Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 99/2012-T
Data da decisão: 2013-04-29  IRS  
Valor do pedido: € 11.004,21
Tema: Pensões
Versão em PDF

PROC. N.º 99/2012-T

MATÉRIA: Pensões


 

  1. RELATÓRIO

a) …, titular do NIF …, pensionista n.º …, residente na Av. … Lisboa (doravante, designado por Requerente) formulou, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, pedido de constituição de tribunal arbitral cujo objeto delimitou como sendo os atos de retenção na fonte por conta da contribuição extraordinária de solidariedade (doravante a CES) realizados pela Caixa Geral de Aposentações (CGA), desde o mês de novembro de 2011 até ao mês de julho de 2012, os quais considera ilegais, requerendo a condenação da CGA na devolução dos valores retidos na fonte, e a revogação de quaisquer atos tributários de retenção na fonte com os mesmos relacionados, que venham a ser praticados pela CGA em momento posterior à apresentação do pedido.

b) A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT, ou Requerida) respondeu, suscitando as exceções da ilegitimidade passiva, da incompetência material do tribunal arbitral e da inadequação do meio processual escolhido. Quanto ao mérito do pedido formulado pelo Requerente, a AT sustentou que a CPAS, nos termos do respetivo regime jurídico, é uma pessoa coletiva de direito público, conforme parecer n.º 63/94 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, de 10/05/1995, e que a incidência da CES sobre a soma das reformas, pensões e outras prestações pecuniárias de idêntica natureza, por não incidir diretamente sobre a pensão paga pela CPAS não viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição.

O Requerente, no uso do direito ao contraditório, respondeu às exceções e questões prévias, sustentando a sua improcedência.

Ambas as partes apresentaram alegações em defesa dos respetivos fundamentos.

O Requerente veio depois requerer a junção de um novo documento ao processo, à qual se opôs a Requerida, mas que o tribunal aceitou, por despacho de 13/02/2013.

c) O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias.

O processo não enferma de nulidades.

d) Posições das partes:

A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou em síntese o seguinte:

  • As pensões da CPAS não podem ser abrangidas pela CES, em virtude de esta instituição de previdência possuir um regime jurídico próprio e uma forma de gestão privativa. Entendimento que é seguido pela direção da CPAS;

  • O legislador, ao criar a CES, visava a sua aplicação apenas a “entidades pagadoras com ligação direta ou indireta ao Estado Português ou a entidades públicas sob a sua alçada”;

  • Este entendimento encontra o seu fundamento na letra da lei, concretamente na redação do artigo 162.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, (para vigorar no ano de 2011) e cuja redação foi mantida, para vigorar em 2012, pelos artigos 20.º, n.º 1 da Lei n.º 64-B/ 2011, de 30 de dezembro;

  • Finalmente o Requerente fundamenta o seu entendimento no facto de a Lei do OE para 2013, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, haver alterado o regime da CES, incluindo expressamente a aplicabilidade da referida contribuição à CPAS (nos termos do artigo 78º, n.º 3, alínea b), subalínea iii);

  • Termina pedindo: “i) a pronúncia do tribunal arbitral acerca da questão de saber se as pensões atribuídas aos respectivos beneficiários pela CGA devem ser consideradas integradas no âmbito de incidência da contribuição extraordinária de solidariedade inicialmente prevista no n.º 2 do artigo 162.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, e depois mantida em vigor pelo artigo 20.º, n.º 1 da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro; ii) caso seja dada razão ao contribuinte, a instrução da CGA para proceder à imediata devolução ao contribuinte dos valores ilegalmente retidos, acompanhada do pagamento dos juros indemnizatórios que se mostrem devidos nos termos legais, só assim se restabelecendo a situação que existiria se os atos tributários objeto da decisão arbitral não tivessem sido praticados; iii) caso seja dada razão ao contribuinte, a revogação de quaisquer atos tributários de retenção na fonte relacionados com os que são objeto da decisão arbitral, ainda que referentes a períodos posteriores aos abrangidos pela mesma, que venham a ser praticados pela CGA posteriormente à apresentação do presente pedido.”

