Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 210/2020-T
Data da decisão: 2020-12-15  IVA  
Valor do pedido: € 46.028,27
Tema: IVA – Caso julgado material; Isenção dos Centros de Ensino – Art.º 9.º, alínea 9) do CIVA.
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Sumário:

 

Os Acórdãos arbitrais proferidos em processos de impugnação das liquidações de IVA referentes aos anos de 2014 e 2018 não podem constituir caso julgado material em relação à decisão a proferir nos autos de pronúncia arbitral da liquidação de IVA referente ao ano de 2015, desde logo, porque entre os processos é evidente a diversidade de causa de pedir e de pedido.

Uma declaração emitida pelo Secretário de Estado da Educação, nos termos da qual se a atesta  que a Requerente desenvolve, desde a sua génese, uma atividade de enriquecimento extracurricular, no domínio do ensino das línguas estrageiras, prestando esses serviços quer através de instalações próprias quer nas instalações dos agrupamentos escolares de ensino oficial do concelho onde se localiza, tem a virtualidade de significar um reconhecimento por parte do Ministério da Educação, segundo o qual a Requerente reúne os requisitos para aplicar no âmbito do exercício da sua atividade a isenção prevista na alínea 9) do artigo 9.º do Código do IVA.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A Árbitro Filipa Barros (árbitro singular), designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído a 06 de agosto de 2020, acorda no seguinte:

 

I – RELATÓRIO

 

1.            Em 31 de março de 2020, A..., associação civil com número de pessoa coletiva ..., com sede no ..., ..., ..., ...-..., ..., doravante designada por Requerente, solicitou a constituição do Tribunal Arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, referentes ao ano 2015, com fundamento em erro na qualificação do facto tributário e vício de violação de lei das liquidações seguidamente identificadas:

a)            Liquidação n.º 2019 ... referente a IVA do período 201503T, no montante de € 12.675,76;

b)           Liquidação referente a juros compensatórios sobre a liquidação precedente, no montante de € 2.286,85;

c)            Liquidação n.º 2019 ... referente a IVA do período 201506T, no montante de € 10.781,01;

d)           Liquidação referente a juros compensatórios sobre a liquidação precedente, no montante de € 1.831,53;

e)           Liquidação n.º 2019 ... referente a IVA do período 201509T, no montante de € 5.038,50;

f)            Liquidação referente a juros compensatórios sobre a liquidação precedente, no montante de € 797,03;

g)            Liquidação n.º 2019 ... referente a IVA do período 201512T, no montante de € 10.972,06;

h)           Liquidação referente a juros compensatórios sobre a liquidação precedente, no montante de € 1.645,53.

2.            As liquidações em referência ascendem a um montante total de € 46.028,27.

3.            Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designada pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, a signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.

4.            O presente Tribunal foi constituído no dia 06 de agosto de 2020, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme comunicação do Tribunal Arbitral que se encontra junta aos presentes autos.

5.            A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 25 de setembro de 2020, defendendo-se por impugnação.

6.            Atendendo a que não existia necessidade de produção de prova adicional, para lá da prova documental já incorporada nos autos, nem matéria de exceção sobre a qual as partes carecessem de se pronunciar antecipadamente, e que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis ao abrigo do disposto nas alíneas c) e e) do artigo 16.º do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

7.            Por despacho de 02 de outubro de 2020, o Tribunal decidiu determinar o prosseguimento do processo para alegações escritas de facto e de direito, a apresentar pelas partes no prazo sucessivo de quinze dias.

8.            Adicionalmente, o Tribunal indicou o dia 10 de janeiro de 2021 como data previsível para a prolação da decisão arbitral, devendo até essa data a Requerente pagar a taxa de arbitragem subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

9.            Nesta sequência, no dia 13 de outubro de 2020, a Requerente apresentou alegações escritas de facto e de direito.

10.          Seguidamente, no dia 16 de outubro de 2020 a Requerida apresentou as suas contra-alegações, remetendo e dando por integralmente reproduzido os argumentos aduzidos na sua resposta.

 

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no seguinte:

 

1.            A Requerente sustenta o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IVA, referentes ao ano de 2015, no montante de €46.028,27 (quarenta e seis mil, vinte e oito euros e vinte sete cêntimos) no seguinte:

 

a)            Invoca a Requerente, que é uma associação civil sem fins lucrativos, que tem por objeto o ensino de línguas estrangeiras, segundo os programas oficiais, visando a formação de especialistas e professores em línguas, no âmbito da formação cultural da população da cidade de ... .

b)           Invoca que o Secretário de Estado da Educação emitiu com data de 8 de Março de 2018 uma declaração reconhecendo a aplicação da isenção à Requerente, prevista na alínea 9) do artigo 9.º do Código do IVA, desde a sua constituição.

