Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 103/2012-T
Data da decisão: 2013-03-07  IRC IVA  
Valor do pedido: € 131.331,08
Tema: Empreitada - Contrato de Cessão de Créditos e Promessa de Dação em Pagamento - Regime de dedução de custos em IRC e regime de regularização de IVA
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CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa

Arbitragem Tributária

Proc. nº 103/2012 –T

*

ACÓRDÃO

RELATÓRIO

A…, Lda., contribuinte n.º …, com sede na … (anteriormente denominada B…, Lda.), doravante designada também por “Requerente”,

veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 95º, da LGT, 99º-a), do CPPT, 137º-1, do CIRC, 97º-1, do CIVA e 10º-1/ e 2, do RJAT (DL nº 10/2011), formulando o seguinte pedido de pronúncia:

a) que se declare a ilegalidade da liquidação adicional de IRC n.º 2012 …, de 3 de Março de 2012, ao abrigo do artigo 135.º do CPA, por força da violação do regime de dedução de custos em sede de IRC, previsto no artigo 23.º do Código do IRC;

b) que se declare a ilegalidade da liquidação adicional de IVA n.º …, de 5 de Junho de 2012, ao abrigo do artigo 135.º do CPA, por força da violação do regime de regularização de IVA, previsto no artigo 78.º do Código do IVA;

c) que se declare a ilegalidade das liquidações de juros compensatórios n.os 2012 … e …, ao abrigo do artigo 135.º do CPA, em consequência da anulabilidade dos actos de liquidação adicional de IRC e IVA na origem das mesmas ou, subsidiariamente, atenta a falta de verificação dos pressupostos de que depende a liquidação de juros compensatórios, previstos no artigo 35.º da LGT;

d) que, na medida da anulação das referidas liquidações adicionais de IRC e IVA, seja determinada a restituição à Requerente do montante de EUR 3.121,89, indevidamente retido pela Administração Tributária para pagamento parcial das dívidas resultantes daquelas liquidações;

e) que, com a anulação das liquidações adicionais de IRC e IVA objecto dos presentes autos, seja reconhecido o erro dos Serviços da Administração Tributária na prolação daquelas liquidações, e condenada a Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, sobre o montante de EUR 3.121,89, devido à Requerente a título de reembolso de IRC relativo ao exercício de 2011, indevidamente retido para pagamento parcial da dívida resultante das liquidações adicionais de IRC e IVA objecto dos presentes autos e

f) que, na medida da procedência dos pedidos anteriores, se condene a Administração Tributária nas custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais.

Alegou, em síntese:

a) Celebrou, na qualidade de empreiteira, com a sociedade A…, S.A., na qualidade de dona de obra, um contrato de empreitada no âmbito do qual se obrigou à realização de obras no prédio denominado “…”, em …, concelho de …;

b) As obras relativas à referida empreitada foram executadas pela ora Requerente ao longo dos anos de 2008 e 2009, tendo a Requerente procedido à emissão de facturas referentes aos serviços por si prestados no âmbito desse contrato de empreitada, nos termos e prazos legais, registando contabilisticamente no seu activo o respectivo valor e liquidando e entregando junto dos cofres da Fazenda Pública o respectivo IVA, facto que aliás não foi contestado pelos Serviços de Inspecção Tributária – cfr. documento n.º 5 e cópia do projecto de relatório final de inspecção, junta como documento n.º 6;

c) Ainda durante a execução das referidas obras, a Requerente viu-se confrontada com dificuldades em obter da sociedade A…, S.A., o pagamento dos serviços por si prestados no âmbito do referido contrato de empreitada, tendo esta deixado de cumprir aqueles pagamentos, não obstante todos os esforços desenvolvidos pela Requerente para que os mesmos fossem realizados;

d) Em concreto, para além de todos os contactos informais encetados junto dos responsáveis pela A…, S.A. no sentido de obter os pagamentos em causa, a correspondência mantida em arquivo pela Requerente evidencia os diversos esforços levados a cabo nesse sentido (Cfr docs 7 a 20, juntos com o requerimento);

e) Neste contexto, resultam evidentes as dificuldades sentidas pela ora Requerente em obter pagamentos no âmbito da referida empreitada, sendo por outro lado evidentes as dificuldades financeiras sentidas pela A…, S.A. – cfr. documentos 8, 9, 10, 12 e 15 e cópia da troca de mensagens entre a Requerente e o seu Banco, sobre o aumento no endividamento bancário de curto prazo registado no ano de 2008, junta como documento n.º 21;

f) Tornou-se crescentemente prioritário para a Requerente assegurar o pagamento de, pelo menos, uma parte considerável da dívida em causa, de forma a garantir a sua própria solvência;

g) Nesse sentido, em Junho de 2009, quando o montante em dívida pela A…, S.A., relativo aos serviços prestados no âmbito da referida empreitada, ascendia já a EUR 1.429.537,76, na sequência de negociações com representantes da sua cliente, a Requerente chegou a um acordo no sentido de assegurar o pagamento da dívida, ainda que mediante um desconto de EUR 300.000,00.

h) O desconto em referência foi concedido pela Requerente no sentido de viabilizar o pagamento imediato de um valor equivalente a cerca de 80% do valor reivindicado pela Requerente, evitando o recurso à via litigiosa e os custos inerentes, salvaguardando tanto quanto possível a sua situação patrimonial – cfr. cópia da carta enviada pela Requerente, de 22 de Junho de 2009, na sequência de reunião entre as partes, sintetizando o acordo alcançado e os motivos a eles subjacentes, junta como documento n.º 22;

i) Quanto à forma de pagamento, em face dos problemas de liquidez da A…, S.A., a solução encontrada entre as partes foi a de que aquele fosse feito mediante dação em pagamento de bem imóvel propriedade da B…, S.A., pessoa colectiva n.º 507 583 884, accionista maioritária da cliente da Requerente;

j) O valor de mercado do referido bem imóvel foi avaliado, por uma entidade independente – C…, Lda. –, em 17 de Setembro de 2009, em EUR 1.226.000,00, salientando-se contudo as ressalvas e pressupostos constantes na definição desse valor, bem como a consideração de um projecto de construção aprovado pela Câmara Municipal de … e o pressuposto de que o Município emitira alvará de obras para a respectiva construção, pelo que atentas as condicionantes em questão, a Requerente lhe atribuiu um valor de mercado não superior a EUR 1.129.537,76 – cfr. cópia do relatório de avaliação do referido bem imóvel, junta como documento n.º 23.

