Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 206/2020-T
Data da decisão: 2020-11-12  IRS  
Valor do pedido: € 40.935,76
Tema: IRS – O Ónus da Prova – artigo 74.º n.º 1 e 2 da LGT.
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Sumario: As comunicações efetuadas à Autoridade Tributaria e Aduaneira ao abrigo da Diretiva da Poupança, fazem fé, nos termos do artigo 76.º n. 1 e 4 da LGT. Em consonância com o artigo 74.º n.º 1 e n.º 2 da LGT, cabe à Administração Tributária e Aduaneira o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação, para o que, deve provar os factos constitutivos de que legalmente depende a decisão administrativo-tributária com certo conteúdo e com certo sentido. Pelo seu lado, cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca. Ao Sujeito Passivo, nos termos dos artigos 74.º n.º1 e n.º 2 e  76.º 4, da LGT cabe-lhe apresentar prova em contrario, comprovando os rendimentos que declarou. No caso de o sujeito passivo não ter apresentado uma declaração de rendimentos, ou não ter declarado rendimentos, deverá demonstrar que relativo às contas bancarias abrangidas pela Comunicação da Diretiva Poupança, não realizou operações ou que as operações que realizou não criaram rendimentos sujeito a imposto.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I - RELATÓRIO

A..., contribuinte fiscal número ..., com domicílio fiscal na ..., n.º ... – ..., ...-..., Lisboa, doravante designado como Requerente ou Sujeito Passivo, requereu a constituição de Tribunal Arbitral Singular, em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), adiante abreviadamente designado por RJAT.

É Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada como Requerida ou AT.

O Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade do ato tributário e anulada a  liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) emitida sob o n.º 2019..., e a liquidação de juros compensatórios nº 2019..., referentes ao ano fiscal de 2015, no montante global de €40.935,76 (quarenta mil novecentos e trinta e cinco euros e setenta e seis cêntimos), com o consequente reembolso das quantias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios, contados desde a data de pagamento até ao reembolso efetivo.

A fundamentar o seu pedido, alega o Requerente o seguinte:

Entende o Requerente que na notificação do ato de liquidação de IRS n.º 2019... e respetiva liquidação de Juros Compensatórios, não são explicitados todos os fundamentos, quer de facto, quer de direito, que determinaram a sua emissão, sendo, apenas, indicado um conjunto de valores,  que se trata de IRS referente ao ano de 2015, e que poderá ser objeto de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, sem serem identificadas, sequer, as concretas disposições legais em que assentam aquelas mesmas liquidações de imposto e de juros compensatórios, e por isso estão inquinadas de vício de forma, por falta de fundamentação, devendo ser anuladas em conformidade.

Mais entende o Requerente, existir violação do direito de audição, por entender que não foi cumprido pela Autoridade Tributaria e Aduaneira, o disposto na alínea a) do nº 1 do art.º 60.º da LGT.

Considera também existir caducidade do direito à liquidação, por entender que estando em causa uma liquidação de IRS referente ao ano de 2015, deveria ter sido emitida e legalmente notificada ao ora Requerente no prazo de 4 anos após o facto gerador.

Por outro lado, alega ainda o Requerente que manteve, até 2014, uma carteira de investimentos gerido pelo Banque B... (“B...”), sendo que após o colapso do Grupo D... e da resolução do D..., que afetou diretamente o B..., conduzindo à sua liquidação, os investimentos do Requerente detidos naquele banco foram transferidos para o banco C... .

Entende que a liquidação do B... impediu o banco C... ao acesso do histórico dos valores de aquisição dos ativos financeiros detidos pelo Requerente, o que teve, posteriormente, impacto direto na errada comunicação, ao abrigo da Diretiva da Poupança, dos rendimentos obtidas pelo Requerente em resultado daquelas aplicações financeiras do ano de 2015.

E que quando confrontado com o entendimento da Administração Tributária de que o ora Requerente teria obtido, em 2015, na Suíça, rendimentos que ascendiam a € 129.045,00 e sabendo que aquela informação assentava em manifesto erro, o ora Requerente interpelou o banco C... para que este a esclarecesse sobre a  metodologia que havia adotado para reportar, a coberto da Diretiva da Poupança, os rendimentos obtidos pela ora Requerente, na Suíça, em 2015.

E que nesse seguimento o banco C... reconhece, de forma expressa, que os dados reportados através da Diretiva da Poupança enfermam de erro, uma vez que aquela entidade bancária não tem informação sobre o histórico das aquisições dos investimentos detidos pela Requerente junto do B... e que foram transferidos para o C..., o que impediu que esses elementos fossem considerados na informação transmitida através da Diretiva da Poupança.

