Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 198/2020-T
Data da decisão: 2020-11-23  IUC  
Valor do pedido: € 23.039,89
Tema: IUC – Incidência subjetiva.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

1. O A..., S.A., sociedade anónima matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva ..., com sede na Rua ... n.º..., ...-... Lisboa, (doravante designado por “Requerente”), apresentou, em 23-03-2020, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

2. O Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista a declarar a ilegalidade de 253 (duzentos e cinquenta e três) atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC), referentes aos anos de 2013, 2014 e 2015, no montante de total de € 23.039,89 (vinte e três mil e trinta e nove euros e oitenta e nove cêntimos), respeitantes a 185 (cento e oitenta e cinco) veículos automóveis, identificados pelo Requerente no ANEXO A do pedido de pronuncia arbitral, e, bem assim, do ato de indeferimento do recurso hierárquico apresentado pelo Requerente relativo aos referidos 253 (duzentos e cinquenta e três) atos de liquidação, e, consequentemente, determinar o reembolso do valor indevidamente pago no montante de € 23.039,89 (vinte e três mil e trinta e nove euros e oitenta e nove cêntimos), bem como o pagamento de juros indemnizatórios.

 

3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “Requerida”).

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 24-03-2020.

5. O Requerente, em 24-03-2020, juntou aos autos os documentos integrantes dos Anexos A, B e C do pedido de pronúncia arbitral.

6. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.

7. O Requerente foi notificado, em 06-07-2020, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

8. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 05-08-2020.

9. A Requerida, devidamente notificada através do despacho arbitral, de 05-08-2020, apresentou, em 16-09-2020, a sua Resposta e juntou o Processo Administrativo.

10. O Tribunal Arbitral por despacho, de 17-09-2020, notificou o Requerente para, no prazo de 5 dias, informar o Tribunal se mantinha interesse na produção da prova testemunhal e, em caso afirmativo, indicar os factos sobre os quais pretendia inquirir as testemunhas.

11. O Requerente, em 22-09-2020, reafirmou o interesse na inquirição das testemunhas e indicou os factos constantes do pedido de pronúncia arbitral sobre os quais pretendia produzir a prova.

12. O Tribunal Arbitral, por despacho de 25-09-2020, determinou o dia 19 de outubro, às 15h, para a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e para a inquirição das testemunhas.

13. O Tribunal Arbitral, em 19-10-2020, procedeu à realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, conforme ata que se encontra nos presentes autos arbitrais e que se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzida, na qual: (i) o Requerente prescindiu da instância relativamente a 1 (uma) liquidação referente à matrícula ..., relativa ao ano de 2015, e a 2 (duas) liquidações referentes à matrícula ..., relativas aos anos 2014 e 2015; (ii) a Requerida declarou nada ter a opor relativamente ao requerido pelo Requerente, nos termos da alínea anterior; (iii) o Requerente prescindiu de ouvir a testemunha B...; (iv) procedeu-se à inquirição da testemunha C...; (v) os representantes do Requerente e da Requerida proferiram alegações orais; (vi) foi designado o dia 20-11-2020 como data para a prolação da decisão arbitral; (vii) o Requerente foi informado que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente até à data indicada na alínea anterior.

14. O Requerente, em 20-10-2020, requereu a junção aos autos de nova versão do Anexo A ao pedido de pronuncia arbitral já expurgado das três liquidações que o Requerente tinha prescindido da instância na reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, que decorreu no dia 19-10-2020 (vd., n.º 13 (i) supra).

15. O Tribunal Arbitral por despacho, de 21-10-2020, notificou a Requerida para se pronunciar, querendo, no prazo de 5 dias, sobre o documento, identificado no n.º anterior, apresentado pelo Requerente, em 20-10-2020.

16. A Requerida, em 23-10-2020, informou que nada tem a opor à junção do documento apresentado pelo Requerente, em 20-10-2020.

17. A posição do Requerente, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral e nas alegações orais, é, em síntese, a seguinte:

17.1. O Requerente é, atualmente, um dos maiores bancos portugueses especializado a operar no financiamento ao setor automóvel, na área dos bens de consumo, cartões de crédito, co branded e empréstimos pessoais. Nessa medida, uma parte substancial da sua atividade reconduz-se à celebração de – entre outros – contratos de locação financeira ou de aluguer de longa duração, destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis. Estes contratos obedecem, como resulta da sua própria configuração legal, a um guião comum, próprio deste tipo de financiamentos. De acordo com cada um destes contratos, o financiamento concedido ao locatário pela Requerente é restituído (dito de outro modo, recuperado) em prestações mensais, sob a forma de rendas; uma vez liquidadas as rendas, e assim alcançado o termo do correspondente contrato, o locatário tem o direito de adquirir o bem locado mediante o pagamento do valor residual da viatura automóvel, acrescido de despesas e IVA.

17.2. Os veículos automóveis constantes do Anexo A ao pedido de pronuncia arbitral foram dados em contratos de aluguer de longa duração («ALD») pela Requerente aos clientes, identificados no referido Anexo, por referência à viatura automóvel a que se reportam. Quase todos estes clientes adquiriram, no termo de cada contrato, o veículo automóvel sobre o qual o mesmo incidia, mediante o pagamento do valor residual do bem locado, acrescido de despesas e IVA – tal como atestam os documentos comprovativos das correspondentes transmissões (designadamente, faturas de venda), juntos aos autos.

