Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 91/2012-T
Data da decisão: 2013-01-21  IRC  
Valor do pedido: € 658.206,55
Tema: Indispensabilidade do gasto, subcapitalização, benefício fiscal pela criação líquida de postos de trabalho, prestação de serviços e fornecimentos externos, preços de transferência
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PROCESSO ARBITRAL N.º 91/2012-T


 

DECISÃO ARBITRAL


 

Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Pedro Carvalho e Prof. Doutor António Martins (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 27-9-2012, acordam no seguinte:

A – RELATÓRIO

 

REQUERENTE, …, LDA., com o número de contribuinte …, e sede na …, em ..., requereu a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos n.º 1 e 2 do art. 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (DL 10/2011, de 20 Janeiro), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, tendo em vista a obtenção de pronúncia arbitral relativamente à legalidade das liquidações adicionais de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) e respectivos juros compensatórios, respeitantes aos exercícios de 2007, 2008 e 2010, no valor total de € 658.260,55 (seiscentos e cinquenta e oito mil, duzentos e sessenta euros e cinquenta e cinco cêntimos), relativamente às quais havia expressamente apresentado reclamação graciosa (indeferida expressa e totalmente) e recurso hierárquico (em relação ao qual se formou presunção legal de indeferimento).

É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (que sucedeu à Direcção-Geral dos Impostos).

A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que o Conselho Deontológico do CAAD procedeu à designação do presente tribunal arbitral colectivo.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído no CAAD, no dia 27-09-2012, para apreciar e decidir o objecto do presente processo, conforme consta da respectiva acta.

Sustenta a Requerente, em síntese, a sua pretensão, no seguinte:

– Falta de fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente (pontos 43 a 45 da petição inicial);

– Violação do princípio do contraditório, porquanto a ATA terá ignorado os novos elementos disponibilizados pela Requerente em sede de Reclamação Graciosa, elementos estes adicionais em relação aos apresentados no direito de audição, tendo como objectivo expor e justificar os motivos para a inaceitabilidade de todas as correcções propostas (pontos 56 a 65 da petição inicial);

– Ilegalidade das correcções efectuadas nas liquidações impugnadas, respeitantes aos proveitos financeiros da Requerente, ao abrigo do anterior artigo 58.º (actual artigo 63.º) do Código do IRC, do montante dos juros debitados pela Requerente à A... UK, com um correspondente aumento do lucro tributável de IRC no montante de € 151.064,70 relativo ao exercício de 2007 e no montante de € 194.000,58 relativamente ao exercício de 2008, com base no entendimento de que o empréstimo concedido pela Requerente à A... UK, deveria ter utilizado o método do preço comparável de mercado para fixar a taxa de juro de plena concorrência a aplicar, devendo por isso os custos financeiros corresponder aos custos reconhecidos como prestações trimestrais conexas com um empréstimo contratualizado com o banco B... LLC ("B...)", entidade com sede nos EUA, em 11 de Agosto de 2006, resultando a taxa de juro da taxa Libor e Euribor trimestral acrescida de um spread de 4,5% (pontos 66 a 156 da petição inicial).

– Ilegalidade das correcções efectuadas nas liquidações impugnadas, ao abrigo do disposto no artigo 61.º (actual 67.º) do Código do IRC, dos juros suportados pela Requerente relativos a um financiamento obtido junto da entidade bancária B... LLC (com sede nos EUA), no montante de € 979.876,53 e € 684.078,68, relativamente aos anos fiscais de 2007 e 2008, respectivamente, e considerados como custo para efeitos de apuramento do lucro tributável de IRC, na parte em que correspondem a endividamento excessivo, que nos cálculos efectuados pela AT se consubstanciam num montante que totalizou € 615.811,34 (pontos 157 a 206 da petição inicial).

– Ilegalidade das correcções efectuadas nas liquidações impugnadas, do montante do benefício fiscal relativo à dedução de 50% dos encargos relativos à criação líquida de postos de trabalho, prevista no artigo 17.º (actual 19.º) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (de ora em diante, "EBF"), efectuada pela Requerente ao resultado tributável apurado em sede de IRC no exercício de 2007, no valor de € 133.252,80, por ter sido considerado que o cálculo efectuado pela Requerente não respeitou o disposto no n.º 5 do referido artigo, na redacção que lhe foi dada pela Lei 53.º-A/2006 de 29 de Dezembro, tendo sido “expurgados” do cálculo efectuado pela Requerente os encargos suportados nos meses em que esta beneficiava, igualmente, da dispensa de contribuições para a Segurança Social Portuguesa por ter efectuado contratação de colaboradores ao abrigo do Decreto-Lei n.º 89/95 de 6 de Maio (criação de primeiro emprego) (pontos 207 a 257 da petição inicial).

– Ilegalidade das correcções efectuadas nas liquidações impugnadas, ao abrigo do artigo 23.º do Código do IRC, dos custos suportados pela Requerente relativamente a serviços de gestão (“Management Charges”) debitados pelas sociedades A... UK e C..., no montante de € 1.657.947,03 relativamente ao exercício de 2007 e de € 1.908.065,40 relativamente ao exercício de 2008, porquanto, entende a Requerente, não estarão demonstradas as condições de aplicabilidade do art. 23.º do CIRC (pontos 258 a 348 da petição inicial), e por, em todo o caso e no seu mesmo entendimento, ter inexistido qualquer violação do regime do art.º 58.º (actual 63.º) do CIRC (pontos 349 a 415 da petição inicial), designadamente no que diz respeito a:

  • Serviços de Suporte Técnico (pontos 416 a 431 da petição inicial);

  • Tecnologias de Informação prestados pela D...(pontos 432 a 438 da petição inicial);

  • Serviços Financeiros e Administrativos (pontos 439 a 448 da petição inicial);

  • Custeio (pontos 449 a 472 da petição inicial);

  • Desenho CAD (pontos 473 a 490 da petição inicial);

  • Grupo de Suporte ao Produto (pontos 491 a 508 da petição inicial);

  • Desenvolvimento de Material (pontos 509 a 522 da petição inicial);

  • Marketing (pontos 523 a 536 da petição inicial);

  • Compras Centrais (pontos 537 a 558 da petição inicial);

  • Tecnologias de Informação prestados pela A... UK (pontos 559 a 570 da petição inicial);

  • Gestão de Projecto (pontos 571 a 578 da petição inicial);

  • Laboratório Externo MDC (pontos 579 a 593 da petição inicial);

  • Linha de Produto Tubos (pontos 594 a 601 da petição inicial);

  • Serviços Financeiros e Administrativos (pontos 602 a 616 da petição inicial).

A terminar a sua petição, e previamente à formulação de conclusões, a Requerente ensaia ainda a demonstração de que os preços fixados para os serviços em questão são substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes, em operações compatíveis.

Concluiu a Requerente pedindo:

– A anulação imediata das liquidações adicionais de IRC emitidas pela AT relativas aos anos de 2007, 2008 e 2010;

– A atribuição de indemnização à Requerente, pela AT, pela prestação indevida de duas garantias bancárias prestadas (no montante total de € 724,205,28) relativas às liquidações adicionais de IRC referentes aos exercícios de 2007 e 2008;

– O reembolso do montante de € 48.360,36 pago a título de imposto em sede de IRC relativamente ao ano de 2010; e,

– Pagamento de juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto em excesso relativo ao ano de 2010.

Para prova do alegado, a Requerente juntou prova documental (29 documentos) e arrolou prova testemunhal.

Na sua resposta, a AT A Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou a questão prévia da incompetência deste Tribunal Arbitral por entender estar em causa uma correcção da matéria colectável relativa a operações de financiamento e prestações de serviços efectuada ao abrigo do regime de preços de transferência, que entende tratar-se de matéria que não está abrangida pela jurisdição em matéria tributária, por contender com métodos de natureza extracontabilística, e atentos os princípios da não-recorribilidade das decisões arbitrais e tutela judicial efectiva (pontos 1 a 27 da contestação).

Defende-se ainda a AT por impugnação, contraditando o alegado pela Requerente relativamente às correcções reportadas:

– aos proveitos e custos financeiros (pontos 28 a 79 da contestação);

– à subcapitalização (pontos 80 a 96 da contestação);

– à questão da criação líquida de postos de trabalho (pontos 97 a 122 da contestação);

– à prestação de serviços e fornecimentos externos (pontos 123 a 161 da contestação).

Com o respectivo articulado, a AT juntou o processo administrativo e arrolou uma testemunha.

Por Despacho interlocutório foram decididas as questões prévias suscitadas pela AT, tendo o teor daquele sido o seguinte:

“A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão prévia da incompetência deste Tribunal Arbitral por estar em causa uma correcção da matéria colectável relativa a operações de financiamento e prestações de serviços efectuada ao abrigo do regime de preços de transferência, que entende tratar-se de matéria que não está abrangida pela jurisdição em matéria tributária, pelas seguintes razões, em suma:

– O juízo de comparabilidade em que assenta a aplicação do regime dos preços de transferência é o método mais apto para a sua determinação e, não obstante a densificação de conceitos e de critérios introduzida pelo legislador com a Lei n.º 30–G/2000, de 29/12, que alterou o art. 58.º do CIRC, e com a Portaria n.º 1446-C/2000, de 21/12, depende, em grande medida, de análises complexas e elaboradas, compostas por um grande número de variáveis, da disponibilidade e facilidade de recolha de dados comparáveis externos e do maior ou menor apelo a critérios de índole subjectiva e aos pressupostos básicos assumidos;

–  Os métodos de correcção dos preços de transferência para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados numa operação comparável entre entidades independentes, revestem-se, portanto, de uma natureza extra contabilística com vista à melhor estimativa de um preço independente;

–  Tal como os métodos indirectos previstos nos arts. 81.º e seguintes da LGT, também a determinação dos preços de transferência é efectuada a partir de elementos de que a administração tributária disponha, assente em critérios que embora tendencialmente objectivos pressupõe uma ampla margem de discricionariedade técnica na sua aplicação; 
– Esta ampla margem de discricionariedade no tratamento de dados com vista à determinação do preço de transferência para cálculo do lucro tributável que ocorreria se tivessem sido praticadas pelo contribuinte as condições normais de mercado praticadas por entidades independentes, que justifica o especial cuidado no dever de fundamentação destas correcções, tal como se encontra consignado no na 3 do art. 77.º da LGT, à semelhança do que sucede com os métodos indirectos, conforme na 4 e 5 do mesmo normativo legal;
À semelhança do que acontece com os métodos indirectos de determinação da matéria colectável, também a determinação dos preços de transferência é efectuada com recurso a elementos de que a administração fiscal disponha, estando as decisões proferidas em ambas as matérias revestidas de especiais cuidados quanto ao respectivo dever de fundamentação, tal como resulta do disposto no art. 77.º da LGT;

– Ao excluir da jurisdição arbitral as matérias consignadas na alínea b) do art. 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03, foi afastada a sua sujeição à regra geral da irrecorribilidade das decisões arbitrais, salvaguardando-se, assim, a possibilidade de recurso, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, nos termos gerais.

– No que concerne às correcções efectuadas ao abrigo dos preços de transferência, à semelhança do que sucede com a determinação da matéria colectável através de métodos indirectos, a regra de irrecorribilidade das decisões arbitrais reveja-se especialmente atentatória do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva. Ao abrigo do mencionado princípio da irrecorribilidade, a decisão arbitral que venha a ser proferida, com as limitações decorrentes da pretendida celeridade processual, não será susceptível de uma segunda apreciação quanto à vasta e complexa matéria de facto objecto de pronúncia, ficando a sua reapreciação limitada às questões de direito;

– Refém de um tribunal privado, constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativo, pessoa colectiva de direito privado, o Estado vê-se, na prática, impedido de defender o interesse público, consubstanciado nas correcções efectuadas ao abrigo dos preços de transferência, através de um segundo nível de controlo jurisdicional da decisão arbitral que venha a ser proferida, especialmente no que concerne à matéria de facto mas também no que importa às questões de direito.

– Deste modo, fica assim desprotegido o interesse público associado à cobrança de impostos, suporte do modelo constitucional de um Estado social e de direito, em clara violação do n.º 1 do art. 104.º e alínea b) do n.º 1 do art. 81.º, ambos da CRP.

– As mesmas razões que levaram o legislador a excluir da jurisdição dos tribunais arbitrais as matérias sujeitas a uma apreciação indiciária e presuntiva aplicam-se, também, ao regime dos preços de transferência.

– Por um princípio de igualdade e equidade no acesso à justiça, pois as mesma razões não podem, perante situações idênticas, nuns casos impedir o acesso dos contribuintes a esta via alternativa, e noutros permitir o seu acesso, criando condições discriminatórias e arbitrárias de acesso ao direito para situações idênticas, mais concretamente no que respeita ao reforço da tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos e de uma maior celeridade na resolução de litígios, tal qual é preconizado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

– Se os métodos indirectos tributam um rendimento que se presume auferido, cabendo ao contribuinte comprovar que era outra a sua natureza ou montante, ou que simplesmente não foram auferidos rendimentos sujeitos a tributação, já os preços de transferência tributam um lucro estimado que teria ocorrido se tivessem sido praticadas as condições normais de mercado entre entidades independentes, cabendo ao contribuinte calcular a correspondente correcção para efeitos fiscais.

– Uma interpretação da alínea b) do art. 2º da aludida Portaria que não contemple a exclusão da arbitragem tributária das correcções efectuadas ao abrigo do regime dos preços de transferência é, necessariamente, uma interpretação em violação do direito constitucional de acesso à tutela jurisdicional efectiva na protecção do interesse público.

– A falta de vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao tribunal arbitral traduz– se na imediata impossibilidade da eficácia subjectiva de um julgado que, se fosse proferido nas matérias excluídas, não produziria quaisquer efeitos sobre a parte que haveria de o executar, consubstanciando, portanto, falta de jurisdição, delimitada em função da matéria,

– Por força do disposto na alínea b) do art. 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03, a entidade Requerida não está vinculada à jurisdição arbitral em matéria tributária relativamente a actos de determinação do lucro tributável efectuados ao abrigo do regime dos preços de transferência.

A Requerente, quanto à questão da incompetência defende, em suma, o seguinte:

– A alínea b) do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, determina a vinculação da Direcção-Geral de Impostos à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, exceptuando as «pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão».

– Desta norma não se pode concluir pela exclusão dos actos de aplicação do regime de preços de transferência da vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira à jurisdição arbitral;

– Não existe qualquer base legal para uma aplicação analógica daquela norma.

– O art. 77.º da LGT exige a fundamentação de todos os actos tributários, estabelecendo regras específicas e distintas para os preços de transferência e para a tributação por métodos indirectos, pelo que não se compreende a sua invocação para ver analogia entre as duas matérias.

– O regime legal dos preços de transferência é distinto do regime de aplicação de métodos indirectos, pelo que há diferenças substancial e formal entre eles.

– O tratamento analógico de situações distintas viola o princípio da igualdade (art. 13.º da CRP).

– Se se pretendesse excluir as questões relativas a preços de transferência da jurisdição arbitral, ter-se-ia feito referência expressa.

– A Autoridade Tributária e Aduaneira encontra-se vinculada à jurisdição arbitral na generalidade das matérias não expressamente elencadas.

– As decisões proferidas em recurso hierárquico podem ser objecto do processo arbitral.

– Os tribunais arbitrais são um meio alternativo ao processo de impugnação judicial quanto aos actos indicados no art. 2.º do RJAT que não são excluídos da vinculação.

– A recusa da competência do tribunal arbitral implica violação do acesso à justiça e dos princípios da igualdade e equidade nesse acesso e do direito à tutela judicial efectiva.

– Pela fundamentação do relatório da Inspecção Tributária não é sequer claro se as correcções que efectuou se baseiam no regime dos preços de transferência.

O art. 124.º, n.º 3, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, autorizou o Governo «a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária», que «deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária», tendo como objectivo «reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes, devendo ser instituída de modo a constituir um direito potestativo dos contribuintes».

O DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), em parcial dissonância com estas directrizes, instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no seu art. 2.º, e fez depender a vinculação da administração tributária de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça.

Através da Portaria n.º 112-A/2011, de 20 de Abril, o Governo, pelos Ministros de Estado e das Finanças e Justiça, vinculou os serviços da Direcção-Geral de Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD (art. 1.º) (a estes serviços corresponde, actualmente, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do art. 118/2011, de 15 de Dezembro).

No art. 2.º desta Portaria define-se o objecto da referida vinculação nos seguintes termos:

Artigo 2.º

Objecto da vinculação

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

Como se vê, neste art. 2.º estabeleceu-se, em primeiro lugar, no seu corpo, uma vinculação genérica daqueles serviços, actualmente da Autoridade Tributária e Aduaneira, à jurisdição de tribunais arbitrais que tenham por «objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro».

Depois, nas quatro alíneas deste art. 2.º, arrolaram-se as excepções à regra da vinculação que consta do corpo do artigo.

O que a Autoridade Tributária e Aduaneira defende no presente processo é, ao fim e ao cabo, que, além destas excepções indicadas nas alíneas deste art. 2.º, há mais uma, que é a da determinação da matéria colectável em que se faça a aplicação do regime dos preços de transferência.

É manifesto, porém, que esta pretensão carece de suporte normativo.

Na verdade, por um lado, o referido art. 2.º não comporta qualquer lacuna de regulamentação, pois, no seu corpo abrangem-se todas as situações em que há competência dos tribunais arbitrais à face do art. 2.º, n.º 1, do RJAT que não são excepcionadas.

E, por isso, se nas excepções não vem indicada a não vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira quando esteja em causa a apreciação da legalidade de actos que façam aplicação do regime de preços de transferência, a situação terá forçosamente de considerar-se abrangida pela regra do corpo do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011.

Por outro lado, como é princípio geral da interpretação jurídica, «as normas excepcionais não comportam aplicação analógica» (art. 11.º do Código Civil), pelo que o intérprete não pode transformar em excepção algo que normativamente se incluiu no âmbito de aplicação do regime regra.

A pretensão de incluir no âmbito das excepções todas as situações em que esteja em causa a apreciação de questões técnicas (identificadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira com apelo ao ultrapassado e inadequado conceito de «discricionariedade técnica») não tem qualquer suporte legal, e estaria ao arrepio da intenção expressa de incluir no âmbito da jurisdição arbitral as questões relativas à fixação de valores patrimoniais, em que é manifesto que há campo para aplicação de elementos de ordem subjectiva.

Por outro lado, a eventual explicação para a opção governamental de exclusão do âmbito da jurisdição arbitral das questões relativas à determinação da matéria tributável através de métodos indirectos, não estará na existência de uma margem de subjectividade, mas sim no facto de para apreciação dessas questões já se prever no âmbito do procedimento tributário um procedimento especial com características essencialmente semelhantes às que enformam os tribunais arbitrais colectivos no âmbito da arbitragem voluntária, em que é indicado um perito pelo contribuinte e outro pela administração tributária e há intervenção de um terceiro perito independente de nomeação pelas partes (arts. 91.º a 93.º da LGT).

A argumentação relativa à competência técnica necessária para a apreciação de questões relativas à aplicação do regime de preços de transferência não permite retirar qualquer ilação em sentido diferente, pois, por um lado, todos os árbitros em matéria tributária são, por exigência legal, «juristas com pelo menos 10 anos de comprovada experiência profissional na área do direito tributário, designadamente através do exercício de funções públicas, da magistratura, da advocacia, da consultoria e jurisconsultoria, da docência no ensino superior ou da investigação, de serviço na administração tributária, ou de trabalhos científicos relevantes nesse domínio» ou licenciados em Economia ou Gestão, quando as questões exijam um conhecimento especializado de outras áreas (art. 7.º, n.ºs 2 e 3, do RJAT). Por isso, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD são presumivelmente formados por quem tem comprovados conhecimentos profissionais necessários para apreciação da generalidade das questões tributárias que sejam submetidas à sua apreciação.