A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta, tendo alegado, em síntese, o seguinte:

  • A necessidade de uma intervenção provocada da CGA num litígio que tenha por objeto atos de retenção na fonte por conta da contribuição extraordinária de solidariedade, realizados pela CGA, e a consequente ilegitimidade passiva da AT;

  • A incompetência do presente Tribunal para conhecer do mérito da ação;

  • Para além de excecionar a sua ilegitimidade passiva, suscita, a título de incidente processual, a intervenção principal provocada, nos termos dos artigos 325.º e ss. do Código de Processo Civil;

  • A violação dos princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva;

  • A inadequação do meio processual, pela pretensão da Requerente não se encontrar prevista no artigo 97.º do CPPT e que, a ser submetida perante um tribunal, sê-lo-ia sempre sob a forma de ação administrativa comum e nunca perante um tribunal arbitral;

  • A prejudicialidade das decisões a proferir no âmbito dos processos judiciais deduzidos pela CPAS em relação ao conhecimento do objeto da presente ação, considerando que correm termos na 5.ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo de Círculo de … a providência cautelar n.º … e a ação administrativa comum n.º …, pedindo que o Tribunal reconheça e declare expressamente que o artigo 25.º da Lei do Orçamento de Estado para 2012 não se aplica à CPAS;

  • Apenas a decisão que vier a ser proferida no âmbito daquela ação principal apreciará o mérito dos atos ora sindicados, ficando os presentes autos sem objeto, nos termos e para os efeitos do artigo 284.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, invocando ainda a exceção dilatória de litispendência, cfr. artigos 493.º, n.º 1 e 494.º alínea i) do Código de Processo Civil;

  • A identificação das pessoas coletivas como públicas ou privadas decorre da análise casuística da sua finalidade, modo de criação, titularidade de poderes de autoridade e integração;

  • As disposições estatutárias da CPAS fixam diretamente a sua natureza: uma instituição de previdência integrada na 2.ª das categorias previstas na Base III da Lei 2115;

  • A previdência constitui uma das componentes do sistema de segurança social e integra por isso o sistema público de segurança social;

  • A CPAS é uma instituição de previdência social criada por ato normativo e iniciativa estadual, com a finalidade de desenvolver finalidades específicas de segurança social, em benefício de determinado universo determinado funcionalmente

  • A CPAS foi criada pelo Decreto-Lei n.º 36.550, de 22 de Outubro de 1947, tipificada como instituição de previdência reconhecida pela Lei n.º 1884, de 16 de Março de 1935, e que o próprio Regulamento tipifica como “de previdência reconhecida pela Lei n.º 2115 de 18 de Junho de 1962, e pertence à 2.ª categoria prevista no n.º 3 da base III da mesma lei”;

  • É a própria CPAS que se qualifica, juridicamente, como pessoa coletiva de direito público, com autonomia administrativa e financeira, sob a tutela do Ministro da Justiça e do Ministro da Segurança Social e do Trabalho;

  • Também no sentido da natureza pública da CPAS, o Parecer n.º 63/94 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, de 10/05/1995, “segundo o qual as instituições da previdência criadas anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 549/77, de 31 de Dezembro têm natureza de pessoas colectivas públicas, conforme resulta da Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto, entretanto revogada pela Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro e Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro”;

  • Quanto à violação do artigo 13.º da Constituição, a construção do Requerente assenta num pressuposto errado, que é o da medida orçamental incidir diretamente sobre a pensão da CPAS, o que não é verdade;

  • A base sobre a qual incide a contribuição especial é a soma das reformas, pensões e subvenções e outras prestações pecuniárias de idêntica natureza, não havendo qualquer imposição a uma categoria limitada de indivíduos ou rendimentos;

  • Quanto à questão da retroatividade, a Requerida sustenta a natureza interpretativa e não inovadora da lei, pelo que sustenta não se de colocar a questão da sua aplicação retroativa, porquanto o artigo 13.º do Código Civil resolve a questão ao determinar que a lei interpretativa se insere na lei interpretada, como se dela fizesse parte integrante ab initio;

  • Conclui que deverão as exceções invocadas ser julgadas procedentes e a Requerida absolvida da instância; subsidiariamente, a questão prejudicial deve ser julgada procedente e determinada a suspensão do processo; propondo-se o tribunal conhecer do mérito da ação o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente, absolvendo-se a Requerida do pedido.


