Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 106/2012-T
Data da decisão: 2013-02-15  IRC  
Valor do pedido: € 342.527,99
Tema: Derrama municipal; Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS)
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Decisão Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º 106/2012 – T

Requerente: A…, S.A.

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

Tema: IRC. Derrama municipal. Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (REGTS)

 

 

 

Os árbitros Juiz Conselheiro Dr. Jorge Lino Alves de Sousa (árbitro presidente), Dr. Luís Máximo dos Santos e Dr. André Festas da Silva (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 8 de Novembro de 2012, acordam no seguinte:

 

I - RELATÓRIO

 

I.1. Em 26 de Setembro de 2012, A…, S.A., pessoa colectiva com o n.º …, com sede … (de ora em diante a “Requerente”), sociedade dominante do Grupo B… sujeita ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), actualmente previsto nos artigos 69.º a 71.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC)1, requereu a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo dos artigos 3.º, n.º 1, e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), invocando, ainda, os artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março.

 

I.2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou a “Requerida”) nessa mesma data.

I.3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, os signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente tribunal arbitral colectivo, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.

I.4. No dia 8 de Novembro de 2012, decorreu na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, a reunião de constituição do tribunal arbitral, de que foi lavrada acta que se encontra junta aos autos.

I.5. Em 29 de Novembro de 2012, teve lugar a primeira reunião do Tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º do RJAT, tendo sido lavrada acta da mesma, que igualmente se encontra junta aos autos.

I.6. Nessa reunião, e conforme consta da respectiva acta, o Ilustre Mandatário da Requerente requereu a marcação de prazo para efeitos de apresentação de resposta, por escrito, às excepções invocadas pela Requerida e, bem assim, de alegações escritas.

I.7. A Ilustre Representante da Requerida não se opôs à realização das alegações por escrito. Consequentemente, o Tribunal fixou um prazo de 10 dias para a Requerente apresentar a resposta às excepções e as alegações por escrito e fixou igual prazo para a Requerida apresentar as suas alegações por escrito, a contar da data da notificação da resposta às excepções e das alegações escritas da Requerente.

I.8. Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral: (i) declare a ilegalidade parcial das autoliquidações de derrama municipal do grupo fiscal B… relativas aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, nos montantes de, respectivamente, € 119.447,55 (cento e dezanove mil, quatrocentos e quarenta e sete euros e cinquenta e cinco cêntimos), € 95.972,83 (noventa e cinco mil novecentos e setenta e dois euros e oitenta e três cêntimos) e € 127.107,61 (cento e vinte e sete mil, cento e sete euros e sessenta e um cêntimos), num total de € 342.527,99 (trezentos e quarenta e dois mil, quinhentos e vinte e sete euros e noventa e nove cêntimos), com a sua consequente anulação nessas partes, por alegada violação das disposições legais atinentes à base de incidência da derrama municipal num contexto de aplicação do RETGS e (ii) determine o reembolso à Requerente das quantias que, consequentemente, entende terem sido indevidamente liquidadas e pagas, acrescidas de juros indemnizatórios à taxa legal aplicável.

I.9. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

I.9.1. A Requerente dedica-se à actividade industrial (indústria transformadora) na área da produção de …, constituindo a sociedade dominante de um grupo de sociedades (o Grupo B) sujeito ao RETGS previsto e regulado no artigo 69.º e segs. do CIRC (artigo 63.º e segs. na numeração anterior ao Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho).

I.9.2. A Requerente procedeu, na qualidade de sociedade dominante do referido grupo fiscal, à autoliquidação da derrama municipal relativa aos exercício de 2009, 2010 e 2011 (cfr. as declarações de rendimentos modelo 22 do Grupo Fiscal, juntas como documentos sob os n.ºs 1, 2 e 3), sendo que, com respeito ao exercício 2009, procedeu ainda à entrega de declaração de substituição em 1 de Fevereiro de 2011 (Doc. n.º 4), declaração de substituição esta que originou uma (pequena) diminuição da autoliquidação originariamente apresentada quanto à derrama municipal aqui em causa.

I.9.3. Em 28 de Maio de 2010, a Requerente apresentou a Declaração Modelo 22, via Internet, referente ao exercício de 2009 (Doc. n.º 1), tendo em 1 de Fevereiro de 2011 reduzido ligeiramente a autoliquidação de derrama municipal aí constante, na sequência da apresentação de uma Declaração Modelo 22 de substituição (Doc. n.º 4), e em 31 de Maio de 2011 e 28 de Maio de 2012, respectivamente, apresentou as Declarações Modelo 22 referentes aos exercícios de 2010 e 2011 (Doc. n.ºs 2 e 3), tendo em todas essas declarações procedido à autoliquidação (em excesso) da derrama municipal respeitante aos três referidos exercícios.

I.9.4. O sistema informático da então Direcção-Geral dos Impostos (DGCI), que foi incorporada na AT através do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro, conjuntamente com a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo e da Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros, sucedendo-lhes para todos os efeitos, assinalou divergências (“erros”) que impediram que a Requerente inscrevesse os valores de derrama municipal que, no seu juízo, resultam da lei como estando em dívida por referência aos exercícios fiscais de 2009, 2010 e 2011.

 

 

I.9.5. Mais concretamente, para efeitos de submeter as declarações de rendimentos respeitantes aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, e as autoliquidações da derrama municipal aí incluídas, a Requerente teve de calcular a derrama municipal numa base individual para cada uma das sociedades integrantes do grupo fiscal, indicando como derrama municipal devida pelo grupo fiscal o somatório das referidas “derramas individuais”.

I.9.6. Isto é, o sistema informático da agora AT não permitiu, quer em 2010, quer em 2011, quer em 2012 (os três anos de apresentação das declarações fiscais aqui em causa), que a Declaração Modelo 22 fosse submetida integrando uma autoliquidação da derrama municipal apurada com base no resultado do grupo fiscal, por oposição a um somatório de cálculos individuais das derramas por referência a cada uma das sociedades integrantes do grupo fiscal, individual e isoladamente consideradas.

I.9.7. Em suma, o sistema informático da AT só permitiu à requerente que submetesse a sua autoliquidação de derrama municipal, na condição de proceder aos cálculos que se fariam na ausência de grupo submetido ao RETGS.

I.9.8. Tal aconteceu em cumprimento do disposto no ofício circulado da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (DSIRC) n.º 20.132, de 14 de Abril de 2008. Aí se escreve, no seu ponto 2., que “(…) para as sociedades que integram o perímetro do grupo abrangido pelo regime especial de tributação de grupos de sociedades, a derrama municipal deverá ser calculada e indicada individualmente por cada uma das sociedades na sua declaração (…). O somatório das derramas assim calculadas será indicado no campo 364 do Quadro 10 da correspondente declaração do grupo, competindo o respectivo pagamento à sociedade dominante (…)”.