Assim sendo, na perspetiva do Requerente ao ter diligenciado obter, junto do banco C..., em cumprimento do ónus de prova que sobre si recaía de demonstrar que os rendimentos obtidos, em 2015, estavam errados e a fonte do erro, deveria a Administração Tributária, a coberto dos princípios do inquisitório e da colaboração, previstos nos artigos 58.º e 59.º da LGT, ter diligenciado no sentido de recolher elementos que lhe permitissem descobrir a verdade material, ou seja, que a ora Requerente não obteve rendimentos das suas aplicações financeiras junto do banco C...  no valor de € 129.045,00

Considera o Requerente que no ano de 2015, apenas obteve juros no valor de € 430 e mais-valias no valor de € 4.175,40, valores que foram absorvidos por comissões e Impostos no valor total de  € 13.611,37, motivando, em 2015, performance Negativa dos seus ativos de € 9.005,97.

E que não restam quaisquer dúvidas de que os valores de juros / mais-valias obtidos pela ora Requerente foram erradamente apurados pelo banco C... e declarados, de forma errada, a coberto da Diretiva da Poupança não podendo, pois, proceder o entendimento da Administração Tributária segundo o qual a ora Requerente obteve, no ano de 2015, juros no valor de € 129.045,00.

E que os valores de compra dos vários ativos detidos pelo Requerente e constantes das “notice of receipt” são os reais e foram apurados pelos próprios funcionários do banco C..., sendo que o Requerente logrou, ainda, obter, no ano de 2015, a documentação alusiva aos resgates e às vendas ocorridas em 2015 e que tornam evidente que o ora Requerente não obteve no ano de 2015, um rendimento decorrente daqueles ativos no valor de € 129.045,00.

Mais afirma que aqueles são os valores pelos quais os ativos foram efetivamente adquiridos pelo Requerente.

E por fim, refere que o documento n.º 7 não deixa margem para quaisquer dúvidas, pois, permite demonstrar que os ativos que foram transferidos do B... para o banco C... não foram adquiridos a custo zero, o que afasta, de per si, as conclusões alcançadas pela Administração Tributária para apurar alegados rendimentos provenientes daquelas aplicações financeiras no valor de € 129.045, ferindo, consequentemente, de ilegalidade a liquidação de IRS em apreço.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, em 31-03-2020 foi notificada a Requerida;

O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitra Rita Guerra Alves, aceite por esta nos termos legalmente previstos.

Em 07-07-2020, as Partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos Artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Em 12-08-2020, foi notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, nos termos dos artigos 16º, 17º e 18º do RJAT, para a junção aos autos, do Processo Administrativo.

A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta, na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:

O Requerente, residente fiscal em Portugal, não entregou qualquer declaração de rendimentos em sede de IRS, modelo 3, referente ao ano de 2015.

Face à comunicação das Autoridades Fiscais da Suíça, ao abrigo da Diretiva da Poupança n.º 2003/48/CE, a Autoridade Tributária e Aduaneira notificou o Requerente para entregar a declaração de rendimentos de IRS, relativa ao ano de 2015, devendo preencher o anexo J, quadro 8 - A indicando os rendimentos de juros no montante de € 129.045,00.

Em face da comunicação recebida das Autoridades Fiscais da Suíça, a Autoridade Tributária e Aduaneira, elaborou declaração oficiosa, que deu origem à liquidação em sede de IRS n.º 2019..., referente ao ano de 2015, no valor de € 40.935,76, objeto da presente impugnação.

Uma vez demonstrada a validade da informação que a Autoridade Tributária e Aduaneira dispõe, o ónus da prova inverte-se, cabendo ao Requerente demonstrar que os rendimentos que as Autoridades Fiscais estrangeiras comunicaram à Autoridade Tributária e Aduaneira, não estão corretos, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 74º da LGT, uma vez que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos invocados recai sobre quem os invoca.

No caso  concreto,  a Autoridade Tributária e Aduaneira limitou-se a tributar em Portugal os rendimentos sujeitos a imposto e não declarados, em conformidade com a qualificação como rendimentos de juros, efetuada pelas  autoridades  fiscais  da  Suíça,  conforme informação fornecida pelo Banque C... .

Dos documentos que o Requerente juntou, emitidos pelo Banque C..., resulta  que por um lado confirmam a informação comunicada às Autoridades Fiscais Suíças e, por outro lado, informaram o Requerente que os valores podem não ser corretos por não terem tido em consideração o histórico/proveniência dos produtos financeiros em causa.

Mas, contrariamente ao alegado pelo Requerente foi a entidade bancária supra que qualificou e quantificou os rendimentos em causa como juros e não a Autoridade Tributária e Aduaneira de Portugal, pelo que o enquadramento face à lei interna portuguesa foi feito tendo por base a informação fornecida pelas Autoridades Fiscais Suíças, a qual por sua vez se limitou a reportar a informação fornecida pela entidade bancária.

A isto acresce que até ao momento as Autoridades Fiscais Suíças não comunicaram qualquer correção aos valores/natureza dos rendimentos relativos ao ano de 2015 em nome do Requerente.