Aliás, no caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira não levantou nem levanta na sua resposta qualquer questão relativa a deficiência na formação do tribunal arbitral, designadamente tendo em conta as suas qualificações profissionais, como lhe permite o Código Deontológico do CAAD, pelo que tem de se considerar processualmente assente que todos os árbitros dispõem das competências necessárias para o desempenho das suas funções.

Para além disso, como na generalidade dos processos judiciais tributários, é possível nos tribunais arbitrais tributários a utilização de prova pericial e pareceres técnicos, através de aplicação subsidiária do art. 116.º do CPPT [por via do art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT], pelo que é forçoso concluir que os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não dispõem de menores meios do que os tribunais tributários estaduais para adequada apreciação das questões técnicas que se suscitem nos litígios lhe sejam submetidos.

O objectivo de celeridade que se pretende nos processos arbitrais, não é incompatível com a apreciação das questões relativas a preços de transferência, pois os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dispõem do prazo de seis meses, prorrogável até doze meses (nos termos do art. 21.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT), para decidir as questões desse tipo que lhe sejam apresentadas, enquanto essas mesmas questões, juntamente com todas as outras que relevem para a decisão de cada procedimento tributário, nomeadamente em reclamações graciosas, têm de ser decididas em apenas quatro meses, por imposição do art. 57.º, n.º 1, da LGT, na redacção dada pela n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que reduziu o prazo de seis meses anteriormente previsto na mesma norma e no art. 36.º, n.º 2, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária. Para além disso, essas mesmas questões, quando são objecto de recurso hierárquico, têm de ser decididas pela Autoridade Tributária e Aduaneira no prazo máximo de 60 dias (art. 66.º, n.º 5, do CPPT), pelo que, na perspectiva legislativa, este é um período de tempo suficiente para a sua resolução, quando se trata de apreciação da legalidade de um acto anterior, o que é, precisamente, a situação que se verifica em relação aos tribunais arbitrais.

Isto é, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD podem dispor de um prazo de 12 meses para resolver questões relativamente às quais a lei impõe à administração tributária a resolução em 60 dias, o que significa que aqueles dispõem de seis vezes mais tempo do que o que legislativamente se considera necessário para apreciação da legalidade de actos em matéria tributária.

Por isso, tendo de pressupor-se, por imposição do princípio da unidade do sistema jurídico (art. 9.º, n.º 1, do Código Civil) que as soluções legislativas são coerentes, o princípio da celeridade não pode considerar-se incompatível com a apreciação dessas questões pelos trabalhos.

Aliás, é de notar, neste contexto, que a tarefa dos tribunais arbitrais na apreciação destas questões é tendencialmente muito menos árdua do que o pode ser no âmbito do procedimento tributário, pois os tribunais arbitrais podem usufruir das presumivelmente prestimosas colaborações das partes na discussão de tais questões, com todas as virtualidades do contraditório, erigido pela nossa lei processual como potenciador da qualidade das decisões de litígios.

No que concerne às restrições ao recurso que vigoram no domínio do RJAT, designadamente à não admissibilidade de recurso da matéria de facto, está em evidente sintonia com a directriz que consta da alínea h) do n.º 4 do art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se estabelece que o regime da arbitragem tributária deveria consagrar, como regra, a irrecorribilidade da sentença proferida pelo tribunal arbitral, prevendo a possibilidade de recurso, para o Tribunal Constitucional, apenas nos casos e na parte em que a sentença arbitral recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada.

Trata-se de uma solução legislativa que se explica pela intenção de celeridade que se pretende obter com a arbitragem tributária e que abstractamente, em si mesma, não pode ser considerada favorável ou prejudicial ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, quando comparada com o regime que vigora nos tribunais tributários, pois o regime do RJAT tanto obsta ao recurso de decisões arbitrais favoráveis à Administração Tributária como de decisões que lhe sejam desfavoráveis, sendo processualmente vantajoso para esta quando lhe as decisões lhe sejam favoráveis e desvantajoso quando as decisões arbitrais lhe sejam desfavoráveis.

Por outro lado, em geral, nada garante que a decisão proferida em segundo grau de jurisdição seja de melhor qualidade do que a de primeiro grau, sendo perfeitamente admissível que ocorra precisamente o contrário, como comprovam as inúmeras decisões do Supremo Tribunal Administrativo que, em recurso excepcional de revista, têm revogado decisões dos Tribunais Centrais Administrativos, confirmando decisões de 1.a instância.

E, se é certo que em relação aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, que estão hierarquicamente organizados com colocação nos Tribunais Superiores de juízes de maior categoria profissional, ainda se pode falar de tendencial presumível melhor qualidade das decisões proferidas em recurso, tal conclusão não pode ser transposta linearmente para o âmbito da jurisdição arbitral, em face dos requisitos especiais de experiência e qualidade dos árbitros.

De qualquer modo, concorde-se ou não com tal opção legislativa sobre recursos jurisdicionais, o certo é que é inequívoco que se pretendeu adoptar tal solução, pelo que, num Estado de Direito, o intérprete tem de acatar tal regra, não podendo sobrepor aos critérios legislativos as soluções que ele próprio adoptaria se, em vez de ser um mero intérprete da lei, fosse ele o legislador.

Na verdade, a limitação de recursos jurisdicionais é uma regra que, em maior ou menor medida, é adoptada na generalidade do direito público (tanto nos tribunais administrativos como nos tribunais tributários há alçadas, nos termos do art. 6.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e do art. 6.º do CPPT).

Por outro lado, trata-se de uma opção legislativa que é constitucionalmente admissível, pois o direito à reapreciação das decisões jurisdicionais apenas poderá considerar-se necessário para assegurar a tutela judicial efectiva quando estiverem em causa direitos fundamentais dos cidadãos.

O direito de acesso aos tribunais e à tutela judicial efectiva não implica que exista sempre a garantia de um duplo grau de jurisdição, pelo que não são inconstitucionais as normas que o afastam quando não as decisões não afectam direitos fundamentais dos administrados.

Neste contexto importa dizer ainda que a tutela judicial efectiva que a Constituição garante em matéria de contencioso de actos da Administração praticados ao abrigo dos seus poderes de direito público de autotutela declarativa é um direito reconhecido aos administrados que sejam por ele lesados e não à Administração (art. 268.º, n.º 4, da CRP) que, no nosso sistema de administração executiva, os pratica e pode coercivamente executar sem recurso aos tribunais.

No que concerne à invocada violação do princípio da igualdade, independentemente da pertinência que possa ter ou não a sua invocação no presente contexto, é patente, que não se pode afirmar, que as mesmas razões que levaram o legislador a excluir da jurisdição dos tribunais arbitrais as matérias sujeitas a uma apreciação indiciária e presuntiva se aplicam, também, ao regime dos preços de transferência.

Na verdade, por um lado, nem foi o legislador que excluiu a determinação da matéria colectável por métodos indirectos do âmbito da jurisdição arbitral, mas sim a própria Administração, através de Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois esta não é um acto legislativo, mas sim de um acto de natureza regulamentar, praticado por membros do Governo ao abrigo da sua competência administrativa, no caso a prevista na alínea c) do art. 199.º da CRP, e não da competência legislativa, indicada no artigo anterior.

Por outro lado, como se disse, a única explicação aceitável para excluir actos de determinação da matéria colectável através de métodos indirectos da jurisdição arbitral, é o facto de se prever já um procedimento especial para a revisão de tais actos, com estrutura idêntica à dos tribunais arbitrais, o que não se verifica em relação aos actos que aplicam o regime dos preços de transferência.

Por isso, não se está perante situações essencialmente idênticas, como pressupõe a violação do princípio da igualdade.

Improcede, assim a questão prévia suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente à incompetência deste Tribunal Arbitral.”

Foi realizada nas instalações do CAAD, em 8-11-2012, a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde, para além do mais, face à conclusão de que tal se revelava necessário para a boa decisão da causa, foi designado o dia 14-12-2012 para a produção da prova testemunhal arrolada pelas partes nos respectivos requerimentos iniciais.

Por requerimento entretanto apresentado, a Requerente pediu a substituição de uma das testemunhas arroladas inicialmente, por uma outra que devidamente identificou, o que foi deferido.

No referido dia 14-12-2012 realizou-se a produção de prova testemunhal agendada, tendo comparecido todas as testemunhas, apresentadas pelas respectivas partes. Nessa mesma diligência foi deferida às partes a possibilidade de, simultaneamente e até ao dia 4 de Janeiro de 2013, apresentarem as alegações que tivessem por pertinentes de forma escrita, o que ambas fizeram.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Tudo visto, cumpre proferir:


 

B. DECISÃO


 

I – MATÉRIA DE FACTO

Factos dados como provados:

  1. A Requerente é uma sociedade comercial sedeada em ..., cuja actividade é o fabrico de componentes de borracha e plástico para a indústria … e que resultou da fusão, por incorporação da sociedade E..., Lda. (de ora em diante, "E…") na sociedade F…, Lda. (de ora em diante, "F..."), com a simultânea alteração da designação social desta última sociedade para Requerente, Lda. (a Requerente), em 2007.

  2. A Requerente pertencia, à data dos factos, ao Grupo G…, Inc., cuja sede se localiza nos Estados Unidos da América, sendo o seu capital social, no montante de € 590.673,17, repartido do seguinte modo:

  3. Uma quota de € 590.573,17 que representa 99,9831 % do seu capital social, detida pela sociedade A… UK (de ora em diante, "A... UK"), com sede no Reino Unido; e,

  4. Uma quota de € 100,00 que representa 0,0169% do seu capital social detida pela sociedade H...Holdings Inc. (de ora em diante, "H…"), com sede nos EUA.

  5. A Requerente, à data dos factos, era parte integrante de um Grupo multinacional e pluricontinental, com sede nos EUA, onde eram tomadas as principais decisões.

  6. A Requerente tinha no seu quadro de pessoal, à data dos factos, um conjunto de mais de 300 trabalhadores.

  7. Tal posicionava a Requerente como um dos principais empregadores do Concelho de ....

  8. A Requerente submeteu nos exercícios de 2007 e 2008 as respectivas declarações anuais de rendimentos Modelo 22, tendo sido apurados, respectivamente, os montantes de imposto a pagar de € 96.236,85 e de € 55.245,93.

  9. No exercício de 2010, a Requerente foi notificada, no cumprimento da Ordem de Serviço n.º …, de uma acção de inspecção de âmbito geral, iniciada em 29 de Junho de 2010, incidente sobre o exercício de 2008.

  10. Posteriormente, em 8 de Setembro de 2010, a Requerente foi notificada do alargamento do âmbito da acção de inspecção, passando esta a abranger também o exercício de 2007.

  11. Na sequência do referido procedimento inspectivo, a Requerente foi notificada do projecto de relatório de inspecção tributária ("Projecto de Relatório"), no qual foram propostas as seguintes correcções:

  12. Proveitos financeiros / Custos financeiros

Correcção, ao abrigo do anterior artigo 58.º (actual artigo 63.º) do Código do IRC, do montante dos juros debitados pela Requerente à A... UK, com um correspondente aumento do lucro tributável de IRC no montante de € 151.064,70 relativo ao exercício de 2007 e no montante de € 194.000,58 relativamente ao exercício de 2008.

  1. Subcapitalização

Correcção, ao abrigo do disposto no artigo 61.º (actual 67.º) do Código do IRC, dos juros suportados pela Requerente e considerados como custo para efeitos de apuramento do lucro tributável de IRC de 2007, na parte alegadamente considerada como endividamento excessivo, no montante de € 615.811,34.

  1. Benefício fiscal pela criação líquida de postos de trabalho

Correcção do montante do benefício fiscal pela criação líquida de postos de trabalho, previsto no artigo 17.º (actual 19.º) do Estatuto dos Benefícios Fiscais, deduzido pela Requerente ao resultado tributável apurado em sede de IRC no exercício de 2007, no valor de € 133.252,80.

  1. Fornecimentos e serviços externos – "Management Charges"

Correcção, ao abrigo do artigo 23º do Código do IRC, dos custos suportados pela Requerente relativamente a serviços de gestão debitados pelas sociedades A... UK e C... (de ora em diante, "D…"), no montante de € 1.657.947,03 relativamente ao exercício de 2007 e de € 1.908.065,40 relativamente ao exercício de 2008.

  1. Relativamente à correcção efectuada sobre os montantes relativos aos fornecimentos e serviços externos – "Management Charges", e na sequência do exercício do direito de audição prévia por parte da Requerente, a AT, aquando da elaboração do relatório final de inspecção tributária, considerou apenas parcialmente os elementos adicionais facultados, tendo recalculado o ajustamento proposto, de que resultaram os montantes de € 1.261.435,88 relativamente ao exercício de 2007 e de € 1.447.803,99 relativamente ao exercício de 2008.

  2. Posteriormente e na sequência das correcções efectuadas no relatório final de inspecção tributária respeitantes ao exercício de 2007, a Requerente foi notificada, em 23 de Maio de 2011, da liquidação adicional de IRC n.º 2011 …, da qual resultou um valor a pagar de € 492.106,99.

  3. Ainda em 23 de Maio de 2011 a Requerente foi notificada da demonstração de compensação e cobrança n.º 2011 … relativa ao exercício de 2007, da qual resultou um montante a pagar de € 466.019,15.

  4. A 30 de Maio de 2011, a Requerente foi também notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2011 …, na qual se encontram reflectidas as correcções efectuadas no relatório final de inspecção tributária referentes ao exercício de 2008 e da qual resultou um valor a pagar de € 62.493,27.

  5. Simultaneamente, em 30 de Maio de 2011, foi notificada à Requerente a demonstração de compensação e cobrança n.º 2011 … relativa ao exercício de 2008, da qual resultou um montante a pagar de € 117.739,20, e que se reflecte numa redução do valor dos prejuízos fiscais disponíveis para utilização em exercícios futuros, bem como na dedução da totalidade dos Pagamentos Especiais por Conta (de ora em diante, "PEC") efectuados no próprio exercício.

  6. A Requerente foi notificada no dia 11 de Agosto de 2011 da demonstração da liquidação adicional de IRC n.º 2011 …, na qual foram desconsiderados os valores dos PEC efectuados no exercício de 2008 que tinham sido deduzidos à colecta do exercício de 2010, e da qual resultava um montante de imposto a pagar de € 48.360,36.

  7. O pagamento da liquidação adicional mencionada no artigo anterior foi efectuado no prazo previsto na mesma.

  8. Na sequência da notificação das liquidações adicionais de IRC supra referidas, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa.

  9. Em 27 de Janeiro de 2012, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento total da referida Reclamação Graciosa.

  10. Em 28 de Fevereiro de 2012, a Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento total da Reclamação Graciosa, proferida pela Administração Tributária.

  11. A Administração Tributária não se pronunciou acerca do Recurso Hierárquico até à apresentação da petição inicial, tendo-se formado a presunção de indeferimento tácito em 28 de Abril de 2012.

  12. Com data de 18-10-2011, a Requerente prestou uma garantia bancária, autónoma, incondicional e à primeira solicitação, até ao montante máximo de € 592.475,95, a favor da DGCI – Serviço de Finanças de ..., no processo de execução fiscal n.º … .

  13. Com data de 18-10-2011, a Requerente prestou uma garantia bancária, autónoma, incondicional e à primeira solicitação, até ao montante máximo de € 149.729,33, a favor da DGCI – Serviço de Finanças de ..., no processo de execução fiscal n.º … .

  14. A Requerente evidenciava, no início de 2007, uma dívida financeira de € 12.884.436,46 como passivo devido à entidade B... LLC.

  15. A AT fundamentou o recurso à aplicação de correcções aos proveitos financeiros da Requerente com base no facto de considerar que os proveitos financeiros reconhecidos pela Requerente, nos exercícios de 2007 e de 2008, estão relacionados com empréstimos concedidos à A... UK, os quais rendem juros à taxa final anual de 4%, taxa distinta da suportada em empréstimos passivos.

  16. No que concerne especificamente aos custos financeiros, entendeu a AT que os custos em questão correspondem a custos reconhecidos como prestações trimestrais conexas com um empréstimo contratualizado com o banco B... LLC ("B..."), entidade com sede nos EUA, em 11 de Agosto de 2006, resultando a taxa de juro da taxa Libor e Euribor trimestral acrescida de um spread de 4,5%.

  17. Da análise efectuada às operações descritas, a AT considerou, que "a taxa de juro suportada, para remunerar os capitais alheios (empréstimos obtidos) é mais do dobro da taxa de juro exigida pelo s.p., no empréstimo, de capitais próprios, concedidos à A... UK, uma entidade relacionada".

  18. De acordo com o entendimento da Administração Tributária "um sujeito passivo independente, tendo excedentes (conforme demonstra, no caso concreto, o empréstimo concedido), não optaria, por manter um empréstimo com taxas de juro, superiores às que obtém na aplicação desses excedentes (concessão de empréstimos) e não aceitaria ter um custo, de que não necessita para a realização dos seus proveitos e para o exercício da sua actividade, se o benefício obtido da aplicação dos excedentes, na concessão de empréstimos, fosse inferior, pois estaria a deturpar a noção de sociedade, no que toca à sua finalidade".

  19. Pelo que, a AT considerou que ocorreu a violação do conceito legal de sociedade previsto no artigo 980.º do Código Civil e a violação do princípio da plena concorrência que deve pautar as relações entre entidades relacionadas, entendendo que deveria ter sido utilizado o método do preço comparável de mercado como o método "correcto" para fixar a taxa de juro de plena concorrência a aplicar às operações em questão, por via de comparáveis internos e externos.

  20. Com base nestes argumentos, concluiu a AT ser devido, relativamente aos exercícios de 2007 e 2008, um ajustamento ao lucro tributável da Requerente, nos montantes respectivamente de € 151.064,70 e € 194.000,58, que corresponde ao diferencial de taxas já acima mencionado.

  21. Segundo informação publicada pelo Banco de Portugal, as taxas praticadas em operações comparáveis realizadas entre entidades independentes estão de acordo com o seguinte gráfico:

 

  1. No Relatório da Inspecção Tributária não foi efectuada qualquer análise do cumprimento do princípio de plena concorrência no empréstimo recebido da A... UK, o qual tem a natureza de suprimento, destinado à amortização do empréstimo com o B..., no montante de € 2.838.031,19 (dois milhões, oitocentos e trinta e oito mil e trinta e um euros e dezanove cêntimos), ou à prestação suplementar concedida, no montante de € 4.000.000,00 (quatro milhões de euros) destinada à recuperação da situação líquida da Requerente.

  2. Os fundos assim obtidos não deram origem ao pagamento de quaisquer juros à A... UK, os quais a existirem iriam reduzir a matéria colectável da Requerente, e consequentemente o respectivo imposto a pagar.

  3. Não foi de igual forma analisado o cumprimento do princípio de plena concorrência associado à ausência de remuneração das garantias reais prestadas pelas accionistas da Requerente (A... UK e H… Inc.).

  4. No que respeita à inexistência de remuneração das garantias prestadas à Requerente, a Administração Tributária não apresenta qualquer argumentação para a sua exclusão do âmbito da análise efectuada às operações financeiras.

  5. A AT considera que será aplicável o regime da subcapitalização ao facto de a Requerente ter suportado e registado na subconta 6811 juros relativos a um financiamento obtido junto da entidade bancária B... LLC (com sede nos EUA), no montante de € 979.876,53 e € 684.078,68, relativamente aos anos fiscais de 2007 e 2008, respectivamente.