k) Neste contexto, a Requerente celebrou no dia 2 de Julho de 2009, um contrato de cessão de crédito e promessa de dação em pagamento, o qual inclui um aditamento, com a A…, S.A. e a B…, S.A., através do qual foi prometida a dação em pagamento do bem imóvel em referência e descontado o valor de EUR 300.000,00 à dívida em causa, para o montante de EUR 1.129.537,76 – cfr. cópia do referido contrato, junta como documento n.º 24.

l) Na sequência do referido contrato promessa, foi celebrado o respectivo contrato prometido, através de escritura pública, outorgada no dia 15 de Outubro de 2009, efectivando-se a prometida dação, através da qual a Requerente se tornou proprietária do bem imóvel em referência e, em contrapartida, deu por saldada a dívida no montante de EUR 1.129.537,76 – cfr. cópia do referido contrato prometido, junta como documento n.º 25;

m) Neste contexto, a Requerente acautelou adequadamente, na medida do possível, a sua posição patrimonial, assegurando de uma só vez a cobrança de um valor significativo do crédito que detinha perante a A…, S.A.;

n) Na sequência da celebração do referido contrato, e tendo em conta o desconto concedido à sua cliente A…, S.A., a Requerente contabilizou, na respectiva Declaração de Rendimentos Modelo 22 do IRC, como custo dedutível para apuramento do lucro tributável em sede de IRC, relativo ao exercício de 2009, o montante de EUR 250.000,00;

o) E procedeu ainda a uma regularização do IVA no montante de EUR 50.000,00, uma vez que na sequência do desconto concedido à sua cliente A…, S.A., o valor tributável da referida operação foi reduzido;

p) Em 25 de Janeiro de 2012, teve início uma acção inspectiva externa à ora Requerente, ao abrigo das Ordens de Serviço n.os OI… e OI…, de 19 de Agosto de 2011, e do despacho de 24 de Agosto de 2011, a qual teve por objecto os exercícios de 2008 e 2009.

q) A 19 de Março de 2012, a ora Requerente foi notificada do Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção relativo aos exercícios de 2008 e 2009, nos termos do qual foi proposta correcção à matéria tributável de IRC referente ao exercício de 2009, no montante de EUR 250.000,00, e a liquidação adicional de IVA, referente ao ano de 2009, no valor de EUR 50.000,00 – cfr. documento n.º 6.

r) Em concreto, os Serviços de Inspecção Tributária fundamentaram as correcções propostas nos seguintes termos:

«Não se vislumbra, pois, que outras razões possam justificar a operação a não ser que, como parece decorrer dos factos que emergem dos documentos contabilísticos, que a mesma terá sido desde o início elaborada com o único propósito
de diminuir os proveitos
, originando uma perda e, consequentemente, a diminuição dos resultados do exercício.[…] Não emerge da diminuição de proveitos em apreço qual poderá ter sido, se é que existe, algum interesse económico actual ou futuro que justifique que a diminuição do resultado (perda) consequente da operação no montante de € 250.000,00 possui o carácter qualitativo de comprovadamente ser indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora pelo que o mesmo não é fiscalmente dedutível por não obedecer ao carácter qualitativo da condição de indispensabilidade que nos termos do artigo 23.º do Código do IRC preside ao reconhecimento fiscal de todos os custos ou perdas»
[sublinhados e realces nossos]– cfr. documento n.º 6.

s) Em sede de IVA, os serviços de Inspecção da Administração Tributária sustentaram o seguinte:

«Tendo presente o facto que deu origem a essa regularização [de IVA] – dação em pagamento – contabilizada como um desconto, constata-se que não se enquadra na previsão de nenhuma das normas do citado artigo [78.º do Código do IVA], por não se terem verificado nenhuma das ocorrências que possibilitariam tal regularização, conforme melhor se explicita:

Assim, embora o n.º 2, contemple a redução do valor tributável por motivo de desconto e redução do contrato, não ficou evidenciado qualquer motivo de base económica que o sustente, situação amplamente justificada na análise elaborada no âmbito do IRC e que aqui se dá por reproduzida» [sublinhado e realce nosso]. (cfr. documento n.º 6).

t) No dia 3 de Abril de 2012, a ora Requerente exerceu o respectivo direito de audição prévia, pugnando pela ilegalidade das correcções propostas em sede do Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção – cfr. cópia do referido requerimento de audição prévia, junta como documento n.º 26.

u) Em 27 de Abril de 2012, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária em sede do qual os Serviços de Inspecção Tributária mantiveram as correcções inicialmente propostas à matéria tributável da Requerente em sede de IRC e IVA, relativas ao ano de 2009, e a respectiva fundamentação, considerando que do desconto concedido pela ora Requerente à sua cliente A…, S.A., tendo em vista a cobrança de parte da dívida que à data de 15 de Outubro de 2009, ascendia a EUR 1.429.537,76, não poderia resultar a consideração de um custo, em sede de IRC nem tão-pouco uma regularização de IVA no montante de EUR 50.000,00:

«Dos elementos que nos foram dado conhecimento nos anexos remetidos com o Direito de Audição constata-se que a A…, S.A. reconhece e manifesta sempre a intenção de regularizar a dívida pela totalidade, procurando tranquilizar o credor e realçando a sua capacidade de solver compromissos através da demonstração da sua elevada solvabilidade. Pelo que, perante a evidência dum percurso tendente à regularização da situação, ao sermos confrontados com a redução da dívida, resultam três questões que reputamos legítimas de colocar:

 - Se o valor do terreno era de grandeza semelhante ao da dívida, e havia um reconhecimento por parte da A…, S.A. dum dívida que já ascendia a € 1.317.012,87 que tencionava pagar (e que aumentaria até aos € 1.429.537,76 segundo a conta corrente e contrato de cessão de créditos e promessa de dação em pagamento), porque motivo a dação em pagamento não foi simplesmente feita pelo valor de € 1.429.538,76, saldando a dívida, sem aditamentos ao contrato inicial?