Face ao exposto, atendendo a toda a documentação constante do processo bem como à comunicação das Autoridades Fiscais Suíças, deverá considerar-se o valor €129.045,00 como  rendimento de juros abrangidos pela Diretiva da Poupança n.º 2003/48/CE. 

Donde conclui a Requerida que a atuação da Administração Fiscal se encontra devidamente fundamentada, tendo na sua base os dados que foram comunicados pelas autoridades fiscais Suíças, ao abrigo da Diretiva da Poupança, não conseguindo o Requerente com os elementos que juntou comprovar cabalmente que não estão em causa rendimentos abrangidos por essa Diretiva.

Termina a Requerida, sustentando que a Autoridade Tributária e Aduaneira se limitou a tributar em Portugal, no estrito cumprimento da lei, os rendimentos sujeitos a imposto e não declarados, em conformidade com informação prestada pelas autoridades suíças e que o Requerente não logrou contrariar, pelo que, é de manter na ordem jurídica a liquidação de IRS ora impugnada.

Foi arrolada pelo Requerente prova testemunhal, pelo que no seguimento processual, foi realizada no dia 22-10-2020, com inicio às 10h30, a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, e foi o Requerente notificado para apresentar o documento que tinha protestado juntar e ficaram as Partes notificadas para, querendo, apresentar em 10 dias alegações escritas, simultâneas e foi ainda fixado o prazo para prolação da decisão arbitral.

O Tribunal Arbitral, advertiu o Requerente para o pagamento da taxa arbitral subsequente até à data da prolação da decisão arbitral, nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e da comunicação do pagamento, ao CAAD.

As Partes apresentaram alegações finais, reiterando cada a sua argumentação e fundamentos, expostos no pedido e na resposta.

II - SANEAMENTO

O Tribunal, foi regularmente constituído em 06-08-2020, e é competente em razão da matéria para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3 alínea a), 6.º n.º 2 alínea a) e 11.º nº 1, todos do RJAT.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

MATÉRIA DE FACTO PROVADA

Com relevo para a decisão, dá o Tribunal por provado os seguintes factos:

1º.          O Requerente, residente fiscal em Portugal, não entregou qualquer declaração Modelo 3 em sede de IRS, referente ao ano de 2015.

2º.          As Autoridades Fiscais da Suíça, ao abrigo da Diretiva da Poupança n.º 2003/48/CE, comunicaram à Autoridade Tributária e Aduaneira que o Requerente no ano de 2015 obteve rendimentos de juros no montante de € 129.045,00.

3º.          O Requerente foi notificado através de Ofício n.º..., de 26 de setembro de 2019, da Divisão de Liquidação do Imposto sobre o Rendimento e Despesa para, no prazo de 30 dias, apresentar: “De acordo com a informação comunicada ao abrigo daquela Diretiva [da Poupança], verifica-se que auferiu na Suíça, no ano de 2015, rendimentos de juros no valor de € 129.045,00, pelo que, face ao disposto no artigo 57.º do Código do IRS, estava obrigado(a) à entrega da declaração de rendimentos de IRS (Modelo 3), inscrevendo estes valores no quadro 8-A, do Anexo J”, Código de rendimento”: E24. (…) Fica ainda notificado(a) de que, caso tenha suportado imposto no estrangeiro sobre os rendimentos agora objeto de correção e pretenda que o mesmo seja considerado na liquidação de IRS do ano de 2015, é necessário que faça prova desse pagamento mediante a remessa a este serviço, no mesmo prazo de 30 dias, de um certificado (documento original) comprovativo do imposto suportado, emitido pelas autoridades fiscais do país onde ocorreu o pagamento.

4º.          Nesse seguimento, o Requerente não fez prova desse pagamento mediante a remessa ao serviço da Autoridade Tributaria e Aduaneira, no mesmo prazo de 30 dias, de um certificado (documento original) comprovativo do imposto suportado, emitido pelas autoridades fiscais do país onde ocorreu o pagamento.

5º.          Em 15 de Outubro de 2019, o Requerente foi notificado pela Autoridade Tributaria e Aduaneira, do teor do oficio ... de 14/11/2019, através do qual lhe foi comunicado que ao abrigo da Diretiva da Poupança as autoridades fiscais Suíças, comunicaram à AT, que no ano de 2015 o SP auferiu rendimentos de juros no montante de €129.045,00, não tendo o contribuinte para o ano em questão, declarado quaisquer rendimentos, não tendo mesmo submetido qualquer declaração Modelo 3 de IRS relativa a esse ano, como era sua obrigação, nem regularizou essa situação à posterior através da submissão da declaração em falta, no prazo de 30 dias, conforme o disposto no nº 3 do art.º 76.º do CIRS, que terminou no dia 30/10/2019, tudo conforme se colhe do teor do oficio e que aqui parcialmente se transcreve:

 

6º.          Findo o prazo, a Autoridade Tributaria e Aduaneira, notificou o Requerente da demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2019..., praticado em 15 de novembro de 2019, pela Senhora Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, com referência ao ano de 2015, do qual resulta o valor a pagar de € 40.935,76, da liquidação de Juros Compensatórios n.º 2019 - ... (no valor de € 4.803,16).