  6. Sobre o referido financiamento foi prestada, pelas sócias da Requerente (A... UK e H…) uma garantia real (penhor de quotas) a favor da entidade credora.

  7. Entendeu a Administração Tributária que o regime estatuído no artigo 61.º (actual 67.º) do Código do IRC, nomeadamente, por aplicação do n.º 2 e 3 do referido artigo será aplicável à situação da Requerente por esta entidade estar em situação de relações especiais para com as entidades que prestaram garantia real sobre o financiamento obtido à entidade terceira.

  8. A Administração Tributária sustentou tal argumento por entender ter existido um excesso de endividamento da Requerente "pelo facto de o montante em dívida, ao terceiro, B... LLC ser o dobro do valor da correspondente participação, das entidades relacionadas, no capital próprio do s.p. (...)" referindo que este excesso de endividamento, durante parte do exercício de 2007, resulta de um comparativo efectuado entre o valor do endividamento da Requerente para com a B... e o valor do dobro do capital social da Requerente.

  9. Por tal motivo, entendeu a AT que os juros suportados pela Requerente não poderiam ser dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável em sede de IRC, na parte em que correspondem a endividamento excessivo, e que nos cálculos efectuados pela AT se consubstanciaram num montante de € 615.811,34.

  10. A dedução de 50% dos encargos relativos à criação líquida de postos de trabalho, previsto no artigo 17.º (actual 19.º) do Estatuto dos Benefícios Fiscais, correspondeu, de acordo com os cálculos efectuados pela Requerente, ao montante total de € 420.739,32.

  11. Estes cálculos, segundo o entendimento da AT, foram efectuados "incorrectamente" pelo que veio a AT proceder a uma correcção oficiosa dos mesmos, na sequência da acção de inspecção instaurada, retirando do cálculo efectuado pela Requerente os encargos suportados nos meses em que esta beneficiava, igualmente, da dispensa de contribuições para a Segurança Social Portuguesa por ter efectuado contratação de colaboradores ao abrigo do Decreto-Lei n.º 89/95 de 6 de Maio (criação de primeiro emprego).

  12. Esta correcção consistiu numa redução no valor da majoração, ao abrigo do artigo 17.º (actual 19.º) do EBF, resultando no montante de € 133.252,80, dedutível em sede de IRC.

  13. Acrescentou a Administração Tributária, para sustentar esta sua correcção, que apesar da norma prevista no n.º 5 do artigo 17.º do EBF ter sido aditada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2007) e, portanto, ser posterior à data da concessão do benefício (pelo período de cinco anos), deveria ainda assim ser aplicada à Requerente, por força do disposto no artigo 88.º da referida Lei, nomeadamente, face ao disposto na sua alínea e).

  14. Referiu também a AT que a Informação Vinculativa n.º 1145/07, de 26 de Maio de 2008, emitida pela própria AT, refere, entre outros aspectos, que o benefício fiscal concedido no artigo 17.º (actual 19.º) do EBF não seria cumulável com os benefícios ficais concedidos pelo Decreto-Lei 89/95, de 6 de Maio.

  15. Entendeu a Administração Tributária que esta impossibilidade de cumulação de benefícios fiscais seria aplicável à Requerente, a partir da entrada em vigor da Lei 53-A/2006 (Orçamento de Estado para 2007), ao abrigo da respectiva alínea e) do artigo 88.º, da qual se extrai que passa a não ser cumulável qualquer benefício fiscal da mesma natureza com aquele que tenha sido concedido a uma entidade empregadora (como a Requerente) ao abrigo do n.º 5 do artigo 17.º (actual 19.º) do EBF.

  16. Na sequência da análise efectuada pela AT à conta 62 – Fornecimento e Serviços Externos (FSE), concluiu aquela pela relevância da rubrica 62236 – Trabalhos especializados, e em particular dos valores contabilizados na subconta 6226361 – "Management Charges", e, neste sentido, pela necessidade de efectuar uma análise mais aprofundada desta rubrica.

  17. Neste âmbito, desenvolveu a Administração Tributária uma análise à aquisição de serviços intra-grupo pela Requerente a entidades que concluiu serem relacionadas, nomeadamente a A... UK e a D… .

  18. Os serviços em questão constam de cinco facturas, a saber:

  19. Duas relativas ao ano de 2007, nos valores de € 1.368.553,20, emitida por A… UK, e € 289.393,83, emitida I…, no total de € 1.657.947,03);

  20. Três relativas ao ano de 2008, nos valores de € 1.569.768,32, emitida por A… UK, € 298.592,64, emitida I…, e € 39.704,44, emitida I … (C…, Inc), no total de € 1.908.065,40.

  21. A análise realizada incidiu sobre a descrição dos serviços realizada no ponto 6.3. do dossier fiscal de preços de transferência (DFPT) da Requerente, referente aos exercícios de 2007 e 2008, nas suas componentes de descrição e análise do benefício económico das aquisições de serviços, i.e.:

  22. Necessidade de aquisição dos serviços e respectivos benefícios;

  23. Garantia de ausência de duplicação de serviços contratados;

  24. Metodologia de formação do preço na prestação de serviços;

  25. Análise funcional, de riscos e activos das actividades envolvidas na operação; e,

  26. Análise económica à prestação de serviços.

  27. No que respeita à descrição dos serviços prestados, de acordo com a Administração Tributária, "os DFPT (2007 e 2008) não identificam concretamente os serviços prestados, limitando-se a identificar áreas de actuação e a dar exemplos genéricos dos serviços prestados".

  28. Relativamente à análise da necessidade de aquisição dos serviços e respectivos benefícios, considerou a Administração Tributária que a argumentação da Requerente é meramente teórica, "porquanto o s.p.:

  29. Não concretiza e demonstra os serviços prestados;

  30. Em que medida foram, os serviços contabilizados como custos, indispensáveis;

  31. Não demonstra quais as vantagens directas que a empresa nacional retirou dos serviços em causa;

  32. Não consubstanciam vantagens directas dos serviços prestados ou actividades específicas mas sim, vantagens acessórios, que são única e meramente imputáveis ao facto do s.p. fazer parte de uma entidade mais vasta, um Grupo.".

  33. No que respeita à garantia de ausência de duplicação de serviços contratados, a AT considerou que a Requerente referia, mas não concretizava nem identificava, quais os meios e/ou recursos necessários ao desenvolvimento das funções exercidas pela A... UK ou D…, quais os meios ou os recursos que a Requerente não tem e quais as vantagens da contratação dos serviços à A... UK e à D… .

  34. Afirmando que a Requerente dispõe de recursos humanos e meios próprios para desenvolver a sua actividade, considerou a AT que a Requerente não comprovava a inexistência de duplicação de serviços.

  35. No Relatório da Inspecção Tributária escreveu-se que não obstante o DFPT referir que o "preço da prestação de serviços terá resultado de orçamento/estimativa dos custos operacionais, por natureza do serviço prestado/centros de custo, acrescidos de uma margem e imputados a cada entidade (beneficiária dos serviços) mediante a aplicação de um método indirecto, com base no peso do volume de negócios auferido pela entidade beneficiária local no volume de negócios consolidado do Grupo G…", a Requerente não apresentou quaisquer orçamentos ou elementos através dos quais pudessem "aferir se os valores debitados pelas entidades relacionadas e os contabilizados como custo pelo s.p. " seriam estimativas ou os reais.

  36. Relativamente à comprovação dos custos incorridos pelas entidades prestadoras a Administração Tributária considerou que, relativamente aos custos incorridos, "não existem elementos que possibilitem a sua confirmação".

  37. Relativamente às margens aplicadas, considerou a Administração Tributária que não foi demonstrado "o porquê da sua aplicação, a base e de que forma, as mesmas, são ajustadas a remunerar as funções desenvolvidas e os riscos incorridos na prestação de serviços". No âmbito da análise funcional, riscos e activos, a AT considerou que "todos os serviços necessários ao desenvolvimento da sua actividade do s.p., são realizados por si, pelos seus meios/recursos, ou com recurso a terceiros, sendo também o risco de o negócio não ser bem sucedido do s.p.", argumentando ainda que não era percepcionado qual o valor acrescentado pelas actividades que foram efectuadas pelas entidades relacionadas.

  38. No que respeita à análise económica das operações, entende a AT que a mesma foi incorrectamente efectuada, pelos seguintes motivos:

  39. “ (...) ao contrário, do que é concluído (...), as transacções vinculadas têm um impacto bastante significativo na estrutura de resultados do s.p.";

  40. A opção pelo Método da Margem Líquida da Operação (MMLO) não se deveu às "razões invocadas, mas primordialmente, pelo facto de ser indeterminável, face ao suporte documental e outros, quais as prestações de serviços que estão em causa";

  41. Disparidade entre o Código de Actividade Económica (CAE) apresentado pela Requerente e os CAE das empresas apresentadas como comparáveis;

  42. Alteração da análise funcional, de riscos e de activos decorrente da incorporação da participação na J... SL – considera, assim, a AT, o método seleccionado (MMLO com indicador financeiro Margem operacional sobre custos operacionais) desadequado, argumentando que assenta sobre premissas erradas, na medida em que "não se verificou a manutenção dos riscos assumidos pelo s.p. em 2008 relativamente a 2005, uma vez que o s.p. Requerente aumentou os seus activos, logo aumentou os seus riscos";

  43. A título exemplificativo, são referidos os investimentos financeiros, consubstanciados na participação na Industrial J..., S.L. no valor de Euro 4.800.000,00;

  44. Algumas empresas seleccionadas como comparáveis apresentam dados financeiros muito distintos dos apresentados pela Requerente.

  45. Concluiu a AT que "o intervalo de plena concorrência determinado para aferir se o preço em causa corresponde àquele que teria sido praticado e aceite entre empresas independentes em circunstâncias comparáveis não é válido", referindo ainda que a ser válido o intervalo de plena concorrência, uma desconsideração dos custos com "Management Charges" manteria a Requerente dentro do intervalo, entre o 3.º quartil e o máximo do intervalo.

  46. A AT procedeu à análise dos contratos de suporte aos débitos realizados, tendo verificado que os mesmos são semelhantes.

  47. Refere a Administração Tributária que alguns dos serviços descritos nos contratos não correspondem aos anexos de suporte às facturas enviadas à Requerente, pelo que algumas das condições do contrato não são verificadas, nomeadamente por não se ter verificado o débito de juros à Requerente pelas entidades relacionadas, "Não obstante, o s.p. não cumprir com os prazos de pagamento".

  48. Após a identificação das questões supra, solicitou a AT esclarecimentos adicionais, através de duas notificações:

  49. Uma notificação, em 08/09/2010, com pedido de esclarecimentos acerca dos custos registados pela Requerente;

  50. Outra notificação, em 26/01/2011, para que fossem detalhados os serviços prestados nas suas diversas componentes, como seja a identificação dos serviços prestados, data da prestação de serviços, margens praticadas, benefício económico obtido pela Requerente e demonstração do cumprimento do princípio de plena concorrência nas operações com entidades relacionadas.

  51. Concluiu a Administração Tributária no seu Projecto de Relatório que, na medida em " (...) que foram praticadas condições diferentes daquelas que seriam praticadas entre entidades independentes, é devida uma correcção positiva ao lucro tributável de 2007 e 2008, nos termos do n.º 8 do artigo 63º (anterior 58º) do CIRC e n.º 1 do artigo 3º da Portaria (...)." e que "Assim, e após terem sido cumpridos os requisitos de fundamentação previstos no n.º 3 do artigo 77º da LGT, para correcções em sede de preços de transferência e tendo verificado o incumprimento por parte do s.p. do disposto no artigo 23º do CIRC, propõe-se um ajustamento positivo que consiste na desconsideração dos custos contabilizados na rubrica de FSE – Trabalhos especializados (...)".

  52. Exercido que foi o direito de audição pela Requerente em relação às correcções "111.4 – Custos registados na conta 62 – Fornecimentos e serviços externos", constantes do Projecto de Relatório, entendeu a Administração Tributária continuar a não ser prestada informação válida no que respeita aos serviços de suporte técnico, tecnologias de informação, serviços financeiros e administrativos, custeio, desenho CAD, grupo de suporte ao produto, desenvolvimento de material, marketing, compras centrais, gestão de projectos, laboratório externo e linha de produtos, ou seja, todos os serviços anteriormente desconsiderados no já referido Projecto de Relatório, com excepção dos serviços de apoio às vendas.

  53. A invalidade da informação prestada resulta, no entender da Administração Tributária, da incapacidade da Requerente em:

  54. Identificar concretamente a natureza do serviço prestado (interpretando a AT que se trata de mera partilha de conhecimentos, experiências, etc.);

  55. Apresentar elementos comprovativos dos serviços prestados que permitam avaliar a indispensabilidade dos custos registados;

  56. Apresentar elementos comprovativos que contrariem o facto dos valores debitados respeitarem a duplicação de serviços;

  57. Apresentar elementos comprovativos da necessidade dos serviços;

  58. Demonstrar os benefícios directos decorrentes do recurso aos referidos serviços, tendo apenas identificado vantagens acessórias resultantes do facto de pertencer a um Grupo.

  59. Considerou ainda a Administração Tributária que a Requerente não demonstrou:

  60. Que "Foram contratados, aceites, ou praticados termos e condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, de acordo com o legalmente definido no n.º 1 do artigo 63.º (anterior 58º) do CIRG e n.º 1 da referida Portaria;

  61. Qual o valor económico do serviço e se o mesmo justifica para a Requerente, membro do grupo que dele é destinatário, o pagamento de um preço ou a assunção de um encargo e se estaria disposto a pagá-lo ou a assumi-lo em relação a uma entidade independente ou, bem assim, a realização de uma actividade a executar para si próprio, de acordo com o n.º 2 do artigo 12.º da referida Portaria;

  62. A margem incluída na contraprestação devida pelos serviços intra-grupo prestados é a apropriada, de acordo com o n.º 4 do artigo 12.º da referida Portaria;

  63. Se o preço cobrado cumpre o princípio de plena concorrência, não obstante, o s.p. ter evidenciado que os indicadores se encontram dentro do intervalo de plena concorrência determinado, foi por nós demonstrado que o intervalo de plena concorrência não é válido, veja-se "Apreciação" efectuado no ponto 111.4.2.2.6.2, deste relatório e também não o fez no direito de audição".

  64. Face o exposto, considerados incumpridos os critérios acima, considerou a Administração Tributária que as correcções inicialmente propostas eram de manter, com a excepção da parte relativa aos serviços de Vendas.

  65. A respeito destes serviços referiu a Administração Tributária que a aceitação dos débitos efectuados relativos a serviços de Vendas (em resultado da análise que desenvolvem ao abrigo do artigo 58º (actual 63º) do Código do IRC), se deveu ao facto de a Requerente, no âmbito do direito de audição, ter demonstrado que:

  66. Obteve vantagens reais ou previsíveis;

  67. Apresenta um interesse económico ou comercial que reforça a sua posição comercial;

  68. Foram efectuadas vendas de novos produtos;

  69. Não se trata de uma mera duplicação de serviço, porquanto a Requerente não possui no seu quadro de pessoal nenhum comercial e já recorreu a terceiros para obter estes serviços, sendo os referidos serviços distintos dos prestados pelas entidades relacionadas;

  70. O preço praticado com entidades relacionadas cumpre o princípio de plena concorrência, através da comparação com a comissão de 2% das vendas cobrada por uma entidade independente.

  71. Conclui a Administração Tributária, na secção IX.4 do Relatório de Inspecção, sem referência a qualquer outro normativo legal, "terem sido cumpridos os requisitos de fundamentação previstos no n.º 3 do artigo 77.º da LGT, para correcções em sede de preços de transferência e tendo verificado o incumprimento por parte do s.p. do disposto no artigo 23.º do CIRC, decorre um ajustamento positivo que consiste na desconsideração dos custos contabilizados na rubrica FSE – Trabalhos Especializados, no montante de Euro 1.261.435,88 e Euro 1.447.803,99, para os exercícios de 2007 e 2008, respectivamente".

  72. No âmbito da análise dos Serviços Financeiros e Administrativos ('Admin'), entendeu a Administração Tributária que " (...) o s.p. não identificou nem concretizou os serviços prestados, tendo apenas focado em aspectos resultantes de sinergias (...)", assim como não teria qualquer benefício económico dos mesmos, dado que " (...) o s.p. dispõe, naqueles exercícios, no seu quadro de pessoal, de recursos humanos afectos ao departamento financeiro e administrativo (...)" e " (...) recorre a serviços externos, assessoria, consultoria, etc. cujo custo se encontra relevado (...)".

  73. A Requerente tinha os seus principais mercados (à data dos factos) em Inglaterra, na Espanha e Alemanha, tendo também significativas vendas em França, na Turquia e na Republica Checa e, clientes, ainda que com vendas de montantes mais reduzidos, em todos os continentes.

  74. O marketing do Grupo, a investigação e desenvolvimento do(s) seu(s) produto(s), a capacidade negocial a título de financiamento ou de negociação do preço das matérias-primas a valores competitivos só é possível ser efectuada, de forma eficaz, porque se encontra centralizado em determinadas unidades do Grupo G…, que não estão localizadas em Portugal, mas que se encontram especializadas nas áreas em que actuam.

  75. O empréstimo recebido do B... destinou-se ao financiamento de um plano de investimento de médio/longo prazo.

  76. Os empréstimos concedidos à A... UK possuíam uma maturidade indefinida, podendo ser resgatados pela Recorrente em qualquer altura, de acordo com as suas necessidades (ainda que limitada às disponibilidades momentâneas da A... UK).

  77. O empréstimo recebido do B... tinha prazos de amortização e maturidade rígidos e previamente definidos.

  78. Os serviços de suporte técnico prestados ao abrigo dos Management Charges consistiam no apoio à implementação de novos processos produtivos ou possíveis melhorias em processos de fabrico existentes, com especial relevo nos processos relacionados com tubos de plástico (conformação de plástico e montagem de componentes).

  79. A equipa central da D...tinha por função acompanhar e suportar a investigação e desenvolvimento do produto, com especial concentração nos tubos de plástico e nos tubos de fuel, com vista a desenvolver processos que suportem os novos produtos e a optimização dos processos existentes.

  80. Estes serviços eram prestados numa base permanente, dado que acompanhavam o desenvolvimento do produto.

  81. Sempre que um novo produto ou o desenvolvimento de um produto existente implicava a concepção de um novo processo de fabrico, tal actividade tinha que ser desenvolvida em paralelo, não estando sujeita a qualquer calendarização ou agendamento específico.

  82. A partilha de melhores práticas e dos modos de falha dos processos produtivos existentes e busca de soluções era uma actividade permanente, uma vez que as fábricas do Grupo, na América do Norte operavam 24 horas por dia.

  83. O controlo do risco e dos modos de falha dos processos produtivos era e é uma actividade-chave da indústria ….

  84. Não tendo a Requerente qualquer colaborador residente na D...nem nas outras fábricas do Grupo na América do Norte, estar-lhe-ia vedado, sem os serviços daquela, o acesso aos processos desenvolvidos e optimizados pelos técnicos especializados daquela entidade, não permitindo os correspondentes ganhos de produtividade e redução de custos na esfera da Requerente.

  85. O Departamento de Engenharia de Processo da Requerente era apenas responsável pelo acompanhamento, implementação e optimização de processos produtivos, e por intermediar o contacto entre os engenheiros da D...e o pessoal da produção da Requerente.

  86. O serviço prestado pela D...consistia na concepção (fase anterior à implementação) de processos que eram posteriormente adoptados pela Requerente.

