juntou aos autos as facturas que lhe foram emitidas pelas fornecedoras de combustíveis e que carreou ao processo todos os elementos identificativos de que dispunha para precisar quais os actos de liquidação contestados. Na sua argumentação a Requerente remeteu para a fundamentação vertida no exercício do contraditório quanto à matéria de excepção, defendendo o cumprimento do disposto no artigo 10.º, n.º 2, alínea b), do RJAT.

 

            10. No despacho arbitral de 27 Novembro de 2023 foi também a Requerida notificada para, querendo, exercer o direito ao relativamente à prova junta pela Requerente com o requerimento apresentado em 30 de Outubro de 2023. O que esta veio a fazer ao invocar o artigo 423.º do CPC para sustentar a inadmissibilidade da junção do documento por não se verificar qualquer impossibilidade objectiva e/ou subjectiva da sua obtenção em data prévia ao pedido arbitral, requerendo o respectivo desentranhamento dos autos. Mais defendeu a AT que a declaração emitida pela C... não identificou quaisquer actos de liquidação de CSR, quais as datas em que aqueles teriam sido efectuados, quais as quantidades de combustível introduzidas no consumo que foram globalizadas nas DIC submetidas por aquela entidade, quais os litros de combustível adquiridos pela Requerente, datas das compras e comprovativos de pagamento, consistindo assim numa “mera declaração que não contem qualquer informação que possa permitir estabelecer uma relação entre o combustível por si adquirido e as liquidações de CSR”.

 

            11. Em 15 de Dezembro de 2023, veio a Requerente juntar aos autos declaração emitida pela B... na qual esta entidade afirmou ter repercutido o encargo da CSR no valor de € 33.331,00 relativamente aos 300.278,00 litros de gasóleo rodoviário vendidos à Requerente. Em resposta a este requerimento, veio a AT pedir o desentranhamento do documento apresentado invocando para o efeito os mesmo argumentos anteriormente expostos quanto à declaração da C... junta pela Requerente aos autos. Em exercício do contraditório, veio a Requerente sustentar que as declarações da B... e da C... respeitam a uma entidade terceira que apenas as emitiu em data posterior à apresentação do pedido arbitral, pelo que sempre estaria verificado o disposto no artigo 423.º do CPC.

 

            12. Por requerimentos de 11 e 17 de Janeiro e de 6 de Fevereiro de 2024, respectivamente, veio a Requerida juntar aos autos as decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 408/2023-T, 375/2023-T e 332/2023-T.

 

            13. Em 19 de Fevereiro de 2024, foi proferido despacho arbitral no qual se admitiu a junção aos autos de todos os elementos de prova submetidos pelas partes, tendo ainda sido dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações, remetendo-se para a decisão final a apreciação da matéria de excepção, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT.

 

II. SANEAMENTO

 

            14. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT e nos artigos 1.º a 3.º da Portaria de Vinculação.

 

            15. Para efeitos de saneamento do processo cumpre apreciar as excepções de (i) incompetência do Tribunal Arbitral, (ii) ineptidão do pedido de pronúncia arbitral, (iii) ilegitimidade das Requerentes, (iv) preterição de litisconsórcio necessário e (v) intempestividade do pedido de revisão oficiosa, o que será feito por esta ordem a título prévio no âmbito da análise do mérito da causa, logo após a fixação da matéria de facto provada e não provada.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

§1 – Factos provados

 

            16. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade de direito português, com sede e direcção efectiva em Portugal;
  2. Entre Novembro de 2018 e Março de 2022, a Requerente adquiriu à B..., 207.734,89 litros de gasóleo rodoviário;
  3. Entre Novembro de 2018 e Março de 2022, a Requerente adquiriu à C..., 132.026 litros de gasóleo rodoviário;
  4. Entre Novembro de 2018 e Março de 2022, a Requerente adquiriu à D..., 70.000 litros de gasóleo rodoviário;
  5. Entre Novembro de 2018 e Março de 2022, a Requerente adquiriu à E..., 764.094 litros de gasóleo rodoviário;
  6. Em 30 de Novembro de 2022, a Requerente apresentou junto da Alfândega do Jardim do Tabaco e da Alfândega de Peniche, dois pedidos de revisão oficiosa com vista à anulação das liquidações de CSR subjacentes aos litros de gasóleo rodoviário introduzidos no consumos a que se referem as alíneas b) a e) supra;
  7. Nos pedidos de revisão oficiosa a Requerente visou também a anulação dos actos de repercussão consubstanciados nas facturas emitidas pelas fornecedoras de combustíveis, referentes ao gasóleo rodoviário àquelas adquiridos no período de Novembro de 2018 a Março de 2022;
  8. Até à presente data, os pedidos de revisão oficiosa não foram objecto de decisão por parte da AT;
  9. Em 27 de Junho de 2023, a Requerente apresentou o pedido arbitral que deu origem aos presentes autos;
  10. Em 9 de Outubro de 2023, a C... emitiu uma declaração com o seguinte teor:

C..., S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede na..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, pela presente declara, para os devidos efeitos legais que a Contribuição de Serviço Rodoviário entregue, na qualidade de sujeito passivo, junto dos cofres do Estado - Autoridade Tributária e Aduaneira, por referência ao combustível fornecido à empresa A... LDA, foi por si integralmente repercutida na esfera da referida empresa:

NIF

Nome

...

A... LDA

 

  1. Em 30 de Novembro de 2023, a B... emitiu uma declaração com o seguinte teor:

assunto: Contribuição Serviço Rodoviário

A B..., LDA, NIPC ..., com sede na Av. ..., ..., ...-... Lisboa, declara que transmitiu onerosamente gasolinas e gasóleos rodoviários à A..., LDA., NIPC...:

  1. Nos casos em que atuou na qualidade de sujeito passivo da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), submeteu as correspondentes declarações de introdução no consumo e pagou o correspondente tributo às taxas legais aplicáveis à data de ocorrência dos factos tributários.

Essas operações consistiram na alienação de 0 litros de gasolinas e 3.834 litros de gasóleos rodoviários, a que corresponde a CSR no valor de 426 Euros.

A B..., LDA apresentou pedidos de revisão oficiosa e impugnações judiciais destinadas à recuperação dessa CSR. Nenhum destes processos transitou em julgado

  1. Nos casos em que não atuou como sujeito passivo da CSR, alienou 0 litros de gasolinas e 300.278 litros de gasóleos rodoviários, a que corresponde um valor de CSR de 33.331 Euros.

Valor esse, que integrou o custo das existências vendidas, juntamente com o preço de aquisição dos produtos e demais encargos, tendo sido recuperado, no todo em parte, nas subsequentes transmissões onerosas à A..., LDA.”.