FACTOS NÃO PROVADOS

Dos factos com interesse para a decisão, constantes da impugnação, objeto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

III - MOTIVAÇÃO DA DECISÃO

O Tribunal deu como provados os factos atrás descritos pela sua relevância jurídica  face às soluções aplicáveis em termos de direito.

Os factos pertinentes considerados como provados, assentaram nas posições assumidas pela Partes, em relação aos factos essenciais e na análise da prova documental, assim como na prova testemunhal arrolada pelo Requerente.

IV - QUESTÕES DECIDENDAS

Atenta a posição das partes, cumpre, pois, apreciar e decidir as seguintes questões:

i) Questões prévias:

a)            da falta de fundamentação do ato de liquidação;

b)           da violação do direito de audição prévia;

c)            da caducidade do direito à liquidação.

                ii) A declaração de ilegalidade do ato tributário e anulada a  liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) emitida sob o n.º 2019..., e a liquidação de juros compensatórios nº 2019..., referentes ao ano fiscal de 2015, no montante global de €40.935,76 (quarenta mil novecentos e trinta e cinco euros e setenta e seis cêntimos), com o consequente reembolso das quantias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios, contados desde a data de pagamento até ao reembolso efetivo.

a)            Da falta de fundamentação do ato de liquidação

Alega o Requerente que no ato de liquidação de IRS n.º 2019 ... e respetiva liquidação de Juros Compensatórios notificados, não são explicitados todos os fundamentos, quer de facto, quer de direito, que determinaram a sua emissão, sendo, apenas, indicado um conjunto de valores, e que se trata de IRS referente ao ano de 2015. Apenas é referido que a liquidação de IRS n.º 2019 ... poderá ser objeto de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, sem se identificarem, sequer, as concretas disposições legais em que assentam aquelas mesmas liquidações de imposto e de juros compensatórios, e por isso estão inquinadas de vício de forma, por falta de fundamentação, devendo ser anuladas em conformidade.

Já a Requerida, em resposta, alega que a liquidação relativa ao IRS do ano de 2015 (nº 2019...), teve origem na declaração oficiosa emitida pela Autoridade Tributaria e Aduaneira em 14/11/2019, pelo que o ato foi devidamente fundamentado, quer de facto, quer de direito, foi garantido o direito constitucional conforme o disposto no art. 268.º nº 3 da Constituição da Republica Portuguesa e o disposto no art. 77.º da Lei Geral Tributaria

Sobre a fundamentação dos atos de liquidação, encontra-se expresso no artigo 77.º, n.º 1 e 2, da Lei Geral Tributária, o seguinte:

1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

 

É comumente aceite que o ato se encontra devidamente fundamentado sempre que o seu destinatário revele ter apreendido os seus fundamentos.

 

Neste sentido, vide Lei Geral Tributária comentada e anotada, Diogo Leite de Campos, Benjamim Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, 3ª ed. Vislis, Setembro 2003, pág.381-382: “No entanto, dever ter-se em conta que os vícios poderão considerar-se sanados quando se demonstrar que, apesar da imprecisão ou omissão ou  irregularidade do conteúdo do ato, foi atingido o objectivo que se visava atingir com a  imposição deste conteúdo, designadamente que o seu destinatário se apercebeu correctamente  do seu exacto alcance.”

 

Também o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) preconiza que a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato, visando responder às necessidades de esclarecimento do contribuinte, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro – vide a título de exemplo os acórdãos do STA, processos n.ºs 065/09, de 15 de abril de 2009, e 01114/05, de 2 de Fevereiro de 2006. 

E que a fundamentação é suficiente quando proporcione aos destinatários do ato a  reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que o praticou, i.e., quando um destinatário normal, colocado perante o ato em causa, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão nele prolatada (cf. acórdãos do STA, processos n.ºs 0512/17, de 14 de março de 2018, 42180, de 20 de novembro de 2002, e 46796, de 14 de março de 2001).