I.9.9. O sistema informático da AT não permitiu que na autoliquidação da derrama municipal seja inscrito, no campo 364 do Quadro 10 da declaração do grupo, montante que divirja do somatório de derramas calculadas individual e isoladamente por referência a cada uma das sociedades integrantes do grupo fiscal.

I.9.10. Assim, com efeitos a partir do exercício de 2008 e seguintes, o sistema informático central que serve de suporte à apresentação das declarações passou a estar programado para dar automaticamente erro nas declarações cuja derrama tivesse sido calculada de modo desconforme com o entendimento da Administração tributária.

 

I.9.11. Este somatório de derramas municipais calculadas de forma individual e isoladamente por referência a cada uma das sociedades integrantes do grupo fiscal B…, ascendeu no exercício de 2009 a € 794.245,21 (inscritos no campo 364 do Quadro 10 da declaração de substituição de grupo – cf. Doc. n.º 4), conforme detalhe do quadro infra:

 

 

I.9.12. No exercício de 2010, por sua vez, ascendeu a € 766.933,35 (inscritos no campo 364 do Quadro 10 da declaração Modelo 22 – cf. Doc. n.º 2), conforme detalhe do quadro infra:

 

 

 

 

 

 

 

Lucro tributável/

Derrama

NIF

Entidade

(Prejuízo Fiscal)

Apurada

 

 

 

 

...

...

(8.070,31)

-

...

...

(79.203,80)

-

...

...

(2.398.138,12)

-

...

...

9.580.572,63

136.044,13

...

...

4.033,80

60,51

...

...

(7.724,99)

-

...

...

(282.397,61)

-

...

...

(218.846,47)

-

...

...

41.938.054,06

629.070,81

...

...

(422.763,10)

-

...

...

93.909,62

1.408,64

...

...

23.132,36

346,99

...

...

(630.902,69)

-

...

...

151,40

2,27

...

...

 

 

 

 

47.591.806,78

766.933,35

 

 

 

I.9.13. E, finalmente, no exercício de 2011 ascendeu a € 292.998,81 (inscritos no campo 364 do Quadro 10 da declaração Modelo 22 – cf. Doc. n.º 3), conforme detalhe do quadro infra:

 

 

 

 

 

 

Lucro tributável/

Derrama

NIF

Entidade

(Prejuízo Fiscal)

Apurada

 

 

 

 

...

...

(73.299,41)

-

...

...

(79.500,74)

-

...

...

(2.124.151,54)

-

...

...

6.938.872,94

99.225,88

...

...

142.292,70

1.707,51

...

...

(419.318,72)

-

...

...

(2.998.185,39)

-

...

...

12.748.997,47

191.234,96

...

...

(1.067.654,51)

-

...

...

(301.374,55)

-

...

...

50.554,64

758,32

...

...

(944.867,83)

-

...

...

(158.643,76)

-

...

...

(198.307,82)

-

...

...

4.809,05

72,14

 

 

11.520.222,53

292.998,81

 

I.9.14. Está em causa derrama municipal liquidada em excesso no valor de:

(i) Exercício 2009: € 119.447,55, correspondente à diferença entre a derrama municipal liquidada de acordo com os constrangimentos do sistema informático da então DGCI (€ 794.245,21, inscritos no campo 364 do Quadro 10 da declaração de grupo – cf. Doc. nº 4) e € 674.797,66, correspondentes ao lucro tributável do grupo fiscal, no valor de € 48.546.594,09, inscrito no campo 382 do Quadro 09 da declaração do grupo (junta como Doc. nº 4), multiplicado pela taxa média de derrama municipal do grupo fiscal (cujo quadro com o respectivo cálculo junta como Doc. n.º 14) de 1,39%;

(ii) Exercício 2010: € 95.972,83, correspondente à diferença entre a derrama municipal liquidada de acordo com os constrangimentos do sistema informático da então DGCI (€ 766.933,35, inscritos no campo 364 do Quadro 10 da declaração de grupo – cf. Doc. nº 2) e € 670.960,52, correspondentes ao lucro tributável do Grupo Fiscal, no valor de € 47.250.740,78, inscrito no campo 382 do Quadro 09 da declaração do grupo (junta como Doc. nº 2), multiplicado pela taxa média de derrama municipal do grupo fiscal (cujo quadro com o respectivo cálculo junta como Doc. n.º 15) de 1,42%.

(iii) Exercício 2011: € 127.107,61, correspondente à diferença entre a derrama municipal liquidada de acordo com os constrangimentos do sistema informático da então DGCI (€ 292.998,81, inscritos no campo 364 do Quadro 10 da declaração de grupo – cf. Doc. nº 3) e € 165.891,20, correspondentes ao lucro tributável do grupo fiscal, no valor de € 11.520.222,53, inscrito no campo 382 do Quadro 09 da declaração do grupo (junta como Doc. nº 3), multiplicado pela taxa média de derrama municipal do grupo fiscal (cujo quadro com o respectivo cálculo aqui junta como Doc. n.º 16) de 1,44%.

I.9.15. A Requerente apurou a taxa média aplicável em sede de derrama municipal para efeitos da sua aplicação ao lucro agregado do grupo fiscal, exactamente da mesma maneira que o tem feito desde 2001 (e mesmo desde 1992, inclusive, em sede do regime de consolidação fiscal), que por sua vez é exactamente o mesmo modo como a AT e o respectivo sistema informático apuram a taxa média aplicável a uma sociedade isoladamente considerada, quando esta tem estabelecimentos em diferentes municípios com diferentes taxas de derrama.

I.9.16. O valor das derramas municipais autoliquidadas encontra-se pago (cf. campo 368 dos Docs. n.ºs 1, 2, 3 e 4).

I.9.17. Em 25 de Maio, 4 de Junho e 18 de Junho do ano de 2012, a Requerente apresentou, junto do Serviço de Finanças de …, reclamações graciosas contra as referidas autoliquidações de derrama municipal respeitantes aos exercícios de 2009, 2010 e 2011.

I.9.18. Em 30 de Julho de 2012 foi a requerente notificada do indeferimento das supra referidas reclamações graciosas respeitantes aos exercícios de 2009 e 2010, tendo a reclamação graciosa respeitante ao exercício de 2011 sido também objecto de indeferimento, notificado à requerente em 6 de Setembro de 2012.

I.9.19. Nas situações de aplicação do RETGS, o lucro tributável sujeito a IRC não é o lucro individual porventura apurado por cada uma das sociedades do grupo fiscal, individual e isoladamente considerado, mas realidade diferente, qual seja a do lucro (porventura apurado) olhando ao grupo fiscal como um todo, isto é, somando os lucros individuais porventura apurados e subtraindo-se-lhes os prejuízos em que esta ou aquela sociedade tenha, também, porventura, incorrido.