 

§2 – Factos não provados

 

            17. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, não se consideram provados os seguintes factos:

  1. A C..., a B..., a D... e a E... liquidaram pela introdução no consumo do combustível referente às facturas emitidas à Requerente a quantia global de € 130.297,89 a título de CSR, que foi integralmente paga;
  2. A Requerente suportou economicamente o encargo da CSR, na quantia global de € 130.297,89, referente às facturas de gasóleo rodoviário adquirido à C..., B..., D... e E...;
  3. A Requerente é o consumidor final dos combustíveis rodoviários adquiridos à C..., B..., D... e E..., não tendo repercutido o encargo da CSR no preço dos bens e serviços prestados aos seus clientes.

 

§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

18. O Tribunal Arbitral tem o dever de seleccionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e nos artigos 596.º, n.º 1 do CPC e 607.º, n.º 3, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

19. O Tribunal formou a sua íntima e prudente convicção quanto aos factos provados e não provados através do exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos, que foram apreciados e avaliados com base no princípio da livre apreciação dos factos e nas regras da experiência, normalidade e racionalidade, em conformidade com os ditames fixados nos artigos 16.º, alínea e) do RJAT e 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

20. Relativamente ao facto dado como não provado no ponto 1) supra, considerou este Tribunal Arbitral que as declarações juntas pela C... e pela B..., desacompanhadas das DIC globalizadas, dos consequentes actos de liquidação e dos respectivos comprovativos de pagamento não permitiam certificar a efectiva liquidação e pagamento da CSR pela introdução no consumo das quantidades de gasóleo rodoviário referidas nos pontos b) a e) da matéria de facto dado como provada. Isto sem contar com a total ausência de elementos probatórios que permitissem sindicar tais factos por referência às fornecedoras de combustíveis D... e E... . O que é ainda agravado pelo facto de a qualificação destas duas últimas entidades como sujeitos passivos de CSR ser controvertida nos autos. É que a Requerente não apresentou qualquer prova de que estas não são meros “operadores económicos que, eventualmente, serão intermediários na cadeia de distribuição de combustíveis”.

 

21. Quanto ao facto dado como não provado no ponto 2) supra, impõe-se desde logo registar que a prova da repercussão pressupõe inevitavelmente como ponto de partida a demonstração de que a CSR foi inicialmente liquidada e paga pelo sujeito passivo daquele tributo aquando da introdução no consumo dos produtos a ele sujeitos – o que, conforme se viu supra, não foi demonstrado pela Requerente.

 

22. Acresce que a Requerente não cumpriu o critério a observar na prova da repercussão da CSR, tal qual fixado pelo TJUE no despacho Vapo Atlantic, proferido em 7 de Fevereiro de 2022, no processo n.º C‑460/21. Ao que aqui importa, referiu aquele Tribunal o seguinte:

“(…) ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C-147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).

45 Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (Acórdão de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C-218/95, EU:C:1997:12, n.ºs 25 e 26).

46 O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42).

(…)

48 Nestas condições, há que responder à segunda e terceira questões que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo.”. (destaque nosso)

 

            23. Da aplicação da jurisprudência do TJUE ao presente caso resulta que a repercussão da CSR sobre terceiros – que não decorre de qualquer imposição legal prevista na Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto que instituiu a CSR, sendo tão só “expectável” perante o regime e funcionamento deste tributo –, não pode ser em qualquer caso presumida.

 

            24. O que é compreensível, se se tiver em consideração que a repercussão opera aqui como um fenómeno económico, com uma configuração e amplitude variáveis. Como explica Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2019, p. 399:

A repercussão (…) pod[e] operar por mais que uma forma sobre os preços. A forma mais comum é a da repercussão descendente, que se verifica quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem, fazendo com que o comprador o suporte: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes sobem o preço na mesma medida, fazendo com que os consumidores o suportem. A repercussão transversal verifica-se quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem diferente daquele que é onerado pelo tributo: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes diluem esse aumento através do agravamento do preço da generalidade das bebidas alcoólicas. Enfim, a repercussão ascendente verifica-se quando o vendedor subtrai o tributo ao preço de um bem de que é comprador, obrigando os fornecedores a suportar-lhe o peso económico: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes obrigam as empresas cervejeiras a baixar o preço nessa mesma medida.

A repercussão constitui um fenómeno que depende em larga medida das condições económicas que rodeiem uma transacção”.

 

            25. Portanto, a ocorrência do fenómeno de repercussão descendente não pode simplesmente ser presumida por mais que tenha sido querida na lógica de funcionamento do tributo. Pelo contrário, impõe-se uma análise do contexto e dos vários factores que conformam cada transacção comercial para daí extrair a conclusão de que o encargo da CSR foi total ou parcialmente “repassado” ao longo dos vários intervenientes do circuito económico até atingir o consumidor final.

 

            26. Ora, este exercício de prova não foi realizado pela Requerente, que se limitou a estabelecer meros juízos presuntivos de que suportou a CSR em virtude de uma suposta – embora inexistente – obrigação legal de repercussão do encargo daquele tributo.

 

27. Quanto aos fornecedores D... e E..., cuja qualidade de sujeitos passivos primários é controvertida, a repercussão é pura e simplesmente presumida pela Requerente, que se limitou a juntar facturas por aquelas emitidas, como se de tal facto decorresse sem mais a prova da repercussão.

 

28. Quanto aos fornecedores B... e C..., a Requerente procurou provar a repercussão através das declarações referidas nos pontos j) e k) da matéria de facto provada, onde aquelas entidades se limitam a afirmar de forma genérica e abstracta que repercutiram o encargo da CSR. Sendo que no caso da B... nem se afirma que a CSR foi integralmente repercutida. Ora, tais declarações não versam as concretas transacções realizadas entre as fornecedoras de combustíveis e a Requerente; não fazem a correspondência entre as operações praticadas e as declarações de introdução no consumo dos combustíveis transaccionados; não estabelecem a relação entre as transacções e as DIC com as correspondentes liquidações emitidas pela AT e, finalmente, não demonstram a incorporação do encargo da CSR nas facturas de venda de gasóleo rodoviário à Requerente, nem tão pouco em que grau e/ou medida em que tal incorporação se processou.

 

            29. Acresce que mesmo que a Requerente tivesse demonstrado a liquidação e repercussão da CSR, sempre inexistiriam elementos nos autos que permitam certificar que o encargo da CSR se cristalizou na sua esfera jurídica, isto é, que foi a Requerente a entidade que em última instância foi onerada com o tributo em causa, porquanto não incorporou o seu custo no preço do serviços prestados aos seus clientes que podem situar‑se no circuito ou cadeia económico-comercial como os verdadeiros consumidores finais. Foi por isso que se deu como não provado o facto constante do ponto 3) supra.

 

            30. Por fim, regista-se que não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, que apesar de serem apresentadas como factos, consistem em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

IV.1. Questões prévias – saneamento

 

§1 – Incompetência do Tribunal Arbitral

 

            31. Quanto à competência deste Tribunal Arbitral, impõe-se em primeiro lugar aferir se, em termos gerais, o pedido formulado pela Requerente é arbitrável, isto é, se a apreciação de pretensões referentes à CSR se encontra ou não inserida no âmbito de competência material da arbitragem tributária.