17.3. Nas viaturas automóveis, com a matrícula ... e ... verificou-se uma cedência da respetiva posição contratual, os sujeitos que vieram a adquirir aquelas viaturas não coincidem com aqueles que originariamente celebraram os contratos, ou seja, com os anteriores locatários.

17.4. Num universo composto pelas viaturas automóveis com as matrículas ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... por indicação expressa do locatário, o sujeito que veio a adquirir aquela viatura não coincide com aquele que originariamente celebrou o contrato, ou seja, com o anterior locatário.

17.5 A propriedade de cada um dos veículos automóveis elencados no ANEXO A havia sido transmitida para os seus anteriores locatários ou, em alternativa, por indicação expressa do locatário, ou por ter existido uma cedência da respetiva posição contratual, para terceiros. Não obstante, o Requerente foi notificado pela AT para proceder ao pagamento do IUC, o que veio a fazer.

17.6. Só que nas datas respeitantes aos factos tributários, que originaram estas liquidações, o Requerente já não era locador nem proprietário daqueles veículos automóveis e, por conseguinte, não pode assumir a qualidade de sujeito passivo dos impostos que lhe foram erroneamente liquidados. Assim, o Requerente não é o correspondente sujeito passivo em nenhuma das situações, ainda que, naqueles períodos, a transmissão dos aludidos veículos automóveis (e a nova propriedade de outrem) não estivesse registada junto da Conservatória do Registo Automóvel.

17.7. A vexata quaestio subjacente a este Pedido de Pronúncia Arbitral reside, essencialmente, em saber se a circunstância de a transmissão dos veículos automóveis descritos no ANEXO A aos seus anteriores locatários (ou a terceiros por indicação expressa do locatário ou por ter havido cessão da posição contratual), findo o contrato de leasing (LSG) ou de Aluguer de Longa Duração (ALD), não ter sido registada junto da Conservatória do Registo Automóvel, torna essa transmissão inoponível à AT.

17.8. A partir do momento em que os anteriores locatários adquirem os veículos automóveis (ou até terceiros em casos pontuais), em virtude das consequências obrigacionais, é apenas a estes – já na qualidade de (novos) proprietários dos mesmos –, que incumbe pagar os IUC e demais encargos associados, pelo menos só assim fará sentido à luz do princípio da equivalência, como fundamento e limite deste regime.

17.9. Constata-se que a legislação fiscal teve, desde sempre, o objetivo de tributar o verdadeiro e efetivo proprietário e utilizador do veículo. A pedra-de-toque do facto gerador do IUC deixou de ser a circulação como acontecia com os seus antecessores e passou a ser tão-só a propriedade (atestada pela matrícula ou pelo registo).

17.10. Em face do exposto, acham-se reunidas as condições para assumir-se que o n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC configura uma presunção ilidível, que admite sempre prova em contrário porquanto a pessoa que está inscrita no registo como proprietária do veículo automóvel e que, por essa razão é considerada – e bem – pela AT como sujeito passivo de IUC, pode, no entanto, apresentar elementos de prova com vista a demonstrar que o titular da propriedade é outrem, para quem a propriedade foi transferida antes do imposto se tornar exigível.

17.11. Quanto ao valor probatório dos documentos comprovativos das transmissões e que, por conseguinte, que ilide a presunção do registo automóvel junto da Conservatória do Registo Automóvel, a verdade é que o artigo 29.º do Código do IVA (ou até o Código do IRC) sempre reconheceu a fatura como documento ao qual é legalmente atribuída relevância para documentar e comprovar transações. Ora, esses documentos que a Requerente já juntou aos presentes autos afiguram-se mais do que suficientes para comprovar as transmissões dos veículos automóveis em causa, gozando, aliás, e não poderia deixar de ser, da presunção de veracidade.

17.12. Atendendo à documentação suficientemente concludente anexada ao presente Pedido de Pronúncia Arbitral, não resta outra alternativa ao douto Tribunal Arbitral senão concluir que a Requerente não era a real proprietária dos veículos automóveis a que respeitam os atos tributários postos mediatamente em crise e, por isso, não era o sujeito passivo dos IUC (ie., não está verificada a incidência subjetiva do imposto), pelo que que os mesmos estão inquinados de insanável ilegalidade, por terem sido emitidos ao abrigo de um erro crasso de facto sobre os pressupostos e, portanto, de uma violação flagrante da lei, ilegalidade essa que contamina o ato de indeferimento do recurso hierárquico por padecerem do mesmo vício, e, em consequência, devem ser todos anulados – o que, nesta sede, expressamente se peticiona.

17.13. Caso se admita que deve singrar a tese da presunção inilidível suportada pela AT, ou seja, caso o douto Tribunal Arbitral entenda que, ao abrigo do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC, o sujeito passivo do imposto deverá ser necessariamente a pessoa em nome da qual se encontre registada a propriedade do veículo automóvel, incluídas as entidades locadoras, sempre se dirá que a interpretação daquela norma, nesses termos, padece de inconstitucionalidade, revelando, pois, a sua desconformidade com o princípio da equivalência consagrado no artigo 13.º da CRP.