I.9.20. Ou seja, sempre que se aplique o RETGS, o lucro tributável sujeito a IRC não é o lucro individual de cada uma das sociedades integrantes do Grupo Fiscal mas o lucro (porventura apurado) do conjunto das sociedades perspectivado pela lei fiscal como a unidade tributária (em substituição das sociedades individuais).

I.9.21. O lucro sujeito a IRC, quando se aplique o RETGS, é o lucro apurado por referência à unidade “conjunto de sociedades” constituintes do grupo fiscal, e não os lucros individuais dessas sociedades.

I.9.22. A derrama municipal incide sobre o lucro tributável sujeito a IRC (cf. artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, a Lei das Finanças Locais, de ora em diante LFL) e o lucro tributável sujeito a IRC, quando se aplique o RETGS, é o lucro tributável do grupo fiscal (cf. artigo 70.º, n.º 1, do CIRC – anteriormente a 2010, artigo 64.º, n.º 1), pelo que, nos termos da legislação aplicável à data dos factos, é sobre este lucro tributável (do grupo fiscal) e não sobre a soma dos resultados individuais positivos (com exclusão dos negativos) de cada uma das sociedades do grupo, que tem de incidir a derrama municipal.

I.10. Na sua Resposta a AT, invocou, em síntese, o seguinte:

I.10.1. Por excepção

I.10.1.1. À AT apenas estão conferidas funções de arrecadação da receita (dada a forma de apuramento da derrama – que à semelhança do IRC é autoliquidada na declaração de rendimentos – Modelo 22) e subsequente entrega ao município.

I.10.1.2. A competência para administrar a derrama municipal cabe em larga medida aos municípios, sendo estes, em, exclusivo, os sujeitos activos do imposto. Daqui decorre necessariamente que a legitimidade passiva para intervir no presente litígio – cujo objecto é exclusivamente a derrama municipal – será igualmente dos municípios (sujeitos activos e co-administradores do imposto) e não da AT, em exclusivo.

I.10.1.3. Logo, existe um premente interesse em agir dos Municípios no presente pleito. Interesse em agir que, no fundo, justifica a legitimidade destes para intervir na presente demanda, porquanto o artigo 26.º do Código de Processo Civil (CPC) reconhece a legitimidade como parte - neste caso, como réu na demanda - daquele que tenha interesse directo em contradizer.

I.10.1.4. Assim, afigura-se plenamente justificado ponderar a verificação de uma “intervenção provocada” dos Municípios nas demandas que tenham por objecto a derrama municipal.

I.10.1.5. Um eventual decaimento no presente litígio acarretará necessariamente para a entidade demandada encargos financeiros, dos quais os municípios não poderão ser alheados, pois implicará a restituição de importâncias eventualmente pagas pela Requerente que já não se encontram na esfera jurídica da AT, porquanto são receitas próprias dos municípios. Além disso, implicará – para os municípios - o eventual pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo dos artigos 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 12 de Dezembro.

I.10.1.6. Assim, não só em face da relação jurídica que aqui se mostra configurada, mas igualmente por força do interesse pessoal e directo em agir que os municípios têm, afigura-se não só necessária, mas mesmo essencial a intervenção provocada dos mesmos, no presente processo arbitral, à luz dos artigos 325.º e segs. do Código de Processo Civil (CPC).

I.10.1.7. Os municípios neste litígio processual não se encontram representados pelo Respondente. Aliás, envolvendo a questão a decidir interesses, não de uma, mas de várias pessoas colectivas públicas, os quais entre si poderão ser conflituantes, nunca a AT poderia, de forma independente, assumir posição em defesa de alguns dos interesses de alguns dos Municípios, sem que com isso prejudicasse legítimos interesses de outros nesta demanda.

I.10.1.8. E ainda que assim não fosse, nem o RJAT, nem a portaria de vinculação (Portaria n.º 112-A/2011) conferem ao dirigente máximo da AT o papel de representante de outra entidade que não a AT.

I.10.1.9. Tal significa não só que os municípios não se encontram representados no processo em curso, mas igualmente que não existe acto de vinculação dos municípios à jurisdição do CAAD em matéria tributária.

I.10.1.10. Tal circunstância acarreta necessariamente a impossibilidade de um tribunal arbitral constituído sob a égide do CAAD se considerar dotado de legitimidade para proferir decisão arbitral de mérito, cujo objecto abranja interesse pessoal e directo de entidades com personalidade e capacidade jurídica que não se encontram vinculadas à sua jurisdição, nem representadas em juízo, nem os seus interesses devidamente acautelados.

I.10.1.11. Pretender-se que o tribunal arbitral decida sobre uma matéria relativa a entidades não vinculadas à sua jurisdição tem como consequência a incompetência do tribunal.

I.10.1.12. Quando uma decisão não possa produzir efeito definitivo entre as partes sem simultaneamente o produzir também quanto a todos os demais sujeitos da relação jurídica, estaremos perante um caso de litisconsórcio necessário, nos termos do artigo 28º, n.º2, do CPC.

 

I.10.1.13. Sendo preterida a formalização, por parte da Requerente, da intervenção processual dos vários municípios, interessados na relação controvertida, a falta deles é motivo de ilegitimidade.

I.10.1.14. Caso o tribunal entenda não estarmos perante uma situação de litisconsórcio necessário, não poderá afastar a necessidade de uma intervenção acessória dos municípios, pois que se mostram integralmente preenchidos os pressupostos da intervenção acessória provocada, previstos no artigo 330.º do CPC.

I.10.1.15. Entendimento diverso - que acolha como válidas as possibilidades de os municípios terem estado devidamente representados em juízo arbitral, e de a portaria de vinculação n.º 112-A/2011 vincular jurisdição arbitral em matéria fiscal os municípios – pessoas colectivas públicas - distintas do Estado/Administração Central – com personalidade e capacidade jurídicas e autonomia administrativa e financeira - configurará uma clara violação dos princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, com assento constitucional.

I.10.1.16. O presente litígio não poderá ser dirimido por via arbitral, porquanto os interessados na relação controvertida não foram, nem poderão vir a ser demandados na instância arbitral, por falta de instrumento de vinculação legal, sendo configurável a ausência destes como ilegitimidade passiva da entidade requerida (artigos 26.º e 28.º do CPC).

I.10.1.17. E da não vinculação dos municípios à jurisdição arbitral tributária decorre, por inerência, o entendimento respeitante à incompetência do tribunal arbitral, o que tem apoio legal no artigo 108.º do CPC.