  87. Os serviços prestados pela D...ao nível dos sistemas de informação consistiam no seguinte:

  88. Negociações globais de contratos e licenças de utilização de software da Microsoft, que permitem à Requerente beneficiar de custos mais reduzidos pelo efeito volume;

  89. Gestão de todas as estruturas de intranet e internet que proporcionam à Requerente a visibilidade necessária e indispensável para o conceito de negócio de qualquer empresa a operar na indústria …;

  90. Disponibilização de ferramentas de gestão, nomeadamente, software para preparação dos orçamentos para proporcionar um melhor tratamento da informação e apoiar a tomada de decisão da Direcção;

  91. Definição das infra-estruturas globais de comunicação (WAN, gestão de circuitos, entre outros);

  92. Gestão de acessos aos portais dos construtores …, sem os quais não é possível manter relações comerciais com a maioria dos construtores;

  93. Optimização dos sistemas de informação, por forma a obter uma melhor performance das tecnologias da informação, 24 horas por dia, 7 dias por semana;

  94. Gestão dos processos de backup para servidores, aplicações e comunicações, que têm que ser accionados pela D...em caso de qualquer incidente, acidente ou emergência.

  95. Estes serviços eram prestados numa base permanente, dado que a Requerente trabalhava em regime de 24h por dia, cinco dias por semana, necessitando das aplicações informáticas e comunicações operacionais em regime de 24h por dia, 7 dias por semana, para o desenvolvimento da sua actividade.

  96. A Requerente, em 2007 e 2008, dispunha de um departamento informático com apenas um colaborador, que prestava unicamente suporte local aos utilizadores em termos de hardware (PC's e impressoras) e aplicações Microsoft Office.

  97. No âmbito dos Serviços Financeiros e Administrativos, a D...prestava os seguintes serviços:

  98. Preparação e apresentação aos clientes americanos e japoneses dos dados económico-financeiros, legais e societários da Requerente e do Grupo G…;

  99. Negociação com os clientes americanos e japoneses dos prazos de recebimento, utilizando a dimensão do Grupo como argumento negocial para favorecer todas as suas empresas, incluindo a Requerente;

  100. Preparação e apresentação aos fornecedores americanos dos dados económico-financeiros, legais e societários da Requerente e do Grupo G…;

  101. Negociação com os fornecedores americanos dos prazos de pagamento, utilizando a dimensão do Grupo como argumento negocial para favorecer todas as suas empresas incluindo a Requerente;

  102. Preparação e apresentação a entidades bancárias globais sedeadas nos EUA dos dados económico-financeiros, legais e societários da Requerente e do Grupo G…;

  103. Preparação e apresentação a outras entidades americanas (seguradoras, associações comerciais, associações industriais, etc.) dos dados económico–financeiros, legais e societários da Requerente e do Grupo G…;

  104. Disponibilização de recursos humanos no Japão, para prestar serviços administrativos junto dos clientes japoneses da Requerente (…) e potenciais clientes japoneses (…, entre outros);

  105. Apoio na elaboração dos orçamentos e dos reportes financeiros – ferramentas essenciais ao planeamento e à tomada de decisão da Requerente.

  106. O departamento administrativo e financeiro da Requerente tratava apenas das obrigações estatutárias, contabilísticas, fiscais, de tesouraria e administrativas locais.

  107. A Requerente não dispunha de qualquer departamento administrativo e financeiro de carácter internacional e com presença nos centros de decisão da indústria …, nomeadamente nos EUA e Japão.

  108. A diversidade dos seus produtos implicava que a Requerente tivesse fornecedores globais espalhados pelo mundo, sendo que a esmagadora maioria da matéria-prima que utilizava vinha do exterior.

  109. A diversidade e complexidade de processos envolvidos no mercado onde a Requerente operava exigiam uma presença constante nas zonas geográficas mencionadas, presença essa que a Requerente não conseguia assegurar, por não ser sustentável tal estrutura para o seu nível de negócio.

  110. As empresas do Grupo da Requerente tinham recursos presentes nos grandes centros de decisão da indústria …, onde conseguiam as sinergias resultantes do facto de aí representarem as várias empresas do Grupo, conseguindo prestar estes serviços financeiros e administrativos a um preço competitivo e suportável pelo negócio da Requerente.

  111. A D...prestava este serviço de carácter permanente nos continentes americano e asiático, nos casos em que os construtores japoneses utilizavam os EUA como plataforma de suporte à Europa.

  112. A actividade de custeio destinava-se a determinar o custo efectivo de fabrico dos produtos.

  113. Cada referência de produto era única e desenvolvida ao longo de meses (por vezes anos), em parceria com o cliente, para satisfazer as necessidades deste de uma forma competitiva.

  114. Para cada produto requerido pelo cliente havia a necessidade de efectuar um custeio pormenorizado, por forma a suportar devidamente o departamento de vendas na formação do preço e apresentação de ofertas.

  115. Os serviços em causa prendiam-se com a disponibilização de um sistema de custeio desenvolvido pela D…, adaptado às necessidades das diferentes empresas do Grupo, entre elas a Requerente.

  116. A D...disponibilizava também os serviços de uma equipa técnica especializada em custeio de produto, garantindo a correcta implementação e permanente actualização do sistema de custeio, o que permitia à Requerente proceder à orçamentação de todos os seus produtos de uma forma rigorosa e eficiente.

  117. Durante os exercícios de 2007 e 2008, foram custeadas e cotadas pela Requerente cerca de 1000 novas referências de produto acabado em cada ano, com o apoio do sistema disponibilizado e o pessoal especializado da D…, tendo os serviços sido utilizados numa base permanente.

  118. Em termos de quadros internos, a Requerente possuía apenas um colaborador com funções de custeio no departamento de engenharia.

  119. Era de todo inviável para um único utilizador efectuar o custeio, alocar recursos temporais para o desenvolvimento de sistemas informáticos, programar e suportar uma aplicação específica para o efeito, que apenas beneficiasse a Requerente.

  120. Dada a especificidade do produto e do processo da Requerente, não havia no mercado qualquer aplicação generalista que suportasse tal actividade de custeio de produto de forma igualmente eficiente.

  121. A utilização dos serviços prestados pelo departamento central de custeio da D…, rentabilizava o investimento efectuado e disponibilizava o serviço às várias empresas a um custo mínimo e acessível para a Requerente.

  122. Os serviços de Desenho CAD constituíam por regra o suporte técnico privilegiado para o desenvolvimento ou alteração de produto ou material na indústria …, e tratavam-se de serviços técnicos respeitantes ao desenho e industrialização dos produtos da Requerente.

  123. Estes serviços encontravam-se centralizados na D...e na A... UK.

  124. Tais serviços exigiam recursos disponíveis a tempo inteiro.

  125. Não era aceitável para um construtor de … que um fornecedor global não dispusesse de uma estrutura para participar e suportar estas actividades.

  126. A Requerente não possuía, à data dos factos, departamento de desenho técnico, equipamento necessário para tal, nem qualquer colaborador com funções específicas de desenho CAD.

  127. Uma grande parte do trabalho de desenho CAD era efectuada pelos técnicos das prestadoras dos serviços, nos centros de desenvolvimento dos construtores, em parceria com os engenheiros de desenvolvimento dos construtores, junto dos centros de desenvolvimento destes.

  128. A Requerente não tinha qualquer colaborador em tais locais.

  129. A Requerente optou por não ter o desenho CAD internamente por não ser viável investir em equipamento especializado para o efeito e ter um grupo de colaboradores espalhados pelo mundo.

  130. Os técnicos da D...tinham a vantagem de conhecer o produto e o processo produtivo da Requerente, beneficiando também o serviço prestado da vantagem de serem colocados técnicos nos centros de desenho dos construtores que servem várias empresas do Grupo em simultâneo.

  131. Dada a cada vez maior passagem de responsabilidade e valor acrescentado dos construtores … para as empresas produtoras de componentes, era indispensável a qualquer entidade que operasse nesse mercado (independente ou inserida num grupo económico) possuir competências de desenho CAD, de modo a desenvolver peças, sempre em parceria com o construtor, e/ou eliminar eventuais falhas de concepção inicial.

  132. Os serviços prestados pelo Grupo de suporte ao produto ("Product Support Group"), serviço prestado pela A... UK, consistiam no seguinte:

  133. Coordenação de Auditorias de qualidade a fornecedores de forma a assegurar, além da qualidade do produto, os sistemas e os processos que têm impacto no desempenho do negócio;

  134. Análise de resultados de qualidade da fábrica, reuniões de análise de problemas e seguimento de acções implementadas e discussão sobre as melhores práticas do sector;

  135. Implementação de metodologias de controlo de qualidade que visam a resolução rápida de problemas internos ou externos;

  136. Deslocações aos clientes, sempre que existe um problema grave de qualidade, para análise do problema, selecção de stock e apresentação de medidas de contenção e correctivas.

  137. Os referidos serviços suportavam actividades de produção corrente, como sejam linhas de montagem dos construtores, fornecimento de componentes e matérias-primas por parte de fornecedores.

  138. As referidas actividades eram diárias, prestadas numa base permanente e requeriam suporte imediato.

  139. A Requerente não tinha qualquer colaborador a residir fora do país, junto das linhas de montagem dos seus principais clientes ou fornecedores.

  140. Os recursos do Grupo G… presentes nesses mesmos países foram contratados para prestarem o serviço de assistência a clientes e desenvolvimento de fornecedores externos.

  141. Todos os colaboradores da Requerente desenvolviam a sua função na sede da empresa, em ..., deslocando-se apenas muito pontualmente para fora do país para reuniões e actividades específicas.

  142. A grande maioria das linhas de montagem dos clientes da Requerente e as unidades produtivas dos seus fornecedores trabalhavam todos os dias, 24 horas por dia, sete dias por semana.

  143. Por essa razão a Requerente tinha que garantir um suporte ao produto junto das linhas de montagem dos seus principais clientes, que assegurasse um tempo de resposta a qualquer incidente num curto espaço de tempo.

  144. No âmbito do contrato de serviços de gestão, a A... UK procedia ao desenvolvimento de materiais (novos e existentes), no sentido de optimizar e melhorar a formulação química das borrachas, plásticos e outros componentes.

  145. Tal serviço visava, em particular, desenvolver matérias-primas (borracha, plástico e outras) de mais baixo custo e que permitissem a redução de desperdícios e providenciar borrachas e componentes alternativos para evitar quaisquer rupturas de fornecimento resultantes da escassez de compostos no mercado.

  146. A A... UK efectuava também testes de validação de produto final, por forma a garantir que as especificações do cliente eram integralmente cumpridas.

  147. Os serviços eram prestados numa base permanente, demorando, em algumas situações, semanas, ou mesmo meses, até estarem concluídos.

  148. Tais serviços exigiam, por isso, recursos disponíveis a tempo inteiro.

  149. Os serviços prestados pela A... UK na área de Marketing consistiam na análise de comportamentos de mercado do sector a nível global e na elaboração de projecções de vendas para todas as fábricas do Grupo, por forma a permitir às empresas produtoras o planeamento e a dotação de recursos necessários à prossecução dos seus negócios.

  150. A A... UK tinha para o efeito um departamento de Marketing que contava com um colaborador, cuja principal função consistia na análise do comportamento e das necessidades do sector … a nível global e do mercado das empresas do Grupo em particular, nomeadamente, da Requerente.

  151. A Requerente não possuía departamento de Marketing nem qualquer colaborador com essas funções.

  152. As actividades desenvolvidas nesta área assumiam um carácter permanente e relativamente às quais a Requerente não podia abdicar, no sentido de garantir em tempo útil um eficiente planeamento e uma correcta dotação dos recursos humanos e técnicos necessários ao desenvolvimento do seu negócio.

  153. A Requerente dispunha de um Departamento de Compras, constituído por um único colaborador, responsável pela concretização de encomendas e envio de previsões de consumos para os fornecedores.

  154. As demais funções inerentes ao processo de compra não eram desenvolvidas localmente.

  155. O processo de selecção e de negociação era coordenado pelo departamento central de compras do Grupo G… .

  156. Este facto garantia que a Requerente tinha os benefícios inerentes à selecção dos melhores fornecedores e a obtenção de condições vantajosas ao nível de timings de fornecimento, de pagamento e de descontos.

  157. Num mercado como o sector …, a estratégia de centralização de Compras permitia a obtenção de uma quota significativa no mercado escasso das matérias-primas.

  158. Sem esta consolidação de volumes das empresas do Grupo, a Requerente não teria expressão no mercado.

  159. Havia uma escassez de polímeros e poliamidas a nível mundial, pelo que as Compras Centrais da A... UK negociavam estes componentes directamente com os fornecedores globais, garantindo quotas de alocação para o Grupo G… .

  160. A Requerente não tinha a expressão necessária no consumo destes componentes que lhe permitisse negociar directamente com os fornecedores mundiais, pelo que seria obrigada a sujeitar-se ao que os intermediários lhe disponibilizassem com o risco inerente de quebras de stock.

  161. A A... UK tinha nas suas instalações os servidores centrais do Grupo que contêm grande parte dos aplicativos que suportam o negócio da Requerente e das restantes empresas do Grupo.

  162. Tal permitia minimizar as necessidades de investimento e os custos de manutenção daquelas empresas.

  163. Outra parte dos aplicativos estava suportada pelos servidores da D… , nos EUA.

  164. Os serviços prestados pela A... UK à Requerente consistiam no seguinte:

  165. Disponibilização de servidores e serviços de manutenção de servidores das aplicações informáticas (e.g. Sistema de Gestão Integrado (ERP), programa de contabilidade, aplicação de recursos humanos, antivírus de rede e ao servidor de e-mails);

  166. Gestão de comunicações e de redes, assegurando a operacionalização do serviço numa base 24 horas por dia, 7 dias por semana;

  167. Garantia das comunicações entre a Requerente e os servidores centrais localizados em Inglaterra e nos EUA, bem como implementação e manutenção da comunicação electrónica de dados com clientes e fornecedores, indispensáveis no sector …;

  168. Resolução de problemas que surgem no dia-a-dia ao nível dos aplicativos informáticos (apoio ao utilizador), coordenação de serviços e a negociação com os fornecedores desses aplicativos globais, implementação de novas potencialidades e requisitos inerentes ao negócio e a ajuda na extracção e tratamento de informação.

  169. Estes serviços foram prestados numa base permanente, dado que a Requerente trabalhava em regime de 24h por dia, cinco dias por semana, necessitando das aplicações informáticas e comunicações operacionais em regime de 24h por dia, 7 dias por semana.

  170. A A... UK detinha, na sua estrutura funcional, um departamento de Engenharia de Processos europeu que tinha como principais funções:

  171. Desenvolvimento / implementação de novos processos produtivos para produtos em borracha;

  172. Pesquisa, identificação e implementação das melhores práticas do sector …; e

  173. Partilha de riscos identificados nos processos existentes de forma a evitar problemas futuros.

  174. A prestação destes serviços permitia à Requerente o acesso a conhecimentos aos quais de outra forma não acederia.

  175. Tais serviços contribuíam directamente para um aumento da eficiência dos processos produtivos, redução de custos e melhoria contínua dos seus produtos.

  176. A Requerente não dispunha dos meios técnicos, financeiros e humanos que lhe permitissem efectuar todos os testes necessários à sua actividade, bem como amortizar o custo da estrutura necessária.

  177. A Requerente não dispunha dos equipamentos de teste que possui um laboratório especializado, nem de Engenheiros Químicos que desempenhassem tais funções.

  178. A actividade “Linha de Produto Tubos” ("Hose Product Line") era desenvolvida pela A... UK e visava garantir que a linha de produto 'tubos' acompanhava os desenvolvimentos do sector a nível mundial e explorava de forma proactiva todas as oportunidades ao nível de investigação e desenvolvimento (I&D) do produto a nível global.

  179. Para isso procuravam-se definir objectivos de negócio por clientes e projectos, com as empresas do Grupo (incluindo a Requerente) e com a equipa de vendas, assegurando que as actividades de I&D eram direccionadas de forma a suportar esses objectivos.

  180. O enfoque dos serviços Desenvolvimentos de Material ('Material Developments') era nos materiais, i.e., borracha, e assentava nas especificações técnicas e melhoria dos materiais utilizados nos produtos fabricados pela Requerente, sendo que o produto (componente …) é constituído por diferentes materiais.

  181. Os serviços associados à "Hose Product Line", consistiam numa fase prévia de concepção e desenvolvimento dos novos modelos junto dos construtores … (fase anterior à produção), focalizavam-se no produto (componente …), e na forma como este tem de interagir com todos os outros componentes que constituem uma viatura e com os quais deve funcionar.

  182. Os serviços prestados no âmbito da Linha de produto tubos ("Hose Product Line"), com fortes competências de engenharia, pretendiam apoiar os construtores no desenvolvimento de novas soluções para os modelos futuros.

  183. A A... UK detinha três fábricas de tubos de água/refrigeração (principal produto da Requerente) na Europa, pelo que conseguia desenvolver esta actividade centralmente para as três empresas, colocando recursos humanos e técnicos nos países onde eram desenvolvidas, beneficiando das sinergias de volume e partilha de custos de I&D pelas três empresas, com benefícios para as mesmas.

  184. Os Serviços financeiros e administrativos ("Finance/Admin") prestados pela A... UK e prendiam-se com a necessidade de preparação, apresentação e discussão dos rácios económico-financeiros do Grupo e da Requerente junto dos clientes europeus.

  185. A A... UK prestava também o serviço legal de demonstrar aos clientes europeus a robustez legal e societária da Requerente e do Grupo G…? (603)

  186. Tais serviços eram indispensáveis para que a Requerente pudesse ser considerada como fornecedor ou potencial fornecedor dos grandes construtores europeus.

  187. Neste âmbito, a A... UK prestava os seguintes serviços:

  188. Preparação e apresentação aos clientes europeus dos dados económico-financeiros, legais e societários da Requerente e do Grupo G…;

  189. Negociação com os clientes europeus dos prazos de recebimento, utilizando a dimensão do Grupo como argumento negocial para favorecer todas as suas empresas, incluindo a Requerente;

  190. Preparação e apresentação aos fornecedores europeus dos dados económico-financeiros legais e societários da Requerente e do Grupo G…;

  191. Negociação com os fornecedores europeus dos prazos de pagamento, utilizando a dimensão do Grupo como argumento negocial para favorecer todas as suas empresas, incluindo a Requerente;

  192. Preparação e apresentação a entidades bancárias globais sedeadas na Europa dos dados económico-financeiros, legais e societários da Requerente e do Grupo G…; e

  193. Preparação e apresentação a outras entidades europeias (seguradoras, associações comerciais, associações industriais, etc.) dos dados económico-financeiros, legais e societários da Requerente e do Grupo G…;

  194. A Requerente possuía um departamento administrativo e financeiro local, que tratava apenas das obrigações estatutárias, contabilísticas, fiscais, de tesouraria e administrativas locais.

  195. A Requerente não dispunha de qualquer departamento administrativo e financeiro de carácter internacional e com presença nos centros de decisão da indústria ….

  196. A diversidade dos seus produtos implicava que tivesse fornecedores globais espalhados pelo mundo, sendo que a esmagadora maioria da matéria-prima que utilizava vinha do exterior.

  197. A diversidade e complexidade de processos exigia uma presença constante nas zonas geográficas mencionadas.

  198. A Requerente não conseguia assegurar essa presença, por não ser sustentável tal estrutura para o seu nível de negócio.

  199. A contratação de tais serviços junto de empresas do Grupo, permitia obter tais serviços financeiros e administrativos a um preço competitivo e suportável pelo negócio.