c)            Anteriormente, a Direção de Finanças de ... de ...– a propósito de uma inspeção realizada ao exercício de 2014 – concluiu pela subsunção da atividade da Requerente ao regime de isenção enquadrável no disposto no artigo 9.º, alínea 9) do Código do IVA; 

d)           Não obstante o referido, na sequência da informação emitida pela Direção de Serviços do IVA (DSIVA) despachada pelo SEAF em 08/05/2018, foi entendido que a Requerente não se encontrava, nem em algum momento se encontrou, isenta em sede de IVA, mas que estava incorretamente nessa situação de isenta nos termos da alínea 9) do artigo 9.º do Código do IVA.

e)           Assim, a AT entendeu que a atividade da Requerente não se encontrava isenta de IVA, uma vez que não apresentara qualquer comprovativo ou declaração emitida pelo Ministério da Educação que lhe permitisse ser considerada como abrangida pela já referida alínea 9) do artigo 9.º do Código do IVA;

f)            Por conseguinte, a declaração apresentada pela Requerente, emitida pelo Secretário de Estado da Educação, foi considerada inválida pela AT por não referir expressamente que a contribuinte está integrada no “Sistema Nacional de Educação” ou presta serviços com fins análogos aos que se encontram aí integrados;

g)            Ora, segundo a Requerente, a AT peca não só por ignorar o teor da declaração emitida pelo Secretário de Estado da Educação, como também por desconsiderar a real atividade que é exercida e a respetiva subsunção material aos objetivos da norma.

h)           Finalmente, a Requerente aduz que as liquidações em causa, referentes ao exercício de 2015, foram precedidas de outras referentes a 2014 e 2018, com os mesmos fundamentos de facto e de direito, as quais foram anuladas por decisões arbitrais transitadas em julgado, invocando caso julgado em relação a esta matéria.   

i)             Conclui, pela ilegalidade das liquidações emitidas em sede de IVA, sub judice, com fundamento em erro na qualificação do facto tributário e violação de lei.   

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

a)            Rebate a Requerida os argumentos da Requerente, entendendo que a declaração exibida pela Requerente só se refere à atividade desenvolvida, sendo completamente omissa no que respeita aos fins da Requerente e à consideração desta como um estabelecimento integrado no Sistema Nacional de Educação ou reconhecido como tendo fins análogos aos integrados no sistema nacional de educação;

b)           Neste sentido, a AT remete para as conclusões alcançadas no âmbito da informação emitida pela DSIVA, nos termos da qual “não se pode concluir sem mais, que pelo facto da Requerente desenvolver desde a sua génese uma atividade de enriquecimento extra curricular, pratique operações isentas nos termos da alínea 9) do n.º 1 do art.º 9.º do CIVA (...) conforme indica a parte final do ponto III - 16 da Informação Vinculativa n.º 11760, de 2017-07-20, da DSIVA, a qual é coerente com o ponto 1-3 do Oficio Circulado n.º 30172, de 2015-07-01, da DSIVA (indicado no ponto 7 do presente parecer): "a isenção não tem aplicação nas operações a montante, ou seja, quando fornecidas por entidades terceiras aos referidos estabelecimentos de ensino".

c)            Baseada na referida informação, a AT vem salientar a imprescindibilidade do enquadramento da entidade prestadora como fazendo parte integrante do Sistema Nacional de Educação ou que prossiga fins análogos, como elemento indispensável para o enquadramento das operações em sede de IVA, nomeadamente para efeitos de isenção, nos termos da al. 9) do n.º 1 do art.º 9.º do CIVA.

d)           Conclui a AT que, não obstante a Declaração do SEE, cuja validade e conteúdo não se coloca em causa, a Requerente não juntou aos autos comprovativo de que nos períodos em que exerceu atividade estivesse integrada no Sistema Nacional de Educação, ou, de que tivesse obtido reconhecimento pelo Ministério da Educação de que o estabelecimento prossegue fins análogos aos integrados no Sistema Nacional de Educação, em conformidade com o conteúdo da informação n.º 1350, de 2018-04-16, sobre a qual recaiu o Despacho do SEAF n.º 157/2018 - XXI.

e)           Adicionalmente, no que se refere à existência de caso julgado, a Requerida aduz que os limites do caso julgado material são a identidade do pedido e da causa de pedir que, como resulta da presente ação, não são os mesmos das relações materiais controvertidas que foram objeto dos processos anteriores submetidos ao CAAD;

f)            Nestes termos, embora a AT reconheça a existência de identidade quanto aos sujeitos das ações anteriores, não existe identidade de pedido e de causa de pedir porquanto as liquidações adicionais são outras, referindo-se a diferentes períodos de tributação de imposto e com origem numa ação inspetiva que decorreu ao abrigo de uma outra ordem de serviço

g)            A Requerida conclui, também nesta sede, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral defendo a inexistência de identidade de causa de pedir, pois os factos concretos com relevância jurídica são outros.