I.10.1.18. São assim suscitadas, a título prévio, as seguintes excepções:

A) Ilegitimidade passiva da AT para estar em juízo como única demandada em matéria respeitante a derrama municipal, imposto co-administrado com os municípios;

B) Interesse dos municípios em agir neste litígio, porquanto, além de co-administradores do tributo, têm um interesse pessoal e directo no seu resultado, devendo qualquer decisão que seja proferida sobre o litígio fazer necessariamente caso julgado em relação a estes;

C) Possibilidade de sanação da invocada ilegitimidade passiva através de um incidente de intervenção provocada, a apreciar pelo tribunal arbitral, que, todavia, estará dependente da apreciação da questão da não vinculação dos municípios à jurisdição do CAAD e consequente incompetência do Tribunal arbitral para proferir decisão de mérito sobre a questão em litígio.

I.10.2. Por impugnação

10.2.1. O cálculo dos montantes alegadamente pagos a mais pela Requerente não está correcto, inquinando irremediavelmente a sua pretensão de ver anulada, ainda que parcialmente, a derrama municipal relativamente aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, nos termos por si propostos.

I.10.2.2. A derrama municipal é um imposto autónomo, que apenas se socorre das regras de cálculo do IRC para apuramento do lucro tributável, pelo que as especificidades da tributação em sede de IRC só a este dizem respeito, não sendo legalmente acolhidas para efeitos de sujeição à derrama.

I.10.2.3. O sujeito activo do imposto é o município correspondente à área geográfica na qual é gerado o rendimento e o sujeito passivo as sociedades residentes, que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial industrial ou agrícola, na área geográfica daqueles municípios.

I.10.2.4. A incidência real da derrama municipal recai sobre o lucro tributável das sociedades – conceito distinto do de matéria colectável – sendo a imputação da derrama aos vários sujeitos activos feita de acordo com as disposições constantes do artigo 14.º da LFL.

I.10.2.5. Para efeitos de determinação da base de incidência da derrama municipal, o legislador socorre-se dos mecanismos legalmente previstos no CIRC, que culminam com o apuramento do lucro tributável sujeito e não isento de IRC.

I.10.2.6. Ora, no caso concreto das sociedades abrangidas pelo RETGS, é inegável que cada uma das sociedades que integram o perímetro é sujeito passivo de IRC, sendo igualmente incontestável que todas elas geram rendimentos sujeitos a IRC.

I.10.2.7. Estamos, pois, perante situações patentes de sujeição, pessoal e real, de cada uma daquelas sociedades e respectivos rendimentos.

I.10.2.8. Em nenhum momento foi consagrada qualquer situação de não sujeição, de isenção, ou de exclusão de tributação para estas sociedades ou os seus rendimentos.

I.10.2.9. Para estas sociedades, o que o legislador prevê é que possam agregar os seus vários lucros tributáveis/prejuízos fiscais, individualmente apurados, e assim chegar ao denominado “lucro tributável do grupo”.

I.10.2.10. Não se poderá ter por infundado o entendimento de que a derrama incidirá sobre o lucro tributável de cada uma das sociedades do grupo, sendo essa a base tributável deste imposto.

I.10.2.11. Efectivamente, todas as sociedades que integram o perímetro têm a obrigação legal de proceder à entrega da sua própria declaração de rendimentos, na qual apuram o seu próprio lucro tributável, o qual é determinante para efeitos de cálculo da derrama devida pela sociedade.

I.10.2.12. Inexistindo qualquer estatuição que considere não sujeitos ou isentos de IRC os rendimentos das sociedades que integram o perímetro de um grupo de sociedades, não se vislumbra como possam os mesmos estar afastados de tributação em sede de derrama.

I.10.2.13. Tributar cada uma das sociedades que integram o perímetro, tendo por base o seu próprio lucro tributável, é a melhor forma de conferir exequibilidade ao instrumento de financiamento dos municípios que se consubstancia na derrama.

I.10.2.14. Aderir à posição assumida pelo Acórdão do STA de 2 de Fevereiro de 2011 seria denegar a concretização dos desígnios constitucionalmente consagrados, e legitimar o reforço das assimetrias entre municípios, o que é contrário à lei fundamental.

I.10.2.15. A redacção dada ao n.º 8 do artigo 14.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, pelo artigo 57.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, (Lei do Orçamento do Estado para 2012) procurou obstar à dimanação de jurisprudência inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais ínsitos nos artigos 81.º, 103.º e 238.º da Constituição da República.

I.10.2.16. Tal redacção tem natureza interpretativa, pelo que não se coloca a questão da sua aplicação retroactiva.

I.10.3. Na sua Resposta às excepções e nas suas alegações a Requerente sustenta, em breve síntese, o seguinte:

I.10.3.1. É indubitável e incontestável que quem administra a derrama municipal é a AT, não cabendo nenhum papel aos municípios nessa matéria. A arbitragem tributária é um processo dirigido à apreciação da legalidade de um acto tributário e não é, nesse sentido, um processo de partes, pelo que suscitar-se uma questão de legitimidade passiva não faz sentido no âmbito de um processo como o da arbitragem voluntária. Não há, pois, nenhum problema de incompetência do tribunal arbitral.

I.10.3.2. Nas suas alegações, e procurando salientar os aspectos mais importantes, a Requerente sustenta que a taxa média “permite de facto apurar a derrama municipal global correspondente à soma das derramas municipais devidas a cada município de acordo com a taxa por cada um deles fixada” (cf. n.º 59) e que a mesma “mais não é do que a síntese ou expressão matemática rigorosa da ponderação, conforme imposto pela e pelo princípio da legalidade, da taxa que cada município quis aplicar à parcela de lucro tributável que lhe cabe tributar” (cf. n.º 60). Afirma a Requerente que “o contribuinte apura, pois, uma única derrama municipal, síntese das várias derramas municipais individualmente devidas que serão depois distribuídas pela AT pelos diversos municípios com direito às mesmas” e que “o contribuinte não se relaciona com os municípios, mas sim, exclusivamente, com a AT, pelo que não faz sentido inseri-lo na fase última do processo de apuramento dos valores a repartir individualmente por cada município”.

I.10.4. A Requerente sustenta que também à AT e aos seus mandatários se aplica o regime da litigância de má fé, previsto nos artigos 456.º e segs. do CPC, e que no presente processo arbitral a Requerida incorre em comportamentos como tal qualificáveis à luz dos critérios aí estabelecidos. Requer, por isso, que a AT seja condenada em multa a fixar pelo tribunal e a indemnizar a Requerente pelas maiores despesas que lhe causa essa alegada litigância de má-fé, em valor nunca inferior a €5.000,00, deduzindo, sem conceder, pedido subsidiário, de igual montante, ao abrigo do disposto no artigo 104.º da LGT.