  200. A... UK prestava este serviço com carácter de permanência no continente Europeu.

  201. A D...prestava os mesmos serviços, mas dirigidos para os mercados americano e asiático.


 

Factos dados como não provados:

  1. Os índices de desemprego estrutural são em ... mais elevados relativamente à média do país.

  2. Considerando a conjuntura económico-financeira que já existia nos anos de 2007 e 2008, bem como a existência de um plano de investimento a médio-longo prazo e as necessidades de gestão corrente da Requerente, a mesma, por uma questão de cautela e precaução, preferiu implementar medidas de rentabilização dos excedentes financeiros disponíveis, evitando sujeitar-se ao risco de não obter financiamentos no futuro que são essenciais ao desenvolvimento da sua actividade.

  3. Os excedentes aplicados na A... UK resultaram, da actividade normal da Requerente e das prestações suplementares concedidas pela própria A... UK.

  4. Os empréstimos concedidos à A... UK visaram a aplicação de fundos, com vista à sua rentabilização, os quais se afiguraram necessários para fazer face a investimentos fundamentais à prossecução da actividade da Requerente.

  5. A aplicação de fundos junto da casa-mãe da recorrente afigurava-se uma operação de risco muito reduzido.

  6. O empréstimo realizado pelo B... à recorrente incorporou, na taxa de juro praticada, o risco de mercado, de negócio, de país e toda a incerteza relacionada com o investimento realizado.

  7. As garantias apresentadas no âmbito deste financiamento, mais não foram que uma forma de mitigar, sem no entanto eliminar, parte do risco que esta operação assumia para o B....

  8. Ao nível local, a Requerente apenas possuía um laboratório e uma sala de testes onde eram efectuados testes básicos ao produto e aos materiais.

  9. Ao nível dos recursos humanos, a Requerente não tinha no seu quadro de pessoal qualquer recurso a desempenhar funções de engenheiro químico, mas tão-somente um técnico de laboratório e ambiente.

  10. Os recursos referidos no ponto 519 da petição inicial constituíam os recursos mínimos necessários ao funcionamento da unidade produtiva, sem os quais os clientes não aprovariam a Requerente como potencial fornecedor para as suas linhas.

  11. Todos os testes ou actividades de aprovação de produto ou material, que iam para além do mínimo indispensável ao funcionamento da unidade produtiva, eram fornecidos pela A... UK, que utilizava laboratórios internos ou externos em coordenação com os seus engenheiros químicos, em nome da Requerente.

  12. Durante os anos de 2007 e 2008 foram aprovadas e criadas no sistema da Requerente 160 e 253 novas referências de matéria-prima, respectivamente.

  13. Os restantes 17 trabalhadores do departamento de “Compras e Logística”, estavam afectos às actividades de logística e operavam em regime de três turnos, tendo funções de operadores de armazém; fiel de armazém e ajudante de fiel de armazém, não tendo as competências necessárias para gerir processos negociais com fornecedores internacionais.

  14. Devido a restrições de comunicação em língua estrangeira por parte de alguns fornecedores locais, apenas algumas situações pontuais de negociações em Portugal são concretizadas pelo departamento de compras local, sempre com a coordenação do departamento central de compras, para garantir que a Requerente tem os benefícios do volume global de compras do Grupo G… .

  15. Os serviços prestados pelas duas entidades (A... UK e D… ) são distintos, uma vez que os serviços prestados a título de "Suporte Técnico" pela D...se circunscreveram ao apoio no desenvolvimento de produtos e processos produtivos relacionados apenas com tubos plásticos.

  16. A A... UK celebrou um contrato global com o laboratório externo Material Development Centre (MDC), sedeado em Inglaterra, válido para o ano de 2007.

  17. Tal permitia reduzir custos e garantir a acessibilidade e a disponibilidade de testes para todas as suas empresas na Europa.

  18. No referido laboratório foram efectuados muitos dos testes a borrachas necessários para a actividade da Requerente.

  19. A A... UK centralizava a facturação global do serviço e procedia à refacturação dos custos incorridos, em função dos testes solicitados por cada empresa do Grupo, sem acrescentar qualquer margem de lucro.

  20. Os serviços suportados a título de "Material Developments" com a A... UK eram semelhantes aos prestados pela entidade independente M… e que são refacturados pela A... UK.

  21. Os mesmos consistiam em testes que poderiam ser desempenhados ora por uma, ora por outra entidade, atendendo à disponibilidade e/ou competências para tal.

  22. O Material Development Centre dispunha de acessibilidades e equipamentos de teste que não estão disponíveis no Grupo G… .

  23. A A... UK procedia à realização de testes no âmbito do "Material Development", subcontratando os testes mais complexos à entidade independente M…, refacturando-os como "Group M… Cost".

  24. Uma vez referenciado um produto para fabricação pelo Grupo G… , para entrar em produção série, as equipas de "Hose Product Line", davam lugar às equipas de suporte ao produto.

  25. Estas assumiam a responsabilidade de acompanhar o produto desde a sua fabricação até à integração no veículo … no sentido de diagnosticar problemas para análise com os construtores.

  26. A partir daí as equipas de "Hose Product Line" eram redireccionadas para os novos projectos de modelos a dar início.

  27. Os serviços de desenho CAD prestados pela D...diferem do "Hose Product Line", que incluía igualmente uma componente de desenho CAD, pelo mercado a que se destinavam, respeitando o primeiro ao apoio prestado no mercado americano, e sendo o segundo focalizado nos negócios que a Requerente tinha na Europa.


 

Fundamentação da decisão da matéria de facto

A decisão da matéria de facto baseou-se nos documentos juntos, nos depoimentos das testemunhas e na não oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto a factos invocados pela Requerente.

As testemunhas mostraram ter conhecimento dos factos sobre que depuseram e não se detectou qualquer facto que justifique suspeitas sobre a sua isenção.

A matéria de facto dada como não provada decorre da ausência ou insuficiência da prova produzida a seu respeito.


 

II – MATÉRIA DE DIREITO


 

Em face das regras sobre a ordem de conhecimento de vícios que constam do artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, apreciar-se-ão prioritariamente os vícios de violação de lei substancial, por serem, aqueles cuja eventual procedência determina a mais estável tutela dos interesses da Requerente.


 

1. Questão das correcções da matéria tributável da Requerente relativa a Proveitos Financeiros/Custos financeiros


 

  1. A posição da Autoridade Tributária e Aduaneira subjacente aos actos impugnados

 

O relatório da inspecção fiscal efectua uma análise aos proveitos e custos de natureza financeira evidenciados na contabilidade da Requerente.

Daí conclui que esta obteve, em 2006, dois empréstimos junto da entidade financeira não residente B... LLC, pelos quais suportou juros a uma taxa que resultou de um indexante (Libor ou Euribor, consoante os empréstimos fossem denominados, respectivamente, em dólares ou euros) e de um spread (margem) de 4,5%. A soma dessas duas parcelas resultou em taxas que, em 2007 e 2008, variaram entre 7,03% e 11,36%.

A inspecção conclui também que, nos exercícios em causa, a Requerente aplicou fundos (excedentes financeiros), tendo-os emprestado à sua participante A … UK; detendo esta 99,88% do capital social da Requerente. Estes fundos foram remunerados a uma taxa de 4%.

Partindo da constatação segundo a qual “a taxa suportada para remunerar os capitais alheios é mais do dobro da exigida pelo s.p. no empréstimo concedido à…” o relatório suscita duas questões. A primeira, a de saber se os custos financeiros suportados pela Requerente com os empréstimos obtidos passam o teste da indispensabilidade consagrado no artigo 23.º do CIRC; a segunda, se as taxas em causa respeitariam os princípios fiscais relativos aos preços de transferência, consagrados no (então) artigo 58.º do CIRC.

A administração fiscal sustenta que um sujeito passivo que apresentasse excedentes financeiros não optaria por manter um empréstimo obtido, caso a taxa de juro proporcionada pela aplicação de tais excedentes fosse inferior à taxa paga pelo dito empréstimo. Se assim não fosse, estaria o hipotético sujeito passivo a desvirtuar a noção de sociedade, no tocante à sua finalidade, que é a de obtenção de um excedente económico a distribuir pelos sócios.

Partindo desta premissa, a administração tributária afirma que “entre entidades independentes não seria acordada uma taxa de juros substancialmente inferior à do mercado e à praticada nos empréstimos que o s.p. obteve externamente, e também não se incorreria em custos financeiros cujas taxas de juro associadas fossem superiores às taxas de juro associadas aos proveitos financeiros relativos aos empréstimos concedidos”.

Estribando-se no artigo 58.º do CIRC e utilizando como preço comparável de mercado a taxa paga pela Requerente nas mencionadas operações passivas contratadas com a entidade externa B... LLC, corrigiu os proveitos financeiros e acresceu ao lucro tributável da Requerente o valor de € 151.064,70 em 2007, e de € 194.000,58 em 2008.

Em face do exposto, três questões haverá que indagar.

Em primeiro lugar, a de saber se a manutenção de excedentes aplicados a taxas inferiores às de empréstimos obtidos contende com a noção de escopo ou finalidade societária.

Em segundo lugar, se os gastos financeiros suportados se revelam indispensáveis, no sentido do disposto no artigo 23.º do CIRC.

Por fim, se a aplicação de preços de transferência, tal como efectuada pela administração fiscal, se revela consentânea com os preceitos legais aplicáveis às operações em questão.

 

1.2. A gestão financeira das empresas e a finalidade dos entes societários

 

A gestão financeira das empresas – no sentido de definição das políticas de obtenção de fundos e de aplicação de excedentes financeiros – é condicionada por um vasto conjunto de factores.

A literatura da especialidade ( 1 ) sustenta que nas escolhas dos meios de financiamento (capital próprio ou dívida) devem pesar, entre outros, os seguintes factores: estrutura dos activos, fiscalidade, oportunidades de investimento e o valor do endividamento como elemento disciplinador dos gestores.

Por outro lado, a bem conhecida regra de ouro da gestão financeira recomenda que os activos de longo prazo devem, normalmente, ser financiados por capitais permanentes ou de longo prazo (que incluem, como se sabe, capital próprio e dívida a longo prazo).

O excedente do capital permanente sobre os activos de longo prazo traduz-se no conceito de fundo de maneio, o qual muitas vezes se materializa em excedentes financeiros ou meios líquidos disponíveis.

Dito de outro modo: se uma dada entidade empresarial tem activos no balanço que valem € 1.000.000, e se os capitais de longo prazo forem (como em regra deverão ser) superiores àquele montante (admita-se que ascendem a € 1.300.000), então teremos um fundo de maneio de € 300.000. Ora não custa imaginar que parte desse agregado esteja traduzido em excedentes financeiros líquidos, os quais podem ser aplicados a render e de que se obterão proveitos financeiros.

Quanto à gestão dos activos financeiros, a literatura (avultando aqui a análise keynesiana relativa aos motivos de detenção de liquidez) também evidencia os três motivos principais pelos quais uma empresa, mesmo endividada, pode manter excedentes financeiros. São eles: o motivo transacional, o de precaução e o de especulação.

Em suma, as razões em que se funda a obtenção de meios financeiros (passivos) a longo prazo são diversas das que governam aplicação de meios líquidos (activos) que resultam de excedentes monetários. Nas primeiras avulta a necessidade de uma correcta estrutura de financiamento dos investimentos; na segunda, a da manutenção de um grau de liquidez que permita fazer face a motivos transaccionais ou de precaução.

Daqui resulta que, por princípio, se deve admitir que o facto de uma empresa apresentar, em simultâneo, no seu balanço, dívidas financeiras perante terceiros e excedentes aplicados não revela má gestão. Os exemplos práticos de tal procedimento abundam. Para usar um caso nacional, a E…, SA, apresenta, nas contas de 2011, dívida financeira de 18,8 mil milhões de euro, e aplicações financeiras de quase 2 mil milhões de euro.

Nem, ao que transparece do relatório da inspecção, a questão da simultaneidade de dívidas e aplicações financeiras é vista como irrazoável pela administração fiscal. A questão central que o relatório suscita é a de saber se poderá ser considerado atentatório da boa prossecução dos fins societários que os fundos obtidos sejam remunerados a uma taxa superior à da aplicação dos capitais excedentários e não se efectue reembolso da dívida.

Sobre este ponto, deve começar por referir-se, como aliás a Requerente sublinha, que em regra, as taxas pagas pelos passivos financeiros obtidos junto de bancos financiadores serão apuradas a partir de um indexante e de um spread que, fundamentalmente, leva em conta o risco da operação, avaliado pelo financiador ou cedente do capital mutuado.

Ora a lógica financeira que preside ao apuramento das taxas activas que se obtêm da aplicação de excedentes é bem diversa. Como se sabe, as instituições financeiras vivem da margem líquida que auferem entre remuneração de empréstimos que concedem e dos juros que pagam aos depositantes e restantes financiadores.

Mas a questão persiste: é racional que uma empresa pague por um empréstimo uma taxa de 10% quando tem meios líquidos aplicados que lhe rendem 4%? Porque não liquida o empréstimo? E aqui terá de se voltar às razões que governam ambos os fenómenos.

A obtenção de fundos de longo prazo, como os empréstimos que a Requerente obteve junto do B... LLC, visa, em regra, sustentar os activos de longo prazo das sociedades.

Ora, a partir das contas da Requerente relativas a 2007 e 2008 conclui-se o capital de longo prazo ascende, em 2007, a 11,56 milhões de euros, (dos quais 7,18 milhões de empréstimos) e, em 2008, a 10,96 milhões de euro (com valores semelhantes nos empréstimos).

Elevando-se os activos de longo prazo, em 2007, a 10,99 milhões de euro, o fundo de maneio é de 57 mil euros, o que é um valor irrisório face aos montantes de capitais envolvidos.

Assim, é bem visível que um eventual reembolso da dívida ao banco no valor dos capitais aplicados junto da I…, que chegaram a ascender a 2 milhões de euros, alteraria muito negativamente o equilíbrio financeiro estrutural da Requerente. Ou seja, dada a função de fonte de financiamento de longo prazo do empréstimo obtido junto da entidade B... LLC não se pode, sem mais, afirmar que ele deveria ser reembolsado. O objectivo da sua obtenção é diverso do que presidiu à colocação dos excedentes da Requerente junto da I… .

Por outro lado, a margem de liberdade de actuação dos gestores há-se ser entendida como suficiente para estes decidirem, em cada momento, qual a melhor relação entre capitais obtidos e capitais aplicados, não devendo, salvo razões de violação de algum preceito legal, a administração fiscal imiscuir-se em tal tarefa. Acresce que a finalidade lucrativa não deve ser avaliada operação a operação, e sim através da apreciação que os accionistas efectuarão dos actos dos gestores, que se traduzirão na obtenção de um resultado anual agregado decorrente de operações correntes, financeiras e extraordinárias.

Por fim, a sustentar-se a posição da administração tributária, tal conduziria ao absurdo de se poder considerar que a gestão de uma empresa estivesse a desrespeitar a finalidade societária sempre que, por exemplo, tivesse um capital aplicado a render juros, e não o devolvesse aos sócios, caso o custo do capital próprio fosse maior do que remuneração auferida pelas ditas aplicações. É que o capital social tem, como bem se sabe, um custo de oportunidade (a remuneração a que os accionistas renunciam por não investir em alternativas de risco idêntico). Assim, em cada aplicação financeira que efectuassem teriam os gestores de analisar se ela tinha uma rendibilidade superior a qualquer das fontes de fundos (alheias ou próprias) que a empresa obteve. Tal implicaria uma restrição (pela via fiscal) da actuação dos gestores que se não pode aceitar. Se casos haverá em que a devolução desse capital seria apropriada, noutros tal redundaria em sujeitar a gestão financeira diária a um insustentável constrangimento.

Aqui chegados, como decidir sobre o argumento aduzido pela administração fiscal acerca da indispensabilidade dos juros suportados? O relatório da inspecção suscita a questão da indispensabilidade por, em seu entender, a Requerente ter registado custos de um empréstimo do qual não necessitava para a obtenção de proveitos ou para manter a fonte produtora. Vejamos pois a questão da indispensabilidade do dito custo.

 

1.3. O enquadramento dos curtos financeiros no contexto do artigo 23.º do CIRC

 

A Constituição da República Portuguesa estabelece, no seu artigo 104.º, n.º 2, que “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.

Por seu turno, a Lei Geral Tributária dispõe, no seu artigo 4.º, n.º 1, que “os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”.

O conceito de rendimento – que é o índice da capacidade contributiva – é aqui erigido como uma pedra basilar da tributação no ordenamento jurídico-fiscal português.

No caso das empresas sujeitas ao IRC como se traduz na prática um tal conceito? Di-lo o artigo 17.º, n.º 1, do CIRC ao estabelecer que “o lucro tributável [...] é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”.

Numa relação de dependência, ainda que parcial, entre resultado fiscal e resultado apurado pela contabilidade, o CIRC estabelece como base do apuramento do resultado tributável o lucro ou o prejuízo apurado pela contabilidade.

Porém, e visando salvaguardar o interesse público subjacente à tributação, impõe certos requisitos à consideração fiscal de proveitos e custos.

É na parte dos custos que tais requisitos surgem mais desenvolvidos, sendo o artigo 23.º a disposição que estabelece o princípio geral da sua aceitação, considerando custos ou perdas fiscais os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Surge assim, neste preceito, um requisito nuclear na admissibilidade dos custos para fins fiscais: a sua indispensabilidade.

O significado de tal requisito é, todavia, questão muito debatida. Na verdade, várias acepções se podem considerar na sua aplicação concreta. Desde logo, uma que, assente numa perspectiva restrita, o interpreta como impondo a ligação entre um custo suportado e um proveito obtido como condição sine qua non para a dedutibilidade do custo; até a uma outra que, numa óptica mais ampla, admite a dedutibilidade desde que um custo seja incorrido no âmbito de operações relativas ao escopo societário, independentemente de contribuir ou não para a obtenção de proveitos. E têm-se defendido ainda teses intermédias, como sejam as de equiparar os custos indispensáveis aos custos obrigatoriamente suportados em virtude da actividade das empresas.

Na doutrina jurídico fiscal portuguesa, duas obras sobressaem no tocante a um desenvolvido tratamento sobre qual deve ser a interpretação apropriada do artigo 23.º do CIRC. São elas: TOMÁS C. TAVARES, “Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos”, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 396, 1999, p 7-180; e ANTÓNIO M. PORTUGAL, “A dedutibilidade dos custos na jurisprudência fiscal portuguesa”, Coimbra Editora, 2004.

A generalidade da doutrina ( 2 ) toma estas duas obras como referências basilares para a discussão do conceito de indispensabilidade vazado no artigo 23.º do CIRC. A jurisprudência tem também utilizado amiudadamente os conceitos analíticos expendidos nestas obras.

TOMÁS TAVARES perfilha a tese segundo a qual a correcta interpretação do conceito de indispensabilidade é a que equipara gastos indispensáveis aos custos incorridos no interesse da empresa, na prossecução das actividades resultantes do seu escopo societário.

Eis o trecho ( 3 ): “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica de causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa”.

E continua ( 4 ): “ …A indispensabilidade subsume-se a todo qualquer acto realizado no interesse da empresa (…) A noção legal de indispensabilidade reprime, pois, os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro…”.

A. MOURA PORTUGAL, discutindo embora o mesmo conceito, trata sobretudo da história da interpretação jurisprudencial que dele foi feita desde o tempo da Contribuição Industrial até 2001.

De todo o modo, este último autor, e no tocante à questão de saber qual a melhor interpretação do conceito de indispensabilidade, adopta a seguinte posição ( 5 ):

A solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objecto societário. Esta posição está presente desde logo nos escritos de Vítor Faveiro, que reconduz a indispensabilidade do gasto à sua apreciação como ato de gestão em função do concreto objecto societário, recusando que esta indispensabilidade possa ser aferida livremente a partir de um qualquer juízo subjectivo do aplicador da lei ( 6 )”.