 IV. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. MATÉRIA DE FACTO

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cf. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de pronúncia arbitral e alegações da Requerente, Resposta e contra-alegações da Requerida), o processo administrativo instrutor e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

a.            Factos dados como provados

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A.           A Requerente é uma associação civil sem fins lucrativos que tem por objeto o ensino de línguas estrangeiras, segundo os programas oficiais, visando a formação de especialistas e professores em línguas no âmbito da formação cultural da população da cidade de ... seu concelho e área de influência; - (cf. artigo 2.º do Estatutos da Requerente, constante Processo Administrativo (doravante PA)).

B.            De acordo com a informação constante do seu sítio da internet, o A... (ora Requerente) foi criado em 1966 sob o nome de Instituto de Francês com o apoio da Câmara Municipal de ... . Posteriormente, foram criados os cursos de Inglês, Alemão e Espanhol; – (cf. PA). 

C.            Em 1991, o Presidente da Câmara B... terá decidido formalizar estes institutos, sob a forma de uma Associação, da qual foi um dos sócios-fundadores; - (cf. PA).

D.           No exercício da sua atividade de ensino de línguas estrangeiras a Requerente divide os alunos em várias turmas, de acordo com a língua a ministrar e o nível de ensino; - (cf. PA).

E.            A Requerente orienta as suas aulas de acordo com os programas oficiais, no sentido de preparar os alunos para no final de cada ciclo estarem preparados para realizar os exames das entidades autorizadas a concederem certificações às competências dos alunos, nomeadamente o British Council, Ministério Francês da Educação, Goethe Institut e Instituto Cervantes; - (cf. PA).

F.            Com os mesmos conteúdos a Requerente dá aulas de enriquecimento extracurricular aos alunos do ensino básico e secundário do concelho onde se insere, e é entidade formadora de línguas e literatura estrangeira;

G.           O Secretário de Estado da Educação emitiu com data de 8 de Março de 2018 uma declaração  do seguinte teor: “Conforme solicitado, e para efeitos do disposto no número 9 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, se declara, com base na informação recolhida pelos serviços deste Ministério, que o A..., NIPC ... com sede no ..., Ed. ..., ..., ..., desenvolve desde a sua génese uma actividade de enriquecimento extra curricular, que funciona nas instalações do Agrupamento de Escolas ..., designadamente na Escola Básica e Secundária ... e na Escola Básica ...”; - (cf. doc. n.º 1 junto com o PPA).

H.           A Requerente foi alvo de uma ação inspetiva efetuada pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de ..., credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2018..., por se ter verificado que se encontrava erradamente enquadrada no regime de isenção de IVA do art. 9.º do CIVA, desde o seu início de atividade, tendo sido este o enquadramento assinalado na sua declaração de início de atividade; - (cf. P.A).

I.             A Requerente tinha sido anteriormente alvo de uma ação de inspeção tributária, a coberto da OI2017..., na qual apresentou a declaração emitida pelo do Secretário de Estado da Educação referida no ponto G supra; - (cf. P.A).

J.             Entretanto, no decurso da referida ação de inspeção, em 12-12-2017, a Requerente tinha remetido uma exposição sobre a sua situação tributária ao Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF), a qual foi encaminhada para a AT, tendo a Diretora-Geral da AT determinado, em 20-12-2017, que fosse remetida aos Subdiretores do IR e do IVA para análise; - (cf. P.A).

K.            Em 08-05-2018 o SEAF despachou a informação da DSIVA sobre o enquadramento da atividade da Requerente em sede de IVA com o seguinte teor:

“Conclusão:

17. Conforme indicado nos pontos anteriores: até à presente data a requerente não juntou

aos autos comprovativo de que nos períodos em que exerceu atividade estivesse integrada

no Sistema Nacional de Educação, e/ou, tivesse obtido reconhecimento pelo Ministério

da Educação de que o estabelecimento prossegue fins análogos aos integrados no Sistema

Nacional de Educação, pelo que não se encontra, nem em momento algum se encontrou,

enquadrada em sede de IVA como isenta nos termos da alínea 9) do art.º 9.º do CIVA.

18. Caso futuramente reúna as condições indispensáveis para que a sua atividade

preencha a previsão da referida norma, poderá a partir do momento em que reúna tais

condições, ser enquadrada na isenção da alínea 9) do art.º 9.º do CIVA, ou na isenção da

alínea 10) do mesmo artigo, caso a DGERT a reconheça como entidade certificada na

área de formação profissional. Enquanto não reunir tais condições, o seu enquadramento

é no regime normal de IVA, sendo as suas operações ativas sujeitas a imposto e dele não

isentas…”.

