Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 191/2020-T
Data da decisão: 2020-12-21  IVA  
Valor do pedido: € 104.062,83
Tema: IVA - Prestação de serviços. Locação. Isenção. Arrendamento de terreno para actividade cinegética.
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Decisão Arbitral     (consultar versão completa no PDF)          

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Catarina Belim e Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma, (árbitras vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 05-08-2020, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., pessoa colectiva n.º..., com sede na ..., - ... n.º..., ...-... ..., doravante abreviadamente designado por “A...” ou “Requerente”, veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração de nulidade ou anulação das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios relativas aos anos de 2015 a 2018 inclusive.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 23-03-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, os Árbitros que foram designados pelo Conselho Deontológico comunicaram a aceitação do encargo, no prazo aplicável.

Em 06-07-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 05-08-2020 (tendo em conta a suspensão de prazos determinada pelo artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 1-A/2929, de 19 de Março).

A Administração Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Em 19-11-2020, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.

As Partes apresentaram alegações.

                               O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)           A Requerente foi constituída como fundação e prossegue finalidades culturais, assistenciais, sociais e de benemerência, conforme o diploma fundador, Decreto-Lei n.º..., de 21-11-1933, estando registada para o exercício das seguintes actividades:

 

B)              A Requerente encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal em sede de IVA;

C)           A A... é proprietária de diversos prédios rústicos que, na sua generalidade, lhe foram destinados pelo seu fundador, e que se destinam a prover a A... dos rendimentos necessários à prossecução dos seus fins altruístas;

D)              A principal atividade desenvolvida pela Fundação nesses prédios, é, essencialmente, silvícola, isto é, a extração de cortiça, a venda de pinhas e a venda de madeira, sendo a atividade agrícola muito residual e circunscrita, assim como a actividade cinegética e / ou venatória, cingindo-se a A..., no caso desta última, à celebração, nos últimos três anos, de duas montarias por ano na propriedade da ... de ..., limitando-se, por fim, a A... à locação dos prédios rústicos no seu estado de natureza, isto é, sem qualquer intervenção da A..., com vista à sua exploração por terceiros (declarações dos vogais do Conselho de Administração da Requerente B... e depoimento da testemunha C...);

E)               A Requerente procura retirar dos prédios rústicos de que é titular alguns rendimentos, o que faz através da celebração de contratos denominados «Cessão de Exploração de Caça» do tipo dos que constam dos documentos n.ºs 1 a 12 juntos pela Requerente em 23-11-2020, cujos teores se dão como reproduzidos, em que cede às entidades referidas nas facturas a «exploração da caça» ou «exploração cinegética» nos seus terrenos (declarações dos vogais do Conselho de Administração da Requerente B... e depoimento da testemunha C...);

F)              Os referidos contratos tem prazos determinados de vários anos e as entidades referidas pagam uma quantia anual como contrapartida da cedência dos terrenos (contratos referidos);

G)           A Requerente cede os referidos prédios rústicos às entidades referidas no estado em que se encontram, não tendo neles realizado qualquer exploração agrícola, nem tendo construído quaisquer edificações ou preparação para os adequar a actividades cinegéticas (declarações dos vogais do Conselho de Administração da Requerente B... e depoimento da testemunha D...);

H)           São as entidades referidas nas facturas que realizam nos prédios as operações que entendem necessárias para os adequar à actividade cinegética (depoimento da testemunha D...);

I)             A indicação de que os contratos se destinam a actividade cinegética tem em vista habilitar as entidades referidas nas facturas a desencadear junto do ICNF – Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas as diligências necessárias para a obtenção das autorizações e licenças requeridas por lei para o desenvolvimento dessa actividade;

J)            Nos referidos contatos não se estabelece a cedência de qualquer exploração cinegética pré-existente, nem a Requerente assume qualquer obrigação da Requerente no sentido de prestar quaisquer serviços às entidades referidas nas facturas;

K)           Nesses contratos impõe-se às entidades referidas nas facturas o dever de fiscalização dos terrenos de forma a evitar que neles se introduzam pessoas estranhas e de evitarem acções que visem impedir que a exploração cinegética, por qualquer forma, se traduza em prejuízos para a atividade agrícola e pecuária exercida na respetiva área geográfica;

L)            A Requerente, nos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018 apenas era gestora da Zona e Caça Turística A..., que não se situa nos prédios que são objecto dos contatos e faturas referidos (documento n.º 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e  declarações dos vogais do Conselho de Administração da Requerente B... e depoimento da testemunha C...);

M)          A Administração Tributária efectuou uma inspecção à Requerente, relativa aos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018 em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

N)           Nos anos referidos, a Requerente emitiu facturas às seguintes entidades, sem liquidação de IVA:

 

O)           Á solicitação dos serviços de Inspecção tributária para esclarecimento das razões da não liquidação de IVA, a Requerente esclareceu que «as atividades mantidas com as entidades aí enumeradas respeitam a locação de bem imóvel, como tal isento de liquidação de IVA, nos termos do art.º 9.º, n.º 29, do CIVA», remetendo algumas facturas com a descrição «exploração cinegética»;

P)           A Administração Tributária entendeu que, atendendo ao disposto no art.º 4.º do Código do IVA, a cedência de exploração cinegética existente em imóvel, configura uma prestação de serviços sujeita a IVA e não isenta, devendo ser liquidado IVA à taxa normal, nos termos do artigo 18.º do Código do IVA, nos seguintes montantes:

 

Q)           Na sequência da inspecção, a Administração Tributária emitiu as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:

 

R)           A Requerente pagou as quantias liquidadas nos valores e nas datas indicadas no documento n.º 2, que se sintetizam no quadro que segue:

 

S)            Em 23-03-2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se no processo administrativo e nos documentos juntos pela Requerente e, quanto aos pontos indicados, nas declarações dos membros do Conselho de Administração da Requerente e testemunhas.

Os declarantes e testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento directo dos factos que relataram.

A inclusão nos contratos de referências a que os contratos têm em vista actividade cinegética foi explicada com tendo em vista habilitar as entidades referidas nas facturas a desencadear junto do ICNF – Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas as diligências necessárias para a obtenção das autorizações e licenças requeridas por lei para o desenvolvimento dessa actividade. Além de ser essa a explicação que resulta da prova testemunhal produzida, ela afigura-se coerente, pois é de presumir que o ICNF não emita licença de caça para terrenos em que o arrendatário não está autorizado pelo proprietário a desenvolver essa actividade.

A tese defendida pela Administração Tributária de que a prova documental deve prevalecer sobre a prova testemunhal não tem suporte legal no âmbito do contencioso tributário, inclusivamente no arbitral, pois a lei é explícita quanto à admissibilidade de todos os meios de prova [artigo 115.º do CPPT aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT] e no processo arbitral é expressamente concedida aos Árbitros o poder de «livre apreciação dos factos», com base na sua «livre convicção» [artigo 16.º, alínea e), do RJAT]. É corolário dessa dupla liberdade a ausência de hierarquia de fontes probatórias.

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente cedeu terrenos rústicos de que é proprietária a entidades que se dedicam a actividades cinegéticas para este fim, mediante pagamento de uma quantia anual.

Da prova produzida resulta que os terrenos foram cedidos tal como se encontravam, sem que a Requerente tivesse efectuado qualquer preparação ou adequação para esse fim, sendo as adaptações necessárias levadas a cabo pelas entidades a quem os terrenos foram cedidos.

Nos contratos e nas facturas refere-se que se reportam a «exploração da caça» ou «exploração cinegética».

A questão que é objecto do presente processo é a de saber se a cessão de terrenos a que se reportam as facturas e contratos referidos nos autos i se enquadra na isenção prevista no n.º 29) do artigo 9.º do CIVA, em que se estabelece o seguinte:

 

Artigo 9.º

 

Isenções nas operações internas

 

                Estão isentas do imposto:

(...)

29) A locação de bens imóveis. Esta isenção não abrange:

 

a) As prestações de serviços de alojamento, efectuadas no âmbito da actividade hoteleira ou de outras com funções análogas, incluindo parques de campismo;

 

b) A locação de áreas para recolha ou estacionamento colectivo de veículos;

 

c) A locação de máquinas e outros equipamentos de instalação fixa, bem como qualquer outra locação de bens imóveis de que resulte a transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial;

 

d) A locação de cofres-fortes;

 

e) A locação de espaços para exposições ou publicidade;

 

A Requerente defende que se aplica esta isenção, porque, em suma, não se está perante qualquer das excepções aqui previstas e a actividade que desenvolve se limita a ceder, mediante uma contrapartida, os terrenos dos seus prédios rústicos sem qualquer preparação ou adequação para a actividade cinegética, o que consubstancia locação de imóveis sem qualquer outra actividade associada e deve prevalecer a substância dos contratos e não a designação que lhes foi dada.