Vale a pena mencionar a análise que o autor apresenta da posição de TOMÁS TAVARES, que é a seguinte ( 7 ): “ Colocando a ênfase no custo e na respectiva ligação ao interesse da empresa, o autor defende que o critério legal da indispensabilidade apenas visa negar a qualidade de custo fiscal aos encargos abusivamente registados na contabilidade, mas que não são verdadeiros e reais custos da sociedade”. Por fim, A. MOURA PORTUGAL sustenta que se nota na doutrina uma propensão para interpretar o conceito de indispensabilidade de forma ampla, “asserção com a qual concordamos em absoluto”.

Em suma: as obras de referência sobre esta questão afastam a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre custos e proveitos. Ambas sustentam que qualquer decaimento económico (custo) que tenha uma relação com o objecto societário, seja incorrido no âmbito da actividade, ou evidencie um business purpose, cumprirá o requisito da indispensabilidade, não se lhe devendo, por esta razão, recusar a aceitação fiscal ao abrigo do artigo 23.º do CIRC.

Pendendo amplamente a doutrina para esta interpretação, como têm os tribunais vindo a decidir sobre o tema em causa?

No processo 02469/08 – Acórdão de 10-2-2009 – do TCA Sul foi decidida a questão de uma sociedade registou como custos honorários de advogados de empresa suas clientes. O TCA SUL entendeu que tais custos não seriam dedutíveis pois, no dizer do Acórdão: “Face ao artigo 23.º do CIRC os custos fiscais, em regra, são os gastos derivados da actividade da empresa que apresentem uma conexão fáctica ou económica com a organização, que não consubstanciem uma diminuição patrimonial ditada pela existência de uma participação social do seu beneficiário directo ou indirecto. Só não cobram relevo fiscal os custos registados na parcela da actividade empresarial mas a ela alheios. (…) A essa luz, não se podem aceitar como custos fiscais os gastos relativos a clientes estranhos à empresa…

No processo 03022/09 – Acórdão de 6-10-2009 – do TCA Sul trata-se desenvolvidamente o conceito de indispensabilidade e fá-lo nos seguintes termos: “Mas como deve aferir-se o conceito de indispensabilidade? Aceitando-se que estamos perante um conceito vago necessitado de preenchimento e aceitando-se que não estamos, quanto a tal preenchimento, perante qualquer poder discricionário (em termos de discricionariedade técnica) por parte da Administração Tributária, importa, então, atentar nos termos em que a lei enquadra tal conceito. (…)

Fazendo apelo ao estudo de TOMÁS TAVARES (…) diremos, como aponta o autor, parecer evidente que da noção legal de custo fornecida pelo artigo 23.º do CIRC não resulta que a Administração Tributária possa por em causa o princípio da liberdade de gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, directamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa.

A indispensabilidade a que se refere o artigo 23.º (…) exige, tão só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros. (…) E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro”.

Também sobre este assunto, e tendo por referência a uma decisão do TCA Norte – processo 00624/05.ºBEPRT, Acórdão de 12-1-2012 – aí se afirma: “ Na consideração e preenchimento deste conceito indeterminado – indispensabilidade – impõe-se que a análise de um concreto custo seja feita em função da actividade societária, ou seja, em função do seu objectivo no âmbito da actividade da empresa; os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa. O critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador precisamente para impedir a consideração ao nível fiscal de gastos que, apesar de contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, que foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios”.

O Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 29-3-2006 – Processo n.º 1236/05 – sustenta que: “O conceito de indispensabilidade, sendo indeterminado, tem sido preenchido pela jurisprudência casuisticamente (…). A regra é que as despesas correctamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objecto, foram abusivamente contabilizados como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito”.

E, mais adiante, refere este acórdão “que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa”.

Por fim, no acórdão do CAAD de 15-6-2012, proferido no processo n.º 29/2012-T, refere-se o seguinte:

Não afasta uma conclusão no sentido dessa indispensabilidade a eventualidade de a empresa poder prosseguir a sua actividade sem realizar determinadas despesas, mas apenas um juízo no sentido de as despesas em causa não terem potencialidade para influenciar positivamente a obtenção de proveitos. No mínimo, numa situação em que a matéria tributável é positiva, uma conclusão no sentido da dispensabilidade das despesas para a obtenção do lucro tributável, teria de assentar numa demonstração de que mesmo que não tivessem sido efectuadas as despesas em causa poderiam ser obtidos os proveitos ou ganhos que foram efectivamente obtidos.

O que significa que só é de afastar uma conclusão no sentido da indispensabilidade das despesas para a obtenção dos proveitos ou ganhos se se puder afirmar que essas despesas não tinham potencialidade para os influenciarem positivamente.

Na verdade, não é necessário para atribuir relevância fiscal às despesas efectuadas, demonstrar que os cursos de formação de funcionários produziram efectivamente um resultado positivo. Basta que sejam actos que possam ser aceites como actos de gestão, actos do tipo dos que uma empresa realize com o objectivo de incrementar os proventos e com tendencial potencialidade para propiciar tal incremento. Nesta matéria, o controle da Administração Tributária tem de ser um controle pela negativa, eliminando como custos apenas os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 601).

O contribuinte, no exercício da liberdade de iniciativa económica nos quadros definidos na Constituição e na Lei que lhe é reconhecida pela Constituição da República Portuguesa [arts. 61.º, n.º 1, e 80.º, alínea c)], tem, em princípio, o direito de definir com relevância fiscal as estratégias empresariais que julgue adequadas e de escolher os meios para atingir os resultados que almeja, desde que não esteja prevista qualquer limitação justificada pela necessidade de assegurar a concomitante realização de outros valores com consagração constitucional, como, por exemplo, os interesses ecológicos ou os direitos dos trabalhadores. Incluir-se-á no núcleo essencial de tal direito, a liberdade dos agentes económicos formularem e concretizarem as suas opções de gestão, quando estas não afectem qualquer dos interesses constitucionais que se pretendem assegurar. Sendo certo que as exigências da tributação, necessária para assegurar o funcionamento geral do Estado, podem justificar limitações aos custos relevantes para efeitos fiscais, estas têm de decorrer da Constituição ou da Lei, como impõem aquelas normas constitucionais.

A esta luz, sendo a regra a liberdade de iniciativa económica e devendo a tributação das empresas incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real (art. 104.º, n.º 2, da CRP), a norma do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, na redacção vigente em 2003, ao limitar a relevância dos custos aos «que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» tem de ser entendida como permitindo a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do êxito ou inêxito que em concreto proporcionaram.

A própria letra daquele n.º 1 do art. 23.º aponta decisivamente nesse sentido com a utilização do tempo verbal futuro «forem», em vez do tempo passado «foram»: a perspectiva adequada para apreciar a indispensabilidade das despesas para a obtenção dos proveitos é do agente económico no momento em que agiu, quando apenas há a possibilidade de as opções empresariais a tomar virem a produzir proveitos e não a da fiscalização tributária, agindo na presença dos resultados obtidos, apreciando a relevância que as despesas tiveram efectivamente para eles serem atingidos.

A esta luz, é de concluir que são de considerar indispensáveis para a realização dos proveitos as despesas que, no momento em que são realizadas, se afigurem como potencialmente geradoras de proveitos, o que tem como corolário só poder ser eliminada a relevância fiscal de um custo quando for de concluir, à face das regras da experiência comum, que não tinha potencialidade para gerar proveitos, isto é, quando se demonstrar que o acto que gera os custos não pode ser considerado como um acto de gestão, por não poder esperar-se, com probabilidade aceitável, que da despesa efectuada possa resultar um proveito.

 

Que conclusões principais emergem de toda esta jurisprudência no tocante à interpretação legal do conceito de “indispensabilidade” constante do artigo 23.º do CIRC?

É bem visível que o conceito de indispensabilidade tem sido ligado aos custos incorridos no interesse da empresa; aos gastos suportados no âmbito das actividades decorrentes do seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos deverão ser então desconsiderados.

Ora, em face do que se expôs, é claro que os empréstimos obtidos pela Requerente têm uma ligação, um nexo, com a sua actividade. Eles financiam activos que foram adquiridos com uma finalidade produtiva e potencialmente lucrativa. Não se vislumbra pois que a tese da administração tributária segundo a qual os juros resultam de empréstimos de que a Requerente não precisaria e deveriam por isso ser desconsiderados ao abrigo do artigo 23.º do CIRC tenha sustentação.

Resta ainda uma importante questão. A de saber se a taxa de remuneração (4%) obtida pela Requerente junto da I… (entidade relacionada) cumpre os requisitos exigidos pela legislação portuguesa sobre preços de transferência, maxime, os constantes do (actual) artigo 63.º do CIRC e ainda da Portaria 1446-C/2001.

 

  1. Os proveitos financeiros e os preços de transferência

 

1.4.1. Introdução

 

As operações entre empresas relacionadas poderão criar distorções aos princípios da equidade e neutralidade fiscal. Tal é a amplitude e profundidade da problemática, que organizações internacionais – como é o caso da OCDE – nela se têm envolvido, desempenhando um papel orientador de soluções a adoptar nesta matéria.

Se é certo que o valor específico dos preços de transferência não afecta o resultado global de uma empresa multinacional, a repartição dos seus lucros ou prejuízos pelas unidades que a compõem (sociedades participadas ou estabelecimentos estáveis), estando essas unidades sedeadas em países com sistemas de tributação diferenciados, pode influenciar consideravelmente a redistribuição da receita fiscal entre esses países. Assim, os métodos para determinar a base tributária que corresponderá a cada uma das várias jurisdições tributárias são bastante importantes.

Em 1933 foi aprovado no seio da Sociedade das Nações um projecto de convenção, onde aparecia a expressão e um esboço da definição do que se passaria a designar por princípio da independência (arm’s-length principle). Conferia-se assim às autoridades fiscais o poder de efectuar correcções, caso as condições praticadas nas transacções ou acordos celebrados entre empresas relacionadas não fossem idênticos aos que seriam praticados entre empresas independentes. Todas as convenções que desde essa data foram adoptadas pelas diversas entidades, organizações e países, passaram a incluir nos seus textos sobre preços de transferência o referido princípio da independência, também designado por princípio de plena concorrência. Este mais não é do que a obrigação de considerar que na valorização das transacções entre entidades relacionadas se pressupõe que os preços estabelecidos para essas transacções deverão ser os mesmos, ou semelhantes, aos que seriam praticados em transacções idênticas entre entidades independentes.

Embora o princípio seja de formulação simples, poderá revelar-se de difícil aplicação. Com efeito, as empresas multinacionais são, pela própria natureza das suas actividades, entidades para as quais se torna difícil e complexo o controlo dos preços de transferência que nelas são praticados. As economias de escala, que muitas vezes são um factor decisivo para os investimentos daquelas empresas num determinado país, bem como o peso das transacções intra-grupo, a diversificação geográfica, a internacionalização dos processos produtivos, os centros operacionais de serviços intra-grupo, os activos intangíveis partilhados, os centros de I&D, são as inúmeras questões que se suscitam para uma correcta avaliação dos preços de transferência praticados. As entidades relacionadas desenvolvem muitas vezes actividades que implicam a realização de operações que não são normalmente praticadas entre entidades independentes, criando por isso dificuldades na sua comparabilidade.

A OCDE, procurando intervir na matéria através do fornecimento de linhas de orientação que pudessem ser usadas internacionalmente, publicou, em 1960, a Convenção Modelo sobre Dupla Tributação, reformulada em 1963 e finalizada em 1977, onde o princípio da independência passa a ser estruturante de toda a sua orientação em matéria de preços de transferência.

O artigo 9.º do Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património da OCDE estabelece que, quando duas empresas, nas suas relações comerciais ou financeiras, por aceitação ou por imposição, estiverem a praticar condições diferentes das que seriam estabelecidas entre empresas independentes, então os lucros que seriam obtidos se aquelas condições não existissem deverão ser acrescidos aos lucros declarados pela empresa que dessas condições especiais está a beneficiar, devendo ser tributados em conformidade.

Entre nós, o artigo 63.º do CIRC 8dispõe, a este respeito, seguinte:

 

Artigo 63.º

Preços de transferência

 

1 – Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

2 – O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco.

 

Como se observa, este preceito acolhe o princípio da independência, determinando que as operações entre entidade relacionadas devem ser valoradas tal como se fossem realizadas entre entidade independentes. Todavia, o n.º 1 do citado preceito também acolhe o princípio da comparabilidade das operações, e o n.º 2, sublinha que se deve buscar o mais elevado grau de comparabilidade.

Este nível de comparabilidade é depois melhor explicitado na Portaria n.º 1446-C/2001, nos seguintes termos:

 

Artigo 4.º

Determinação do método mais apropriado

(…)

3 – Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptíveis de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes.

 

 

E, elegendo-se o preço comparável de mercado (PCM) como o critério que melhor serviria para realizar ajustamentos fiscais derivados de diferenças de valoração de operações comparáveis entre entidades relacionadas, tal aplicação do PCM é vertida no artigo 6.º da dita portaria nos seguintes moldes:

 

Artigo 6.º

Método do preço comparável de mercado

1 – A adopção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes.

2 – Este método pode ser utilizado, designadamente, nas seguintes situações:

a) Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transacção da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares;

b) Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares.

 

Daqui decore que o PCM, eleito como o método mais fiável como base de eventuais ajustamentos, requer condições bastante exigentes para a sua aplicação. Compreende-se que assim seja. Para que tal método constitua a base dos ajustamentos, as operações em causa (vinculadas e não vinculadas) devem possuir um elevado grau de comparabilidade. Se assim não for, o PCM não servirá com critério de base para o ajustamento fiscal. À luz de todos estes princípios vejamos então o caso em apreço.

 

1.4.2. Análise e decisão

 

Alega a administração fiscal que a Requerente, seguindo uma política financeira racional, nunca aplicaria fundos na sua participante a uma taxa inferior a que pagava pelos empréstimos. Assim, o PCM deveria ser aplicado, e a taxa de juro paga ao banco B... LLC (entidade independente) serviria como o melhor comparável para a remuneração obtida dos fundos aplicados na A... UK (entidade relacionada).

Contrapõe a Requerente que as duas operações (uma, passiva, de obtenção de findos para suportar investimentos de longo prazo, a outra, activa de aplicação de fundos excedentários) não reúnem condições de comparabilidade em face de várias diferenças observáveis e, consequentemente, a aplicação que a administração efectuou dos preços de transferência padece de inconsistência.

Ora, para utilizar a taxa paga pelo financiamento obtido junto do banco B... como o melhor preço comparável à remuneração a exigir da aplicação de fundos efectuada junto da A... UK, tal implica que se demonstre que existe comparabilidade nas operações. Ou seja, que se cumpram as condições exigidas no artigo 5.º da Portaria n.º 1446-C e que são, entre outras, que se proceda à análise da comparabilidade de:

As funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os activos utilizados e os riscos assumidos;

Os termos e condições contratuais que definem, de forma explícita ou implícita, o modo como se repartem as responsabilidades, os riscos e os lucros entre as partes envolvidas na operação;

As circunstâncias económicas prevalecentes nos mercados em que as respectivas partes operam, incluindo a sua localização geográfica e dimensão, o custo da mão-de-obra e do capital nos mercados, a posição concorrencial dos compradores e vendedores, a fase do circuito de comercialização, a existência de bens e serviços sucedâneos, o nível da oferta e da procura e o grau de desenvolvimento geral dos mercados;

A estratégia das empresas, contemplando, entre os aspectos susceptíveis de influenciar o seu funcionamento e conduta normal, a prossecução de actividades de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, o grau de diversificação da actividade, o controle do risco, os esquemas de penetração no mercado ou de manutenção ou reforço de quota e, bem assim, os ciclos de vida dos produtos ou direitos;

 

 

Em face do que a referida Portaria estabelece quanto aos aspectos que hão-de ser avaliados para se aferir da comparabilidade das operações, não julgamos que a administração fiscal tenha feito prova de que, no caso vertente, a aplicação de fundos junto da A... UK e os empréstimos obtidos pela Requerente junto do banco B... reúnem condições de comparabilidade para que o PCM seja aqui aplicável da forma que a inspecção fiscal o utiliza.

Com efeito, as funções desempenhadas pelos intervenientes em ambos os casos e os riscos assumidos são bem diversos. Trata-se, num caso, de obtenção de meios financeiros a uma taxa que inclui um spread (margem) por parte do banco financiador que deverá levar em conta, entre outros, o risco financeiro específico da Requerente. Já no outro caso, trata-se de aplicação de excedentes, por prazos bem diversos comparativamente ao empréstimo obtido, e cuja taxa a negociar terá subjacente uma lógica de comparação com a remuneração de outras potenciais aplicações financeiras activas.

A recorrente, ao realizar operações financeiras com entidades relacionadas ou com entes independentes, obterá uma taxa activa que divergirá das taxas passivas que suporta. Usar, sem uma análise pormenorizada que sustente tal opção, a taxa passiva como melhor preço comparável de uma taxa activa constitui, no plano económico e legal uma análise que não se pode convalidar.

Por outro lado, os termos e condições contratuais que afectam a forma de repartição dos lucros das operações são diversos. Tais termos e condições não serão, por certo, coincidentes ou sequer aproximados numa operação de obtenção de empréstimos a longo prazo junto de um banco, comparativamente a uma aplicação de excedentes em activos financeiros junto de uma entidade relacionada. Era preciso que a administração fiscal tivesse mostrado que, neste caso, tal semelhança ou aproximação se verificaria, para que a taxa paga ao banco pude ser justificada como PCM em relação às aplicações junto da A... UK.

Também a demonstração da posição concorrencial da Requerente face ao banco B... e perante a entidade na qual aplicou os fundos constituem factores de comparabilidade previstos na lei. Assim, mesmo supondo que tal comparabilidade não se poderia verificar, dever-se-ia evidenciar o impacto quantitativo que essa potencial divergência implicaria nas taxas. Tal procedimento também não se vislumbra por parte da administração fiscal.

Por fim, a posição face ao risco da operação é também díspar. Num caso, a Requerente apresenta-se como entidade relativamente à qual um banco avalia o risco que esta representa. No outro, é a Requerente (ou o grupo onde se insere) que avalia o risco da aplicação de excedentes intra grupo em face de alternativas do mercado financeiro. Não se analisando a diferença de situações, e, sendo caso disso, ajustar o PCM em função dessa análise, o uso puro e simples da taxa passiva como PCM peca por evidente simplismo.

Assim, e em conclusão, julga-se ilegal a correcção efectuada pela administração aos proveitos financeiros declarados pela Requerente em 2007 e 2008, por deficiente aplicação dos preceitos legais referentes aos preços de transferência.


 

2. Questão da subcapitalização

 

2.1. A questão em apreço


 

A Requerente evidenciava, no início de 2007, uma dívida financeira de € 12.884.436,46 como passivo devido à entidade B... LLC, cuja sede se localiza nos Estados Unidos da América (EUA).

No âmbito da obtenção deste empréstimo, as entidades participantes no capital da Requerente – A…UK e H...Inc – prestaram garantia real a favor do banco americano concedente deste empréstimo.

Existem evidentes relações especiais – no sentido do (então) artigo 58.º do CIRC e actual artigo 63.º do mesmo código – entre a Requerente e A… UK, como resulta do ponto 2 da matéria de facto fixada, já que, nos termos do n.º 4 daquele artigo, se considera que elas existem «entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra», verificando-se neste caso o exemplo referido na alínea a) do mesmo número, por a A… UK deter uma participação de 99,9831 % do capital social da Requerente.