L.            Tendo em vista o esclarecimento da informação anteriormente supra prestada, a Direção de Finanças de ... solicitou a intervenção complementar da DSIVA;

M.          Em 19-06-2018, foi recebida a informação complementar da DSIVA, incorporando nas

suas conclusões a declaração do SEE, com o seguinte teor:

“14. Pelo que, conforme conclusão da informação da DSIVA (pontos 17 e 18), não obstante

a junção aos autos da Declaração em causa, a requerente continua a não apresentar

qualquer comprovativo de que: "nos períodos em que exerceu atividade estivesse

integrada no Sistema Nacional de Educação, e/ou, tivesse obtido reconhecimento pelo

Ministério da Educação de que o estabelecimento prossegue fins análogos aos integrados

no Sistema Nacional de Educação".

15. Não se pode concluir, sem mais, que pelo facto da requerente desenvolver "desde a

sua génese uma atividade de enriquecimento extra curricular", pratique operações isentas nos termos da alínea 9) do n.º do art.º 9.º do CIVA (como aliás já se esclareceu

no ponto 7 da presente informação), porquanto, conforme indica a parte final do ponto

IlI-16 da Informação Vinculativa n.º 11760, de 2017-07-20, da DSIVA, a qual é coerente

com o ponto 1-3 do Ofício Circulado n.º 30172, de 2015-07-01, da DSIVA (indicado no

ponto 7 do presente parecer): "a isenção não tem aplicação nas operações a montante,

ou seja, quando fornecidas por entidades terceiras aos referidos estabelecimentos de

ensino".

16. O que mais uma vez vem salientar a imprescindibilidade de enquadramento da

entidade prestadora como fazendo parte integrante do Sistema Nacional de Educação,

ou, entidade que prossiga fins análogos, como elemento indispensável para o

enquadramento das operações em sede de IVA, nomeadamente para efeitos de isenção,

nos termos da al. 9) do n.º 1 do art.º 9.º do CIVA.

Conclusão

20. Assim, verifica-se que até à presente data a requerente continua a não juntar aos

autos comprovativo de que nos períodos em que exerceu atividade estivesse integrada no

Sistema Nacional de Educação, ou, de que tivesse obtido reconhecimento pelo Ministério

da Educação de que o estabelecimento prossegue fins análogos aos integrados no Sistema

Nacional de Educação, pelo que, não obstante a Declaração do SEE, cuja validade e

conteúdo não se colocam em causa, confirma-se integralmente todo o conteúdo da

informação ..., de 2018-04-16, sobre a qual recaiu o Despacho do SEAF n.º 157/2018

– XXI.”

N.             Os fundamentos do Relatório de Inspeção tributária (doravante RIT) foram notificados à Requerente pelo ofício n.º..., datado de 04-12-2019 e elaborado ao abrigo da Ordem de Serviço OI2018..., pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ...;

O.           Nos termos do RIT a Requerente não se encontra nem em algum momento se encontrou enquadrada como isenta em sede de IVA, nos termos da alínea 9) do artigo 9.º do Código do IVA;

P.            As liquidações adicionais objeto dos autos foram notificadas à Requerente com prazo de pagamento voluntário até dia 31-01-2020; - (cf. P.A).

Q.           As liquidações em causa nos autos foram precedidas de outras liquidações adicionais de IVA ao abrigo dos mesmos fundamentos de facto e de direito, envolvendo a Requerente, referentes a inspeções anteriores lançadas aos anos de 2014 e 2018, as quais deram lugar às decisões arbitrais n.º 113/2019-T e n.º 337/2019-T, respetivamente;

R.            Tais liquidações referentes a IVA de 2014, e a IVA do 1.º trimestre de 2018, foram anuladas por decisões arbitrais transitadas em julgado; 

S.            No dia 31-03-2020 a Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral; - (cf. requerimento eletrónico submetido no CAAD).

 

b.            Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

VI- DO DIREITO

 

 

1.            QUESTÃO PRÉVIA – CASO JULGADO MATERIAL

 

A título prévio a Requerente suscitou a questão da verificação de caso julgado por entender que os acórdãos arbitrais proferidos no âmbito dos processos n.ºs. 113/2019-T e 337/2019-T que julgaram procedentes as impugnações arbitrais deduzidas contra as liquidações de IVA referentes aos anos de 2014 e de 2018, produzem efeito de caso julgado relativamente às situações controvertidas dos presentes autos, por existir identidade de sujeitos e estar em causa a mesma matéria de facto e de direito.

Ora, salvo devido respeito, não assiste razão à Requerente, senão vejamos.

Diz-se que se forma caso julgado quando uma decisão judicial adquire força obrigatória, por dela não se poder já reclamar nem recorrer por via ordinária. Se a decisão for sentença ou despacho que apenas se refiram à relação processual (por exemplo, absolvição do réu da instância), então a sua força obrigatória limita-se ao processo em que são proferidos: é o que se designa por caso julgado formal. Versando sobre o alcance de “caso julgado formal” diz o artigo 672.º do Código de Processo Civil que “Os despachos, bem como as sentenças, que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo (…)”. Acresce que o despacho que recai unicamente sobre a relação processual é todo aquele que, em qualquer momento do processo, decide uma questão que não é de mérito. 