 

  1. Matéria de facto

A matéria de facto relevante para apreciar as exceções, questões prévias e mérito da causa é a seguinte:

  • Por ofício de 14/04/2011, a Caixa Geral de Aposentações, doravante a CGA, informou o Requerente da criação da CES;

  • O Requerente respondeu à CGA a 26/04/2011, no sentido de considerar não estar abrangido pela CES, por duas razões: em virtude de a sua pensão de aposentação recebida da CPAS não atingir o montante referido no artigo 162.º da Lei n.º 55-A/2011, de 31 de Dezembro, e em virtude, ainda, de as pensões da CPAS estarem excluídas do âmbito de aplicação da CES;

  • Juntou à sua resposta dois documentos da direção da CPAS que corroboram o seu entendimento;

  • Em novembro de 2011 a CGA iniciou a aplicação da CES ao Requerente;

  • Nesse mesmo mês a CGA respondeu às cartas do Requerente supra referidas, defendendo a aplicação da CES às pensões pagas pela CPAS;

  • Em 2012 o Requerente passou a sofrer retenções na fonte: uma de €628,83 (correspondente à aplicação da taxa de 25%) e outra de €310,00 (correspondente à aplicação da taxa de 50%), tudo num total de €938,33;

  • Em 30 de abril de 2012 o Requerente apresentou uma reclamação graciosa junto da CGA, pedindo a restituição dos montantes que considerava indevidamente retidos desde novembro de 2011, acrescidos dos correspondentes juros legais;

  • A CGA indeferiu expressamente a reclamação do Requerente em 11 de junho de 2012.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos, cuja correspondência à realidade não é questionada, sendo os factos admitidos pelas partes.

Não existem factos com relevância para a decisão da causa que não tenham sido dados como provados.

  1. Questões a decidir

São questões a decidir:

  1. As questões prévias suscitadas pela AT;

  2. O pedido de determinação da legalidade dos atos praticados pela CGA nos anos de 2011 e 2012, através dos quais reteve parte da pensão de aposentação do Requerente, baseada no entendimento de que as pensões de reforma pagas pela CPAS se encontravam abrangidas, nos anos de 2011 e 2012, pelo disposto no artigo 162.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, mantido em vigor pelo artigo 20.º, n.os 1 e 15 da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, o mesmo é dizer-se, pela aplicabilidade da CES às pensões de reforma da CPAS naqueles anos.


 

  1. Questões prévias

Importa, desde logo, analisar a questão da competência deste tribunal arbitral para conhecer do presente litígio.

Questão prévia: incompetência do tribunal arbitral

A determinação da competência material dos tribunais é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, conforme se extrai da leitura conjugada do disposto nos artigos 16.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário ("CPPT"), 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ("CPTA") e 101.º do Código de Processo Civil ("CPC"), subsidiariamente aplicáveis por remissão do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Neste quadro, atendendo a que a procedência da excepção suscitada, a verificar-se, obsta ao conhecimento das demais questões em conflito, importa delimitar o âmbito de competência da jurisdição arbitral tributária e aferir se esta abrange, ou não, os actos praticados pela CGA e se a AT está, neste caso, vinculada à jurisdição deste tribunal.

O n.º 1 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, autorizou o Governo «a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária», devendo, segundo o seu n.º 2, «constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, concretizou a mencionada autorização legislativa e «instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no seu art. 2.º» fazendo «depender a vinculação da administração tributária de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça»

Através da Portaria de Vinculação (Portaria n.º 112-A/2011, de 20 de Abril), o Governo, pelos Ministros de Estado e das Finanças e da Justiça, vinculou os serviços da Direcção-Geral de Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, sendo que a estes serviços corresponde, presentemente, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro, que aprova a estrutura orgânica desta Autoridade, resultante da fusão de diversos organismos.