 

            32. Ao que aqui importa, a competência dos Tribunais Arbitrais é delimitada no RJAT nos seguintes termos:

Artigo 2.º

Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”. (negrito nosso)

 

33. Âmbito material este que é por sua vez circunscrito na Portaria de Vinculação, da seguinte forma:

Artigo 2.º

Objecto da vinculação

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.

 

            34. Apesar de a concatenação das referidas normas jurídicas não apresentar uma resposta incontestável quanto à arbitrabilidade de actos de liquidação de contribuições, que parecem ter sido em parte excluídos do âmbito material da arbitragem tributária pela Portaria de Vinculação – o que tem reflexo na jurisprudência arbitral que não é uniforme nesta matéria –, certo é que resulta incontroversa a inclusão no âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais a apreciação da legalidade de actos de liquidação de impostos.

 

            35. Revela-se, assim, necessário, qualificar a CSR enquanto “contribuição” ou “imposto”, para daí extrair as necessárias consequências quanto à competência material deste Tribunal Arbitral. Esta análise tem sido amplamente discutida e desenvolvida pela jurisprudência, que importa aqui considerar em cumprimento do desiderato de interpretação e aplicação uniforme do direito que emana do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil.

 

            36. Nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 31/2023-T, 508/2023-T e 520/2023-T a CSR foi qualificada como uma contribuição, o que levou aqueles Tribunais Arbitrais a julgar procedente a excepção de incompetência material. No acórdão proferido em 16 de Novembro de 2023, no processo n.º 520/2023-T, referiu-se a este respeito o seguinte:

 

“(…) nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correcta e não uma outra que o dissimule.

Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considera «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.

No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspectiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.”.

 

37. Em sentido contrário, pronunciaram-se os Tribunais Arbitrais nas decisões proferidas nos processos n.ºs 564/2020-T, 629/2021-T, 304/2022-T, 305/2020-T, 644/2022-T, 665/2022‑T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T e 410/2023-T, que qualificaram a CSR como imposto e, consequentemente, consideraram-na arbitrável. Por todos, cita‑se nesta sede o acórdão proferido em 24 de Outubro de 2023, no processo n.º 644/2022-T, que registou a este respeito o seguinte:

 

Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coactivo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afectação à realização de fins públicos – que definem um imposto.

Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspectividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT.

Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou colectiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito activo respectivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspectividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa).

Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da actividade da Infraestruturas de Portugal. Na sua concepção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.

Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008 (…)

Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respectiva natureza.

Não há, nesse ponto, qualquer paralelo entre a CSR e a CESE (Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético), relativamente à qual uma decisão arbitral (Proc. n.º 714/2020-T) entendeu procedente a excepção de incompetência ratione materiae. A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária cuja receita é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, tendo por base, portanto, uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou colectivas que integram o sector energético nacional, o que configura uma bilateralidade genérica ou difusa – que pura e simplesmente não encontramos na CSR.

 

            38. Cabendo tomar posição, e evitando repetições desnecessárias e contrárias à economia processual que se exige, acompanha este Tribunal Arbitral a jurisprudência maioritária que qualifica a CSR como um imposto, já que este é um tributo que efectivamente não reúne as características de bilateralidade difusa e de responsabilidade de grupo inerente às contribuições. Por conseguinte, nem se revela necessário indagar se as contribuições se inserem ou não no âmbito material da arbitragem, uma vez que resulta incontroverso do RJAT e da Portaria de vinculação que tal âmbito abrange a apreciação da legalidade de questões referentes a impostos.

 

39. Apesar de, em termos gerais, as matérias referentes à CSR serem arbitráveis, para se concluir pela competência material do Tribunal Arbitral é ainda necessário analisar e confrontar os concretos pedidos formulados pela Requerente com a delimitação que resulta do RJAT e da Portaria de Vinculação.

 

40. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente peticionou, por um lado, a declaração de “ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela requerente no decurso do período compreendido entre novembro de 2018 e março de 2022” e, por outro lado, a declaração de ilegalidade “das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustíveis”.

 

            41. Do teor de tais pedidos resulta desde logo que não assiste razão à AT quando sustenta que a Requerente questiona a desconformidade jurídico-constitucional do regime da CSR como um todo, peticionando a suspensão da eficácia de acto legislativo emanado pela Assembleia da República no exercício das suas competências. Tal pedido não foi definitivamente formulado pela Requerente, pelo que improcedem quaisquer desconformidades que lhe pudessem ser assacadas.

 

42. Prosseguindo pela análise ao primeiro pedido, avança-se desde já que a apreciação da legalidade de actos de repercussão de CSR extravasa o âmbito material da arbitragem tributária.

 

43. Os actos de repercussão materializam “um fenómeno que consiste na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem”, tal como evidencia Sérgio Vasques, ob. cit., p. 399.

 

44. Fenómeno este que não se subsume a nenhuma das realidades visadas pelo artigo 2.º do RJAT anteriormente transcrito, que determina que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de actos de liquidação (alínea a) do n.º 1) e de actos de fixação da matéria tributável/matéria colectável/valores patrimoniais na eventualidade de não terem originado qualquer acto de liquidação (alínea b) do n.º 1).

 

45. Com efeito, independentemente da posição que se adopte sobre a natureza jurídica dos actos de repercussão – i.e., saber se são actos que integram uma relação jurídico-tributária complexa ou se são um fenómeno económico de natureza estritamente privada – certo é que aqueles não são actos tributários em sentido lato, porque não envolvem o apuramento da matéria colectável/tributável através da aplicação de uma norma tributária substantiva a um caso concreto e muito menos actos tributários de liquidação stricto sensu, que tornam certa, líquida e exigível a obrigação tributária através da operação aritmética de aplicação da taxa legal à matéria tributável previamente determinada (neste sentido vide Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Almedina, 2017, p. 278).

 

46. Este é, de resto, o entendimento que tem sido uniformemente defendido pela jurisprudência que se pronunciou sobre o tema, concretamente pelos Tribunais Arbitrais constituídos nos processos n.º 296/2023-T, 375/2023-T, 332/2023-T e 408/2023-T. Por todos, reproduz-se nesta sede em reforço das considerações já realizadas, o excerto das conclusões a que chegou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 1 de Fevereiro de 2024, no processo n.º 296/2023-T:

 

III.6. A possibilidade de os tribunais arbitrais sindicarem actos de repercussão

Como os Colectivos que decidiram os processos n.os 408/2023-T e 375/2023-T, o presente Tribunal arbitral entende que não tem competências para apreciar directamente – e sem mais – actos de repercussão. Ainda que se possam integrar numa relação tributária complexa, tais actos ocorrem a jusante dos actos de liquidação e a competência que o legislador atribuiu aos tribunais arbitrais esgota-se – no que ao caso importa – na sindicância dos actos de liquidação. Isso decorre directamente das normas legais, mas corresponde também ao ensinamento da doutrina: Alberto Xavier, distinguindo a substituição tributária da repercussão, escrevia que nesta temos “um devedor de imposto, que é do mesmo passo contribuinte, e um terceiro que não desempenha qualquer papel na obrigação tributária.”