Sendo a decisão judicial uma sentença que verse sobre a matéria de fundo da ação, a sua força obrigatória não se limita ao processo em que foi proferida, manifestando-se fora dele. Essa força obrigatória fora do respetivo processo constitui impedimento a que outra ação idêntica seja proposta, com os mesmos sujeitos, pedido e causa de pedir. Esta obrigatoriedade dentro do processo e fora dele caracteriza o caso julgado material.

Entende maioritariamente a jurisprudência que o caso julgado não abrange os fundamentos de direito da decisão, mas tão-somente esta.  Com efeito, o artigo 580.º n.º 2 do Código de Processo Civil esclarece a propósito que “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”.

Assim, a determinação do âmbito do caso julgado postula a interpretação prévia da decisão, isto é, a determinação exata do seu conteúdo (rectius, dos seus "precisos limites e termos").

No caso em apreço as decisões arbitrais proferidas nos processos invocados pela Requerente dizem respeito a uma relação material controvertida diferente, havendo apenas identidade quanto aos sujeitos. 

Os processos arbitrais n.º 113/2019-T e 337/2019-T, tiveram origem em ações inspetivas autónomas, diferentes ordens de serviço e abrangeram diferentes períodos de imposto que não estão em discussão no caso dos autos. 

O que a Requerente pretende é que se tratando do mesmo vício de lei já reconhecido em anteriores processos, a AT tivesse adotado idêntica solução à que foi encontrada pela jurisprudência arbitral naqueles outros processos transitados em julgado, por via do precedente judicial.   

Contudo, o que pretende a Requerente nada tem a ver com o instituto do caso julgado. Nestes autos de pronúncia arbitral, importa julgar, com autonomia, a causa apresentada.

Consoante se retira da matéria de facto assente, os referidos processos de pronúncia arbitral versaram sobre a ilegalidade das liquidações de IVA aos anos de 2014 e de 2018, respetivamente, enquanto o presente processo respeita à (i)legalidade das liquidações de IVA referentes ao período de tributação de 2015.

Embora possam assemelhar-se, são bem diferenciados ambos os processos. Aqueles, evidentemente, não versam sobre causa de pedir nem têm pedido idêntico ao que se encontra sob análise nos presentes autos de pronúncia arbitral. O que significa que com a decisão proferida naqueles processos poderá verificar-se uma situação de caso julgado formal, em que existe obrigatoriedade dentro desses processos, mas não estamos, seguramente, em presença de uma situação em que essa decisão deva ter força obrigatória fora do processo em que foi proferida.

De resto, a decisão proferida no processo n.º 113/2019-T e no processo n.º 337/2019-T “constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”, como diz a lei. E o certo é que essa decisão não julgou as liquidações de IVA do ano de 2015, em causa nos presentes autos, sendo assim evidente a diversidade de pedido e de causa de pedir.

Estamos, deste modo, a dizer, e em resposta à questão invocada pela Requerente, que no presente caso não ocorre a situação de caso julgado material, pelo que deve ser julgada improcedente a questão prévia do caso julgado material.

 

2.            DA QUESTÃO A DECIDIR

 

A questão de fundo que está em causa nos presentes autos passa por aferir se a atividade da Requerente, enquanto associação que se dedica ao ensino de línguas estrangeiras de acordo com programas oficiais, se encontra sujeita a IVA nos termos da regra de incidência objetiva prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA, como defende a AT, ou se, pelo contrário, tal atividade deve ser considerada isenta de IVA, ao abrigo da alínea 9) do artigo 9º do Código do IVA, com referência ao ano de 2015, conforme pugna a Requerente.

Assim, a questão prende-se com o enquadramento de um conjunto de serviços prestados pela Requerente, que esta considera subsumíveis no âmbito da isenção prevista na alínea 9), do artigo 9.º do Código do IVA.

 

Dispõe esta norma legal:

“Estão isentas do imposto:

9) As prestações de serviços que tenham por objecto o ensino, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, como sejam o fornecimento de alojamento e alimentação, efectuadas por estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes;”

 

A norma em questão consagra, explicitamente, um requisito subjetivo, que exige que se trate de “estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes”, e um requisito objetivo, que pressupõe que estejam em causa “prestações de serviços que tenham por objecto o ensino, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas”.

Conforme foi dado como provado, (vide ponto A do probatório) a Requerente tem por objeto o ensino de línguas estrangeiras, segundo os programas oficiais, visando a formação de especialistas e professores em línguas no âmbito da formação cultural da população da cidade de ... seu concelho e área de influência.