1) Embora dirigido contra a Autoridade Tributária e Aduaneira o presente processo tem por objecto:

Os actos de retenção na fonte por conta da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) realizados pela Caixa Geral de Aposentações (CGA) considerados pelo requerente ilegais,

pelo que o Requerente pede:

- a condenação da CGA na devolução dos valores retidos na fonte;

- a revogação de quaisquer actos tributários de retenção na fonte com os mesmos relacionados que venham a ser praticados em momento posterior à apresentação do pedido.

Do exposto resulta que, em função do objecto e do pedido, a decisão a proferir destina-se a produzir efeito apenas na esfera jurídica da CGA.

2) Nos termos do artigo 124.º, n.º 3, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril [Orçamento do Estado para 2010], a arbitragem tributária deve ser instituída de modo a constituir um direito potestativo dos contribuintes.


 

3) Esta lei nada estabelece sobre o modo de vinculação das entidades públicas à arbitragem tributária.

4) Nos termos da autorização legislativa conferida pelo diploma referido foi publicado o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, o qual no seu artigo 4.º, n.º 1, dispõe que a vinculação da administração à jurisdição destes tribunais arbitrais depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

5) No seguimento foi publicada a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, intitulada: Vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira.

No parágrafo quinto dos considerandos que antecedem os articulados da Portaria afirma-se que «com a presente portaria, a administração tributária vincula-se também à jurisdição do CAAD nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, associando-se a este mecanismo de resolução alternativa de litígios e nos termos e condições aqui estabelecidos, atendendo à especificidade e valor das matérias em causa.»

6) Pelo artigo 1.º desta Portaria vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública:

a) A Direcção-Geral de Impostos (DGCI);

b) A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC).

O objecto da vinculação é definido no seu art.º 2.º e os termos da vinculação no artigo 3.º deste mesmo diploma.

7) Segundo o artigo 1.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária integram a Administração Tributária além dos serviços pertencentes às Direcções acima referidas, outros serviços e organismos que a elas não pertencem e delas não dependem, mas o certo é que a Portaria em causa só a essas duas Direcções-Gerais se refere.

8) A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) veio a partir de 1 de Janeiro de 2012 suceder em todas as atribuições e competências daquelas Direcções-Gerais - Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro.

9) A Portaria de vinculação ao CAAD não foi alterada subsistindo, em consequência dos precisos termos da Portaria, apenas a vinculação pelos actos dos serviços e organismos que integravam aquelas Direcções-Gerais.

10) A Caixa Geral de Aposentações (CGA) foi pelo Decreto-Lei n.º 277/93, de 10 de Agosto, autonomizada da Caixa Geral de Depósitos e o seu artigo 1.º define-a como uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e com património próprio, que tem como escopo a gestão do regime de segurança social do funcionalismo em matéria de pensões.

Não foi alegada a existência de qualquer decisão do órgão dirigente da CGA, nem dos autos resulta que exista qualquer decisão vinculando a CGA à jurisdição dos tribunais arbitrais em matéria tributária.

A vinculação da Administração Tributária (n.º 1 do artigo 4.º do RJAT) está dependente da vontade expressa na Portaria citada.

A Caixa Geral de Aposentações manifestamente não constitui um serviço ou organismo da Autoridade Tributária e Aduaneira, logo não está vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais em matéria tributária nem por força da Portaria nem por acto próprio de vinculação.

Daqui resulta que este tribunal é incompetente por falta de jurisdição quanto aos pedidos formulados relativamente à CGA.

A falta de vinculação da CGA ao tribunal arbitral traduz-se na imediata impossibilidade da eficácia subjectiva de uma decisão que se fosse proferida por este tribunal pois não produziria quaisquer efeitos sobre a parte supostamente obrigada a cumpri-la, consubstanciando a incompetência do tribunal.