I.10.5. Nas suas alegações, a Requerida sustenta, em breve síntese, o seguinte:

I.10.5.1. Ao Tribunal é exigido que se pronuncie não só sobre a legalidade da liquidação que deu origem aos autos, mas também sobre a legalidade da correcção proposta pela Requerente e que, não tendo esta sido capaz de a demonstrar, tal correcção não pode ser acolhida.

I.10.5.2. Em situação idêntica à dos presentes autos, a jurisdição arbitral (Processo n.º 82-/2012-T) veio pronunciar-se no sentido de que, inexistindo previsão legal que determinasse a aplicação de uma “taxa média ponderada”, não poderia ser acolhida a correcção por si proposta, razão pela qual remeteu para execução de julgado o apuramento da derrama municipal por si devida, pelo que espera que este Tribunal proceda de igual modo.

I.10.5.3. Sobre as demais questões suscitadas pela Requerente, a AT reiterou as posições sustentadas na sua Resposta, abstendo-se de se pronunciar sobre as considerações da Requerente relativamente à sua conduta processual.


 

II. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES PRÉVIAS

II.1. A AT suscita na sua Resposta ao pedido de pronúncia arbitral da Requerente um conjunto de questões que, por poderem obstar ao conhecimento do mérito do pedido, importa conhecer previamente.

II.2. Essas questões encontram-se sintetizadas no artigo 65.º da Resposta da Requerida:

A) Ilegitimidade passiva da AT para estar em juízo como única demandada em matéria respeitante à derrama municipal, na medida em que este é um imposto co-administrado pelos municípios.

B) Interesse em agir dos municípios neste litígio, porquanto além de co-administradores do tributo, tem um interesse pessoal e directo no seu resultado, devendo qualquer decisão que seja proferida sobre o litígio fazer necessariamente caso julgado em relação a estes.

C) Possibilidade de sanação da invocada ilegitimidade passiva através de um incidente de intervenção provocada, a apreciar pelo tribunal arbitral, questão que todavia estará dependente da apreciação da questão da não vinculação dos municípios à jurisdição do CAAD e, consequentemente, incompetência do Tribunal arbitral para proferir decisão de mérito sobre a questão em litígio, porquanto esta não será apta a fazer caso julgado em relação aos municípios, o que terá consequências relevantes no caso de ser dado provimento ao pedido da Requerente, ficando esta impossibilitada de executar a decisão arbitral contra os municípios, por não ter quanto a eles a natureza de caso julgado.

D) Acautelando a possibilidade de o tribunal arbitral considerar verificada a sua legitimidade para proferir decisão de mérito, fica suscitado o incidente de intervenção provocada dos municípios.

II.3. Embora as questões da incompetência do Tribunal e da ilegitimidade passiva estejam intimamente ligadas, atento o modo como são deduzidas, vai conhecer-se em primeiro lugar da questão da competência, por ser de conhecimento prioritário à luz do disposto no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aqui aplicável por força do artigo 29.º, n.º1, alínea c), do RJAT.

Vejamos então.

II.4. Sobre a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral

II.4.1. Com base nos argumentos expendidos, designadamente nos artigos 2.º a 14.º da sua Resposta (e que a já se aludiu no Relatório), a AT afirma que tem “por certo que a competência para administrara a derrama municipal cabe em larga medida aos Municípios, sendo estes, em exclusivo, os sujeitos activos do imposto” (cf. artigo 15.º da mesma), partindo dessa alegação para fundamentar a sua ilegitimidade e, depois, a incompetência do Tribunal.

Será assim?

II.4.2. Estatui o artigo 2º, n.º1, a), do RJAT que os tribunais arbitrais são competentes para apreciar as pretensões de “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”. Por seu turno, o n.º1 do artigo 4.º do mesmo Regime determina que a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais “depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça”.

II.4.3.Trata-se da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, de cujos artigos 1.º e 2.º resulta que a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (a que a AT veio suceder, como já se deixou dito) ficam vinculadas à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, prevendo-se, contudo, algumas excepções, que não têm aplicação ao caso (refira-se, aliás, que a que podia ter não se encontra verificada, visto que a Requerente, conforme já se salientou, recorreu, sem sucesso, previamente, à via administrativa através da apresentação de reclamações graciosas dos actos de autoliquidação que agora submete a este Tribunal).

II.4.4. Para apreciar e decidir a excepção de incompetência deste Tribunal é, pois, decisivo o juízo que se fizer sobre o problema da administração da derrama municipal, isto é, a quem cabe essa administração. Ora, pese embora todo o seu empenho argumentativo em sentido contrário, a verdade é que a administração da derrama municipal cabe – e em exclusivo – à Requerida.

De facto, a circunstância de os municípios serem os beneficiários da receita da derrama municipal não se confunde com a questão de quem a administra. É a titularidade da competência para liquidar e cobrar um tributo que corresponde ao que se designa como a sua “administração”. Esse é o entendimento que inequivocamente se extrai, por exemplo, do disposto no artigo 1.º, n.º 3, da LGT.

Ora, a AT é precisamente o serviço da administração directa do Estado que tem por missão administrar os impostos, prosseguindo para isso, entre outras, as atribuições de assegurar a liquidação e cobrança de tributos e de outras receitas, de exercer tarefas inspectivas, de exercer a acção de justiça tributária e representar a Fazenda Pública junto dos órgãos judiciais, e de informar os contribuintes sobre as suas obrigações fiscais (cf. artigos. 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 118/2011, 15 de Dezembro).

II.4.5. É verdade que quanto à derrama municipal a LFL atribui aos municípios, entre outros, o poder de deliberar anualmente o seu lançamento, fixando a respectiva taxa até ao limite legal (artigo. 14.º, n.º1), e de receber o produto da sua cobrança, líquido dos encargos de administração, suportados pela AT (artigo 14º, nº 10, e artigo 13.º, n.º4).

Mas não lhes compete receber declarações fiscais, controlar a sua autoliquidação, emitir liquidações substitutivas ou adicionais, cobrar a derrama ou receber e decidir reclamações graciosas relativas à sua liquidação. Os municípios apenas podem deliberar se querem ou não lançá-la e qual a respectiva taxa, dentro do limite legal. No entanto, a partir do momento em que comunicam essa deliberação à AT toda a administração desse imposto local fica fora da sua competência. Nenhuma norma legal comete aos municípios o poder de liquidar e cobrar as derramas.

II.4.6. Como bem se afirma na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 10/2011-T, “não obstante todos os poderes que a Lei das Autarquias Locais (Lei nº 169/99, de 18 de Setembro) e a Lei das Finanças Locais (Lei nº 2/2007 de 15 de Janeiro) atribuem aos Municípios por força da sua posição de credores da derrama municipal, nenhuma daquelas leis afasta a regra de que é a AT que administra esses impostos, especificamente no sentido de protagonizar os momentos decisivos da relação com os contribuintes, incluindo os momentos de subordinação de litígios à adjudicação judicial ou arbitral. O mesmo resulta do art. 14º da Lei nº 2/2007, 15/1, Lei das Finanças Locais, que comete à AT o papel de interlocutor directo dos contribuintes de derramas”.