Para esse efeito, e no exercício da sua atividade, a Requerente tem em funcionamento uma escola de línguas estrangeiras, nomeadamente com cursos de inglês, francês, alemão e espanhol, ministrando aulas a alunos do concelho de ... concelhos limítrofes. Neste âmbito, ficou provado que a Requerente orienta as suas aulas de acordo com os programas oficiais, no sentido de preparar os alunos para no final de cada ciclo estarem preparados para realizar os exames das entidades autorizadas a concederem certificações às competências dos alunos, nomeadamente o British Council, Ministério Francês da Educação, Goethe Institut e Instituto Cervantes, (vide ponto E).

Acresce que no âmbito da atividade que desenvolve, a Requerente dá aulas de enriquecimento extracurricular aos alunos do ensino básico e secundário do concelho onde se insere, e é entidade formadora de línguas e literatura estrangeira, (vide ponto F do probatório).

Assim, no ano de 2015, a atividade da Requerente consistiu no ensino de línguas estrangeiras, estando os alunos divididos em várias turmas, de acordo com a língua a ministrar e o nível de ensino. O calendário de aulas que segue, acompanha o calendário escolar obrigatório, conforme consta do plano de atividade de 2015 e a Requerente orienta as suas aulas de acordo com os programas oficiais, reconhecidos por outras entidades educativas autorizadas.

Ficou igualmente provado (vide ponto G do probatório) que o Secretário de Estado da Educação emitiu com data de 8 de Março de 2018 uma declaração  do seguinte teor: “Conforme solicitado, e para efeitos do disposto no número 9 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, se declara, com base na informação recolhida pelos serviços deste Ministério, que o A..., NIPC ... com sede no ..., ..., ..., ..., desenvolve desde a sua génese uma actividade de enriquecimento extra curricular, que funciona nas instalações do Agrupamento de Escolas ..., designadamente na Escola Básica e Secundária ... e na Escola Básica ...”.

Ora, a questão nos autos resume-se ao facto de saber se a supra referida declaração, emitida pelo Senhor Secretário de Estado da Educação, tem a virtualidade de significar um reconhecimento por parte do Ministério da Educação, segundo o qual a Requerente reúne os requisitos para lhe ser reconhecida a isenção prevista na alínea 9) do artigo 9.º do Código do IVA.

 

Conforme bem se refere na decisão arbitral n.º 113/2019 , não restam dúvidas a Requerente não é um estabelecimento integrado no Sistema Nacional de Educação, podendo apenas ser um estabelecimento reconhecido como tendo fins análogos pelos ministérios competentes, sendo, porém, evidente que se dedica ao ensino de línguas e literatura estrangeiras.

E também não há dúvidas de que essa competência de reconhecimento cabe aos titulares dos cargos políticos do Ministério da Educação, tendo o Senhor Secretário de Estado da Educação poderes para esse efeito, circunstância que a AT também reconhece.

 

Perante estas constatações, a questão coloca-se no plano da interpretação da declaração emitida pelo Senhor Secretário de Estado da Educação apresentada nos autos pela Requerente.

Estabelece o Código do IVA, na alínea 9), do artigo 9.º que estão isentas as prestações de serviços que tenham por objeto o ensino, efetuadas por estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes.

Esta isenção abrange as “prestações de serviços que tenham por objeto o ensino, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, como sejam o fornecimento de alojamento e alimentação efectuadas por estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes;”

A referida isenção tem por base a alínea i), do número 1, do artigo 132.º da Diretiva IVA, de acordo com a qual os Estados isentam as operações relacionadas com “a educação da infância e da juventude, o ensino escolar ou universitário, a formação ou reciclagem profissional e bem assim as prestações de serviços e as entregas de bens com elas estreitamente relacionadas, efectuadas por organismos de direito público que prossigam o mesmo fim e por outros organismos que o Estado-Membro em causa considere prosseguirem fins análogos”(cfr. ainda alínea i), do artigo 13.º-A da Sexta Directiva).

 

De acordo ainda com o artigo 134.º da Diretiva IVA “As prestações de serviços e as entregas de bens ficam excluídas do benefício da isenção prevista nas alíneas b), g), h), i), 1), m) e n) do n.°1, nos seguintes casos:

 

a)          Quando não forem indispensáveis à realização das operações isentas;

b)    Quando se destinarem, essencialmente, a obter para o organismo receitas suplementares mediante a realização de operações efetuadas em concorrência direta com as empresas comerciais sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado.

 

Importa ter presente também que os termos utilizados para designar as isenções consagradas no artigo 9.º do Código do IVA são em princípio de interpretação estrita, ou seja, devem ser interpretadas de modo literal, dado que constituem derrogações ao princípio geral, segundo o qual o IVA é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo.

Ainda assim, o TJUE sempre tem lembrado que a interpretação estrita não se confunde com uma interpretação restritiva e que as regras de isenção constantes da Diretiva IVA não devem ser interpretadas de modo a privá-las dos seus efeitos.  