 - Se a A…, S.A. admitia possuir solvabilidade bastante e reconhecia o valor integral da dívida qual a necessidade da B…, Lda. em sobrepor àquele contrato inicial uma redução ao valor da dívida?

 - Se de facto existiam dificuldades económicas por parte da A…, S.A., conforme vem alegado, então porque é que a B…, Lda. nunca considerou a dívida de € 1.429.537,76 como incobrável e lhe conferiu o adequado relevo contabilístico? […] O que se acabou de referir permanece válido em sede de IVA porquanto, e reitera-se, o que foi qualificado como desconto surge como uma desconsideração de trabalhos efectuados e faturados. A semelhança do raciocínio efectuado para efeitos de IRC (foram reduzidos os proveitos mas mantidos os custos que os produziram) também em sede de IVA foi regularizado a favor da empresa o montante de € 50.000,00, mas mantido todo o IVA que foi suportado e deduzido nos materiais e serviços incorporados nos inputs a montante necessários para produzir os trabalhos faturados a jusante. Se de facto se trata de um desconto, como refere a Entidade inspeccionada, então a regularização de € 50.000,00, a favor da empresa implicaria a produção de prova de que o cliente A…, S.A. regularizou o mesmo quantitativo a favor do Estado, conforme imposto pelo n.º 5 do artigo 78 do Código do IVA, o que não se verificou». - cfr. documento n.º 5.

v) Por outras palavras, a Administração Tributária manteve, no âmbito do Relatório de Inspecção Tributária, o entendimento de que o desconto concedido pela ora Requerente à sua cliente A…, S.A., tendo em vista a cobrança de parte da dívida de EUR 1.429.537,76, através do contrato de dação de crédito e dação em pagamento de 15 de Outubro de 2009, não relevaria como custo em sede de IRC, por aquele desconto não se adequar, alegadamente, à materialidade subjacente à relação entre a Requerente e a A…, S.A..

x) Os Serviços de Inspecção da Administração Tributária não consideraram indispensável ao interesse social da ora Requerente a concessão de um desconto de EUR 300.000,00, tendo em vista a cobrança do montante de EUR 1.129.537,76, correspondente a cerca de 80% de uma dívida total de EUR 1.429.537,76, solucionando desse modo uma situação de incumprimento que se verificava há mais de 18 meses, período ao longo do qual a Requerente procurou cobrar aquele montante sem sucesso, não obstante as continuadas garantias da sua cliente no sentido do pagamento do mesmo.

z) Por outro lado, os Serviços de Inspecção da Administração Tributária mantiveram o entendimento de que não se verificariam, no presente caso, os requisitos da regularização de IVA, ao abrigo do artigo 78.º do Código do IVA, por alegadamente faltar racionalidade económica àquele desconto e por a ora Requerente não ter demonstrado que a sua cliente A…, S.A., regularizou o montante correspondente a favor do Estado.

aa) A 18 de Maio e 6 de Junho de 2012, a Requerente foi notificada, respectivamente, da liquidação adicional de IRC n.º 2012 …, de 3 de Maio de 2012, no montante de EUR 71.201,50, resultante da correcção à matéria tributável de IRC de EUR 250.000,00, bem como da liquidação adicional de IVA n.º …, de 5 de Junho de 2012, no montante de EUR 50.000,00, resultante da desconsideração da regularização de IVA de EUR 50.000,00, e das liquidações de juros compensatórios n.os 2012 … e …, respectivamente nos montantes de EUR 4.951,50 e EUR 5.178,08 – cfr. documentos n.os 1, 2, 3 e 4.

bb) Posteriormente, no dia 30 de Julho de 2012, a Requerente foi notificada da Liquidação de IRC n.º 2012 …, de 14 de Junho de 2012, relativa ao exercício de 2011, da qual resultou um reembolso no montante de EUR 3.121,89 – cfr. cópia da referida liquidação, junta como documento n.º 27.

cc) Na mesma data, a ora Requerente foi também notificada da demonstração de acerto de contas n.º 2012 …, constatando ter o referido montante de reembolso de IRC sido retido pela Administração Tributária para pagamento parcial da dívida resultante das liquidações adicionais de IRC, IVA e juros compensatórios, objecto dos presentes autos – cfr. cópia da referida demonstração de acerto de contas, junta como documento n.º 28.

dd) A Requerente reputa inadmissíveis as liquidações de IRC, IVA e juros compensatórios operadas pela Administração Tributária, não se conformando com as mesmas, impondo-se a respectiva anulação.

Juntou à petição diversos documentos.

Cumpridos os necessários e legais trâmites processuais, designadamente os previstos no DL 10/2011 e Portaria 112-A/2011, em 15 de novembro de 2012, foi constituído este Tribunal Coletivo, formado pelo Juiz José Poças Falcão (presidente), Professora Doutora Nina Aguiar e Dr. António Nunes dos Reis, designados nos termos do artigo 11º-8, do RJAT.