17.14. A conceção de uma presunção inilidível na determinação do sujeito passivo do IUC fere irremediavelmente o princípio da equivalência, posto que se já o efetivo proprietário é o presumível causador de danos ou aproveitador de benefícios, o putativo proprietário mais no extremo da presunção se situará.

17.15. Com efeito, importa invocar nesta sede o princípio da proporcionalidade, constante do n.º 2 do artigo 18.º da CRP que, por sua vez, restringe o âmbito de aplicação do princípio da praticabilidade. Atentos os comandos constitucionais supra expostos, parece-nos ser completamente desproporcional a interpretação do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC de que o critério normativo extraído daquela norma ditasse, sem mais, que o antigo proprietário do veículo automóvel, por ter sido anterior locador, se veja obrigado a suportar o IUC e demais encargos associados.

17.16. Mesmo que se pudesse interpretar o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC como se de uma presunção inilidível se tratasse, não era possível, contudo, aplicar essa interpretação à situação vertente (entidade locadora), sob pena de manifesta e crassa inconstitucionalidade, ferindo o ato de indeferimento do recurso hierárquico e, em consequência, os atos de liquidação mediatamente impugnados – o que se invoca expressamente nesta sede – com apoio legal no artigo 13.º da CRP.

17.17. Em conclusão, e a par da anulação das liquidações e consequente reembolso das importâncias indevidamente pagas, o Requerente peticiona (ainda) que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º da LGT e que a AT seja condenada em custas arbitrais.

17.18. Efetivamente, a AT ao não proceder à revogação dos atos que – mediatamente – se impugnam está a assumir propositadamente que – mesmo na posse de toda a informação disponibilizada no procedimento gracioso e no presente processo arbitral –, emitiria as liquidações de IUC nos precisos e exatos termos em que as mesmas foram notificadas (e remetidas) à Requerente, isto é, que concorda, valida e subscreve o seu teor, mesmo em face da fundamentação de ilegalidade vertida pela Requerente.

17.19. Caso assim não se entenda – o que não se concebe, mas que se equaciona por mera cautela de patrocínio –, sempre se dirá que os juros indemnizatórios serão devidos a partir do término do prazo de decisão da reclamação graciosa.

17.20. Em rigor, e em boa verdade, estes atos tributários são da única e exclusiva responsabilidade da AT, que, por conseguinte, não poderá deixar de ser devidamente responsabilizada pelo pagamento de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal e, inevitavelmente, de assumir as custas arbitrais.

18. A posição da Requerida, expressa na resposta e nas alegações orais, pode ser sintetizada no seguinte:

18.1. O primeiro equívoco subjacente à interpretação defendida pela Requerente prende-se com uma enviesada leitura da letra da lei. Com efeito, estabelece o n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC que «São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados». O legislador tributário ao estabelecer no artigo 3.º, n.º 1, quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas, considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

18.2. Nestes termos, é imperativo concluir que, no caso dos presentes autos de pronúncia arbitral, o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como tais (como proprietários ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas) as pessoas em nome das quais os mesmos (os veículos) se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal.

18.3. Entender que o legislador consagrou aqui uma presunção, seria inequivocamente efetuar uma interpretação contra legem. Em face desta redação não é manifestamente possível invocar que se trata de uma presunção, conforme defende a Requerente.

18.4. Trata-se, sim, de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção, adentro da sua liberdade de conformação legislativa, foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários, aqueles que como tal constem do registo automóvel. Em suma, o artigo 3.º do Código do IUC não comporta qualquer presunção legal.

18.5. Mesmo admitindo que, do ponto de vista das regras do direito civil e do registo predial, a ausência de registo não afeta a aquisição da qualidade de proprietário e que o registo não é condição de validade dos contratos com eficácia real, nos termos estabelecidos no Código do IUC (que no caso em apreço constitui lei especial, a qual, nos termos gerais de direito derroga a norma geral), o legislador tributário quis intencional e expressamente que fossem considerados como proprietários, locatários, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra no aluguer de longa duração, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.

18.6. Importa ainda demonstrar que à luz de uma interpretação teleológica do regime consagrado em todo o Código do IUC, a interpretação propugnada pelo Requerente no sentido de que o sujeito passivo do imposto é o proprietário efetivo, independentemente de não figurar no registo automóvel o registo dessa qualidade, é manifestamente errada.

18.7. E é uma interpretação errada na medida em que é a própria ratio do regime consagrado no Código do IUC que constitui prova clara de que aquilo que o legislador fiscal pretendeu foi criar um imposto assente na tributação do proprietário do veículo tal como consta do registo automóvel.

18.8. Com efeito, o Código do IUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública.

18.9. O IUC passou a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos.

18.10. À luz de tudo quanto se expôs e por força do disposto no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Código do IUC e do artigo 6.º do mesmo código, o Requerente, constava como proprietário na Conservatória do Registo Automóvel logo era o sujeito passivo do IUC.