Acresce que, contrariamente “ao que normalmente sucede em matéria de interpretação de normas que contêm as isenções do IVA nas operações internas”, no acórdão de 20 de Junho de 2002 (C-287/00, Comissão/Alemanha) o TJUE afirmou a desnecessidade de uma interpretação estrita da isenção que vem atualmente vertida na alínea i) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva IVA, por considerar que esta isenção tem em vista assegurar um acesso menos dispendioso aos serviços ligados ao ensino.

Na interpretação das isenções o TJUE tem feito apelo aos princípios que estruturam o sistema do IVA a par de lançar mão da generalidade dos elementos tradicionais de interpretação das normas jurídicas, designadamente o elemento finalístico, o qual tem servido “para que o TJUE fixe o sentido das normas de isenção de IVA, sempre respeitando os limites impostos pelo seu elemento literal”.

 

 À luz das considerações supra tecidas, em particular da interpretação judicial que tem sido levada a cabo especialmente pelo TJUE em matéria das isenções aplicáveis às prestações de serviços na área do ensino, importa apreciar se a declaração junta aos autos emitida pelo Senhor Secretário de Estado da Educação corresponde ao reconhecimento exigido legalmente para a Requerente poder beneficiar de isenção de IVA.

Em primeiro lugar, o conteúdo da declaração é claro ao afirmar que foi emitida “para efeitos do disposto no número 9 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado”, o que  significa que a entidade emitente tem consciência que o reconhecimento feito na declaração emitida poderá ter como consequência a isenção de IVA a que se refere aquele preceito legal.

Aliás, não é de crer que o Senhor Secretário de Estado da Educação desconhecesse o sentido e alcance da norma de isenção em causa, nem é de presumir que tal declaração fosse emitida sem cuidar de comprovar a respetiva conformidade da atividade da Requerente com as operações incluídas no âmbito da isenção da alínea 9) do artigo 9.º do Código do IVA. 

Acresce que no âmbito da qualificação das operações da Requerente, a declaração estabelece um verdadeiro reconhecimento de que esta “desenvolve desde a sua génese uma atividade de enriquecimento extra curricular”.

Por conseguinte, a declaração reporta-se não só à natureza das operações praticadas pela Requerente, como também à data em que tais operações foram iniciadas, não restando dúvidas que a atividade de enriquecimento extracurricular foi desenvolvida desde a data da sua constituição.

Ora, a posição que vem sendo adotada pela AT, com a qual não concordamos, é de considerar que o reconhecimento da Requerente “como tendo fins análogos pelos ministérios competentes”, tem de ser um reconhecimento expresso, na linha do que consta nas Informações emitidas pela Direção de Serviços do IVA.

Note-se, contudo, que a Informação emanada pela Direção de serviços do IVA constitui uma orientação administrativa que tem como destinatários a AT, que lhe deve obediência, sendo, pois, obrigatória apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos.

Por isso, não é vinculativa nem para os particulares nem para os tribunais. Por conseguinte, tal entendimento tem a virtualidade de densificar, explicitar ou desenvolver o preceito legal em análise, definindo previamente o conteúdo dos atos a praticar pela AT aquando da sua aplicação. Mas isso não converte a informação em padrão de validade dos atos que suporta. Na verdade, a aferição da legalidade dos atos administrativos deve ser efetuada através do confronto direto com a correspondente norma legal e não com a orientação interna, que se interpôs entre a norma e o ato.

 Ora, o problema da validade do reconhecimento emitido à Requerente pelo Secretário de Estado da Educação, para efeitos da aplicação da isenção de IVA, já foi colocado e apreciado pelo CAAD, tendo tais decisões estabelecido jurisprudência com a qual concordamos. Com efeito, segundo a referida jurisprudência arbitral o reconhecimento não pode significar a exigência de uma declaração que contenha textualmente as palavras exatas da lei, bastando que tal se possa concluir do seu conteúdo de forma clara e segura, conforme resulta do artigo 238.º do Código Civil.

Vejamos em que medida a atividade da Requerente corresponde a uma atividade de enriquecimento extracurricular.

Habitualmente, a atividade do ensino realiza-se através de planos curriculares dos respetivos estabelecimentos, procedendo à avaliação dos alunos e conferindo graus académicos, conforme resulta do Decreto Lei n.º 55/2018, de 6 de Julho.

Porém, a ora Requerente, como resulta dos factos provados, não faz avaliações, nem confere graus académicos, limitando-se a “orientar as suas aulas de acordo com os programas oficiais, no sentido de preparar os alunos para no final de cada ciclo estarem preparados para os exames a serem realizados por entidades autorizadas a concederem certificações das competências dos alunos, nomeadamente o British Council, Ministério Francês da Educação, Goethe Institut e Instituto Cervantes”.