 

 Em 20-12-2012 foi realizada a reunião a que alude o artigo 18º, do RJAT.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, apresentou resposta em que, depois de suscitar exceções e/ou questões prévias (cumulação ilegal de pedidos e impugnação do valor da causa), impugnou os fundamentos do pedido, considerando, designadamente e em síntese:

a) Que, no empreendimento em causa (…), de que foi empreiteira a requerente (na sua anterior denominação “B…, Lda.”) e dona da obra a “A…, S.A.” (anteriormente “C…, S.A.”) parte das faturas apresentadas deixaram de ser pagas pela “A…, S.A.”;

b) Em 2 de julho de 2009 foi celebrado um contrato (tripartido) de cessão de crédito e promessa de dação em pagamento entre a requerente, a sociedade comercial “B…, S.A.” e a “A…, S.A.” (Cfr anexo 6, ao relatório da inspeção);

c) Nos termos desse contrato, e com a assinatura do mesmo, a “B…, Lda.” cedia o crédito por si detido sobre a “A…, S.A.” (€1.429.537,76) - à referida sociedade “B…, S.A.” (cf. cláusula primeira);

d) A “B…, S.A.” declarou, então, ter recebido montante de € 1.429.537,76, a título de direito de crédito sobre a “A…, S.A.”;

e) As facturas em dívida, cujo somatório totalizava esses € 1.429.537,76 e que titulavam os créditos então cedidos, estavam identificadas no anexo 1 ao contrato;

f) A “A…, S.A.” declarou nada ter a opor a essa cessão, bem como ir proceder ao pagamento dos créditos em causa à nova credora, a “B…, S.A.”;

g) Em contrapartida da cessão de crédito, a sociedade “B…, S.A.”. prometeu dar em pagamento à “B…, Lda.”, pelo preço de € 1.429.537,76, um prédio rústico situado em Limites de …, …, denominado por “…”, entregando, desde logo, a posse do imóvel (cf. cláusulas segunda, sexta e décima-primeira);

h)Seguidamente, mas ainda na mesma data, ou seja em 2 de Julho de 2009, é celebrado um “aditamento”, “de natureza confidencial”, ao referido contrato de cessão de crédito e promessa de dação em pagamento;

i) Em conformidade com esse “aditamento”, a sociedade “B…, S.A.” continuava a prometer dar em pagamento à “B…, Lda.”, em contrapartida da cessão de créditos, o referido prédio rústico situado em Limites de …, …, denominado por “…”;

j) Porém, o preço/valor desse mesmo imóvel teria descido de € 1.429.537,76, para € 1.129.537,76;

k) Ou, nas palavras do próprio “aditamento ao contrato”, “as partes acordam que o valor de escritura do referido terreno será de 1.129.537,76 €”.

l) Sendo que, por isso, “na data de entrada em vigor do Contrato de Cessão de Créditos e Promessa de Dação em Pagamento, a Terceira Contraente (B…, Lda.) entregará à Segunda Contraente (B…, S.A.) e à Primeira Contraente (A…, S.A.) uma nota de crédito no valor de 300.000,00€ (trezentos mil euros) com IVA incluído, de forma a proceder ao devido acerto contabilístico”.

m) A redacção das cláusulas primeira e segunda do contrato foram adaptadas em conformidade;

n) A conta corrente que serviu de base ao contrato inicial terá sido substituída de forma a contemplar a referida nota de crédito;

o) Em 15 de Outubro de 2009, foi celebrada a escritura de dação em pagamento;

p) Nos termos dessa escritura, em resultado da referida cessão de créditos, a “B…, Lda.” era credora da “B…, S.A.” em € 1.129.537,76.

q) Para cumprimento dessa obrigação, a sociedade “B…, S.A.” dava o (já mencionado) prédio rústico denominado por “…”;

r) E a “B…, Lda.” aceitava a mencionada propriedade como forma de liquidação do referido valor em dívida (destinando o prédio a revenda);

s) Na sequência dessa escritura, a “B…, Lda.” emitiu à “A…, S.A.” o recibo n.°156, com data de 28-10-2009 (recibo anexo à escritura);

t) Desse recibo, emitido pelo respetivo somatório (€ 1.129.537,76) consta uma listagem com identificação de facturas cujo somatório é de € 1.129.537,76;

u) Esta listagem de facturas é diferente da que serviu de base ao contrato inicial de cessão de crédito e promessa de dação em pagamento (e que, como atrás mencionámos, foi anexa ao mesmo);

v) São as seguintes as facturas que constam do anexo ao contrato inicial, mas já não da discriminação efectuada no recibo anexo à escritura:

N.° Factura

Data

Vencimento

Valor (euros)

36

06-08-2008

05-10-2008

3.050,18

37

06-08-2008

05-10-2008

40.748,17

38

06-08-2008

05-10-2008

7.08234

39

06-08-2008

05-10-2008

7.06518

49

05-09-2008

04-11-2008

4.989,62

50

05-09-2008

04-11-2008

11.312,20

51

05-09-2008

04-11-2008

15.574,60

52

05-09-2008

04-11-2008

16.366,0

53

05-09-2008

04-11-2008

81.286,8

Nota Debito 26

07-11-2008

07-11-2008

7.648,2

201

28-11-2008

27-01-2009

17.332,92

202

28-11.2008

27-01-2009

14.091,9

203

28-11-2008

27-01-2009

18,639,30

204

28-11-2008

27-01-2009

45.919,2

205

28-11-2008

27-01 -2009

3.244,33

86

16-12-2008

14-02-2009

3.628,80

87

16-12-2008

14-02-2009

2.020,02

TOTAL

300.000,00

 

x) Estas facturas não foram pagas.

z) Esse não pagamento das facturas foi qualificado pelo contribuinte como sendo um desconto.

aa) A contabilização do alegado desconto de 300.000,00€ foi efectuada da seguinte forma:

 - foi registado por débito à conta de proveitos 728112 - Descontos em Serviços Prestados — Mercado nacional — com IVA dedutível — Taxa normal, uma nota de crédito no montante de €250.000,00