Por tal motivo, a inspecção fiscal entendeu que, ao abrigo do disposto no (então vigente) artigo 61.º, n.º 2, do CIRC (a que correspondeu o posterior artigo 67.º, n.º 2, do CIRC, na renumeração efectuada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho) ( 9 ), se deveria averiguar se a totalidade dos juros pagos pela requerente ao banco B... seria dedutível ou, ao contrário, sofreria das limitações impostas pelo artigo 67.º do CIRC (subcapitalização).

Conclui o relatório (p.66) que existe subcapitalização, resultante da equiparação à existência de relações especiais que as garantias consubstanciam, e nele se efectua, por via disso, uma correcção ao lucro tributável de € 615.811,34.

A Requerente, por seu lado, argumenta que o disposto no n.º 2 do (então) artigo 61.º do CIRC deverá ser entendido apenas em consonância com o estabelecido no n.º 1, não devendo os dois preceitos ser dissociados com vista à obtenção de uma situação fiscal diversa sobre a dedutibilidade dos juros.

Para a Requerente, a regra da subcapitalização, e a consequente limitação à dedutibilidade de juros, só será aplicável a situações que envolvam garantias prestadas por entidades que, tendo relações especiais com a entidade beneficiária do financiamento nos termos do (então) artigo 61.º do Código do IRC, cumpram a condição de serem não residentes num Estado-membro da União Europeia.

Sustenta a Requerente que uma interpretação dissociada do n.º 2 com o n.º 1 do então vigente artigo 61.º do Código do IRC conduziria ao que designa por “situações paradoxais”. É que, por um lado, um financiamento concedido directamente por uma entidade relacionada, residente num Estado-membro da União Europeia, não se encontraria no âmbito da aludida norma (n.º 1); mas já o financiamento concedido por uma entidade terceira (não relacionada), não residente num Estado-membro da União Europeia, poderia ser considerado excessivo em função de uma relação especial com uma entidade residente num Estado-membro da União Europeia (n.º 2).

Em face do exposto, a Requerente entende que, seguindo-se esta linha interpretativa, o regime da subcapitalização descrito no referido artigo 67.º do CIRC não será, em primeira linha, aplicável ao caso em apreço.

Adicionalmente, a Requente invoca ainda a Convenção sobre Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e os EUA, no seguintes termos: segundo o disposto no n.º 4 do artigo 26.º da CDT celebrada entre Portugal e os EUA (Princípio da Não Discriminação) “Salvo se for aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 9.º, «Empresas associadas», no n.º 8 do artigo 11.º, «Juros» (…) os juros, royalties e outras importâncias pagas por uma empresa de um Estado Contratante a um residente do outro Estado Contratante serão dedutíveis, para efeitos da determinação do lucro tributável de tal empresa, como se fossem pagas a um residente do Estado primeiramente mencionado”.

 

Vistos os argumentos das partes, analisemos de seguida a questão de base subjacente às normas referentes à subcapitalização.

 

 

  1. A subcapitalização: alguns aspectos conceptuais

 

A maioria dos países tem vindo a inserir nos respectivos códigos de tributação do rendimento das pessoas jurídicas as chamadas "cláusulas anti-abuso". Estas procuram combater esquemas de planeamento fiscal que podem ser criados com um propósito de evasão tributária. A subcapitalização é frequentemente referida como um desses esquemas.

A razão para esta cláusula assenta no receio de que grupos de empresas utilizem o financiamento interno na forma de empréstimos intra-grupo para assim imputarem os fluxos de juros à jurisdição fiscal mais conveniente.

Na verdade, as decisões financeiras de entidades multinacionais podem ser afectadas, entre outros factores, pelas taxas de impostos das jurisdições onde as suas subsidiárias operam, da rede de tratados fiscais que podem utilizar e os métodos utilizados previstos para evitar a dupla tributação, e ainda regras específicas de que os Estados se dotam para lutar contra o que é considerado o planeamento fiscal abusivo.

Portugal não é excepção a esta tendência de incremento do número de cláusulas anti-abuso, e o CIRC contém uma norma (artigo 61.º antes da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, e, depois desta, o artigo 67.º, vigente até 31-12-2012, data em que foi substituído pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro) que estabelece, no seu n.º 1, o seguinte:

 

Quando o endividamento de um sujeito passivo para com entidade que não seja residente em território português ou em outro Estado-membro da União Europeia com a qual existam relações especiais, nos termos definidos no n.º 4 do artigo 63.º, com as devidas adaptações, for excessivo, os juros suportados relativamente à parte considerada em excesso não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável.”

 

A aplicação deste tipo de cláusula na União Europeia passou, todavia, por mudanças substanciais, na sequência da decisão, em 2002, do Tribunal de Justiça Europeu (TJE) sobre o caso Lankhoorst-Hohorst.

Neste célebre caso, a norma de subcapitalização aplicada pelas autoridades alemãs foi posta em causa por uma sociedade holandesa, (entidade mãe de uma filial alemã) e o TJE decidiu em favor da empresa holandesa.

Nesse acórdão do TJE, o Tribunal decidiu, em Dezembro de 2002, da seguinte forma:


i) Que os Tratados da Comunidades Europeias são claros no tocante ao facto de que a autonomia fiscal dos Estados membros não pode justificar qualquer tipo de discriminação com base na nacionalidade;

ii) A regra fiscal alemã sobre a subcapitalização colidia com a liberdade de estabelecimento referida no artigo 43.º dos Tratados;

iii) A razão que as autoridades fiscais alemãs apresentaram para defender a sua posição – o combate à evasão fiscal – não era vista pelo Tribunal como sendo suficiente para justificar a natureza discriminatória da regra.


 

Mesmo antes da clarificação que a decisão do Tribunal de Justiça Europeu sobre o caso Lankhoorst-Hohorst veio estabelecer, surgiam dúvidas sobre a compatibilização das normas nacionais relativas à subcapitalização com algumas disposições dos Tratados Europeus.

Em suma: se é verdade que a existência da norma se entende em face de uma razão de combate ao planeamento fiscal agressivo tendo por base fluxos de empréstimos e juros intra-grupo, também não é menos verdade que a sua aplicação tem de, no seio da UE, ser caldeada com regras de não discriminação que, com ela, possam colidir.

Por seu lado, as regras constantes das Convenções sobre Dupla Tributação (modelo da OCDE) consagram cláusulas de não discriminação. Tais cláusulas procuram evitar que, na tributação de rendimentos, a nacionalidade das entidades que os auferem ou paguem seja um elemento central no distinto (ou discriminatório) tratamento fiscal de tais rendimentos. Haverá, pois, que estar também atento ao impacto dessas cláusulas, e avaliar em que medida influem na apreciação dos casos.


 

2.3. Apreciação da questão


 

2.3.1. À luz das disposições do CIRC

 

O (então) artigo 61.º do CIRC dispunha que:
 

1 – Quando o endividamento de um sujeito passivo para com entidade que não seja residente em território português ou em outro Estado-membro da União Europeia com a qual existam relações especiais, nos termos definidos no n.º 4 do artigo 63.º, com as devidas adaptações, for excessivo, os juros suportados relativamente à parte considerada em excesso não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável.

2 – É equiparada à existência de relações especiais a situação de endividamento do sujeito passivo para com um terceiro que não seja residente em território português ou em outro Estado -membro da União Europeia, em que tenha havido prestação de aval ou garantia por parte de uma das entidades referidas no n.º 4 do artigo 63.º

3 – Existe excesso de endividamento quando o valor das dívidas em relação a cada uma das entidades referidas nos números anteriores, com referência a qualquer data do período de tributação, seja superior ao dobro do valor da correspondente participação no capital próprio do sujeito passivo.

4 – Para o cálculo do endividamento são consideradas todas as formas de crédito, em numerário ou em espécie, qualquer que seja o tipo de remuneração acordada, concedido pela entidade com a qual existem relações especiais, incluindo os créditos resultantes de operações comerciais quando decorridos mais de seis meses após a data do respectivo vencimento.

5 – Para o cálculo do capital próprio adiciona-se o capital social subscrito e realizado com as demais rubricas como tal qualificadas pela regulamentação contabilística em vigor, excepto as que traduzem mais-valias ou menos-valias potenciais ou latentes, designadamente as resultantes de reavaliações não autorizadas por diploma fiscal ou da aplicação do método da equivalência patrimonial.

6 – Com excepção dos casos de endividamento perante entidade residente em país, território ou região com regime fiscal claramente mais favorável que conste de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, não é aplicável o disposto no n.º 1 se, encontrando-se excedido o coeficiente estabelecido no n.º 3, o sujeito passivo demonstrar, tendo em conta o tipo de actividade, o sector em que se insere, a dimensão e outros critérios pertinentes, e tomando em conta um perfil de risco da operação que não pressuponha o envolvimento das entidades com as quais tem relações especiais, que podia ter obtido o mesmo nível de endividamento e em condições análogas de uma entidade independente.

7 – A prova mencionada no número anterior deve integrar o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º


 

Ora, como se vê, o n.º 2 desta norma é claro quanto ao efeito da garantia prestada a favor de uma entidade (…) que se tenha endividado junto de um terceiro (banco B... LLC) não residente em Portugal ou na UE e, nesse processo, tenha obtido garantias de entidades (A… UK e H...Inc) com as quais esteja em situação de relações especiais.

Com efeito, surgindo tal situação, a norma que consta do n.º 1 será aplicável, e deverá analisar-se se existe excesso de endividamento nos termos do n.º 3.

Argumenta a Requerente que tal pode conduzir a situações dificilmente entendíveis, num plano da equiparação de situações e da lógica económica das normas em causa. Assim também entendemos.

De facto, face à redacção do (então) artigo 61.º do CIRC, e tal como a requerente alega, um financiamento à Requerente concedido directamente por uma entidade relacionada (v.g., A… UK), residente num Estado-membro da União Europeia, não se encontraria no âmbito do (então) artigo 61.º do CIRC.

Porém, o financiamento concedido por uma entidade terceira não relacionada (B... LLC), não residente num Estado-membro da União Europeia, seria considerado excessivo em função de uma relação especial derivada da garantia prestada por uma entidade residente num Estado-membro da União Europeia.

Este resultado padece, com efeito, de notória falta de neutralidade. Todavia, e conforme dispõe o artigo 9.º do Código Civil (sublinhado nosso):

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

 

 

O n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil leva a que, em nosso juízo, se não possa a afirmar com nitidez que o n.º 2 do artigo 61.º do CIRC não pode ser dissociado do n.º 1. Ou seja, que apesar dos seus efeitos económicos poderem ser distorsores e não neutros, a redacção da lei não permite ao intérprete uma leitura tão flexível quanto o sustenta a Requerente.

Se assim fosse, o legislador tê-lo-ia consagrado, e na expressão “em que tenha havido prestação de aval ou garantia por parte de uma das entidades referidas no n.º 4 do artigo 63.º “, aditaria a condição de que essa hipotética entidade que serve de garante também não deveria ser residente na UE.

Se no n.º 1 se excluíram expressamente as entidades residentes na UE, então também poderia o legislador ter inserido idêntica condição no n.º 2 (isto é, excluir as entidades relacionadas com sede na UE, quando estas servem de garante, da aplicação da cláusula da subcapitalização).

Compreendendo embora a lógica argumentativa da Requerente, não entendemos que ela tenha uma correspondência apropriada na letra da lei.

Por isso, o afastamento da aplicação do regime do n.º 2 do referido art. 61.º só poderá resultar da sua incompatibilidade com alguma norma de nível superior à lei ordinária.

Entre as normas de nível hierárquico superior às leis ordinárias incluem-se as normas de direito internacional, designadamente as convenções internacionais, pois «as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português» e «as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português» (artigos 8.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa).

Importa, assim, apreciar o impacto que poderá ter no caso em apreço a Convenção entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada, para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 39/95, de 12 de Outubro, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 73/95, da mesma data (doravante designada como CDT).

 

2.3.2. Análise do caso à luz do disposto na CDT celebrada entre Portugal e os EUA

O artigo 26.º da dita CDT dispõe como se segue:

Artigo 26.º

Não discriminação


1 – Os nacionais de um Estado Contratante não ficarão sujeitos no outro Estado Contratante a nenhuma tributação ou obrigação com ela conexa diferente ou mais gravosa do que aquelas a que estejam ou possam estar sujeitos os nacionais desse outro Estado que se encontrem na mesma situação. Esta disposição aplicar-se-á também às pessoas que não são residentes de um ou de ambos os Estados Contratantes. Todavia, para efeitos da tributação dos Estados Unidos, e sem prejuízo do disposto no artigo 25.º, «Eliminação da dupla tributação», um nacional dos Estados Unidos que não seja residente dos Estados Unidos e um nacional de Portugal que não seja residente dos Estados Unidos não se encontram na mesma situação.

2 – A tributação de um estabelecimento estável que uma empresa de um Estado Contratante tenha no outro Estado Contratante não será nesse outro Estado menos favorável do que a das empresas desse outro Estado que exerçam as mesmas actividades. Esta disposição não poderá ser interpretada no sentido de obrigar um Estado Contratante a conceder aos residentes do outro Estado Contratante as deduções pessoais, abatimentos e reduções para efeitos fiscais atribuídos em função do estado civil ou encargos familiares concedidos aos seus próprios residentes.

3 – Este artigo nunca poderá ser interpretado no sentido de impedir um dos Estados Contratantes de lançar o imposto a que se refere o artigo 12.º, «Imposto sobre sucursais».

4 – Salvo se for aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 9.º, «Empresas associadas», no n.º 8 do artigo 11.º, «Juros», ou no n.º 6 do artigo 13.º, «Royalties», os juros, royalties e outras importâncias pagas por uma empresa de um Estado Contratante a um residente do outro Estado Contratante serão dedutíveis, para efeitos da determinação do lucro tributável de tal empresa, como se fossem pagas a um residente do Estado primeiramente mencionado.

5 – As empresas de um Estado Contratante cujo capital, total ou parcialmente, directa ou indirectamente, seja possuído ou controlado por um ou mais residentes do outro Estado Contratante não ficarão sujeitas, no Estado primeiramente mencionado, a nenhuma tributação ou obrigação com ela conexa diferente ou mais gravosa do que aquelas a que estejam ou possam estar sujeitas as empresas em situação idêntica desse primeiro Estado.
 

No caso em apreço, está-se perante uma situação em foram pagos juros por uma empresa com sede em Portugal a uma empresa dos Estados Unidos da América, pelo que se está perante uma situação enquadrável na parte final do n.º 4 do este artigo 26.º: «uma empresa de um Estado Contratante» (a Requerente, de Portugal) pagou juros «a um residente do outro Estado Contratante» (o banco B... LLC, dos EUA) pelo que esses juros «serão dedutíveis, para efeitos da determinação do lucro tributável de tal empresa» (a Requerente) «como se fossem pagas a um residente do Estado primeiramente mencionado» (Portugal).

Por isso, a estatuição da parte final deste n.º 4 do artigo 26.º só será de afastar se se verificar alguma das excepções previstas na sua parte inicial.

Assim, falta ainda averiguar, se é aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 9.º, «Empresas associadas» ou no n.º 8 do artigo 11.º – «Juros», da mesma CDT (pois é manifesto que não se verifica a outra situação aí indicada que é a de pagamento de «Royalties».

O artigo 9.º, n.º 1, da CDT) estabelece o seguinte:


 

Quando:

a) Uma empresa de um Estado Contratante participar, directa ou indirectamente, na direcção, no controlo ou no capital de uma empresa do outro Estado Contratante; ou

b) As mesmas pessoas participarem, directa ou indirectamente, na direcção, no controlo ou no capital de uma empresa de um Estado Contratante e de uma empresa do outro Estado Contratante, e, num ou noutro caso, as duas empresas, nas suas relações comerciais ou financeiras, estiverem ligadas por condições aceites ou impostas que difiram das que seriam estabelecidas entre empresas independentes, os lucros que, se não existissem essas condições, teriam sido obtidos por uma das empresas, mas não foram por causa dessas condições, podem ser incluídos nos lucros dessa empresa e, consequentemente, tributados.


 

Assim, e quanto a este preceito, é claro que as relações especiais se devem verificar ou estabelecer entre empresas contratantes. Ou seja, para que as eventuais correcções ao lucro tributável fossem eventualmente possíveis, deveriam a Requerente e o B... LLC ser entidades relacionadas, o que não acontece. Assim, o artigo 9.º não impede que se perfilhe a conclusão da dedutibilidade dos juros atrás expressa.

Já o artigo 11.º, n.º 8, da mesma CDT dispõe:

8 – Quando, devido a relações especiais existentes entre o devedor e o beneficiário efectivo ou entre ambos e qualquer outra pessoa, o montante dos juros pagos, tendo em conta o crédito pelo qual são pagos, exceder o montante que seria acordado entre o devedor e o beneficiário efectivo na ausência de tais relações, as disposições deste artigo são aplicáveis apenas a este último montante. Neste caso, o excesso pode continuar a ser tributado de acordo com a legislação de cada Estado Contratante, tendo em conta as outras disposições desta Convenção.


 

A situação aqui prevista é a de existirem relações especiais entre o devedor (aqui a Requerente) e o beneficiário (aqui o banco B... LLC), ou entre ambos e qualquer outra pessoa.

No caso em apreço, não existem relações especiais entre a Requerente e o banco referido, nem elas existem entre ambas estas entidades e a A… UK e H...Inc, que garantiram o empréstimo. Elas existem apenas entre a Requerente e estas últimas entidades, mas não entre estas e ambas, pois nenhuma delas tem relações especiais com o banco B... LLC.

Por isso, é de concluir que também não se verifica a excepção relativa ao artigo 11.º, n.º 8, da CDT, pelo que é de aplicar a estatuição da parte final do n.º 4 do artigo 26.º da CDT, que impõe a dedutibilidade dos juros pagos pela Requente ao B....

Consequentemente, é ilegal a correcção efectuada pela AT ao lucro tributável da Requerente, em razão da alegada subcapitalização.

 

3. Questão do benefício fiscal por criação líquida de postos de trabalho

A Requerente imputa ilegalidade às correcções efectuadas nas liquidações impugnadas, relativas ao montante do benefício fiscal relativo à dedução de 50% dos encargos relativos à criação líquida de postos de trabalho, prevista no artigo 17.º (actual 19.º) do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

O art. 17.º do EBF, na redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, estabelece o seguinte:

Artigo 17.º

Criação de emprego

1 – Para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos do IRC e dos sujeitos passivos do IRS com contabilidade organizada, os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado, são considerados em 150% do respectivo montante contabilizado como custo do exercício.

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se:

a) Jovens os trabalhadores com idade superior a 16 anos e inferior a 30 anos, aferida na data da celebração do contrato de trabalho, com excepção dos jovens com menos de 23 anos que não tenham concluído o ensino secundário e que não estejam a frequentar uma oferta de educação-formação que permita elevar o nível de escolaridade ou qualificação profissional para assegurar a conclusão desse nível de ensino;

b) Desempregados de longa duração os trabalhadores disponíveis para o trabalho, nos termos do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, que se encontrem desempregados e inscritos nos centros de emprego há mais de 12 meses, sem prejuízo de terem sido celebrados, durante esse período, contratos a termo por período inferior a 6 meses, cuja duração conjunta não ultrapasse os 12 meses;

c) Encargos os montantes suportados pela entidade empregadora com o trabalhador a título da remuneração fixa e das contribuições para a segurança social a cargo da mesma entidade;

d) Criação líquida de postos de trabalho a diferença positiva, num dado exercício económico, entre o número de contratações elegíveis nos termos do n.º 1 e o número de saídas de trabalhadores que, à data da respectiva admissão, se encontravam nas mesmas condições.

3 – O montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é o correspondente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida.

4 – Para efeitos da determinação da criação líquida de postos de trabalho não são considerados os trabalhadores que integrem o agregado familiar da respectiva entidade patronal.