E noutra passagem a mesma Decisão salienta: “Não parece, pois, aceitável querer-se, por um lado, que seja a AT a desempenhar a maior parte das tarefas administrativas e a interagir em exclusivo com o contribuinte, e pretender, por outro lado, furtar a AT à jurisdição arbitral com o argumento de que não é à AT que cabe aquela administração, ou que não lhe cabe em exclusivo”. Em contradição – dizemos nós – com o próprio facto de a AT se ter sentido com os poderes bastantes para, desacompanhada dos municípios, indeferir as três reclamações graciosas relativas às derramas em causa nos autos, conforme também já se tem assinalado noutras decisões arbitrais em situações idênticas (cf., por exemplo, a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 88/2012-T).

II.4.7. Temos, pois, por inequívoco que os municípios não possuem quaisquer competências relativas à administração da derrama municipal, sendo esta exclusivamente administrada pela AT. Sendo assim, e atento o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no corpo do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, o Tribunal é materialmente competente para conhecer do pedido, pelo que improcede a excepção de incompetência em razão da matéria deduzida pela Requerida.

II.5. Sobre a excepção de ilegitimidade passiva

II.5.1. Uma vez que, na sua perspectiva, os municípios são co-administradores da derrama municipal a Requerida sustenta que existe uma situação de ilegitimidade passiva, já que também eles deveriam ser demandados. Porém, como já se deixou fundamentado supra, este Tribunal considera que a derrama municipal é administrada, em exclusivo, pela AT, não se verificando, portanto, qualquer situação de co-administração com os municípios. Assim sendo, cai pela base um dos argumentos com que a Requerida pretende fundamentar a pretensa situação de ilegitimidade passiva, na medida em que, na sua tese, os municípios deveriam também ser demandados.

II.5.2. Todavia, para a AT, os municípios teriam interesse em agir neste litígio, porquanto, para além de co-administradores da derrama, “têm interesse pessoal e directo no seu resultado, devendo, por isso, qualquer decisão que seja proferida sobre o litígio fazer necessariamente caso julgado em relação a eles.

Ora, a verdade é que para apurar a legitimidade processual o que releva não é a situação de credor tributário, mas sim a quem a lei atribui as competências para a liquidação e cobrança do tributo.

II.5.3. Como também não relevam as eventuais consequências que resultem para o credor tributário da decisão arbitral. Não se vislumbra, aliás, no nosso ordenamento nenhuma norma que permita a intervenção seja no procedimento seja no processo tributário do credor tributário enquanto tal. É isso que resulta do disposto no artigo 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que constitui norma especial sobre a legitimidade no processo judicial tributário e, portanto, afasta a aplicação do artigo 26.º do CPC, invocada pela Requerida. E, por outro lado, como bem se refere na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 98/2012-T, “o disposto no artigo 9.º, n.º 4, com referência ao n.º 1, do CPPT é aplicável subsidiariamente ao processo arbitral previsto no RJAT, por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do seu art. 29.º, já que não há qualquer norma deste diploma que defina a legitimidade passiva”.

Ao contrário do que pretende a Requerida, a circunstância de estar em apreciação nos autos a declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação de um tributo cuja receita reverte para determinados municípios não torna necessária a intervenção destes no processo arbitral para que a decisão produza o seu efeito útil normal, que é, afinal, o de declarar ou não a ilegalidade dos actos impugnados e determinar as consequências, seja quanto à devolução de imposto eventualmente indevidamente pago ou à eventual sujeição a juros indemnizatórios.

II.5.4. Em abono da sua tese, a Requerida invoca também o disposto no artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, que aprova o CPPT, e no artigo 54.º, n.º 2, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF). No entanto, tais disposições não são aplicáveis no presente caso uma vez que se referem a “tributos administrados pelas autarquias locais” (ou seja, por estas liquidados e cobrados), o que já vimos não ser o caso da derrama municipal.

II.5.5. Em face do que antecede, conclui-se que a Requerida é parte legítima, improcedendo, portanto, a invocada excepção de ilegitimidade passiva.

II.6. Sobre o incidente de intervenção provocada

II.6.1. A Requerida suscita o incidente de intervenção provocada previsto nos artigos 325.º e segs. do CPC, alegando o interesse pessoal e directo dos municípios em agir nos presentes autos.

A matéria dos incidentes processuais no âmbito do processo de impugnação encontra-se especificamente regulada nos artigos 127.º e segs. do CPPT e não contempla o incidente de intervenção provocada, pelo que se afigura que o mesmo não é admissível. Mas mesmo que o fosse, encontrar-se-ia prejudicado, pois, como já vimos, a legitimidade passiva nos presentes autos cabe em exclusivo à AT. E quanto à intervenção acessória provocada, prevista no artigo 330.º do CPC, mesmo admitindo a possibilidade da sua aplicação nestes autos, é manifesto que o caso sub judice se subsume à previsão da referida norma por não estar em causa, em nenhuma circunstância, a existência de um direito de regresso da AT contra os municípios, que obviamente não praticaram, neste contexto, nenhum acto susceptível de os constituir em responsabilidade perante a Requerida.

Indefere-se, assim, sem necessidade de mais considerações, o pedido de incidente de intervenção provocada deduzido pela Requerida.

 

III. SANEAMENTO

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. Não há quaisquer vícios que invalidem o processo. Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.


 

IV. – MATÉRIA DE FACTO

IV.1. Factos provados

IV.1.1. A Requerente dedica-se à actividade industrial na área da produção de … e é a sociedade dominante de um grupo de sociedades (o Grupo B…) sujeito ao RETGS, actualmente previsto nos artigos 69.º e segs. do CIRC.

IV.1.2. A Requerente procedeu, na qualidade de sociedade dominante do referido grupo fiscal, à autoliquidação da derrama municipal referente aos exercício de 2009, 2010 e 2011, sendo que, em relação com respeito ao exercício 2009, procedeu ainda à entrega de declaração de substituição em 1 de Fevereiro de 2011.

IV.1.3. Assim, em 28 de Maio de 2010, a Requerente apresentou a Declaração Modelo 22, via Internet, referente ao exercício de 2009 (tendo em 1 de Fevereiro de 2011 reduzido ligeiramente a autoliquidação de derrama municipal aí constante, na sequência da apresentação de uma Declaração Modelo 22 de substituição) e em 31 de Maio de 2011 e 28 de Maio de 2012, respectivamente, apresentou as Declarações Modelo 22 referentes aos exercícios de 2010 e 2011.