A Administração Tributária defende que não se aplica a isenção porque, em suma:

– «tanto o Código do IVA como a Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro, relativa ao Sistema Comum do IVA afastam expressamente do âmbito da isenção em referência determinadas situações que englobam, para além da locação do imóvel, caraterísticas provenientes de outros contratos e que por esse facto perdem a qualidade de mera colocação à disposição de locais ou de superfícies de bens imóveis em contrapartida de uma retribuição ligada ao decurso do tempo»;

– «nas operações em que a locação dos imóveis coexiste com outras prestações de serviços que implicam uma exploração ativa desses bens imóveis por parte do locador, não pode ser aplicada a referida isenção»;

– «esta isenção apenas inclui o mero arrendamento, ficando excluída da sua aplicação as situações em que estão englobados no mesmo contrato outros serviços que proporcionem ao locatário um determinado valor acrescentado»;

– as situações referidas não se enquadram no regime do arrendamento rural;

– «a exploração cinegética de uma zona de caça turística ou associativa devidamente constituída nos termos do Regulamento da Lei de Bases da Caça (Decreto-lei n.º 202/2004, de 18 de agosto) configura uma atividade económica, e como tal, está sujeita a IVA e dele não isenta, nos termos conjugados dos artigos 2.º n.º 1, 4.º n.º 1 e 1.º n.º 1 alínea a) todos do Código do IVA»;

– «a norma legal referida pela requerente (cfr. n.º 29 do art.º 9.º do Código do IVA), isenta a atividade de locação de bem imóvel, no entanto, no caso em apreço, não está em causa a locação de terreno rural por si só, tal locação inclui serviços associados, ou seja, zonas com viabilidade de exploração cinegética (zonas de caça)»;

– «as entidades arrendatárias (...) utilizam os referidos imóveis para desenvolverem a sua atividade (exploração cinegética), pelo que não estão a locar apenas o terreno em si mas todos os serviços que lhe estão associados, ou seja, as entidades mencionadas acima, celebraram contrato para acesso aos imóveis em causa, mas também para a realização de exploração cinegética, pelo que, a atividade económica em causa não beneficia do regime de isenção previsto no n.º 29 do art.º 9.º do Código do IVA, sendo considerada prestação de serviços sujeita a IVA e não isenta».

 

A prova produzida aponta manifestamente no sentido defendido pela Requerente, pois não se apurou qualquer actividade desenvolvida pela Requerente, para além da mera cessão temporária dos terrenos mediante um preço, o que se engloba no conceito de contrato de locação, definido no artigo 1022.º do Código Civil em que se estabelece que «locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição».

Este conceito é também o que deve ser utilizado para efeitos de Direito da União Europeia, designadamente da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que prevê esta isenção na alínea l) do n.º 1 do artigo 135.º.

Na verdade, como se refere no n.º 18 do acórdão do TJUE de 28-02-2019, processo C-278/18, «o Tribunal de Justiça definiu em numerosos acórdãos a locação de bens imóveis, na aceção desta disposição, como o direito conferido pelo proprietário de um imóvel ao locatário de, mediante remuneração e por um período acordado, ocupar esse imóvel como se fosse o proprietário e de excluir qualquer outra pessoa do benefício desse direito (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de outubro de 2001, «Goed Wonen», C-326/99, EU:C:2001:506, n.º 55, e de 6 de dezembro de 2007, Walderdorff, C-451/06, EU:C:2007:761, n.º 17 e jurisprudência referida)».

Por outro lado, neste aresto esclarece-se que a justificação desta isenção para a locação  está no facto de se tratar de uma actividade relativamente passiva, que não gera um valor acrescentado significativo, e que é aplicável independentemente da forma como o locatário utiliza o bem em causa.

São perfeitamente elucidativos os n.ºs 19 a 24 deste aresto refere-se o seguinte:

 

“19 O Tribunal de Justiça também precisou que a isenção prevista no artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Diretiva se explica pelo facto de a locação de bens imóveis, embora sendo uma atividade económica, constituir habitualmente uma atividade relativamente passiva, que não gera um valor acrescentado significativo. Tal atividade deve assim distinguir-se de outras atividades que têm quer a natureza de negócios industriais e comerciais, como as abrangidas pelas exceções referidas nos n.ºs 1 a 4 desta disposição, quer um objeto que se caracteriza melhor pela realização de uma prestação do que pela simples colocação à disposição de um bem, como o direito de utilizar um campo de golfe, o direito de atravessar uma ponte mediante o pagamento de uma portagem ou ainda o direito de instalar máquinas de venda automática de tabaco num estabelecimento comercial (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de outubro de 2001, «Goed Wonen», C-326/99, EU:C:2001:506, n.ºs 52 e 53, e de 18 de novembro de 2004, Temco Europe, C-284/03, EU:C:2004:730, n.º 20).

20 Daqui resulta que a natureza passiva da locação de um bem imóvel, que justifica a isenção do IVA de tais operações ao abrigo do artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Diretiva, se prende com a natureza da própria operação e não com a forma como o locatário utiliza o bem em causa.