18.11. Daí que que todo o raciocínio propugnado pelo Requerente se encontra eivado de erro, não sendo possível ilidir a presunção legal estabelecida.

18.12. Todavia, ainda que assim não se entenda – o que somente por mera hipótese académica se admite – e aceitando-se ser admissível a ilisão da presunção à luz da jurisprudência já entretanto firmada neste centro de arbitragem, importará ainda assim, apreciar os documentos juntos pela Requerente e o seu valor probatório com vista a tal ilisão.

18.13. Do acervo documental, o Requerente junta diversos contratos de locação financeira e contratos de aluguer de veículo sem condutor. O contrato foi cumprido? O preço foi pago? Ou há litígio entre a Requerente e os terceiros com quem celebra o contrato? Ora, o Requerente não junta mais nenhum elemento que permita verificar que estes contratos foram cumpridos e que os veículos, objeto dos mesmos, foram transmitidos.

18.14. Os contratos que o Requerente junta não são prova suficiente de que houve transmissão de propriedade de um veículo do Requerente para terceiro numa determinada data, uma vez que o mesma não junta a cópia de um cheque ou de um extrato financeiro de onde conste o recebimento de um determinado valor respeitante à venda de veículo.

18.15. O Requerente junta, ainda, um acervo de faturas/recibos e desses documentos consta a data de emissão e a data de vencimento, que não coincidem, para além de constar do lado inferior direito “Válido como recibo após boa cobrança”. Houve pagamento do valor da fatura? E qual a data de pagamento – a da emissão ou a de vencimento que consta da fatura? Em que data é que a fatura foi paga? E houve boa cobrança ou o Requerente está em situação de litígio? Daqui decorre naturalmente a questão de saber se os documentos juntos pela Requerente constituem prova suficiente para abalar a (suposta) presunção legal estabelecida no

artigo 3.º do Código do IUC. A resposta é claramente não, pelo que se impugnam para todos os efeitos legais os Documentos juntos ao pedido arbitral, uma vez que os mesmos não provam de forma clara e inequívoca que ocorreu a transmissão do veículo e consequentemente da propriedade do mesmo.

18.16. A Requerente não junta um único extrato financeiro ou cheque que prove que as faturas foram pagas ou que os contratos foram cumpridos, ou se, pelo contrário estão em contencioso. Acresce ainda dizer que relativamente às faturas, as mesmas não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático pois não revelam por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes.

18.17. O Requerente também não juntou cópias do referido modelo oficial para registo da propriedade automóvel quando podia e devia tê-lo feito. Em suma, a Requerente não logrou provar a pretensa transmissão dos veículos aqui em causa.

18.18. Neste desiderato decaem os argumentos invocados pelo Requerente e, reconheçamos, o que o Requerente apresenta é insuficiente para ilidir uma presunção legal decorrente do registo das viaturas em seu nome nas datas de exigibilidade dos impostos. Significa isto, portanto, que o IUC é liquidado de acordo com a informação registral oportunamente transmitida pelo Instituto dos Registos e Notariado. Dito de outra forma, o IUC não é liquidado de acordo com informação gerada pela própria Requerida.

18.19. Ora, não tendo o Requerente prestado cuidado na atualização do registo automóvel, como aliás podia e competia (artigo 5.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei 54/75, de 12 de fevereiro, e artigo 118.º, n.º 4, do Código da Estrada), e não tendo mandado cancelar as matrículas dos veículos aqui em apreço, forçoso é concluir que o Requerente não procedeu com o zelo que lhe era exigível. E ao não ter procedido com o zelo que lhe era exigível, levou inexoravelmente a Requerida a limitar-se a dar cumprimento às obrigações legais a que está adstrita e, paralelamente, a seguir a informação registral que lhe foi fornecida por quem de direito. Logo, não foi a Requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim o próprio Requerente. Consequentemente, deverá o Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 527.º, n.º 1, do CPC ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

18.20.O mesmo raciocínio se aplica relativamente ao pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios formulado pelo Requerente. Efetivamente, resulta claro que os atos tributários em crise são válidos e legais, porque conformes ao regime legal em vigor à data dos factos tributários, pelo que, não ocorreu, in casu, qualquer erro imputável aos serviços. Assim sendo, não se encontram reunidos os pressupostos legais que conferem o direito aos juros indemnizatório. Mas mesmo que assim não se entenda é inegável que a Requerida se limitou a dar cumprimento ao artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC, que imputa tal qualidade às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados, pelo que também por aqui necessariamente terá de falecer o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

II - Saneamento

19. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

20. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

21. Não foram suscitadas exceções de que cumpra conhecer e não se verificam nulidades nem quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

22. O Tribunal Arbitral admite a junção aos autos da nova versão do Anexo A ao pedido de pronuncia arbitral apresentado pelo Requerente, em 20-10-2020, com as alterações decorrentes da desistência da instância relativamente a 1 (uma) liquidação (ano de 2015) referente ao veículo com a matrícula ..., e a 2 (duas) liquidações (anos de 2014 e 2015) referentes ao veículo com a matrícula ... (vd., n.ºs 13, 14, 15 e 16 supra).

23. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

III. Matéria de facto

24. Factos provados

24.1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

A)           O Requerente é uma instituição de crédito especializada a operar no financiamento ao setor automóvel através da celebração de – entre outros – contratos de locação financeira ou de aluguer de longa duração, destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis (vd., n.ºs 12.º e 13.º do pedido de pronuncia arbitral);

 

B)           A AT emitiu 253 (duzentos e cinquenta e três) atos de liquidação de IUC, relativos aos anos de 2013, 2014 e 2015, referentes a 185 (cento e oitenta e cinco) veículos automóveis, cujas matrículas estão identificadas nos autos, sendo o Requerente o sujeito passivo daquele imposto (vd., Anexo A ao Pedido de Pronúncia Arbitral e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, pp. 2 a 11 da Informação n.º ...  da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre Transações Onerosas de Imóveis, Imposto de Selo, Imposto Único de Circulação e Contribuições Especiais da AT, de 15-01-2019, constante do Anexo B ao pedido de pronuncia arbitral e pp. 3 a 14 da Informação n.º 135-TF/2020, de 23-04-2020, da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes da AT constante do Processo Administrativo);

 

C)           Para cada um dos 185 (cento e oitenta e cinco) veículos automóveis, cujas matrículas estão identificadas nos autos e referidos na alínea anterior, a Requerente celebrou contratos de aluguer de longa duração (vd., Contratos de aluguer de veículo automóvel sem condutor constantes dos documentos n.ºs 1 a 185 anexos ao pedido de pronuncia arbitral e que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais);

 

D)           Os locatários dos contratos de aluguer de longa duração, referidos na alínea anterior, adquiriram, no termo de cada contrato, o veículo automóvel sobre o qual o mesmo incidia, mediante o pagamento do valor residual do bem locado acrescido de despesas e IVA, exceto nos casos previstos nas alíneas infra (vd., Faturas constantes dos documentos n.ºs 186 a 370 anexos ao pedido de pronuncia arbitral e que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais);

 

E)            Nos veículos automóveis com as matrículas ... e ..., identificadas nos autos, existiram cedências da posição contratual e, em consequência, no termo dos contratos de aluguer de longa duração os sujeitos que vieram a adquirir as viaturas não coincidem com aqueles que originariamente celebraram os respetivos contratos (vd., Documentos n.ºs 54 e 56 anexos ao pedido de pronuncia arbitral e n.º 20 do pedido de pronuncia arbitral);

 

F)            Nos veículos automóveis com as matrículas..., ..., ..., ..., ..., ... e..., identificadas nos autos, por indicação expressa dos locatários, os sujeitos que, no termo dos contratos de aluguer de longa duração, vieram a adquirir as viaturas não coincidem com aqueles que originariamente celebraram os respetivos contratos (vd., Documentos n.ºs 19, 32, 71, 74, 86, 94 e 137 anexos ao pedido de pronuncia arbitral e n.º 21 do pedido de pronuncia arbitral);

 

G)           A Requerente, na reunião prevista para efeitos do artigo 18.º do RJAT, prescindiu da instância relativamente à liquidação de IUC, no ano de 2015, referente ao veículo automóvel com a matrícula ..., e às liquidações de IUC, nos anos de 2014 e 2015, referentes ao veículo automóvel com a matrícula ... (vd., n.ºs 13 e 14 supra, e nova versão do Anexo A ao pedido de pronuncia arbitral apresentado pelo Requerente, em 20-10-2020, e admitido aos autos nos termos referidos no n.º 22 supra);

 

H)           O cadastro dos veículos automóveis, referidos na alínea B) supra, constituído pelos elementos remetidos pelas entidades com competência exclusiva para o registo nacional de matrículas e para o registo da propriedade dos veículos, respetivamente o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP (IMT) e o Instituto dos Registos e do Notariado, IP (IRN), através das suas Conservatórias do Registo de Veículos (CRV), revela que os referidos veículos automóveis encontravam-se registados em nome do Requerente à data dos fatos tributários, ocorridos no aniversário das respetivas matrículas, conforme decorre dos artigos 4.º, n.º 2, e 6.º, n.ºs 1 e 3, do Código do IUC; (vd., Informação n.º I2019... da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre Transações Onerosas de Imóveis, Imposto de Selo, Imposto Único de Circulação e Contribuições Especiais da AT, de 15-01-2019, n.º 4, pp. 12, constante do Anexo B ao pedido de pronúncia arbitral);

 

I)             O Requerente procedeu ao pagamento dos IUC resultantes das liquidações identificadas na alínea B) (vd., n.ºs 23 e 24 do pedido de pronuncia arbitral e Informação n.º 135-TF/2020, de 23-04-2020, da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes da AT constante do Processo Administrativo).