- foi registado na conta de 243412 - IVA regularizações a favor da empresa - Taxa normal, o montante de € 50.000,00;

bb) A citada importância de € 250.000 não pode relevar em termos de custos porquanto não se descortina fundamento para ser qualificada como indispensável para a obtenção de proveitos pela requerente;

cc) O que está verdadeiramente em causa é (não qualquer tipo de interferência nas opções de gestão) mas antes a repercussão fiscal derivada do impacto nas demonstrações financeiras da decisão de diminuir o valor da dívida em mora da “A…, S.A.” à requerente;

dd) Tal diminuição, qualificada e relevada contabilisticamente pela requerente, como “desconto, não foi mais que  um ato de desconsideração de todo um conjunto de faturas [cfr supra, alínea v)], em que foi decidido prescindir do respetivo pagamento;

ee) Trata-se de situação que sai fora das circunstâncias normais da atividade da empresa;

ff) Tal operação deu origem a um prejuízo para a requerente na medida em que, designadamente, traduz uma margem de 20,98% sobre o preço de venda quando a margem prevista era de 30% sobre o preço de custo orçamentado (correspondente a 23% sobre o preço de venda), com a consequência de ter absorvido a margem de lucro e, necessariamente, uma parte do custo propriamente dito (Cfr anexo 10 ao Relatório Final);

gg) todavia a contabilização do “desconto” assegurou um ganho fiscal de € 116.250 (€50.000, relativo ao reembolso de IVA que obteve e €66.250,00 relativo ao IRC e derrama que deixaram de ser pagos em razão de se ter retirado € 250.000 à matéria coletável (Cfr ainda os artigos 108º e segs., da resposta);

hh) As partes atribuíram ao imóvel dado em pagamento dos créditos cedidos o valor de € 1.429.537,76 – valor da totalidade do crédito -, e, por isso, suficiente para pagamento da integralidade da dívida;

ii) Fica por justificar porque é que, no mesmo dia, o valor que as partes haviam reconhecido ao imóvel desceu para €1.129.537,76 (menos €300.000);

jj) Quanto à regularização  de IVA (€ 50.000), não existe nenhum dos  fundamentos para que tal aconteça atento o disposto no artigo 78º, do CIVA, sendo que inexiste, designadamente, a comprovação do conhecimento da rectificação de IVA ou do reembolso a que alude o citado art 78º- 5, do CIVA (documento comprovativo de retificação de IVA ou do reembolso do mesmo).

 

Este Tribunal Arbitral é absolutamente competente.

As partes são legítimas e estão devidamente representadas: a requerente por advogado e a AT, por representantes do respectivo Diretor-geral.

O processo é o próprio.

 

Por acórdão interlocutório de 20-12-2012, foram apreciadas e decididas as exceções e questões prévias suscitadas (ilegalidade da cumulação de pedidos e incidente de impugnação do valor da causa).

 

Informando o Tribunal de que havia interposto recurso deste acórdão para o TCAS, a AT veio pedir a suspensão da instância até decisão a proferir em consequência da mencionada impugnação.

Tal requerimento foi indeferido por decisão deste Tribunal de 18-1-2013.

 

Não enferma o processo de nulidades e outras exceções ou questões prévias.

Cumpre então apreciar e decidir do mérito da causa.

 

II FUNDAMENTAÇÃO

A – OS FACTOS PROVADOS

 

São os seguintes os factos que o Tribunal considera provados:

a) A AT procedeu, relativamente à requerente, às seguintes liquidações adicionais:

         - de IRC n.º 2012 …, de 3 de Maio de 2012, no montante de EUR 71.201,50;

- de IVA n.º …, de 5 de Junho de 2012, no montante de EUR 50.000,00;

 - de juros compensatórios n.os 2012 … e …, nos montantes de EUR 4.951,50 e EUR 5.178,08 – cfr. processo administrativo e documentos n.os 1, 2, 3 e 4, juntos com a petição inicial;

b) As referidas liquidações adicionais de IRC, IVA e juros compensatórios foram emitidas pela Administração Tributária na sequência das correções propostas no âmbito da ação de inspeção tributária aos exercícios de 2008 e 2009, em sede de IRC e IVA, a qual correu ao abrigo das Ordens de Serviço n.os OI… e OI… – cfr. cópia do relatório de inspecção tributária  Cfr Doc 5, junto com a PI e  processo administrativo;

c) Em 2-7-2009, A…, S.A. (ulteriormente denominada C…, S.A.), devia à requerente B…, Lda., a importância de € 1.429.537,76 respeitante a faturas devidas pela realização de várias empreitadas – Cfr anexo 6, fls. 13, do processo administrativo;

d) Por contrato escrito assinado nessa data (2-7-2009), a requerente declarou ceder esse crédito (€1.429.537,76) a B…, S.A., pelo preço de €1.429.537,76 – Cfr processo administrativo – anexo 6;

e) Nesse mesmo escrito de 2-7-2009, a cessionária B…, S.A. prometeu efetuar o pagamento desse crédito (€ 1.429.537,76) através da dação do prédio rústico denominado “…”, com a área total de 10.934 m2, inscrita na matriz predial da freguesia de …, concelho de …, sob o nº … – secção … (parte), matriz …, secção …;

f) Ainda nessa data – 7-7-2009 – as mesmas partes outorgantes, assinaram um outro escrito que denominaram, “Aditamento ao contrato de cessão de crédito e promessa de dação em pagamento”, declarando designadamente que “(…) o valor de escritura do referido terreno será de € 1.129.537,76, razão pela qual, na data de entrada em vigor do contrato de cessão de créditos e promessa de dação em pagamento, a terceira outorgante entregará a segunda contraente e à primeira contraente uma nota de crédito no valor de 300.000 € com IVA incluído, de forma a proceder ao devido acerto contabilístico (…)” declarando ainda que “(…) em consequência do disposto (…), proceder-se-á a redução do montante referido nas cláusulas primeira e segunda do contrato inicial (…)” – Cfr anexo 7 do processo administrativo;

g) Mercê deste aditamento declararam as partes alterar o preço da cessão mencionada supra em d) e e), para 1.129.537,76 (em vez de 1.429.537,76);

h) A requerente declarou entregar às outorgantes “A…, S.A.” e “B…, S.A.” uma nota de crédito de €300.000, substituindo o anexo 1 do contrato por novo anexo ao aditamento – Cfr anexo 3, do processo administrativo;

i) Essa “nota de crédito” veio a ser refletida na contabilidade da requerente do seguinte modo:

- conta POC 728112 – Descontos em Serviços Prestados – Mercado Nacional – com IVA dedutível : € 250.000

- conta 243412 – IVA regularizações a favor da empresa – taxa normal: € 50.00

 - Cfr processo administrativo;

j) A requerente declarou ainda naquele aditamento que “(…) o valor de 300.000 € que receberá no momento da assinatura do acordo tripartido entre a primeira contraente (A…, S.A.) e a terceira contraente (B…, Lda.)  e o Banco … constituirá um crédito da primeira contraente ((A…, S.A.) sobre a terceira contraente (B…, Lda.) (…)”

k) Convencionaram ainda as partes outorgantes que o mencionado aditamento “(…) reveste a natureza confidencial, pelo que nenhuma das partes poderá proceder à sua apresentação a quaisquer terceiros (…)” – Cfr cláusula oitava do anexo 7;

l) O aditamento a que alude a alínea f) foi celebrado em execução da vontade da “A…, S.A.” a que a requerente anuiu;

m) Em 15-10-2009, a requerente “B…, Lda.” declarando-se credora de “B…, S.A.”, pela importância  de € 1.129.537,76  em resultado do sobredito contrato de cessão de crédito e promessa de dação em pagamento datado de 2 de julho de 2009, declarou aceitar em pagamento dessa dívida de €1.129.537,76,  o prédio mencionado supra, em e);

n) Em resultado de uma avaliação solicitada pelo Banco …, a empresa avaliadora atribuiu ao prédio mencionado em e) um valor de mercado correspondente a € 1.226.000 à data de setembro de 2009 – Cfr processo administrativo – anexo 9;

o) Não foram pagas à requerente pela devedora (A…, S.A.) ou por terceiro, as seguintes faturas[1]:

N.° Factura

Data

Vencimento

Valor (euros)

36

06-08-2008

05-10-2008

3.050,18

37

06-08-2008

05-10-2008

40.748,17

38

06-08-2008

05-10-2008

7.08234

39

06-08-2008

05-10-2008

7.06518

49

05-09-2008

04-11-2008

4.989,62

50

05-09-2008

04-11-2008

11.312,20

51

05-09-2008

04-11-2008

15.574,60

52

05-09-2008

04-11-2008

16.366,0

53

05-09-2008

04-11-2008

81.286,8

Nota Debito 26

07-11-2008

07-11-2008

7.648,2

201

28-11-2008

27-01-2009

17.332,92

202

28-11.2008

27-01-2009

14.091,9

203

28-11-2008

27-01-2009

18,639,30

204

28-11-2008

27-01-2009

45.919,2

205

28-11-2008

27-01 -2009

3.244,33

86

16-12-2008

14-02-2009

3.628,80

87

16-12-2008

14-02-2009

2.020,02

TOTAL

300.000,00

 

p) Através do recibo nº 156 de 28-10-2009, a requerente declarou ter recebido de A…, S.A., o pagamento das faturas:

Nº                                Data                             Vencimento                   Importância (€)

44                                28-3-2008                     27-5-2008                     145.586,04

66                                30-4-2008                     29-6-2008                     146.557,55

67                                30-4-2008                     29-6-2008                     120.518,64

16                                30-5-2008                     29-7-2008                     137.048,90

17                                30-5-2008                     29-7-2008                     147.044,28

18                                30-5-2008                     29-7-2008                     38.529,22

21                                31-5-2008                     30-7-2008                     80.493,31

115                              30-6-2008                     29-8-2008                     69.157,40

116                              30-6-2008                     29-8-2008                     32.591,65

117                              30-6-2008                     29-8-2008                     122.765,87

25                                30-6-2008                     29-8-2008                     38.855,04

35                                6-8-2008                      5-10-2008                     26.016,43

36                                6-8-2008                      5-10-2008                     24.373,43[2]                   

            TOTAL------------------------------------------- 1.129.537,76.

 

- Cfr Anexo 8, do processo administrativo

 

q) Em 22-6-2009 foi subscrito conjuntamente pela “B…, Lda.” e pela “A…, S.A.” um documento (carta endereçada pela “B…, Lda.” à “A…, S.A.” e aceite por esta) em que consta o seguinte:

“(…) Assunto: Dívida de VExas (A…, S.A.) no montante de € 1.429.537,76

 

“(…) vimos por este meio referir a nossa intenção de proceder à emissão de uma nota de crédito no montante de 300 mil euros (com IVA incluído) relativamente à margem implícita da totalidade da Vossa obra de ….

Procederemos desta forma com os seguintes objetivos:

 - Evitar não só a falência das empresas envolvidas como também evitar o recebimento da dívida pela via judicial;

- Viabilizar a execução final das infraestruturas e lote 4 do empreendimento de … para possibilitar a V Exas o licenciamento e proceder à comercialização dos lotes 1, 2 e 4;

- Viabilizar o recebimento da dívida que se encontra pendente através de um bem sito em … que se encontrará livre de ónus e encargos na altura da escritura de dação em pagamento (…)” – cfr processo administrativo, anexo 3, folhas 4.

        

B – FACTOS ESSENCIAIS NÃO PROVADOS

- Que, com a cessão do crédito e dação em pagamento [[factos provados, alíneas d), f) e g)]], tivesse a requerente prescindido do pagamento das faturas a que alude a alínea o) do elenco dos factos provados.