21 Assim, conforme o Tribunal de Justiça já declarou, não pode beneficiar desta isenção uma atividade que implique não apenas a colocação à disposição passiva um bem imóvel mas também um certo número de atividades comerciais, como a supervisão, a gestão e a manutenção constante por parte do proprietário, bem como a colocação à disposição de outras instalações, de modo que, não se verificando circunstâncias absolutamente especiais, a locação deste bem não pode constituir a prestação preponderante (v., neste sentido, Acórdão de 18 de janeiro de 2001, Stockholm Lindöpark, C-150/99, EU:C:2001:34, n.º 26).

22 Em contrapartida, o facto de o locatário de um bem imóvel o explorar, utilizando-o para fins comerciais, em conformidade com os termos do contrato de locação, não é suscetível de, por si só, excluir o proprietário desse bem do benefício da isenção do IVA prevista no artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2012, Leichenich, C-532/11, EU:C:2012:720, n.º 29).

23 Quanto ao processo principal, importa constatar que parece ser pacífico que os prédios rústicos constituídos por vinhas cuja exploração agrícola é objeto do contrato de cedência em causa no processo principal constituem bens imóveis, na aceção do artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Diretiva. A este respeito, há que recordar que, no que diz mais especificamente respeito às vinhas plantadas nesses prédios rústicos, o referido conceito de «bens imóveis» não implica que os objetos em questão devam estar indissociavelmente incorporados no solo. Basta que não sejam móveis nem facilmente deslocáveis (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de janeiro de 2003, Maierhofer, C-315/00, EU:C:2003:23, n.ºs 32 e 33, e de 15 de novembro de 2012, Leichenich, C-532/11, EU:C:2012:720, n.º 23). Parece ser esse o caso das referidas vinhas, o que incumbe todavia ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

24 Importa igualmente considerar que um contrato de cedência de uma exploração agrícola como o que está em causa no processo principal constitui uma locação de bens imóveis, na aceção da referida disposição, conforme interpretada nos n.ºs 18 a 20 do presente acórdão. Com efeito, por um lado, trata-se da cedência, pelo proprietário, dos prédios rústicos em causa ao cessionário, por um período acordado de um ano automaticamente renovável e mediante a contrapartida de uma renda. Por outro lado, nada na decisão de reenvio indica que, além dessa locação, o proprietário tenha fornecido ao cessionário outras prestações com a natureza de atividades comerciais.” (negrito nosso)

 

Afigura-se inequívoco que a situação dos autos se enquadra neste conceito de locação, pois nem os contratos nem a prova testemunhal permitem descortinar qualquer actividade da Requerente, para além da mera cedência temporária dos terrenos mediante um preço.

Pelo contrário, a prova produzida aponta no sentido de que a Requerente não desenvolve qualquer actividade, para além da cedência dos terrenos.

Por outro lado, também à face do Direito Nacional, a designação dada aos contratos e a descrição que consta das facturas não se devem sobrepor à substância económica dos factos, para efeitos fiscais, como decorre dos artigos 11.º, n.º 3, e 36.º n.º 4, da LGT.

 Pelo exposto, tem de se concluir que, à face da jurisprudência do TJUE, é aplicável a isenção prevista no n.º 29) do artigo 9.º do CIVA, que se sintoniza com a alínea l) do n.º 1 do artigo 135.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006. 

                Consequentemente, as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.   

                As liquidações de juros compensatórios têm, com pressuposto as liquidações de IVA  (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que enfermam  do mesmo vício.

 

4. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios

 

Em 23-12-2019, 30-12-2019, 22-01-2020, a Requerente pagou as quantias liquidadas, de harmonia com o quadro que se reproduziu na alínea R) da matéria de facto fixada, e formula pedidos de devolução das quantias pagas, no montante total de € 1104.062,83, com juros indemnizatórios.

No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o direito a juros indemnizatórios depende da existência de quantia a reembolsar, aquela competência para condenar no pagamento de juros indemnizatórios inclui a competência para fixar a quantia a devolver.

Na sequência da anulação das liquidações de IVA e juros compensatórios, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia de € 104 062,83, o que é efeito da própria anulação, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

A ilegalidade das liquidações de IVA é imputável à Administração Tributária pois

emitiu-as por sua iniciativa.

Por isso, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios sobre a quantia a reembolsar.

Os juros indemnizatórios são calculados com base em cada uma das quantias pagas e devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, e contados desde a data do respectivo pagamento até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

5. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:

 

c)            Julgar procedente o pedido de reembolso, quanto ao valor de € 104 062,83, e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar o respectivo pagamento à Requerente;

d)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente nos termos indicados no ponto 4 deste acórdão.

 

6. Valor do processo

 De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 104 062,83.

 

7. Custas

                Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 21-12-2020 

        

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)            

(Catarina Belim)

(Clotilde Celorico Palma)