 

J)            Relativamente aos atos de liquidação de IUC, o Requerente apresentou reclamação graciosa, identificada sob o n.º ...2015..., que foi objeto de indeferimento parcial por despacho do Chefe da DGAT da Unidade dos Grandes Contribuintes, proferido, em 21-12-2016 (vd., Anexo B ao Pedido de Pronúncia Arbitral);

 

K)           O Requerente, em 27-12-2016, apresentou recurso hierárquico do ato de indeferimento da reclamação graciosa, identificada na alínea anterior, (proc. n.º ...2016...) que foi indeferido por despacho proferido, em 19-12-2019, pela Diretora de Serviços do Imposto Municipal sobre Transações Onerosas de Imóveis, Imposto de Selo, Imposto Único de Circulação e Contribuições Especiais, com subdelegação de competências, com o seguinte teor:

“Com os fundamentos constantes da informação e demais elementos que constituem os autos, indefiro o presente recurso hierárquico, mantendo-se, nessa conformidade, a decisão alvo de recurso, com dispensa do exercício do direito de audição previsto no art.º 60.º da LGT (al. C) do nº 3 da Circular n.º 13/1999, de 08 de julho).”

                (vd., Anexo B ao Pedido de Pronúncia Arbitral)

24.2. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

24.3. Fundamentação da matéria de facto

Quanto à matéria de facto dada como provada a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação da prova documental junta aos autos e na prova testemunhal apresentada.

Os documentos apresentados pelo Requerente para fazerem prova da transmissão da propriedade para terceiros constam dos presentes autos têm força probatória plena, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 376.º do Código Civil.

                24.4. Cumulação de pedidos

O presente pedido de pronúncia arbitral reporta-se a liquidações de IUC respeitantes a de 253 (duzentos e cinquenta e três) atos de liquidação de IUC, referentes aos anos de 2013, 2014 e 2015, respeitantes a 185 (cento e oitenta e cinco) veículos automóveis, identificados pelo Requerente no ANEXO A do pedido de pronúncia arbitral. Posteriormente, o Requerente na reunião, para efeitos do artigo 18.º do RJAT, prescindiu da instância relativamente a 1 (uma) liquidação referente à matrícula ... (ano de 2015) e a 2 (duas) liquidações referentes à matrícula ... (anos 2014 e 2015).

Nestes termos, o pedido de pronúncia arbitral reporta-se a liquidações de IUC respeitantes a 250 (duzentos e cinquenta) atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC), referentes aos anos de 2013, 2014 e 2015, respeitantes a 183 (cento e oitenta e três) veículos automóveis, identificados pelo Requerente no novo Anexo A do pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 20-10-2020 (vd., n.º 14 supra), e admitido aos autos nos termos expostos no n.º 22 supra.

Considerando o disposto nos artigos 3.º do RJAT e 104.º do CPPT e atendendo à identidade dos factos tributários, e aos idênticos fundamentos de facto e de direito invocados, o Tribunal considera que nada obsta à cumulação dos presentes pedidos.

IV - Matéria de Direito

25. A questão principal a apreciar nos presentes autos arbitrais consiste em saber se o Requerente deve ser considerado sujeito passivo de IUC relativamente aos veículos automóveis cuja propriedade, à data da exigibilidade do tributo, já tinha sido transmitida, embora continuasse registada em nome do Requerente, para efeitos de registo de veículos.

Cumpre apreciar.

26. Na resposta à questão decidenda, referida no n.º anterior, começaremos por indagar se o artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC, na redação vigente até 2 de agosto de 2016 , contém uma presunção sobre quem deve ser considerado, para efeitos deste imposto, proprietário do veículo automóvel objeto do mesmo, e se tal presunção é ou não ilidível.

Depois, caso se conclua que o artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC contem uma presunção ilidível sobre quem deve ser considerado, para efeitos do imposto, proprietário do veículo automóvel, teremos de saber se a referida presunção deve ser considerada ilidida pela prova apresentada pelo Requerente nos presentes autos.

26.1. O artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Código do IUC, na redação em vigor à data dos factos a que se reporta o presente pedido, dispõe o seguinte:

"1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

2. São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força de contrato de locação."

A incidência subjetiva do IUC tem sido objeto de numerosas decisões nos tribunais arbitrais a funcionar no CAAD, no sentido de considerar que a norma acima citada contem uma presunção legal que admite prova em contrário. A este respeito a Decisão Arbitral n.º 145/2017-T, proferida em 13 de julho de 2017, e para cujo teor desde já aqui remetemos, afirma o seguinte:

“Sobre esta questão, ou seja, a de saber se a norma de incidência subjectiva constante do n.º 1, do art.º 3.º do CIUC, consagra uma presunção, deve notar-se que a jurisprudência firmada no CAAD aponta no sentido de que a dita norma consagra uma presunção legal ilidível. Com efeito, desde as primeiras Decisões, proferidas sobre esta matéria, no ano de 2013, entre as quais se podem, nomeadamente, referir as proferidas no quadro dos Processos n.ºs 14/2013-T, 26/2013-T e 27/2013-T, até às mais recentes de que se podem indicar as Decisões proferidas no âmbito dos Processos n.º 69/2015-T, n.º 191/2015-T e n.º 202/2015 - T, passando por inúmeras Decisões proferidas no ano de 2014, de que se mencionam, a título de mero exemplo, as Decisões proferidas nos Processos n.ºs 34/2014-T, 120/2014-T e 456/2014 - T, todas apontam para o entendimento de que o n.º 1, do art.º 3.º do CIUC consagra uma presunção legal ilidível.