 

 

 

C – MOTIVAÇÃO

Para a convicção do Tribunal relativamente aos factos provados, relevaram os elementos documentais a que se faz alusão em diversas alíneas dessa factualidade e, em geral, todos os demais documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo, tudo analisado de forma crítica e em conjugação com os depoimentos testemunhas prestados em audiência por:

- X – economista que prestava serviços à requerente ao tempo dos factos e que acompanhou negociações com a A…, S.A. para pagamento da dívida objeto deste processo – e que, designadamente, declarou:

- que a requerente e a “A…, S.A.” concordaram em que o terreno objeto da dação tinha um valor que então se aproximava do valor da dívida (€1.429.537,76);

- que o “aditamento” a que aludem os factos provados foi assinado em resultado “duma exigência da A…, S.A.” que, no entanto, não soube explicar ou concretizar;

- que a “A…, S.A.” nunca pôs a questão de não pagar a totalidade da dívida de € 1.429.537,76 e

- que as faturas na importância de € 300.000 [cfr supra, alínea n)] não foram pagas e

- Y – arquitecto, empregado da requerente desde setembro de 2007 e com a direção de empreitadas -, que confirmou que a dado momento (junho/julho de 2008) da execução da empreitada relativa ao prédio denominado “…” de que a “A…, S.A.” era dona da obra, os trabalhos tiveram de ser parados por falta de pagamentos e a obra apenas mantida em estaleiro. Estes trabalhos só foram retomados um ano depois.

 

D – O DIREITO

Questões a decidir

São as seguintes as questões a apreciar e decidir:

1ª Se enfermam de ilegalidade por violação do regime de dedução de custos (CIRC – artigo 23º) e do regime de regularização de IVA (artigo 78º, CIVA) as liquidações adicionais de IRC e IVA [[de IRC n.º 2012 …, de 3 de Maio de 2012, no montante de EUR 71.201,50 e  de IVA n.º …, de 5 de Junho de 2012, no montante de EUR 50.000,00]];

2ª Se não preenchem os respetivos pressupostos legais as liquidações de juros compensatórios [[n.os 2012 … e …, nos montantes de EUR 4.951,50 e EUR 5.178,08]];

3ª Se, na eventual procedência do pedido de anulação das liquidações adicionais de IRC e IVA, a requerente tem direito à restituição de € 3.121,89, “(…) indevidamente retido para pagamento parcial (…) pela Autoridade Tributária (…)”  e se esta deve ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º-1, da LGT.

Vejamos então.

A questão de facto absolutamente essencial é saber, por um lado, se a requerente cedeu o seu crédito de € 1.429.537,76 pelo preço de 1.129.537,76 (por conseguinte abaixo € 300.000 do seu valor nominal) e se, consequentemente, essa cessão tinha ou deveria ter reflexos ou incidências fiscais ao nível do artigo 23º, do CIRC e do artigo 78º, do CIVA.

 

 

 

Da eventual violação do disposto no artigo 23º, do CIRC

No caso de ser confirmada a cessão – e, consequentemente, a extinção do crédito da requerente - pelo valor de 1.129.537,76, haveria que apurar se tal cessão se poderia considerar “(…) um gasto comprovadamente indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (…)” – Cfr artigo 23º-1, do CIRC.

TOMÁS DE CASTRO TAVARES (“Da relação de dependência entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos”, Ciência e Técnica Fiscal, nº 396, 1999, p.113.) pondera que “(…) numa análise do conteúdo do art. 23º CIRC isolam-se diversos requisitos que presidem à dedutibilidade fiscal dos custos empresariais: desde logo, como pressuposto básico, tem de existir um gasto económico, ou seja, a assunção como contrapartida da aquisição de um qualquer fator de produção. Depois, que a referida subtração ao rendimento não se encontre precludida por uma expressa previsão legal. Em terceiro lugar, certas exigências formais determinam uma idónea comprovação das componentes negativas do rendimento. Por fim, intima-se uma relação de causalidade (indispensabilidade) entre os encargos e os proveitos ou em face da manutenção da fonte produtora (…)” (No mesmo sentido, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL pondera que “(…)Os custos indispensáveis equivalem, assim, aos gastos contraídos no interesse da empresa. A dedutibilidade fiscal do custo deve depender apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se “sempre que – por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas - as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma indirecta ou mediata.” (cfr. A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 116).

Mais concretamente sobre o critério da indispensabilidade, o mesmo Autor refere que “(…)o gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa” (Cfr. ob. cit., p. 136).

         Por sua vez, RUI MORAIS (Cfr. Apontamentos IRC, Almedina, Coimbra, 2007, p. 87), embora defendendo que a aceitação fiscal do custo não pode ser referida à natureza do encargo, mas sim às circunstâncias em que o mesmo ocorreu, conclui que “(…) Se a assunção do encargo que origina o custo presidiu uma genuína motivação empresarial – o entendimento dos sócios e/ou gestores da sociedade, os únicos a quem cabe decidir do interesse social - , o custo é indispensável. Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comercias, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável (…)”.

         Na questão da qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis cabe assim ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade (Cfr., v.g., Saldanha Sanches, in Manual de Direito Fiscal 1998, pág. 262, e de Tomás Maria Cantista de Castro Tavares, in CTF 396, 1999).

         “O entendimento sempre perfilhado é o de que à Administração cumpre apenas, tendo em conta o princípio da legalidade administrativa e em termos correspondentes ao disposto no artigo 342º do Código Civil, o ónus da prova da verificação dos respetivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua atuação.

E, ao invés, cabe ao contribuinte provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, seja a efetiva existência de alegadas transações (…)”  - Cfr Acórdão do STA de 23-5-2007 – Processo nº 128/07 (cfr ainda o Acórdão do STA de 17-4-2007 – Processo 26.635 e Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, 2ª Ed., pg. 269

Como se afirmou no acórdão do STA n.º 1236/05, de 20/03/06, “(…)o conceito de indispensabilidade, sendo indeterminado, tem sido preenchido pela jurisprudência casuisticamente (…). A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objecto, foram abusivamente contabilizados como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito (…)”.

 

         Subsunção:

Ficou comprovado que a cessão do crédito e ulterior dação de imóvel em pagamento extinguiu dívidas da “A…, S.A.” à requerente no valor de 1.129.537,76, deixando intocado o crédito remanescente de € 300.000 [[Cfr o) e p), dos factos provados]].