 

Ora no caso em apreço, ficou demonstrado que a Autoridade Tributaria e Aduaneira, cumpriu com o dever de fundamentação de facto e de direito do ato de liquidação de IRS n.º 2019 ... e respetiva liquidação de Juros Compensatórios;

 

Ficou demonstrado que a Autoridade Tributaria e Aduaneira,  deu conhecimento ao Requerente dos motivos e as razões que sustentam o ato, através do conteúdo do oficio 23096 de 26/09/2019 e do teor do oficio ... de 14/11/2019, suportados na informação que resulta da troca de informações relativamente aos rendimentos de juros abrangidos pela Diretiva da Poupança nº 2003/48/CE nos termos do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça, e do nº 1 do  Decreto Lei nº 62/2005 de 11 de Março que transpõe para a ordem Jurídica nacional a dita Diretiva, relativa à tributação dos rendimentos da poupança sob a forma de juros, estabelecendo o regime de obtenção e prestação de informações pelos agentes pagadores relativamente aos rendimentos da poupança sob a forma de juros de que sejam beneficiárias efetivas pessoas singulares residentes noutro Estado membro da União Europeia, encontrando-se assim cumpridos os requisitos de fundamentação dos atos de liquidação, previstos no artigo 77.º, n.º 1 e 2, 76.º nº 1 e nº 4  da Lei Geral Tributária.

Por conseguinte, é totalmente improcedente o pedido de anulabilidade do ato de liquidação de IRS do ano de 2015 n.º 2019..., por falta de fundamentação.

b)           da violação do direito de audição prévia

O Requerente, alega também que não pôde exercer o seu direito de audição previa, por não ter sido notificado nos termos e para os efeitos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT.

Ora, atendendo à legislação aplicável, prevê o artigo 60.º n.º 1 aliena a) “1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: a) Direito de audição antes da liquidação;”

O disposto no artigo 60.º, n.º 1, alínea a) da LGT, densifica a garantia constitucional de  participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes digam respeito, em particular as impositivas, concedendo aos contribuintes o direito de serem ouvidos previamente à emissão dos atos tributários de liquidação.

Caso não seja dada ao contribuinte a possibilidade de exercício desse direito, o ato final é anulável por padecer de vício formal – cf. acórdãos do STA, processos n.ºs 0671/10, de 10 de novembro de 2010, e 0337/07, de 26 de novembro de 2008.

No caso concreto, não merece duvidas que o Requerente foi notificado em 27 de Setembro de 2019, do ofício ... de 26/09/2019, para vir entregar a sua declaração de rendimentos referente ao ano de 2015, sob pena de a AT emitir liquidação com base nos elementos que possuía.

Contudo o Requerente não apresentou declaração, e apresentou esclarecimentos mediante requerimentos junto da AT, considerados no ofício que deram azo à liquidação oficiosa.

Motivo pelo qual, o referido direito foi assegurado, pelo que o ato final não é anulável por padecer de vício formal, improcedendo, assim, o pedido do Requerente.

c)            Caducidade do Ato de Liquidação e do Direito a Liquidação

Mais sustenta o Requerente, a caducidade do ato de liquidação aqui em apreço, uma vez que a demonstração de liquidação foi emitida em 15 de novembro de 2015 não cumprindo o prazo estabelecido no art.º 45.º nº 1 e 4 da LGT .

Sobre a caducidade do direito à liquidação, dispõem o artigo 45 n.º 1 da LGT, “1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.”

E que a contagem do prazo para o IRS, conforme prevê o n.º 4 desse mesmo artigo, se conta  da seguinte forma: “4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.”

Ora, no caso em apreço, estamos perante rendimento de juros que geram um imposto periódico em sede de IRS, referente ao ano de 2015, pelo que o prazo inicia a sua contagem no termo do ano em que se verificou o facto tributário, concretamente, a 31 de Dezembro de 2015.

Desta forma, o prazo de 4 anos para a caducidade do direito a liquidação terminaria decorridos 4 anos dessa data, ou seja, em 31 de Dezembro de 2019.

O Requerente, foi notificada da liquidação de IRS em apreço, em 15 de Novembro de 2019, dentro do prazo de 4 anos previsto legalmente.

Perante o exposto, improcede o pedido de caducidade do direito à lquidação.

                ii) Da Ilegalidade do Ato de Liquidação de IRS

O Requerente peticiona a declaração de ilegalidade do ato tributário e anulada a  liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) emitida sob o n.º 2019..., e a liquidação de juros compensatórios nº 2019..., referentes ao ano fiscal de 2015, no montante global de €40.935,76 (quarenta mil novecentos e trinta e cinco euros e setenta e seis cêntimos), com o consequente reembolso das quantias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios, contados desde a data de pagamento até ao reembolso efetivo.

Para tanto defende que a liquidação aqui em apreço, se baseou na comunicação efetuada pela Autoridade Fiscal Suíça nos termos da Diretiva da Poupança n.º 2003/48/CE, no qual a Autoridade Tributaria e Aduaneira baseou a sua liquidação, é incorreta.

Alega que no ano de 2014, procedeu à transferência da sua carteira de investimentos do banco B..., para o Banco C..., após o colapso do Grupo D... e da resolução do D... que afetou diretamente o B..., conduzindo à sua liquidação, e que com a respetiva transferência, o valor de aquisição dos produtos financeiros não foi comunicada, pelo que o valor que foi tido em consideração pelo Banco C... em 2015 foi de valor zero.