Para Leite de Campos/Benjamim Rodrigues/Lopes de Sousa, entre o terceiro repercutido “e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado.”

 

Sendo isso assim em tese geral, face ao elenco das competências dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, e que constam dos artigos 2.º a 4.º do RJAT, nem sequer é preciso discutir a natureza jurídica desses actos de repercussão porque, qualquer que seja, não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal: a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT: “A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”. Quer dizer que este Tribunal se declara liminarmente incompetente para apreciar o primeiro pedido da Requerente (declarar a ilegalidade dos actos de repercussão da CSR consubstanciados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pela Requerente).”.

 

47. Em face do exposto, declara-se o presente Tribunal Arbitral incompetente, em razão da matéria, para conhecer o pedido de apreciação da legalidade de actos de repercussão de CSR, impondo-se a absolvição parcial da Requerida da instância quanto a este concreto pedido, em conformidade com o disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) todos do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

48. Em sentido oposto, e sem necessidade de mais valorações, reconhece-se o presente Tribunal Arbitral competente para apreciar o segundo pedido formulado pela Requerente, de declaração de ilegalidade das liquidações de CSR dirigidas às sociedades fornecedoras de combustíveis, porque subsumível ao âmbito material previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. Saber se tal impugnação pode ser feita pela Requerente, na qualidade de (alegada) repercutida, ou apenas às fornecedoras de combustíveis, enquanto sujeitos passivos primários a quem foi (alegadamente) liquidada e por quem foi (alegadamente) paga a CSR, é uma questão que não releva para efeitos de determinação de competência mas tão só para efeitos de apuramento de legitimidade, pelo que será nessa sede apreciada.

 

§2 – Ineptidão do Pedido de Pronúncia Arbitral

 

            49. Sendo o Tribunal competente para apreciar o pedido referente aos actos de liquidação de CSR nos termos acabados de fixar, cumpre então verificar se o pedido da Requerente apresenta deficiências ou irregularidades que implicam a sua ineptidão. Para realizar tal análise, impõe-se alguma contextualização.

 

            50. O contencioso tributário é um contencioso de plena jurisdição que confere aos particulares uma tutela jurisdicional efectiva quanto a todas as lesões de direitos e interesses legalmente protegidos em matéria tributária. Ainda assim, esta plena jurisdição é “mitigada”,  porquanto reconhece limitações no que respeita aos poderes condenatórios e substitutivos que assistem aos Tribunais.

 

51. No que em concreto respeita ao domínio da impugnação judicial e da arbitragem tributária que lhe é alternativa, o contencioso tributário continua a ser essencialmente de mera anulação, com excepção dos poderes condenatórios de reembolso do imposto indevidamente pago, de condenação no pagamento de juros indemnizatórios e de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.

 

52. Para além disso, no domínio daqueles meios processuais o contencioso tributário continua a ser de mera legalidade, de tipo, natureza ou matriz “objectivista”, que tem no acto tributário, maxime de liquidação, o seu elemento central (neste sentido vide Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 5.ª ed., Coimbra Editora, 2014, pp. 292-293).

 

53. Significa isto que a impugnação judicial e o pedido arbitral são meios processuais que não visam uma tutela da relação jurídico-tributária globalmente considerada, mas tão só dos concretos actos tributários contestados. Consequentemente, aqueles meios processuais dependem necessariamente da imputação de vícios a um determinado acto tributário previamente praticado e devidamente identificado que consiste no objecto do processo, cuja anulação ou declaração de nulidade ou inexistência se requer.

 

54. Neste mesmo sentido, referiu-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) de 16 de Dezembro de 2020, proc. n.º 0545/13.2BEVIS, que “o contencioso tributário é de mera apreciação da legalidade, consistindo na formulação de um pedido jurisdicional tendo em vista a anulação de um acto jurídico (tributário – liquidação) da administração, ou seja é um contencioso de anulação, e não de substituição”.

 

55. Dada a primazia que assume o acto tributário, torna-se particularmente relevante o cumprimento pelos particulares dos requisitos da petição inicial e do pedido arbitral no que respeita à identificação dos actos de liquidação contestados.

 

56. Assim, determina-se no CPPT o seguinte:

 

Artigo 108.º

Requisitos da petição inicial

1 - A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido.”. (destaque nosso)

 

57. Já no RJAT estabelece-se, ao que importa, o seguinte:

 

Artigo 10.º

Pedido de constituição de tribunal arbitral

(…) 2 – O pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via electrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual deve constar:

(…) b) A identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral;”. (destaque nosso)

 

            58. Compreende-se que em concretização do princípio do dispositivo a lei faça recair o ónus de identificação dos actos de liquidação sobre quem exerce o impulso processual de os impugnar. Se assim não fosse, isto é, se quem tomasse a iniciativa de contestar a legalidade de um acto de liquidação não tivesse o dever de o identificar e caracterizar, bem como de invocar os elementos essenciais que conformam o pedido e a causa de pedir, poderia verificar-se o prosseguimento de uma acção com um objecto processual inexistente ou, pelo menos, não devidamente delimitado.

 

59. Tal hipótese não pode, naturalmente, ser admitida. Por um lado, porque é em função do objecto processual que o Tribunal afere o cumprimento dos pressupostos que lhe permitem apreciar o mérito, designadamente a competência material, a legitimidade das partes, a tempestividade do pedido e a competência em razão do valor. Por outro lado, porque sem objecto o processo será inútil, já que no limite a acção poderá prosseguir sem que o Tribunal consiga aferir perante o concreto acto de liquidação contestado a verificação dos vícios invocados pelo impugnante. Isto sem contar que a final a decisão não terá efeito útil prático, já que o Tribunal não poderá declarar a ilegalidade e consequente anulação de um acto que desconhece.

 

            60. Vejam-se a este respeito as seguintes conclusões a que chegou o STA no acórdão de 07 de Fevereiro de 2018, proc. n.º 01400/17:

 

A única questão a decidir consiste em saber se está correcta a decisão ora sindicada que se decidiu pelo indeferimento liminar da petição de impugnação com fundamento no facto de a petição inicial ser inepta, por falta de objecto e, ainda, por ininteligibilidade do pedido, determinante da sua nulidade, a qual entendeu ser do conhecimento oficioso do tribunal, de harmonia com o disposto nos artigos 98.º do CPPT, 195.º n.º 1 e 186.º, n.º 2, alínea a), estes últimos do CPC, aplicável por remissão do artigo 2.º, alínea e), do CPPT.

Importa saber se foram cometidos erros de julgamento de direito, e se terá sido violado o princípio da cooperação, consagrado no artigo 7º, n.º 1, do CPC, e, bem assim, o direito de acesso à justiça e aos tribunais, proclamado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP.