IV.1.4. O sistema informático da então Direcção-Geral dos Impostos (DGCI) assinalou divergências (“erros”) que impediram que a Requerente inscrevesse os valores de derrama municipal que, no seu juízo, resultam da lei como estando em dívida por referência aos exercícios fiscais de 2009, 2010 e 2011.

IV.1.5. Para efeitos de submeter as declarações de rendimentos respeitantes aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, e as autoliquidações da derrama municipal aí incluídas, a Requerente teve de calcular a derrama municipal numa base individual para cada uma das sociedades integrantes do grupo fiscal, indicando como derrama municipal devida pelo grupo fiscal o somatório das referidas “derramas individuais”.

IV.1.6. O sistema informático da agora AT não permitiu, quer em 2010, quer em 2011, quer em 2012 (os três anos de apresentação das declarações fiscais aqui em causa), que a Declaração Modelo 22 fosse submetida integrando uma autoliquidação da derrama municipal apurada com base no resultado do grupo fiscal, por oposição a um somatório de cálculos individuais das derramas por referência a cada uma das sociedades integrantes do grupo fiscal, individual e isoladamente consideradas.

IV.1.7. Este somatório de derramas municipais calculadas de forma individual e isoladamente por referência a cada uma das sociedades integrantes do grupo fiscal B… ascendeu no exercício de 2009 a € 794.245,21, no exercício de 2010 a € 766.933,35 e no exercício de 2011 ascendeu a € 292.998,81 (a este propósito remete-se para os quadros reproduzidos nos n.ºs I.9.11., I.9.12. e I.9.13. do Relatório).

IV.1.8. O valor das derramas municipais autoliquidadas foi integralmente pago.

IV.1.9. Em 25 de Maio, 4 de Junho e 18 de Junho do ano de 2012, a Requerente apresentou, junto do Serviço de Finanças de …, reclamações graciosas contra as referidas autoliquidações de derrama municipal respeitantes aos exercícios de 2009, 2010 e 2011.

IV.1.10. Em 30 de Julho de 2012 foi a requerente notificada do indeferimento das supra referidas reclamações graciosas respeitantes aos exercícios de 2009 e 2010, tendo a reclamação graciosa respeitante ao exercício de 2011 sido também objecto de indeferimento, notificado à requerente em 6 de Setembro de 2012.

IV.2. Motivação da matéria de facto

Os factos dados como provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

IV.3. Factos dados como não provados

Não existem factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

 

V. SOBRE O PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE PARCIAL DOS ACTOS DE AUTOLIQUIDAÇÃO DE DERRAMAS MUNICIPAIS

V.1. A questão de fundo em causa nos presentes autos consiste em saber se para efeitos de determinação da derrama de um grupo de sociedades que se encontra sujeito ao RETGS releva o lucro tributável do grupo ou o lucro tributável de cada uma das sociedades que o integram.

À data dos factos, o artigo 14.º da LFL, sob a epígrafe “derrama”, estatuía nos seus n.ºs 1 e 2, o seguinte:

“1. Os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território.

2. Para efeitos de aplicação do disposto no número anterior, sempre que os sujeitos passivos tenham estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município e matéria colectável superior a € 50 000, o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município é determinado pela proporção entre a massa salarial correspondente aos estabelecimentos que o sujeito passivo nele possua e a correspondente à totalidade dos seus estabelecimentos situados em território nacional”.

 

Como já vimos, a Requerente é uma sociedade dominante de um grupo de sociedades (o Grupo B…) sujeito ao RETGS, então previsto nos artigos 63.º a 65.º do CIRC. Ora, o artigo 63.º, n.º 1, estatuía então que “existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo” e, por sua vez, o artigo 64.º, n.º 1, dispunha que “relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo”.

V.2. Face a alguma efectiva ambiguidade quanto aos termos em que se deveria compaginar a redacção do artigo 14.º da LFL com o disposto nas normas do CIRC relativas ao RETGS, a DSIRC emitiu o ofício circulado n.º 20.132, de 14 de Abril de 2008.

Baseando-se no facto de com a Lei n.º 2/2007 a derrama ter deixado de incidir sobre a matéria colectável de IRC para passar a incidir sobre o lucro tributável, sujeito e não isento de IRC, e no disposto no artigo 12.º do CIRC, nos termos do qual as entidades sujeitas ao regime de transparência fiscal, não obstante serem sujeitos passivos deste imposto, não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas, a administração tributária concluiu que esta norma de não tributação teria de conduzir à conclusão de que o lucro tributável por elas apurado não era passível de tributação em IRC. Logo, fixou no aludido ofício circulado o entendimento administrativo de que “para as sociedades que integram o perímetro do grupo abrangido pelo regime especial de tributação de grupos de sociedades, a derrama deverá ser calculada e indicada individualmente por cada uma sociedades na sua declaração” e o “somatório das derramas assim calculadas será indicado no campo 364 do Quadro 10 da correspondente declaração do grupo, competindo o respectivo pagamento à sociedade dominante”.

V.3. Tal entendimento foi contestado por vários contribuintes, surgindo assim um relevante contencioso à volta desta matéria, que deu origem a vários acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA) e, também, a um número muito significativo de decisões arbitrais. Ora, verifica-se que tanto a jurisprudência do STA como a jurisprudência arbitral convergiu, de forma unânime, no entendimento de que quando seja aplicável o RETGS, a derrama deve incidir sobre o lucro tributável do grupo e não sobre o lucro tributável de cada uma das sociedades que o integram. Com efeito, assim decidiram os Acórdãos do STA proferidos nos processos 909/10, 309/11 e 234/2012, de 2/2/2011, 22/6/2011 e 2/5/2012, respectivamente, e as Decisões Arbitrais proferidas nos processos 8/2011-T, 10/2011-T, 19/2011-T, 24/2011-T, 1/2012-T, 2/2012-T, 5/2012-T,16/2012-T, 53/2012-T, 88/2012-T e 98/2012-T2, entre outras.

V.4. Não se encontra fundamento jurídico para não acompanhar toda esta jurisprudência. Pelo contrário, afigura-se-nos que a mesma é inteiramente correcta. De facto, sendo a base de incidência da derrama o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, há que recorrer às normas do CIRC para apurar a matéria colectável da derrama. Prevendo o CIRC um regime especial de tributação dos grupos de sociedades, e estando a Requerente abrangida por ele para determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo, a determinação do lucro tributável, para efeitos de IRC, é apurada através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações individuais das sociedades que pertencem ao grupo. Assim sendo, cremos inteiramente justificado que a determinação do lucro tributável para efeitos da derrama se realize do mesmo modo.