A falta de jurisdição que implica a incompetência deste tribunal constitui uma excepção dilatória que conduz à absolvição da instância arbitral.

O Estatuto da CGA encontra-se hoje plasmado no Decreto-Lei n.º 131/2012, de 25 de Junho. Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 1º, a CGA prossegue atribuições do Ministério das Finanças, sob superintendência e tutela do respetivo Ministro. Quais sejam essas atribuições, vêm depois elencadas no n.º 2 do artigo 3.º:

  1. Assegurar a gestão e atribuição de pensões e prestações devidas no âmbito do regime de segurança social do setor público e de outras de natureza especial, nos termos da lei;

  2. Assegurar a gestão e controlo das quotas dos subscritores e das contribuições de entidades;

  3. Propor ou participar na elaboração de projetos de legislação da segurança social do setor público;

  4. Elaborar informação estatística e de gestão.


 

São estas as atribuições da CGA.

Quanto à AT, o seu estatuto encontra-se definido no decreto-lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro.

Estão vinculadas à jurisdição dos tribunais arbitrais, repete-se, pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março: a) a Direcção-Geral dos Impostos e b) a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (cfr. artigo 1.º), quanto às pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida (artigo 2.º). A contrario, não estão vinculadas à jurisdição dos tribunais arbitrais as restantes entidades que eventualmente integrem a administração tributária, elencadas no n.º 3 do artigo 1.º da Lei Geral Tributária e muito menos as que lá nem estão sequer incluídas.

A decisão sobre a excepção da incompetência do tribunal arbitral, suscitada pela AT, passa, necessariamente, por uma avaliação do pedido e da causa de pedir, tal como são formulados pela Requerente. A questão da incompetência absoluta do tribunal há-de equacionar-se em conformidade com os termos em que a acção foi proposta e o pedido formulado.

A acção foi proposta, pelo Requerente, em termos tais que a procedência do pedido implica “a imediata devolução, pela CGA, dos valores ilegalmente retidos” e ainda a revogação de quaisquer actos de retenção na fonte que venham a ser praticados pela CGA. O objecto do pedido de pronúncia arbitral é especificamente constituído pelos actos de retenção na fonte realizados pela CGA.


 

É o seguinte o pedido do Requerente: “i) a pronúncia do tribunal arbitral acerca da questão de saber se as pensões atribuídas aos respectivos beneficiários pela CGA devem ser consideradas integradas no âmbito de incidência da contribuição extraordinária de solidariedade inicialmente prevista no n.º 2 do artigo 162.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, e depois mantida em vigor pelo artigo 20.º, n.º 1 da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro; ii) caso seja dada razão ao contribuinte, a instrução da CGA para proceder à imediata devolução ao contribuinte dos valores ilegalmente retidos, acompanhada do pagamento dos juros indemnizatórios que se mostrem devidos nos termos legais, só assim se restabelecendo a situação que existiria se os atos tributários objeto da decisão arbitral não tivessem sido praticados; iii) caso seja dada razão ao contribuinte, a revogação de quaisquer atos tributários de retenção na fonte relacionados com os que são objeto da decisão arbitral, ainda que referentes a períodos posteriores aos abrangidos pela mesma, que venham a ser praticados pela CGA posteriormente à apresentação do presente pedido.”

Delimitando, o Requerente, no início da petição, desta forma, o objecto do pedido de pronúncia arbitral: “Os atos que são objeto do pedido de pronúncia arbitral correspondem a atos de retenção na fonte por conta da contribuição extraordinária de solidariedade realizados pela Caixa Geral de Aposentações”.


 

A procedência do pedido do Requerente teria como consequência necessária a condenação da CGA, por este tribunal arbitral, na prática dos actos de devolução das quantias retidas na fonte e na abstenção da prática de posteriores actos de retenção na fonte que tivessem por fundamento a CES.


 

Não se encontrando a CGA vinculada à jurisdição arbitral tributária (cfr. artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, e artigo 1.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária), é este tribunal arbitral incompetente para decidir o presente litígio.