Defende o Requerente que em relação período fiscal do ano de 2015, apenas obteve juros no valor de € 430 e mais-valias no valor de € 4.175,40, valores que foram absorvidos por comissões e Impostos, no valor total de € 13.611,37, motivando, em 2015, uma performance Negativa dos seus ativos de € 9.005,97, e que em relação a esse período não apresentou declaração de rendimentos.

 

Alem do mais defende-se que cumpriu com o ónus da prova, através da interpelação da resposta do Banco C..., uma vez que aquela entidade bancária não tem informação sobre o histórico das aquisições dos investimentos detidos pela Requerente junto do B... e que foram transferidos para o C..., o que impediu que esses elementos fossem considerados na informação transmitida através da Diretiva da Poupança.

 

Pelo que deveria a Administração Tributária, a coberto dos princípios do inquisitório e da colaboração, previstos nos artigos 58.º e 59.º da LGT, ter diligenciado no sentido de recolher elementos que lhe permitissem descobrir a verdade material, ou seja, que a ora Requerente não obteve rendimentos das suas aplicações financeiras junto do banco C... no valor de  € 129.045,00.

Já a Autoridade Tributaria e Aduaneira, por seu turno, defende-se dizendo que no seguimento da comunicação efetuada nos termos da Diretiva da Poupança n.º 2003/48/CE, pela Autoridade Fiscal Suíça, de obtenção pela Requerente de um rendimento de € 129.045,00, rendimento esse comunicado pelo Banco C..., emitiu o oficio ... de 26/09/2019 notificado em 27 de Setembro de 2019 ao Requerente para a entrega de declaração de rendimentos de IRS, relativa ao ano de 2015, preenchendo o anexo J, quadro 8 - A indicando os rendimentos obtidos no montante de € 129.045,00, o que gerou um imposto a pagar no valor € 40.935,76.

Sucede que o Requerente não entregou a declaração solicitada, pese embora tenha sido em 15 de Outubro de 2019, notificado pela Autoridade Tributaria e Aduaneira, do teor do oficio ... de 14/11/2019, através do qual lhe foi comunicado que ao abrigo da Diretiva da Poupança as autoridades fiscais Suíças, comunicaram à AT, que no ano de 2015 o SP auferiu rendimentos de juros no montante de €129.045,00, não tendo o contribuinte para o ano em questão, declarado quaisquer rendimentos, não tendo mesmo submetido qualquer declaração Modelo 3 de IRS relativa a esse ano, como era sua obrigação, nem regularizou essa situação à posterior através da submissão da declaração em falta, no prazo de 30 dias, conforme o disposto no nº 3 do art.º 76.º do CIRS, que terminou no dia 30/10/2019.

 

Vejamos se assiste razão ao Requerente;

A questão decidenda, perante a factualidade dada como provada e as normas legais em vigor à data dos factos, prende-se, na apreciação de direito sobre quem é que recai o ónus da prova.

Ora, resulta do artigo 74.º n.º 1 da LGT que: "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.", em consonância com o artigo 342.º n.º 1 do CC, " Aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado." (nosso sublinhado)

Acresce que sobre a questão do ónus da prova, da distribuição do ónus, existe ampla jurisprudência, sustentando que cabe à Autoridade Tributaria e Aduaneira, o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e que cabe ao Sujeito Passivo provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca. (vide Processo Arbitral nº 236/1014-T de 4 de Maio de 2015; Ac. STA 0951/11 de 26 de fevereiro de 2014).

 

De acordo com o exposto anteriormente, e voltando ao caso em apreço, temos por certo que a AT demonstrou a validade da informação que a AT dispõe, e que permitiu a liquidação aqui impugnada.

Impende sobre a Requerida, o ónus da prova sobre a verificação dos pressupostos legais (vinculativos) legitimadores da sua atuação, ou seja, compete-lhe a prova do facto por si invocado respeitante aos rendimentos.

Quanto ao valor probatório da informação recebida pela AT, estabelece o n.º 1 do art. 76º da LGT, que as informações oficiais fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei.

E nos termos do n.º 4 do art. 76º da LGT “São abrangidas pelo n.º 1 as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado.”

Resulta assim que a informação recebida das Autoridades Fiscais estrangeiras no âmbito da troca de informação prevista na Directiva da Poupança é válida, uma vez que foi identificado o banco que transmitiu a informação, o n.º da conta, os titulares e os montantes de rendimento.

Informação essa que foi comunicada pelo Banque C... SA, a informar que considerou que os valores reportados serem rendimentos de juros abrangidos pela Directiva da Poupança n.º 2003/48/CE, num total de €129.045,00.

E foi confirmado pelo Requerente, a sua titularidade na referenciada conta bancaria no banco C... SA.