(…)

Dispõe o artigo 108º do CPPT o seguinte:

Artigo 108.º

Requisitos da petição inicial

1 – A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o acto impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido.

2 – Na petição indicar-se-á o valor do processo ou a forma como se pretende a sua determinação a efectuar pelos serviços competentes da administração tributária.

3 – Com a petição, elaborada em triplicado, sendo uma cópia para arquivo e outra para o representante da Fazenda Pública, o impugnante oferecerá os documentos de que dispuser, arrolará testemunhas e requererá as demais provas que não dependam de ocorrências supervenientes.

A impugnante não identificou o acto impugnado e, não incumbia ao tribunal a quo substituir-se à Impugnante na identificação e junção do ato impugnado. Ocorre total ausência de indicação do acto de liquidação passível de ser impugnado, no âmbito da presente impugnação judicial e daí decorre a falta de objecto da impugnação e a ininteligibilidade do pedido apresentado na petição inicial. A ora recorrente concede, aliás que a sua petição inicial era imprecisa (vide supra conclusão e)), mas nada fez, nem quando notificada para a tornar precisa, desde logo neste elemento essencial – indicação do acto lesivo para si ou seja o acto impugnado que constituiria o objecto da acção que dirigiu ao tribunal.

É exacto que atenta a falta de objecto da impugnação e, bem assim, a ininteligibilidade do pedido formulado na petição inicial, o tribunal “a quo” nunca poderia emitir primeiro uma decisão sobre a tempestividade da impugnação, que obedece aos prazos previstos no artº 102º do CPPT e depois, caso se verificasse a tempestividade da mesma, uma decisão de mérito, por não ter sido materializado o ataque a um qualquer ato de liquidação de um tributo com indicação de causa(s) de pedir inteligíveis.

Esta é uma situação bem distinta de outros casos apreciados por este STA onde se expressou que o indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo.

Mas no presente caso nem sequer estamos imediatamente numa situação de evidência da improcedência da pretensão do autor. Estamos ainda a montante, na omissão de identificação do próprio acto impugnado e daí que o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, sendo que a concretizar-se redundaria em manifesto desperdício de actividade judicial. Nestas circunstâncias não se contraria o sentido decisório dos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.05.2014, recurso 69/14, de 6.03.2014, recurso 509/13, de 26.09.2012, recurso 377/12, de 16.05.2012, recurso 212/12, de 12.01.2011, recurso 766/10 e de 24.02.2011, recurso 765/10, todos in www.dgsi.pt.

No caso apreço, consideramos que o entendimento veiculado na decisão recorrida justifica o despacho de indeferimento liminar por impossibilidade da lide sendo correcta a fundamentação, supra destacada, em que se sustenta a decisão e que também para aqui se aporta.

Permitimo-nos ainda destacar aqui a asserção do Sr. Procurador Geral Adjunto neste STA inserta no seu parecer, consistente em que:

“(…) da simples leitura da fundamentação do despacho de indeferimento liminar, emerge que não foi proferida uma decisão atentatória dos princípios da tutela jurisdicional efetiva e da promoção do acesso à justiça ou pro actione, consagrados no artigo 20.º da CRP.

A não ser assim, inexistiriam decisões de natureza meramente formal, o que, por absurdo, levaria ao prosseguimento de ações, à partida, sem a mínima viabilidade, desperdiçando os meios materiais e humanos disponíveis e os dinheiros públicos, já de si escassos e, ademais, ocupando artificialmente os tribunais, já tão assoberbados, com questões de antemão condenadas ao insucesso”.

Acresce referir que atenta a falta de indicação e de junção do ato impugnado, que, necessariamente, o deveria instruir, por parte da Impugnante, não se impunha à Meritíssima Juíza do TAF de Sintra que interviesse de novo, no processo antes de proferir o despacho ora sindicado pois que o convite foi feito logo com a cominação do que sucederia caso não fosse satisfeito o convite formulado. Em consequência, não houve qualquer decisão surpresa para a ora recorrente e também não ocorreu violação do princípio da cooperação.

Finalmente cremos que o Mº Juiz não violou qualquer dever de «gestão processual», princípio que permite ao juiz dirigir activamente o processo, tomando as providências necessárias ao seu andamento célere e legal, o que inclui a adopção dos actos indispensáveis à regularização da instância.

É que, perante petição inicial, ostensivamente deficiente de elementos exigidos por lei, tomou a iniciativa própria e adequada traduzida na notificação/convite para identificação/junção aos autos do acto impugnado lesivo dos direitos da impugnante. Saíram goradas as suas diligências, por manifesta falta de colaboração da própria impugnante que erradamente entendeu que podia transferir para o Tribunal a obrigação de juntar aos autos um documento que não identificou, e não alegou que estivesse em poder da parte contrária, atinente ao acto impugnado também não identificado, sendo que a existir a sua junção estava no âmbito do princípio do dispositivo que à parte assiste não sendo caso para aplicação do disposto no artº 429º do novo CPC.

Nestas circunstâncias muito bem andou a Meritíssima Juiz de Direito do TAF de Sintra, ao decidir indeferir liminarmente a presente petição de impugnação judicial.”. (destaque nosso)

 

61. Num sentido próximo, vejam-se as considerações do Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 28 de Setembro de 2021, proc. n.º 693/2020-T:

 

Analisado o pedido Arbitral na globalidade, verifica-se, em primeiro lugar, que a Requerente se limita, no pedido final, e de forma abstracta, a dizer que deve ser decretada “a anulação do ato tributário impugnado com todas as consequências legais”, ficando o intérprete sem saber muito bem qual seja esse acto tributário, porquanto o mesmo não é identificado de forma clara, nem ao longo do articulado nem a afinal.

(…)

O RJAT não contém regime próprio em matéria de excepções e nulidades processuais, aplicando-se, nesta matéria, a título subsidiário, o disposto no CPPT, no CPTA e no CPC, como decorre do previsto no art. 29.º, n.º 1, a), c) e e) do RJAT.

De acordo com o estabelecido no art. 186.º, n.º 2, do CPC, há lugar a ineptidão da petição inicial quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir e quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

Na presente instância, a imprecisão quanto à identificação do pedido e a omissão dos factos correspondentes à identificação e caracterização dos actos tributários em causa, representam factualidade essencial, por isso integrante da causa de pedir. Trata-se, além do mais, de conteúdo que, pela sua essencialidade, deve, nos termos do estabelecido no art. 10.º, n.º 2, b), do RJAT, constar necessariamente do pedido de pronúncia arbitral.

Com efeito, o pedido é um elemento da petição inicial que, para além de ser importante para o réu (de modo a devidamente poder conformar a sua defesa), assume carácter essencial para o tribunal, na medida em que é com base no pedido que o tribunal aquilata o tipo de actividade jurisdicional que lhe é solicitada e define as balizas e objecto de conhecimento do mérito que lhe são permitidos e devidos. Conclusões que, no presente caso, em face do teor da petição inicial, e, em particular, da ausência, nela, da formulação de pedido, o tribunal não consegue apurar, não se reunindo, pois, as condições mínimas para que este possa conhecer do mérito.