A este propósito, deve também referir-se a recente Decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida, em 23-01-2017, no Proc. N.º 463/13.4BELRS, onde se considera que a “[…] impugnante logrou ilidir a presunção estabelecida no art.º 3.º, n.º 1 do CIUC.”

Deve ainda considerar-se o entendimento inscrito no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 19-03-2015, Processo 08300/14, disponível em: www.dgsi.pt, que secunda a referida jurisprudência, quando nele vem expressamente referido que o art.º 3.º, n.º 1 do CIUC “[…] consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível por força do art.º 73.º da LGT”. “

A posição constante da Decisão Arbitral supra citada merece a nossa concordância e dispensa-se, por desnecessária, a reprodução da respetiva fundamentação, no presente processo.

26.2. Na factualidade objeto dos presentes autos arbitrais, os veículos automóveis relativamente aos quais impendeu o pagamento do IUC foram vendidos em data anterior àquela a que o imposto respeita, ou seja, antes da ocorrência do facto gerador e da consequente exigibilidade do imposto. A venda ocorreu no termo dos contratos de aluguer de longa duração, mas os adquirentes dos referidos veículos, em regra os anteriores locatários, não tinham, à data dos factos tributários, efetuado os registos de aquisição junto das respetivas Conservatórias, pelo que, para efeitos de cadastro registral dos veículos, o Requerente continuava a figurar como proprietário dos mesmos.

                Devido à celebração do contrato de compra e venda o proprietário de pleno direito passa a estar abrangido diretamente pelo n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC. Face ao disposto no artigo 408.º, n.º 1, do Código Civil, a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as exceções previstas na lei. É o caso do contrato de compra e venda de veículo automóvel, de acordo com o disposto nos artigos 874.º e 879.º, alínea a), do Código Civil, o qual não depende de qualquer formalidade especial, sendo válido mesmo quando celebrado por forma verbal.

                O direito de propriedade dos veículos automóveis está sujeito a registo, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de fevereiro, com as alterações subsequentes e cuja finalidade, de acordo com o artigo 1.º, n.º 1, consiste em “...dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respetivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”. Efetivamente, a falta de registo não afeta a validade do contrato de compra e venda, mas apenas a sua eficácia, e mesmo esta, unicamente perante terceiros de boa-fé para efeitos de registo.

26.3. Concluindo-se, de acordo com o exposto nos n.ºs anteriores, que a norma de incidência subjetiva do IUC, com a redação vigente à data dos fatos a que se reporta o presente pedido, consagra uma presunção ilidível, importa verificar se o Requerente, através dos meios de prova documental apresentados nos presentes autos, ilidiu a referida presunção.

Dos elementos constantes dos autos verifica-se que à data da exigibilidade do imposto a que respeitam as liquidações em causa, o Requerente não era o proprietário dos veículos identificados nos autos, por já anteriormente se ter operado as respetivas transferências de propriedade, nos termos da lei civil. Os meios de prova apresentados pelo Requerente são constituídos pelos contratos de aluguer de longa duração (vd., alínea C), do n.º 24.1. supra), pelas faturas de vendas (vd., alínea D) do n.º 24.1. supra) e pelo depoimento da testemunha (vd., n.º 13 supra).

26.4. Os contratos de aluguer de longa duração não provam a transmissão da propriedade. Limitam-se a provar que os veículos automóveis foram objeto desses contratos que preveem a possibilidade do locatário no final do contrato, mediante determinadas condições, adquirir o referido veículo. Importa salientar que tal aquisição não é sequer uma obrigação que impenda sobre o locatário, mas uma simples opção para o locatário.

26.5. As cópias das faturas/recibos relativas à venda dos veículos automóveis referem expressamente “Venda do Bem” ou “Valor Residual”. Assim, respeitam à quantia que tem que ser paga pelo locatário no final do contrato de aluguer de longa duração como condição para adquirir, por compra e venda, o bem objeto do contrato.

Os dados constantes de faturas, desde que estas sejam emitidas na forma legal, estão abrangidos pela presunção de veracidade a que se refere o artigo 75.º, n.º 1, da LGT, sem prejuízo de a presunção de veracidade das faturas comerciais emitidas nos termos legais poder ser afastada sempre que as operações a que se referem não correspondam à realidade, bastando, para tanto, que a AT recolha e demonstre indícios fundados desse facto.

Nos presentes autos arbitrais não resultam dúvidas quanto às operações tituladas pelas faturas apresentadas pelo Requerente. Importa salientar que a Requerida não arguiu fatos que afastem a presunção de veracidade relativamente aos referidos documentos, nos termos das alíneas do n.º 2 do artigo 75.º da LGT.

Ora tendo em conta, por um lado, a relevância atribuída pela legislação tributária às faturas emitidas, nos termos legais, pelas empresas comerciais no âmbito da sua atividade e, por outro lado, a presunção de veracidade das operações por elas tituladas, não pode deixar de considerar-se que as mesmas constituem, só por si, prova bastante das transmissões invocadas pelo Requerente.