5 – A majoração referida no n.º 1 aplica-se durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho, não sendo cumulável, quer com outros benefícios fiscais da mesma natureza, quer com outros incentivos de apoio ao emprego previstos noutros diplomas, quando aplicáveis ao mesmo trabalhador ou posto de trabalho.

6 – O regime previsto no n.º 1 só pode ser concedido uma vez em relação ao mesmo trabalhador, qualquer que seja a entidade patronal.


 

A Requerente calculou em € 420.739,32 o benefício fiscal relativo ao ano de 2007.

A Autoridade Tributária e Aduaneira corrigiu esse benefício fiscal em € 133.252,80, por ter sido considerado que o cálculo efectuado pela Requerente não respeitou o disposto no n.º 5 do referido artigo 17.º, na redacção que lhe foi dada pela Lei 53.º-A/2006 de 29 de Dezembro, tendo eliminado do cálculo efectuado pela Requerente os encargos suportados nos meses em que esta beneficiava, igualmente, da dispensa de contribuições para a Segurança Social Portuguesa por ter efectuado contratação de colaboradores ao abrigo do Decreto-Lei n.º 89/95 de 6 de Maio (criação de primeiro emprego) (pontos 40 a 45 da matéria de facto, artigos 207 a 257 da petição inicial e páginas 67 a 72 do relatório da inspecção).

A referida proibição de cumulação do benefício fiscal com outros foi introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, pois não existia na redacção anterior do art. 17.º do EBF, que era a seguinte:

Artigo 17.º
Criação de empregos para jovens

1 – Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%.

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.

3 – A majoração referida no n.º 1 tem lugar durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho.
 

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, apesar de a concessão do benefício fiscal ser anterior à entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, a nova redacção é aplicável ao exercício de 2007, por força do disposto na alínea e) do art. 88.º desta Lei que estabelece que «a nova redacção do artigo 17.º aplica-se relativamente a períodos de tributação que se iniciem após a entrada em vigor da presente lei».

Aquela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, entrou em vigor em 1-1-2007, como estabelece o seu art. 163.º.

De harmonia com o disposto no art. 8.º do CIRC, a regra é o IRC ser devido por cada exercício económico, que coincide com o ano civil.

Não se enquadrando a situação da Requerente nem sendo invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira que em relação à Requerente se verificasse alguma das excepções previstas no mesmo artigo, tem de partir-se do pressuposto de que exercício de 2007 coincidiu com o ano civil.

Isto é, o exercício de 2007 da Requerente iniciou-se no mesmo momento da entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006 e não após a sua entrada em vigor.

Por isso, logo à face do texto da referida alínea e) do art. 88.º da Lei n.º 53-A/2006, carece de suporte a posição adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

De qualquer modo, mesmo que se interprete aquela alínea e) do art. 88.º como reportando-se, inclusivamente, ao ano de 2007, uma alteração dos pressupostos de um benefício fiscal temporário, já concedido ao contribuinte por determinado prazo, que tem subjacente uma sua conduta anterior tendente à criação líquida de postos de trabalho por contrato sem termo, será violadora do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático (art. 2.º da CRP), por desrespeitar os direitos anteriormente constituídos.

Na verdade, a existência do benefício com a dimensão de cinco anos de majoração dos custos é, na própria perspectiva legislativa que necessariamente está subjacente à sua concessão, um dos elementos presumivelmente relevantes para influenciar as decisões dos empregadores no sentido de celebrarem contratos sem termo.

Por isso, não é compatível com o princípio constitucional da confiança fazer cessar o benefício antes do termo daquele prazo, pelo menos sem, concomitantemente, permitir a cessação ou modificação dos contratos celebrados na pressuposição de que o benefício fiscal se manteria por cinco anos.

Com efeito, aos empregadores não poderia ocorrer que, estando garantido pela lei vigente no momento em que celebraram os contratos uma contrapartida fiscal dos encargos assumidos abrangendo as remunerações que viessem a pagar nos cinco anos subsequentes, esse regime pudesse ser modificado em termos de lhes retirado o benefício, mantendo a obrigação de assumirem integralmente as responsabilidades pelo pagamento dos encargos remuneratórios assumidos nos contratos celebrados.

O desrespeito pelo direito adquirido é intolerável, a face daquele princípio, por não se vislumbrarem razões de interesse público ponderosas que possam justificá-lo. ( 10 )

Consequentemente, a alínea e) do art. 88.º da Lei n.º 53-A/2006 será materialmente inconstitucional, por violação do princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático se for interpretado como eliminando, no ano de 2007, o benefício fiscal previsto no art. 17.º do EBF relativamente a contratos sem termo de trabalhadores com idade não superior a 30 anos celebrados há menos de cinco anos antes de 31-12-2006, que conduziram à criação líquida de postos de trabalho.

Pelo exposto, é ilegal a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente ao benefício fiscal por criação líquida de postos de trabalho.


 

4. Questão das correcções relativas aos custos suportados pela Requerente relativamente a serviços de gestão (“Management Charges”) debitados pelas sociedades A... UK e C...


 

4.1. Posição adoptada pela administração tributária

No relatório da inspecção refere-se que se constatou que na estrutura de custos declarados pela Requerente nos exercícios de 2007 e 2008 uma parte relevante do valor contabilizado na conta 62 – Fornecimentos e Serviços Externos respeitava a custos designados como “Management Charges” (relatório, a páginas 73 e seguintes).

Estes custos constam de cinco facturas:

– Duas relativas ao ano de 2007, nos valores de € 1.368.553,20, emitida por A…UK, e € 289.393,83, emitida I…, no total de € 1.657.947,03);

– Três relativas ao ano de 2008, nos valores de € 1.569.768,32, emitida por A…UK, € 298.592,64, emitida I…, e € 39.704,44, emitida I…, no total de € 1.908.065,40.

Como se refere no relatório da inspecção, a fls. 79-80, existem relações especiais entre estas empresas e a Requerente, à face do critério da alínea a) do n.º 4 do art. 58.º do CIRC, o que não é objecto de controvérsia no presente processo.

Nessas facturas não se identificam concretamente os serviços prestados, limitando-se a ser efectuada uma repartição dos custos gerais do grupo pelas diversas unidades empresariais que o integram.

A Requerente organizou Dossier Fiscal de Preços de Transferência (DFPT) e, que se refere que tais despesas se reportam a «Prestação de Serviços Intra-Grupo».

Neste DFPT também não se identificam concretamente os serviços prestados, indicando-se apenas áreas de actuação e dando-se exemplos genéricos dos tipos de serviços prestados (relatório da inspecção, fls. 82-83).

Perante a inviabilidade de apurar quais os serviços prestados e a sua indispensabilidade, a administração tributária notificou a Requerente para, além do mais, concretizar, datar e quantificar esses serviços.

A Requerente prestou esclarecimentos, mas, depois de profunda análise não conseguiu apurar quais os serviços prestados intra-grupo nem a sua quantificação, nem a sua data.

Na sequência desta inviabilidade de apuramento a administração tributária entendeu que foi desrespeitado o art. 23.º do CIRC, por a Requerente não comprovar a indispensabilidade dos custos referidos na realização dos proveitos nem na manutenção da fonte produtora e concluiu que tinha de dar uma resposta negativa à questão de saber «se houve efectivamente uma prestação de serviços intra-grupo» (relatório da inspecção, fls. 160).

Para além disso, embora o considerasse desnecessário em face da resposta dada à questão da indispensabilidade dos custos, a administração tributária pronunciou-se também sobre a questão da violação do princípio da plena concorrência, entendendo que a Requerente «não provou e demonstrou que o preço dos serviços intra-grupo está em conformidade com o princípio da plena concorrência» (relatório da inspecção, fls. 160). E «tendo em conta que ficou demonstrado que entre entidades independentes não teria existido qualquer débito a título de 'Management Charges", conforme comprovam os elementos expostos donde concluímos que foram praticadas condições diferentes daquelas que seriam praticadas entre entidades independentes, é devida uma correcção positiva ao lucro tributável de 2007 e 2008, nos termos do nº 8 do artigo 63º (anterior 58º) do CIRC e n.º1 do artigo 3º da Portaria, de forma a que estes não sejam diferentes do que seria apurado, na ausência de relações especiais» (relatório da inspecção, fls. 161-162).

Na sequência destas considerações, refere-se no relatório da inspecção: «após terem sido cumpridos os requisitos de fundamentação previstos no nº 3 do artigo 77º da LGT, para correcções em sede de preços de transferência e tendo verificado o incumprimento por parte do s.p. do disposto no artigo 23º do CIRC, propõe-se um ajustamento positivo que consiste na desconsideração dos custos contabilizados na rubrica de FSE-Trabalhos especializados», no valor de € 1.657.947,03 relativamente ao ano de 2007 e de € 1.908.065,40 quanto ao ano de 2008.

Isto é, foram desconsiderados como custos a totalidade dos referidos «Management Charges» relativos a estes anos.


 

4.2. Decisão

A prova produzida em audiência revelou inequivocamente que a Requerente beneficiou de serviços prestados por outras entidades do grupo e que alguns desses serviço não podiam deixar de considerar-se necessários para a obtenção dos proveitos, uma vez a Requerente não dispunha deles ou os de que dispunha eram insuficientes: por exemplo, o único colaborador informático, como se refere no ponto 84 da matéria de facto fixada, que não prestava os serviços informáticos referidos no ponto 82 da matéria de facto, que se provou terem sido efectivamente prestados.

Aliás, no presente processo arbitral a Autoridade Tributária e Aduaneira não deixa de reconhecer que e natural que houvesse «estreita inter-ligação da Requerente com o grupo de que faz parte. É natural que assim seja, afinal é por isso que é uma multi-nacional» (artigo 31.º das alegações).

Certamente que desta evidência de que a Requerente beneficiou de serviços prestados por outras entidades do grupo «não se pode retirar sem mais e automaticamente que todos aqueles serviços que foram facturados tivessem sido efectivamente realizados e, nesse caso, em que medida o preço debitado teria sido o correcto», como também bem diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, no artigo 32.º das alegações.

Mas, estas certeiras afirmações patenteiam os erros de facto e de direito subjacentes aos actos de liquidação impugnados, relativamente aos anos de 2007 e 2008.

Na verdade, a determinação da matéria tributável pode fazer-se por avaliação ou cálculo directo ou indirecto (artigos 81.º a 85.º da Lei Geral Tributária).

«A avaliação directa visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação». «A avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha» (art. 83.º da LGT).

Há lugar a avaliação indirecta em caso de «impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto [artigo 87.º, alínea b), da LGT].

E «a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável: a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais» (art. 86.º da LGT).

A regra, assim, é a de que nos casos de omissões de escrita em que é inviável determinar exactamente a matéria tributável tem de se liquidar o imposto que presumivelmente seria liquidado se aquelas omissões não se verificassem, não podendo, por isso, a administração tributária utilizar essas omissões como fundamento para liquidar um imposto que seguramente não podia ser liquidado. «A existência de omissões ou inexactidões na escrita pode justificar que à Administração Fiscal sejam concedidos poderes para suprir os seus efeitos patrimoniais negativos relativamente à Fazenda Pública, calculando o imposto que presumivelmente seria cobrado à face das respectivas normas de incidência e de determinação da matéria colectável e correspondentes juros compensatórios, mas não pode servir de pretexto para que sejam cobrados aos contribuintes impostos em quantidades superiores às que presumivelmente resultariam da aplicação daquelas normas, o que redundaria num enriquecimento injusto da Fazenda Pública à custa dos contribuintes». ( 11 )

O art. 23.º do CIRC não prevê um método de avaliação indirecta, mas sim de avaliação directa: ele não se aplica a situações em que não se sabe quais os custos que foram suportados, mas sim a casos em são perfeitamente conhecidos os custos suportados, mas eles não são de considerar indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a IRC ou manutenção da fonte produtora.

No caso em apreço, tendo a administração tributária concluído que não se podia apurar que serviços foram efectuados e sua quantificação, adoptou um entendimento que se reconduz a que nenhum dos serviços prestados, que desconhecia, era necessário para realização dos rendimentos ou manutenção da fonte produtora.

Este entendimento não tem correspondência com a realidade, pois foram prestados alguns serviços, como resulta da matéria de facto fixada, pelo que os actos de liquidação relativos aos anos de 2007 e 2008, na parte em que assentaram nas correcções relativas aos «Management fees», enfermam de erro nos pressupostos de facto.

Para além disso, tendo efectuado aplicação do regime do art. 23.º do CIRC a uma situação em que ele não é aplicável, aqueles actos enfermam de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito.

Diga-se ainda, finalmente, que o entendimento adoptado pela Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido de, em situações em que se sabe que alguns custos foram suportados, mas se ignora quais foram, não considerar nenhum custo para determinação da matéria tributável, é incompaginável com o princípio da tributação das empresas fundamentalmente sobre o seu rendimento real, imposto pelo art. 104.º, n.º 2, da CRP.

Pelo exposto, procede o pedido de declaração ilegalidade das liquidações relativas aos anos de 2007 e 2008, na parte respeitante aos «management fees» no valor de € 1.657.947,03 relativamente ao ano de 2007 e de € 1.908.065,40 quanto ao ano de 2008.


 

5. Vício de falta de fundamentação e de violação do princípio do contraditório

A Requerente imputa à decisão da reclamação graciosa vícios de falta de fundamentação e de violação do princípio do contraditório (pontos 43 a 45 e 56 a 65 do pedido de pronúncia arbitral).

A procedência integral dos vícios de violação de lei prejudica o conhecimento dos vícios de forma e procedimentais, como decorre da ordem do conhecimento de vícios prevista no n.º 2 do art. 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT.

Na verdade, o estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios só se justifica pela eventual procedência dos vícios de conhecimento prioritários tornar desnecessário o conhecimento dos restantes, pois, se fosse sempre necessário conhecer se todos os vícios seria irrelevante a ordem do seu conhecimento.

Pelo exposto, procedendo os vícios de violação de lei, fica prejudicado o conhecimento dos vícios de falta de fundamentação e violação do princípio do contraditório.


 

6. Reembolso de quantia paga e juros indemnizatórios

Conclui-se assim, que procede integralmente o pedido de pronúncia arbitral.

A Requerente pede o reembolso da quantia de € 48.360,36, que pagou relativamente à liquidação do ano de 2010, acrescida de juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário» deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago de € 48.360,36, acrescido de juros indemnizatórios.

Como resulta dos pontos 14, 15 e 16 da matéria de facto fixada:

– em 30-5-2011, foi notificada à Requerente a demonstração de compensação e cobrança n.º 2011 … relativa ao exercício de 2008, da qual resultou um montante a pagar de € 117.739,20, e que se reflecte numa redução do valor dos prejuízos fiscais disponíveis para utilização em exercícios futuros, bem como na dedução da totalidade dos Pagamentos Especiais por Conta (de ora em diante, "PEC") efectuados no próprio exercício;

– A Requerente foi notificada no dia 11-8-2011 da demonstração da liquidação adicional de IRC n.º 2011 …, na qual foram desconsiderados os valores dos PEC efectuados no exercício de 2008 que tinham sido deduzidos à colecta do exercício de 2010, e da qual resultava um montante de imposto a pagar de € 48.360,36;

– o pagamento da liquidação adicional mencionada no artigo anterior foi efectuado no prazo previsto na mesma.


 

Na sequência da declaração de ilegalidade do acto de liquidação relativo ao ano de 2008, que implica a sua invalidade (art. 135.º do Código do Procedimento Administrativo) a liquidação adicional de IRC n.º 2011 …, relativa ao ano de 2010, passa a fica afectada por nulidade, por força do disposto no art. 133.º, n.º 2, alínea i), do Código do Procedimento Administrativo.

Os vícios do acto de liquidação relativo a 2008 são imputáveis A administração tributária, que o praticou com base nos elementos por si apurados, pelo que também a ela é imputável a consequente ilegalidade do acto de liquidação adicional relativo ao ano de 2010.

Assim, há lugar ao reembolso do imposto de € 48.360,36 pago relativamente a esta liquidação n.º 2011 …, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

No que concerne aos juros indemnizatórios, é também é claro que a ilegalidade do acto é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa praticou sem suporte legal.


 

7. Indemnização por garantia indevida

A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida que prestou, no valor de € 724.205,28.

Como resulta dos pontos 21 e 22 da matéria de facto fixada, a Requerente prestou duas garantias para suspender as execuções fiscais n.ºs … e …, ambas do Serviço de Finanças de ..., nos valores de € 592.475,95 e € 149.729,33, respectivamente. ( 12 )

Como se referiu por força do disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como directriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no art. 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do art. 52.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

 

Garantia em caso de prestação indevida

 

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.


 

No caso em apreço, é manifesto que os erros do acto de liquidação de IVA são imputáveis à administração tributária, pois as correcções foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão (arts. 661.º do Código de Processo Civil e 565.º do Código Civil).

8. Decisão

 

Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

– Julgar procedente os pedidos de declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IRC relativas aos anos de 2007, 2008 e 2010;

– Atribuir à Requerente indemnização, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, pela prestação indevida de duas garantias bancárias relativas às execuções das liquidações adicionais referentes aos anos de 2007 e 2008, indemnização essa a liquidar em execução deste acórdão;

– Determinar o reembolso à Requerente da quantia de € 48.360,36 paga a título de IRC do ano de 2010;

– Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios desde a data do pagamento da quantia € 48.360,36 até à emissão da respectiva nota de crédito


 

9. Valor do processo

De harmonia com o disposto no art. 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 658.206,55.


 

10. Custas

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 9.792,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.


 


 

Lisboa, 21-1-2013

Os Árbitros


 


 

(Jorge Lopes de Sousa)


 


 

(José Pedro Carvalho)


 


 

(António Martins)


 

1(  ) Vejam-se, por todos, RICHARD BREALEY e STEWART MYERS, Princípios de finanças empresariais, McGraw Hill, 1998, caps. 13, 14 15 e 31) e PATRÍCIA PEREIRA DA SILVA, ISABEL CRUZ, ANTÓNIO MARTINS, MÁRIO AUGUSTO, PAULO GAMA GONÇALVES, Manual de gestão financeira empresarial, Coimbra Editora, 2009.

2(  ) Veja-se J. CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, Almedina 2010; e J SALDANHA SANCHES, Direito fiscal, Coimbra Editora, 2007.

3(  ) Op. Cit. página 136.

4(  ) Op. Cit. página 137.

5(  ) Op. Cit. Página 112.

6(  ) Citando VÍTOR FAVEIRO, “O Estatuto do Contribuinte: a pessoa do contribuinte no estado social de Direito”, Coimbra, 2002, páginas 847-848, o autor destaca o seguinte trecho:” …Só podendo ser os custos objecto de correcção directa, nos termos do artigo 23.º do CIRC, quando se trate de factos que, por natureza e univocidade se evidenciem como estranhos ao objectos e ao fim económico e gestionário global da empresa”.

7(  ) Op. Cit. página 113.

8(  ) A que corresponde o artigo 58.º na redacção do CIRC anterior à renumeração operada pelo DL n.º 159/2009, de 13 de Julho.

9(  ) O regime da «Subcapitalização», que constava do art. 67.º do CIRC na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, foi recentemente substituído, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, que introduziu o novo regime de «limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento»,

10(  ) Essencialmente nesta linha, pode ver-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 410/95, de 28-6-1995, processo n.º 248/94.

11(  ) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7-10-1998, processo n.º 22801, publicado em Ciência e Técnica Fiscal, n.º 392, página 378.

12(  ) O montante total das garantias é de € 742.205,90 e não € 724.205,28, como, por lapso evidente, refere a Requerente.