Verifica-se, portanto, um dos tipos de deficiências “de carácter substancial, que irremediavelmente” comprometem “a finalidade da petição inicial” (ANTUNES VARELA, SAMPAIO e NORA e Miguel BEZERRA, Manual de Processo Civil, 1985, Coimbra Editora, p. 244), constituindo causa de ineptidão da petição inicial. Esta consubstancia, por seu turno, irregularidade geradora da nulidade de todo o processo (cfr. art. 186.º, n.º 1 do CPC), cuja previsão legal, enquanto excepção dilatória, consta do art. 89.º, n.º 4, b) do CPTA. Representa, por outro lado, nulidade insanável, como decorre do estipulado no art. 98.º, n.º 1, a), do CPPT, determinando, consequentemente, a absolvição da Requerida da instância (cfr. art. 576.º, n.º 2 do CPC).” (destaque nosso)

 

62. Retomando ao presente processo, constata-se que a Requerente peticiona a final a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de CSR praticados pela AT, porém, não identifica quais os específicos e concretos actos em causa nem junta aos autos qualquer prova, rectius documental, onde tal identificação seja feita.

 

63. Dos elementos probatórios produzidos pela Requerente apenas constam facturas que titulam aquisições de gasóleo rodoviário, bem como duas declarações de entidades fornecedoras de combustíveis onde estas afirmam que, enquanto sujeitos passivos de CSR, repercutiram a totalidade do encargo do imposto na Requerente.

 

64. Por muito que as facturas e as declarações das fornecedoras de combustíveis titulassem actos de repercussão de CSR – o que não ficou provado –, certo é que aquelas não são actos de liquidação, o que significa que a Requerente não cumpriu o ónus legal que lhe é imposto pelo artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.

 

            65. Incumprimento este que a Requerente não supriu, apesar de ter sido devidamente notificada para o efeito. Numa tentativa de colmatar a falta de identificação dos actos de liquidação, veio a Requerente peticionar que a AT juntasse aos autos “todos os demais documentos respeitantes à matéria do presente processo arbitral de que é a mesma detentora, em particular as liquidações de CSR aqui impugnadas”, ao abrigo dos artigos 84.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 429.º do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, alíneas c) e e), do RJAT.

 

            66. Ora, tal como se referiu, o dever de identificação das liquidações impugnadas recai sobre a Requerente por força do princípio do dispositivo associado ao impulso processual de impugnação (artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT), sem contar que o incumprimento deste ónus é processualmente valorado contra a Requerente por ser esta que tem de demonstrar os factos constitutivos dos seus direitos (artigo 74.º, n.º 1 da LGT). Em todo o caso, e sem prejuízo de não existir fundamento para transferir para a AT a obrigação de identificação e junção aos autos das liquidações contestadas, a verdade é que inexistem elementos no processo que permitam à AT – e muito menos ao Tribunal Arbitral – estabelecer um nexo causal entre as facturas que alegadamente titulam a repercussão da CSR e as liquidações que lhe estão a montante.

 

            67. Tal como referiu a Requerida, as fornecedoras de combustíveis D... e E... não são sujeitos passivos de CSR, inexistindo portanto quaisquer DIC ou liquidações que lhes tenham sido emitidas pela AT e que pudessem ser “linkadas” às facturas emitidas à Requerente. Em teoria, para identificar as liquidações era necessário analisar sucessivamente todos os fornecedores de combustíveis a montante da D... e da E..., relacionando as facturas de gasóleo rodoviário de todos os intervenientes, até chegar ao sujeito passivo primário a quem foi liquidada a CSR por referência às DIC submetidas. Não obstante, certo é que mesmo que se identificassem os efectivos sujeitos passivos de CSR, como sucede desde logo com as fornecedoras de combustíveis C... e B..., sempre existiriam óbices ao estabelecimento de uma correspondência entre as liquidações de CSR e as facturas emitidas à Requerente.

 

            68. Vejam-se a este respeito as seguintes considerações formuladas pela Requerida, que evidenciam de forma clara os óbices em questão:

 

  • O facto gerador do ISP [e da CSR] é a introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto” sendo que “o imposto é exigível no momento da introdução no consumo”;
  • as companhias petrolíferas que se apresentam perante a AT como sujeitos passivos de imposto, declaram para introdução no consumo enormes quantidades de produtos petrolíferos e energéticos sujeitos a imposto, mediante o processamento de e-DIC´s diárias, as quais são, todavia, globalizadas no mês seguinte pelas alfândegas competentes, para efeitos de liquidação”;
  • Sendo que a alfândega competente para a liquidação (…) não coincide necessariamente com a sede/domicílio do sujeito passivo”;
  • É comum que os sujeitos passivos de ISP apresentem as suas declarações para consumo em mais do que uma alfândega. Por exemplo, os depositários autorizados apresentam as suas DICs na(s) alfândega(s) em cuja área de jurisdição se localizem o(s) entreposto(s) fiscais que detenham e a partir dos quais pretendam que saiam os referidos produtos para serem introduzidos no consumo”;
  • No caso concreto, tendo em conta o produto (gasóleo rodoviário) e o período em causa (de novembro de 2018 a março de 2022), foi apurado que (…) a B..., S.A. e a C... S.A., as quais efetuam introduções no consumo em várias alfândegas, não sendo possível identificar as liquidações e as respetivas alfândegas de liquidação.”;
  • a B..., S.A. tem apresentado DIC’s nas alfândegas do Jardim do Tabaco e de Leixões e na Delegação Aduaneira de Sines, na sua qualidade de sujeito passivo, sendo que, a C... S.A. já apresentou DIC’s, dependendo dos anos e produtos, nas alfândegas de Faro, de Leixões, do Jardim do Tabaco, e em várias delegações aduaneiras”;
  • Verificando-se, igualmente, situações em que, por interesse e acordo comercial entre empresas, um operador económico declara para introdução no consumo a partir de um seu Entreposto Fiscal, produtos que são propriedade de outra companhia petrolífera. O primeiro apresenta-se perante a AT como o sujeito passivo de imposto, o segundo é o proprietário, que vende os produtos petrolíferos aos seus clientes (mas que são expedidos a partir do EF do sujeito passivo). Ou seja, é absolutamente possível que as empresas fornecedoras da Requerente, tenham acordado a colocação dos produtos nos depósitos do entreposto fiscal de outro(s) operador(es) económico(s), para ser expedido a partir daí, cabendo, neste caso, a este(s) operador(es) económico(s) submeter a DIC relativa às introduções no consumo e, assim, assumir perante a AT a posição de sujeito passivo/devedor do ISP”;
  • A multiplicidade de situações, está relacionada com os locais onde os operadores económicos detêm Entrepostos Fiscais e interesses comerciais válidos, relacionados, por exemplo, com menores custos de transporte na distribuição e colocação do produto no(s) cliente(s).”;
  • Há, assim, que salientar que, em qualquer caso, apenas os sujeitos da liquidação, isto é, apenas os sujeitos passivos que declararam os produtos para consumo e efetuaram o pagamento das imposições correspondentes, podem (…) identificar os atos de liquidação bem como as correspondentes alfândegas de liquidação competentes”;
  • atenta a multiplicidade de operações que se verificam, por interesses económicos vários e mediante acordo comercial entre empresas, não é possível afirmar categoricamente que um fornecedor de combustíveis, corresponda, necessariamente, ao sujeito passivo de ISP/CSR (como se vê na situação em concreto, já que, dois dos fornecedores da Requerente – a D..., S.A. e a E..., Lda. - não são sujeitos passivos)”;
  • Nas liquidações de ISP/CSR em que figuram como sujeitos passivos a F... e C..., considerando que se verifica uma absoluta falta de correspondência entre as quantidades de combustíveis declaradas para introdução no consumo pelos sujeitos passivos de imposto (ISP/CSR) e as correspondentes liquidações, referentes ao período das faturas de aquisição à B..., S.A. e à C..., S.A., indicadas pela Requerente, não é possível à AT identificar os atos de liquidação que se pretendem ver sindicados, devendo tal correspondência ser feita por quem o invoca”.