Certo que a requerente emitiu uma nota de crédito de €300.000, substituindo o anexo 1 do contrato por novo anexo ao aditamento – Cfr anexo 3, do processo administrativo -, e que essa “nota de crédito” veio a ser refletida na contabilidade da requerente do seguinte modo:

- conta POC 728112 – Descontos em Serviços Prestados – Mercado Nacional – com IVA dedutível : € 250.00

- conta 243412 – IVA regularizações a favor da empresa – taxa normal: € 50.00.

 

         A questão porém é que este tratamento contabilístico não traduz a realidade na medida em que pura e simplesmente não ocorreu qualquer desconto, maxime passível de reflexos fiscais, designadamente ao nível dos artigos 23º, do CIRC e 78º, do CIVA.

         A presunção de veracidade da contabilidade e escrita (artigo 75º, da LGT) deixa de valer in casu para prevalecer, em consequência, a regra geral do ónus da prova (Cfr artigo 74º, da LGT).

         Por outro lado, não deixa de impressionar pela negativa relativamente à tese doutamente defendida pela requerente, a natureza do mencionado aditamento ao contrato de cessão de crédito e promessa de dação.

         Na verdade, associado ao facto de ser celebrado no mesmo dia do contrato que pretende constituir “aditamento”, com um clausulado que altera substancialmente as obrigações das partes e, sobretudo, com uma cláusula de confidencialidade absoluta que, no rigor literal (Cfr cláusula oitava) inviabilizava a própria invocação ou apresentação perante a Autoridade Tributária e Aduaneira [“(…) nenhuma das partes poderá proceder à sua apresentação a quaisquer terceiros (…)”], conduz necessariamente e  no mínimo, à dúvida sobre qual terá sido a realidade  e, consequentemente, acarreta a  desconsideração dos factos que eventualmente poderiam aproveitar à tese defendida pela requerente – Cfr artigo 516º, do CPC, aplicável subsidiariamente por força do artigo 29º-e), do Regulamento [[“(…) A dúvida sobre a realidade de um facto (…) resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (…)”]]

Destarte, a liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios inerentes em resultado da ação inspetiva da Autoridade tributária e Aduaneira, não enferma, por isso, de ilegalidade.

 

A questão à luz do artigo 78º, do CIVA

O artigo 78º-2, do CIVA contempla a redução do valor tributável em consequência de desconto e/ou redução do contrato.

Todavia, tal como ficou suficientemente demonstrado, não ocorreu, no caso dos autos, qualquer desconto ou redução da dívida uma vez que com a dação em pagamento continuaram por pagar faturas na importância de € 300.000.

Acresce que se se tratasse efetivamente dum desconto, então a regularização do IVA (€50.000) a favor da requerente implicaria necessariamente a prova da regularização dessa mesma importância a favor do Estado ou de que foi dado conhecimento ao adquirente dos serviços (no caso, a A…, S.A.) dessa retificação (Cfr artigo 78º-5, do CIVA).

Ora não está alegado nem provado que tenha ocorrido a regularização citada e tão pouco está alegado e demonstrado o conhecimento dada à A…, S.A. da correção nos termos exigidos pelo citado normativo.

Por outro lado e designadamente, não está igualmente alegada nem demonstrada a incobrabilidade desses créditos (€ 300.000) em processo de execução, insolvência e/ou procedimento extrajudicial de conciliação [[cfr 7., alíneas a), b) e c), do citado artigo 78º]].

Se e quando a requerente vier a reunir os pressupostos para a eventual regularização nos termos do citado artigo 78º-7, do CIVA, o exercício desse direito é assegurado através dos procedimentos legalmente previstos, designadamente nos artigos 98º-2, do CIVA.

Assim é que, sem necessidade de outras considerações, não se antolham reunidos in casu quaisquer dos pressupostos para a regularização de IVA à luz do artigo 78º, do CIVA.

Daí a plena legalidade da liquidação adicional de IVA e inerente liquidação de juros compensatórios.

 

A questão da ilegalidade das liquidações de juros compensatórios

Os fundamentos legais para a exigência de juros compensatórios pela AT estão previsto no artigo 35º, da LGT,

Nos termos do nº 8 do citado normativo, integram-se esses juros na dívida do imposto e são com este liquidados.

À luz também desse normativo e dos princípios gerais da responsabilidade civil, exige-se um nexo de causalidade adequada entre o comportamento do contribuinte e a falta de recebimento pontual da prestação tributária.

Ora, no caso concreto, atendendo à factualidade provada, é inquestionável  a liquidação dos juros compensatórios e a sua exigibilidade à requerente.

Destarte, não se verifica a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios.

III DECISÃO

Na sequência e em consequência do exposto, os juízes-árbitros que constituem este Tribunal, mantendo na sua totalidade os atos tributários sob impugnação, julgam:

a) Totalmente improcedentes os pedidos formulados pela requerente em I), II e III) do requerimento inicial e

b)  Prejudicada, em face de tal improcedência, a apreciação dos pedidos formulados em IV e V) do mesmo requerimento.

*

  • Valor da causa: € 126.379,58 – arts. 97º-A, do CPPT, 12º, do RJAT (DL 10/2011), 3º-2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT) e decisão arbitral interlocutória de 18-1-2013.
  • Custas nos termos da Tabela I, do RCPTA, calculadas em função do sobredito valor do pedido, a cargo da requerente - arts. 4º-1, do RCPTA e 6º-2/a) e 22º-4, do RJAT.

*

  • Notifique-se esta decisão arbitral às partes e, oportunamente, arquive-se o processo.

Lisboa e CAAD, 7 de março de 2013

 

Os juízes-árbitros

 

 

(José Poças Falcão)

(Nina Aguiar)

(António Nunes dos Reis)

 



[1] A fatura nº 36 de 6-8-2008 consta paga pelo valor de 24.373,43 conforme se pode verificar pelo recibo a que se alude infra, na alínea p) dos factos provados.

[2] O valor total desta fatura era de € 27.423,61 [[cfr anexo ao contrato de cessão de crédito na redação anterior ao aditamento – Cfr supra, factos provados – alíneas c) e d)]].