Por conseguinte, de harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT, cabe ao Requerente o ónus de esclarecer, comprovar e documentar as operações em causa, inclusive demonstrar e justificar a sua relevância e consistência tributárias, recorrendo a meios de prova documental e se necessário complementar com prova testemunhal os elementos fáticos que sustentam a sua correção, uma vez que foram pelo Requerente promovidos.

O que, não fez, se não vejamos,

Dos documentos juntos pelo Requerente, não é possível identificar a proveniência ou a tipologia dos alegados juros de € 430,00, as operações que geraram as mais-valias no valor de € 4.175,40 e não juntou o comprovativo das despesas que incorreu no montante de € 13.611,37.

O regime de tributação do Imposto sobre as Pessoas Singulares, dos residentes em território português, prevê no artigo 15.º n.º1, que o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território, e em consonância prevê o artigo 1.º n.º 1 e n.º 2 do CIRS, que estão sujeitos a imposto, o valor anual dos rendimentos, quer em dinheiro quer em espécie, seja qual for o local onde se obtenham, a moeda e a forma por que sejam auferidos.

Neste sentido, os juros e mais valias, são rendimentos com um regime próprio e como tal compete ao sujeito passivo seguir o disposto legal, inclusive existem regras que devem ser seguidas para as menos-valias e despesas incorridas.

No caso em apreço, conforme referido, o Requerente não fez prova dos rendimentos que alega, pelo que não é possível ao tribunal sequer proceder a uma análise dos mesmos, em concreto, a que categoria de rendimentos pertencem e qual o momento fiscalmente relevante para efeitos de tributação.

Destarte, sobre as declarações do Requerente, existe a presunção de veracidade e de boa-fé, princípio base consagrado no artigo 75.º da LGT, o qual prescreve:

"Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos. (Redação da Lei n.º 80-C/2013 de 31 de Dezembro)".

O afastamento da presunção ocorre quando: “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões (artigo 75.º n.º 2 alínea a) e quando o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária (artigo 75.º n.º 2 alínea b).

Sucede que ficou demonstrado que o Requerente não entregou a sua declaração de rendimentos referente ao ano de 2015, e, portanto, nem se quer se coloca a questão de presunção de veracidade.

Já quanto à Autoridade Fiscal e Aduaneira, e seguindo a exposição e os normativos anteriormente referidos, conclui-se que competia à AT (artigos 74.º n.º 1 da LGT e 342.º n.º 1 do CC) uma vez que invoca que a Requerente, omitiu o valor de € 129.045,00, o respetivo ónus da prova do facto invocado, e competia ao sujeito passivo prestar o esclarecimento da sua situação tributária (artigo 75.º n.º 2 al. b) e comprovar por recurso a elementos de prova os rendimentos por si declarados nas suas declarações de rendimentos.

E caso existam dúvidas quanto ao tipo de rendimentos comunicados pela informação transmitida à Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo da Diretiva da Poupança, cabe à AT nos termos do princípio do inquisitório, previsto no artigo 58.º da LGT realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, incluindo averiguar o tipo de rendimentos declarados na respetiva declaração e ao sujeito passivo cabe-lhe o dever de colaboração nos termos do artigo 59º da LGT.

Em suma, compete à AT, o ónus da prova dos rendimentos alegadamente omitidos pela Requerente, no valor de € 129.045,00, de acordo com o disposto nos artigos 74.º n.º 1 da LGT e 342.º n.º 1 do CC, complementado com o seu dever de cumprir o princípio do inquisitório, previsto no artigo 58.º da LGT.

Sucede que a AT alegou para fundamentar a sua pretensão, a comunicação transmitida à Autoridade Tributária a Aduaneira, ao abrigo da Diretiva da Poupança (Diretiva n.º 2003/48/CE), pela Suíça, relativo ao Banque C... S.A., que reportou como juros o valor de € 129.045,00.

Vejamos, sobre as comunicações feitas ao abrigo da Diretiva da Poupança n.º 2003/48/CE e do Decreto-Lei n.º 62/2005 de 11/03 que procedeu a sua transposição, o que é que elas nos dizem:

Nos termos do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 62/2005: a comunicação efetuada nesses termos consiste nos seguintes elementos: a) Identidade e residência do beneficiário efetivo, determinadas em conformidade com o disposto nos artigos 6.º e 7.º; b) Nome ou denominação e endereço do agente pagador; c) Número de conta do beneficiário efetivo ou, na sua falta, identificação do crédito ou de outras aplicações geradoras dos rendimentos referidos no n.º 1 do artigo 4.º; d) Os montantes dos rendimentos abrangidos pelo artigo 4.º.

A complementar o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 62/2005, remetemos para a Diretiva da Poupança n.º 2003/48/CE, que quanto à questão da comunicação de informações, no seu artigo 8.º n.º 2 estipula que “No entanto, os Estados-Membros podem limitar o conteúdo mínimo das informações que o agente pagador deve comunicar no que se refere ao pagamento de juros, ao montante total dos juros ou dos rendimentos e ao montante total do produto da cessão, do resgate ou do reembolso.”