 

            69. Conclui-se, assim, que a identificação dos actos de liquidação pela AT seria excessivamente difícil ou até mesmo inviável, já que as facturas juntas pela Requerente aos autos poderiam corresponder a qualquer uma das DIC globalizadas e a qualquer uma das liquidações emitidas nas diferentes alfândegas no período compreendido entre Novembro de 2018 e Março de 2022. Isto, sem contar que poderá nem sequer existir coincidência entre o sujeito passivo de CSR e as fornecedoras de combustíveis à Requerente, que podem não ter sido as responsáveis pela introdução no consumo e pelo pagamento da CSR liquidada. A identificação dos actos de liquidação carecia de ser feita pelos verdadeiros sujeitos passivos de CSR, que não são parte no processo e sobre os quais este Tribunal Arbitral não dispõe de poderes de autoridade, pelo que não seria possível recorrer ao regime previsto no artigo 429.º do CPC.

 

            70. Esta impossibilidade prática de identificação dos actos de liquidação pela Requerente é mais facilmente compreensível se for tido em consideração, em primeiro lugar, que nos termos do artigo 15.º do CIEC a legitimidade para contestar a legalidade das liquidações de CSR apenas assiste aos sujeitos passivos deste imposto e, em segundo lugar, que o ordenamento jurídico prevê formas específicas de tutela dos direitos dos repercutidos, concretamente através de acções de repetição do indevido contra os repercutentes. É este, de resto, o entendimento que tem sido sufragado pela jurisprudência arbitral, designadamente nos processos n.ºs 296/2023-T, 375/2023-T, 332/2023-T e 408/2023-T já citados.

 

            71. Para efeitos elucidativos, atente-se no seguinte excerto do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral em 1 de Fevereiro de 2024, proc. n.º 296/2023-T:

 

III.7. A possibilidade de os tribunais arbitrais sindicarem actos de liquidação (inerentemente ligados a actos de repercussão) por solicitação dos repercutidos

Numa passagem do seu manual , Sérgio Vasques afirma que “Se o repercutido estará à margem da relação tributária, não estará por isso à margem do direito.”, referindo que a LGT lhe reconhece o direito “à reclamação, recurso, impugnação ou pronúncia arbitral” .

  Qualquer que seja a posição a adoptar em tese geral – e, salvo disposição legal em contrário, não há razões para pôr em causa a possibilidade de os contribuintes de facto serem admitidos a invocarem perante os Tribunais, incluindo arbitrais, a ilegalidade dos impostos que efectivamente pagaram –, tem de se ter em conta o quadro legislativo, e este foi invocado pela AT na sua Resposta para pôr em causa a possibilidade de a repercutida poder vir pedir a revisão de liquidações que lhe eram alheias . Fê-lo a coberto do argumento da ineptidão do PPA por não incluir “A identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;”, como expressamente exigido na alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT; fê-lo também com base na caracterização da relação da Requerente com a sua Fornecedora de Combustível como “uma relação comercial de direito privado entre empresas, à qual a administração tributária é estranha” (o que era especialmente relevante para a questão anterior); mas fê-lo igualmente com base numa alegada restrição legal do círculo de sujeitos que podem solicitar o reembolso da CSR, fazendo a equiparação desses pedidos de reembolso a pedidos de revisão (…)

A questão é: pode ela suscitar a revisão das liquidações de CSR em que não teve intervenção – e que, aliás, não consegue identificar – ainda que apenas na medida em que tais liquidações contendam com os pagamentos por ela feitos? Rectius: pode ela, supondo que todo o iter procedimental que desembocou no PPA cumpre os requisitos (o que ainda teria de se apurar) – pode a Requerente, perguntava-se, suscitar a revisão das liquidações conjuntas (e acumuladas) de ISP e CSR no segmento que invoca dizer-lhe respeito?

A questão está em saber se, portanto, no quadro processual que ficou descrito, pode este Tribunal declarar a ilegalidade das “liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva Fornecedora de Combustíveis”, ainda que delimitando o âmbito da ilegalidade de tais liquidações pela correspondência aos “atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pela Requerente no decurso do ano de 2021” – uma vez que, em tudo o que as exceda, não foi formulada qualquer pretensão arbitral.

(…) qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originam a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações que, em 24 anos, introduziu no CIEC: a do n.º 2 do artigo 15.º (epigrafado “Regras gerais do reembolso”), assim redigida:

 “Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto.”.

Por sua vez, as disposições relevantes desse artigo 4.º (epigrafado “Incidência subjectiva”), para as quais tal norma remete, têm a seguinte redacção:

“1 - São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo:

a) O depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado;

(…)

2 - São também sujeitos passivos, sem prejuízo de outros especialmente determinados no presente Código:

a) A pessoa que declare os produtos ou por conta da qual estes sejam declarados, no momento e em caso de importação;”

Desde a redacção inicial destas normas, dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, também a única alteração substancial registada foi o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de Dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjectiva”. Quer dizer que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”.

  Quer dizer que só os sujeitos passivos aí identificados – e só quando preencham requisitos adicionais – podem suscitar questões sobre, como se escreve no n.º 1 desse artigo 15.º, “o erro na liquidação”.”.