 

Manifestamente, trata-se de ensino, embora de ensino extracurricular, por não se inserir em qualquer currículo previamente aprovado, mas visando o enriquecimento dos alunos em matéria de línguas – e só esta atividade está em causa – para que possam obter aprovação no âmbito curricular das escolas públicas ou privadas que frequentam, e também para que possam obter certificações no âmbito de outras escolas que conferem certificações em matéria de aprendizagem de línguas.

Trata-se, portanto, de prestações de serviços análogas às que prestam os estabelecimentos de ensino integrantes do Sistema Nacional de Educação, mas que por não conferirem qualquer grau ou qualquer diploma ou certificação, apenas visando a melhor preparação dos alunos para as provas inseridas nos diversos currículos, têm de se considerar como serviços de “enriquecimento extracurricular”.

Ademais, a atividade desenvolvida apresenta-se conforme aos fins estatutários Requerente, que é “o ensino de línguas estrangeiras, segundo os programas oficiais”, como consta do ponto A do probatório.

Por seu turno, e no que concerne à orientação curricular, resultou provado que a Requerente “orienta as suas aulas de acordo com os programas oficiais”, (ponto E) facto este que também apoia a tese de que está em causa uma prestação de serviços que tem por objeto o ensino, prestada por uma entidade que tem fins análogos aos estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação.

Uma vez que o caso respeita a IVA referente ao período de tributação de 2015, importa destacar que o reconhecimento é feito desde o início da atividade da Requerente, como se alcança da expressão “desde a sua génese”, o que sublinha a ideia de que a Requerente foi constituída para desenvolver uma atividade educativa, no âmbito do ensino de línguas estrangeiras a qual é reconhecida, pelo ministério competente, como tendo fins análogos, com efeitos reportados à data da respetiva constituição.

Com bem se salienta nas anteriores decisões arbitrais referidas, não resulta do teor da alínea 9) do artigo 9.º do Código do IVA, que o reconhecimento tenha de ser anterior ou mesmo contemporâneo ao exercício da atividade isenta, podendo ser posteriormente, desde que expressamente refira o âmbito temporal do reconhecimento, pois, na falta dessa indicação, valerá apenas para o futuro.

Por fim, não pode deixar de notar-se que na declaração emitida pelo Senhor Secretário de Estado da Educação, se refere que a Requerente “funciona nas instalações do Agrupamento de Escolas ..., designadamente na Escola Básica e Secundária ... e na Escola Básica ... ou seja, em estabelecimentos de ensino integrados no Sistema Nacional de Educação, facto que também indicia com elevada probabilidade o exercício de funções análogas às desses estabelecimentos de ensino, seguindo as mesmas orientações curriculares daqueles.

Face ao exposto, entendemos que a Requerente cumpre os requisitos para se enquadrar na isenção de IVA prevista na alínea 9) do artigo 9.º do Código do IVA.

No âmbito da mesma isenção estão abrangidas também as vendas de livros por se tratar da transmissão de bens conexos com a atividade de ensino.

Com efeito, a atividade de ensino envolve o fornecimento de material de apoio, como sejam livros, que servem de suporte e base de estudo aos seus destinatários. Por isso, afigura-se comprovada a conexão existente entre a atividade desenvolvida pela Requerente e a venda de livros, presumivelmente escolares, pois não existe indicação diversa nos autos, nem a AT apresentou elementos de prova em contrário.

Face ao exposto, tendo havido reconhecimento pelo ministério competente de que a Requerente exerce uma atividade conforme aos fins estatutários que são análogos aos dos estabelecimentos de ensino integrados no Sistema Nacional de Educação, desde o início da sua atividade, conclui-se pela procedência do pedido arbitral, devendo as liquidações de IVA e de juros compensatórios ser anuladas, com todas as demais consequências legais, por erro nos pressupostos.

 

VII- DOS JUROS COMPENSATÓRIOS

 

Face à procedência do pedido da Requerente de anulação das liquidações de IVA efetuadas, não são devidos quaisquer juros compensatórios, pois inexistindo a dívida de imposto, não existe atraso no pagamento e, consequentemente, não são devidos os juros compensatórios liquidados pela AT.

 

VIII- DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IVA, e, nesta sequência,

b)           Anular as liquidações adicionais de IVA n.º 2019 ... referente a IVA do período 201503T, liquidação n.º 2019 ... referente a IVA do período 201506T, liquidação n.º 2019 ... referente a IVA do período 201509T, liquidação n.º 2019 ... referente a IVA do período 201512T, bem como as liquidações referentes a juros compensatórios relativas às liquidações precedentes, perfazendo um montante total de € 46.028,27.

***

               

IX- VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em €46.028,27 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

X. CUSTAS

 

Custas no montante de €2.142,00 a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Lisboa, 15 de dezembro de 2020

 

A Árbitro

Filipa Barros