V.5. O artigo 57.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012), veio – é certo - dar nova redacção ao n.º 8 do artigo 14.º da Lei n.º 2/2007, que passou a dispor o seguinte: “Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115.º do Código do IRC”.

Ou seja, a partir do período de tributação de 2012, a lei passou a consagrar expressamente a tese que a Requerida defende nos autos. Mas, conforme se assinala no Acórdão do STA de 2 de Maio de 2012, proferido no processo n.º 234/12, estamos perante uma norma “claramente inovadora” e que, por isso mesmo, não se aplica a factos passados.
Como se refere no citado aresto, “só se a lei fosse interpretativa é que aplicaria a factos passados. E se o fosse, por certo o legislador não deixaria de o fazer constar do respectivo texto, dizendo que se tratava de uma norma interpretativa. Mas não o fez, nem se surpreende no texto da Lei do Orçamento de 2012 ou no referido n.º 8 do artigo 14º da Lei das Finanças Locais qualquer referência ao carácter interpretativo da norma ou a qualquer controvérsia gerada pela solução de direito anterior”. E mais à frente: “sendo a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo pacífica, em sentido aliás inverso ao consagrado na lei nova, haveremos de concluir que não estamos perante uma lei interpretativa mas sim perante uma lei inovadora, portanto, com aplicação apenas para o futuro”.

Este entendimento foi recentemente reiterado no Acórdão do STA, proferido no processo n.º 1302/12, de 9 de Janeiro de 20133.

Impõe-se, pois, concluir que os actos de autoliquidação da derrama devida pela Requerente relativamente aos exercícios de 2009, 2010 e 2011 estão inquinados pelo vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, na medida em que o cálculo da derrama deveria ter incidido sobre o lucro tributável do grupo fiscal encabeçado pela Requerente e não, como aconteceu, sobre o lucro tributável de cada sociedade individualmente considerada.

Foi assim (auto)liquidada (e paga) derrama em excesso nos seguintes montantes: € 119.447,55, relativamente ao exercício de 2009; € 95.972,83, relativamente ao exercício de 2010, e € 127.107,61, relativamente ao exercício de 2011, perfazendo um total de € 342.527,99.

A determinação destes montantes resulta da consideração de taxas médias ponderadas de 1,39%, 1,42% e 1,44%, respectivamente, apuradas para cada exercício pela Requerente em termos que se nos afiguram correctos. Com efeito, tais taxas foram calculadas a partir da aplicação da taxa prevista para cada um dos municípios onde estão sediadas as diversas empresas que integram o grupo fiscal de que a Requerente é sociedade dominante ao lucro tributável imputável à circunscrição de cada município e que é determinado pela proporção entre a massa salarial correspondente aos estabelecimentos que o sujeito passivo nele possua e a correspondente à totalidade dos seus estabelecimentos situados em território nacional.

As taxas assim apuradas reflectem o peso relativo que a taxa praticada por cada um dos municípios deve ter na conta final da derrama para o contribuinte, ponderado, precisamente, pelo critério legalmente previsto: o peso relativo das massas salarias localizadas em cada município (cf. artigo 14.º, n.º 2, da LFL).

 

VI. SOBRE O PEDIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Nos termos do artigo 43º, n.º 1, da LGT "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido". Por seu turno, o n.º 2 do mesmo artigo estatui que se considera também haver erro imputável aos serviços “nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas".

Ora, foi precisamente isso que sucedeu no caso dos autos. Isto é, embora a Requerente tenha efectuado a autoliquidação da derrama nas três declarações que entregou, o erro é imputável aos serviços visto que decorre da prossecução de orientações genéricas, no caso o ofício circulado n.º 20.132/2008, de 14 Abril.

Procede, pois, o pedido de juros indemnizatórios, que deverão ser contados, à taxa apurada de harmonia com o disposto no artigo 43.º, n.º 4, da LGT, entre os dias em que foram efectuados os pagamentos indevidos até à data da emissão das correspondentes notas de crédito.

 

VII. SOBRE O PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA REQUERIDA COMO LITIGANTE DE MÁ FÉ

Nas alegações escritas, e face ao teor da Resposta da AT, a Requerente pede a condenação desta como litigante de má fé, invocando para o efeito o disposto nos artigos 456.º e segs. do CPC e, subsidiariamente, o disposto no artigo 104.º da LGT.

Importa, desde já, salientar que o disposto no CPC sobre a litigância de má fé nunca poderia ser aplicado à AT, já que o disposto no artigo 104.º da LGT, tem natureza de norma especial.

Sem dúvida que um dos princípios enformadores do processo arbitral é a boa fé processual, aplicável, de resto, aos árbitros, às partes e aos mandatários (cf. artigo 16.º, alínea f), do RJAT). Mas, como é óbvio, nada no comportamento da Requerida é censurável, pois que se limitou a defender os seus interesses e posições com base na argumentação jurídica que entendeu mais adequada, em termos, aliás, semelhantes ao que tem feito em muitos outros processos arbitrais.

E, em qualquer caso, de modo algum se verifica a previsão do artigo 104.º, n.º 1, da LGT, que estatui que a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre a litigância de má fé “em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas”.

 

VIII. DECISÃO

Em face de tudo quanto se deixa exposto, decide-se:

  1. Julgar improcedentes as arguidas excepções de incompetência do Tribunal Arbitral e de ilegitimidade passiva da Requerida;

  2. Julgar improcedente o incidente de intervenção provocada deduzido pela Requerida;

  3. Julgar procedente, por violação de lei, a impugnação parcial da legalidade das liquidações de derrama municipal relativa aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, nos montantes, respectivamente, de € 119.447,55, € 95.972,83 e € 127.107,61, anulando-se, nessa parte, tais liquidações e condenando-se a Requerida a restituir as referidas importâncias;

  4. Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do pagamento das derramas em causa até ao momento da restituição das quantias indevidamente liquidadas e pagas;

  5. Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida como litigante de má fé.

 

Fixa-se o valor do processo em € 342.527,99, nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força do das alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 5.814,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerida, uma vez que a Requerente obteve deferimento integral do pedido, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.


 

Notifique-se.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2013

Os Árbitros,


 


 

Jorge Lino Alves de Sousa


 


 

Luís Máximo dos Santos (Relator)


 


 

André Festas da Silva


 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime de Arbitragem Tributária.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

1 O Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, que, nos termos do seu artigo 9.º, produziu efeitos para os períodos de tributação que se iniciaram a partir de 1 de Janeiro de 2010, procedeu à republicação e renumeração do CIRC (cf. artigo 7.º, n.º 1), deixando, assim, o RETGS de estar regulado nos artigos 63.º a 65.º do CIRC para passar a constar dos artigos 69.º a 71.º.

2 Todas disponíveis no site do CAAD.

3 Disponível no site do STA.