Em suma, as faturas apresentadas pelo Requerente gozam da presunção de veracidade que lhes é conferida nos termos do n.º 1 do artigo 75.º da LGT. Assim, estes documentos afiguram-se idóneos e com força bastante para ilidir a presunção em que se suportam as liquidações de IUC em análise nos presentes autos.

26.6. Com base nos documentos integrantes dos presentes autos verifica-se que, à data da exigibilidade do imposto, os veículos aí identificados já não eram propriedade do Requerente. Consequentemente, considera-se ilidida a presunção de propriedade derivada do registo automóvel prevista no artigo 3.º do Código do IUC, na redação em vigor à data dos factos a que respeitam as liquidações em causa, pelo que deverá proceder-se à anulação das liquidações do IUC, com fundamento em ilegalidade e erro nos pressupostos de direito.

27. Por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, terá de ocorrer o reembolso do imposto pago pelo Requerente, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

28. O Requerente solicita também que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

28.1. Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

Conforme decorre do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o direito aos mencionados juros pode também ser reconhecido no processo arbitral.

O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

28.2. No presente caso, ainda que se reconheça não ser devido o imposto pago pelo Requerente, não se descortina que, na sua origem, se encontre um erro imputável à AT. Ao promover a liquidação do IUC, nos termos supra descritos, a AT limitou-se a dar cumprimento à norma do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC e imputou a qualidade de sujeito passivo deste imposto à pessoa coletiva em nome da qual os veículos automóveis se encontravam registados.

O n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC tem a natureza de presunção legal, daí decorre, para a AT, o direito de liquidar o imposto e exigi-lo a essas pessoas, sem necessidade de provar os factos que a ela conduz, conforme expressamente prevê o n.º 1 do artigo 350.º do Código Civil. Nestes termos, não ocorreu erro imputável aos serviços da AT. Importa, no entanto, ter presente o disposto no artigo 100.º da LGT ao estabelecer:

“A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

Assim, a Requerida ao decidir a reclamação graciosa e o subsequente recurso hierárquico deveria ter dado provimento à pretensão do ora Requerente quanto à ilegalidade das liquidações, mas a AT optou pela manutenção da ilegalidade.

Neste contexto, o Tribunal Arbitral considera que se verifica um nexo de causalidade adequada entre a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade por parte da AT que deve ser enquadrado no disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT. Nestes termos, o Tribunal entende que, a partir do momento em que se completou o prazo de decisão da reclamação graciosa, começaram a contar juros indemnizatórios.

28.3. Os juros indemnizatórios serão calculados à taxa legal e pagos nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal).

29. Quanto à responsabilidade pelas custas arbitrais a lei é taxativa na imputação da responsabilidade pelo pagamento das custas à parte que for condenada, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2, do artigo 527.º do Código do Processo Civil, aplicável ex vis pelo artigo 2.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

O Tribunal Arbitral, nos termos do atrás exposto, julgou o procedente o pedido principal do Requerente, em consequência a responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais é da Requerida.

V - Decisão

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e consequentemente declarar ilegal e anular o despacho proferido, em 19-12-2019, pela Diretora de Serviços do Imposto Municipal sobre Transações Onerosas de Imóveis, Imposto de Selo, Imposto Único de Circulação e Contribuições Especiais, com subdelegação de competências, que indeferiu o recurso hierárquico (proc. n.º ...2016...) apresentado pelo Requerente;

b)           Anular, com todas as consequências legais, os 250 (duzentos e cinquenta) atos de liquidação de IUC, relativos aos anos de 2013, 2014 e 2015, referentes a 183 (cento e oitenta e três) veículos automóveis, cujas matrículas estão identificadas nos autos, e restituir ao Requerente o imposto indevidamente pago;

 

c)            Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar ao Requerentes juros indemnizatórios relativos ao imposto indevidamente pago, contados a partir da data em que se completou o prazo de decisão da reclamação graciosa n.º ...2015..., à taxa legal supletiva, até ao integral reembolso;

d)           Condenar a Requerida e a Requerente a pagar as custas do presente processo no montante abaixo indicado.

VI - Valor do Processo

O valor do processo constante do pedido de pronúncia arbitral era € 23.039,89 (vinte e três mil e trinta e nove euros e oitenta e nove cêntimos).

A Requerente na reunião, para efeitos do artigo 18.º do RJAT, prescindiu da instância relativamente a 1 (uma) liquidação referente à matrícula ..., relativa ao ano de 2015, e a 2 (duas) liquidações referentes à matrícula ..., relativas aos anos 2014 e 2015, no valor total de € 324,60 (vd., n.º 13, i), supra, e ata da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT que integra os presentes autos arbitrais).

Atendendo ao disposto nos artigos 32.º do CPTA, 306.º, n.º 2, e 299.º n.º 1, do Código do Processo Civil e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b) e e), do RJAT, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se o valor do processo em € 23.039,89 (vinte e três mil e trinta e nove euros e oitenta e nove cêntimos).

VII- Custas

O montante das custas é fixado em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros) a cargo da Requerida, na proporção de 98,60%, e da Requerente, na proporção de 1,40%, nos termos da Tabela I do RCPAT, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 23 de novembro de 2020

 

O Árbitro

Olívio Mota Amador