 

72. A idêntica conclusão, ainda que com fundamentos diversos, chegou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 15 de Janeiro de 2024, proc. n.º 375/2023-T:

 

37. Em resultado do acima exposto, conclui-se, em síntese, o seguinte:

i. A referida Lei n.º 55/2007 define o sujeito passivo e devedor da CSR, mas não contém qualquer regra de repercussão legal, nem se pronuncia sobre a sua repercussão económica;

ii. As ora Requerentes não são consumidoras finais, o que significa que os gastos em que incorrem são presumivelmente, de acordo com as regras da experiência comum, repercutidos no elo subsequente do circuito económico até atingirem os consumidores finais, esses sim, onerados com o encargo económico do imposto e demais gastos incorridos na produção dos bens e serviços;

iii. Se a CSR foi economicamente repercutida pelos distribuidores de combustíveis às ora Requerentes, não há razões para crer que estas, no exercício de uma atividade económica que visa o lucro e dentro dessa racionalidade, não tenham também repassado de alguma forma o encargo da CSR, no todo ou em parte, para os seus clientes, os quais nem sequer são os consumidores finais (os próprios clientes).

 

38. Ora, não sendo as ora Requerentes os sujeitos passivos da CSR, nem repercutidos legais desta contribuição, não lhes assiste legitimidade processual, a menos que, como interessadas, aleguem e demonstrem factos que suportem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, i.e., a menos que evidenciem a existência de um interesse direto e legalmente protegido na sua esfera, passível de justificar a faculdade de demandar a Requerida em juízo, ónus que sobre as mesmas impende.

 

39. Contudo, o único facto que as ora Requerentes alegam para este efeito é o de lhes ter sido repercutida a CSR. Qualificam esta repercussão, erradamente, como legal, embora não indiquem onde está prevista essa repercussão – que, a ser “legal”, sempre teria de constar de uma norma com essa natureza (a qual, porém, não existe).

 

(…) 41. Acresce que, sem prejuízo de a CSR ter sido consagrada como “contrapartida” da utilização da rede rodoviária nacional, a Lei não indica ou sequer sugere sobre quem é que deve constituir encargo, contrariamente ao que as ora Requerentes afirmam (nas suas palavras, o apontado “consumidor de combustíveis”, que, todavia, na realidade, a Lei não aponta...).

 

42. Rigorosamente, as ora Requerentes são tão-só clientes comerciais dos sujeitos passivos que liquidaram a CSR. Não são os sujeitos passivos dos actos tributários – de liquidação de CSR – impugnados. Não integram, nem são parte da relação tributária, nem são repercutidos legais. E também não se descortina, nem disso foi feita prova, que tenham sido as Requerentes a suportar economicamente o imposto, para o que seria necessário demonstrar duas vertentes cumulativas:

i. Que a CSR foi repercutida às ora Requerentes, quais os montantes e em que períodos;

ii. Que, por sua vez, o preço dos serviços de transportes que prestam aos seus clientes não comportam a repercussão de CSR (ou a medida em que não a comportam, se se tratar de repercussão parcial), por forma a poderem sustentar que suportaram, de forma efectiva, o encargo do imposto e o respetivo quantum.

 

43. As ora Requerentes limitaram-se a juntar declarações genéricas dos seus fornecedores de combustíveis, as quais estão longe de conter os elementos concretos indispensáveis à comprovação do acima exposto. Não lograram, por isso, atestar que suportaram o tributo contra o qual reagem. E esta seria, segundo entendemos, a única forma de lhes poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente acção arbitral, tendo em conta que não são sujeitos passivos, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutidos legais da CSR.

 

44. Aliás, compreende-se que o legislador não tenha adoptado um conceito irrestrito de legitimidade activa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o acto de liquidação do imposto, a determinação da sua efectiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplos repercutido(s) económicos da cadeia de valor. Ou seja, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável e mapeável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.

 

45. Por fim, não se diga que as ora Requerentes ficaram desprovidas de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma acção civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunirem os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspectiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (vd. artigo 20.º da Constituição).

 

46. De assinalar, adicionalmente, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao actual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respetiva liquidação precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (vd. Acórdão de 1/10/2003, processo n.º 0956/03).”. (destaque nosso)

 

73. Percebe-se, assim, que a Requerente não tenha logrado identificar os actos de liquidação de CSR cuja legalidade pretende contestar. É que tal impugnação apenas pode ser feita pelos sujeitos passivos a quem as liquidações foram dirigidas, sendo tal restrição de justificada pelas dificuldades práticas que resultariam de uma atribuição irrestrita de legitimidade. Resulta, assim, das citadas decisões arbitrais que mesmo que a Requerente lograsse identificar os actos de liquidação de CSR, sempre lhe faltaria legitimidade processual para contestar a respectiva legalidade por força do disposto no artigo 15.º do CIEC e no artigo 18.º, n.ºs 3 e 4, alínea a), da LGT. Solução que, conforme se referiu, não obsta à efectivação do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, concretizada através de acção de restituição do indevido.

 

74. Pelo que sempre estaria verificada a excepção dilatória de ilegitimidade da Requerente, o que determina a absolvição da Requerida da instância nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.

 

75. Em face de tudo o exposto, e sem necessidade de maiores considerações, julga este Tribunal Arbitral procedente a ineptidão da petição inicial por falta de objecto, o que consubstancia uma nulidade insanável e determina a absolvição da Requerida da instância arbitral por procedência de excepção dilatória, nos termos conjugados do artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, do artigo 89.º, n.º 4, alínea b) do CPTA e dos artigos 186.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea b), do CPC.

 

76. Neste medida fica prejudicada, porque inútil, a apreciação das demais questões suscitadas no processo.

 

V. DECISÃO

 

Termos em que se decide julgar:

  1. Julgar procedente a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar actos de repercussão de CSR e, em consequência, absolver parcialmente a Requerida da instância;
  2. Julgar improcedente a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar actos de liquidação de CSR;
  3. Julgar procedente a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de CSR e, em consequência, absolver a Requerida da instância;
  4. Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

           

            Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 130.297,89.

 

VII. CUSTAS

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 3.060,00, a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 29 de Fevereiro de 2024

 

Os árbitros,

 

 

Carla Castelo Trindade

(Presidente e Relatora)

 

 

Nina Aguiar

 

 

 

João Pedro Rodrigues

(vencido quanto à questão da ineptidão da petição inicial,

nos termos da declaração anexa)

 

Declaração de voto

            Quanto à questão da ineptidão da petição inicial, perfilho a posição que fez vencimento nos Processos n.os 408/2023 e 410/2023-T, por não se verificar “nenhuma das situações elencadas no artigo 186.º do Código de Processo Civil (“CPC”), nomeadamente, a falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, ou a contradição entre estes, nem a falta dos requisitos previstos no artigo 78.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”)”, acrescendo que a “exigência de identificação das liquidações, numa situação deste tipo, em que o repercutido não tem possibilidade de as identificar e a identificação não é imprescindível para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas facturas, seria incompaginável com o princípio constitucional da proporcionalidade e o direito à tutela judicial efectiva garantido pelos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, pois inviabilizaria a possibilidade prática de a Requerente impugnar contenciosamente actos que lhe aplicam tributação e lesam a sua esfera jurídica”.

João Pedro Rodrigues