Assim, resulta de ambos os diplomas, a existência de uma diferenciação na comunicação do pagamento dos juros e na comunicação no pagamento dos produtos da cessão, do resgate ou do reembolso.

O motivo de existir essa diferenciação é simples, os juros concorrem para o cálculo dos juros e os produtos da cessão, do resgate ou do reembolso concorrem na Jurisdição Nacional para o cálculo das Mais-Valias.

A diferenciação é fundamental, em especial para efeitos de mais-valias, uma vez que o cálculo é feito em sede própria concorrendo para o seu cálculo (simplificando) as mais e menos valias.

Ao não existir uma diferenciação na comunicação feita nos termos exigido pelo conteúdo mínimo do artigo 8.º Diretiva da Poupança n.º 2003/48/CE, induziria ao erro, uma vez que estar-se-ia a considerar rendimentos produto da cessão, do resgate ou do reembolso como juros, desconsiderando o regime próprio do produto da cessão, do resgate ou do reembolso, ou seja, o regime das Mais-Valias.

Rendimentos, que à luz da legislação em vigor à data, são tratados de forma distinta, não concorrendo os juros para cálculo de mais-valias nem as mais-valias concorrem para o cálculo de juros.

Nos termos do artigo 72.º do CIRS, os rendimentos abrangidos na Diretiva da Poupança são de declaração obrigatória e são tributados à taxa especial prevista nessa disposição legal, podendo ser englobados por opção do sujeito passivo.

Alias, é esta a posição assumida pela AT, que subscrevemos, “Embora a Diretiva classifique como juros os rendimentos realizados na altura da cessão, do reembolso ou do resgate de partes ou unidades de participação, nos termos definidos na alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º conjugado com o artigo 4.º do diploma legal que a transpõe para a ordem interna, nos termos do CIRS aqueles rendimentos são classificados como mais-valias.”.

Perante o exposto,

A AT, limitou-se a seguir a informação reportada pela Entidade Bancaria às Autoridades Fiscais da Suíça, com base na Diretiva Poupança.

Adicionalmente o Requerente não juntou qualquer meio de prova que permitisse ao tribunal concluir que a informação prestada pelas Autoridades Fiscais da Suíça à AT estava errada, pois não basta dizer que o Banco para onde foi transferida a carteira, desconhece o seu histórico, atento o colapso do D..., e por isso mesmo deu essa informação às autoridades;

Cabia-lhe sim demonstrar nos presentes autos, os rendimentos que aqui alegou, respeitantes ao ano de 2015, contudo não o fez.

Ao Sujeito Passivo, nos termos dos artigos 74.º n.º1 e n.º 2 e  76.º 4, da LGT cabe-lhe apresentar prova em contrario, comprovando os rendimentos que declarou. No caso de o sujeito passivo não ter apresentado uma declaração de rendimentos, ou não ter declarado rendimentos, deverá demonstrar que relativo às contas bancarias abrangidas pela Comunicação da Diretiva Poupança, não realizou operações ou que as operações que realizou não criaram rendimentos sujeito a imposto, contudo não o fez.

Em face do anteriormente exposto, improcede o pedido do Requerente, e consequentemente improcede o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, pois os elementos de prova não foram apresentados pelo Requerente sobre quem recaia o respetivo ónus da prova.

O Tribunal Arbitral, nos termos dos arts. 608º, n.º 2, 663º, n.º 2 e 679º do Código de Processo Civil por aplicação do artigo 29.º do RJAMT, não se encontra obrigado a apreciar todos os argumentos alegados pelo Requerente ou pela Requerida, uma vez que as questões relevantes submetidas a apreciação foram conhecidas deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução já proferida ou cuja apreciação se mostraria inútil.

                V - DECISÃO

Destarte, atento a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:

a.            Julgar improcedente a falta de fundamentação do ato de liquidação;

b.            Julgar improcedente a violação do direito de audição previa;

c.            Julgar improcedente a caducidade do direito de liquidação;

d.            Julgar improcedente o pedido de ilegalidade do ato tributário com a consequente anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) emitida sob o n.º 2019..., e a liquidação de juros compensatórios nº 2019..., referentes ao ano fiscal de 2015, no montante global de €40.935,76 (quarenta mil novecentos e trinta e cinco euros e setenta e seis cêntimos),

e.            Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios

VI  - VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em €40.935,76, correspondente ao valor da liquidação atendendo ao valor económico do processo, aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada, nos termos do art.º  97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC.

VII – CUSTAS

E em conformidade fixam-se as custas, no montante em 2.142,00€ (dois mil cento e quarenta e dois euros), a cargo do Requerente de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.ºdo RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.ºs 5.º, n.º1, al. a) do RCPT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 12 de novembro de 2020

 

A Árbitra

Rita Guerra Alves