 

Acresce quanto à vinculação da AT à jurisdição do tribunais arbitrais, (e aqui seguimos de perto a exposição do Conselheiro Lopes de Sousa, in Guia da Arbitragem Tributária, p. 155 e seg.) que:


 

A Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que concretizou os termos da vinculação da Administração Tributária aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não estabeleceu uma vinculação da Direcção-Geral de Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo [actualmente, Autoridade Tributária e Aduaneira, por força do disposto no artigo 12.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro] relativamente a todas as matérias indicadas no artigo 2.º do RJAT, tendo restringido e condicionado essa vinculação.


 

Dependendo a vinculação de uma Portaria, a medida da sujeição da Administração Tributária ao direito do contribuinte optar pela submissão dos litígios aos tribunais arbitrais será a que resulte dos próprios termos desta.


 

Só na medida desta vinculação é que se pode falar de um direito potestativo dos contribuintes à utilização da arbitragem tributária.


 

A vinculação operada pela Portaria n.º 112-A/2011 afastou do âmbito da arbitragem tributária, na parte que para este caso releva, [artigo 2.º, alínea a)] as «Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário


 

No caso presente, resulta dos autos que o Requerente apresentou uma reclamação graciosa junto da CGA, pedindo a restituição dos montantes que considerava indevidamente retidos.

A CGA indeferiu expressamente a reclamação em 11 de Junho de 2012.


 

Esta reclamação não constitui o recurso prévio à via administrativa a que se refere a citada alínea a) do artigo 2.º.


 

A aplicação do artigo 131.º do CPPT está excluída porque não se trata de autoliquidação.


 

A aplicação do artigo 133.º do CPPT está excluída porque não se trata de pagamento por conta.


 

A aplicação a este caso do artigo 132.º do CPPT não pode ser invocada pelo Requerente porque o Requerente deveria ter reclamado para o órgão periférico regional da Administração Tributária, o que não aconteceu.


 

A CGA não é um órgão periférico regional da Administração Tributária integrado no conjunto de organismos e serviços da antiga Direcção-Geral de Impostos.


 

Para o que aqui interessa, nos termos do artigo 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, «Consideram-se órgãos periféricos regionais, para efeitos do código aprovado pelo presente decreto-lei, as direcções de finanças da DGCI [hoje AT] (...)».


 

Só no caso de, através de reclamação apresentada no órgão periférico regional da Administração Tributária, o Requerente ter obtido uma pronúncia expressa ou tácita sobre a retenção na fonte estariam preenchidos os requisitos que permitem considerar vinculada a Administração Tributária à jurisdição deste tribunal arbitral.


 

Nem se pode aceitar o argumento de que os condicionalismos estabelecidos na Portaria em causa seriam inconstitucionais ou ilegais.


 

O artigo 2.º da Portaria em causa fundamenta-se no artigo 4.º do RJAT o qual se limita a dar execução ao artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, sendo que o âmbito da autorização abrange as matérias aí referidas.


 

O Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) como resulta da comparação do seu normativo com o da referida Lei não ultrapassou a autorização concedida.


 

Em consequência, a AT não está vinculada à jurisdição deste tribunal arbitral quanto ao litígio resultante da retenção na fonte praticada pela CGA.


 

Também por este motivo se verifica a existência da excepção dilatória da incompetência do tribunal arbitral.


 


 

DECISÃO

Assim, pelos fundamentos expostos este tribunal decide:1) Julgar procedente a excepção dilatória da incompetência deste tribunal arbitral para julgar e decidir o presente litígio e, em consequência,2) Absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira,

3) Fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas neste processo.

Fixa-se o valor da ação em €11.004,21 (onze mil e quatro euros e vinte e um cêntimos).Custas do processo arbitral a cargo da Requerente, de acordo com o disposto no artigos 12.º n.º 2 e 22.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e artigo 4.º n.º 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.


 

Notifique


 

Lisboa, 29 de abril de 2013

O Árbitro

 

 

(Manuel Macaísta Malheiros)