Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 79/2012-T
Data da decisão: 2012-01-15  IMI  
Valor do pedido: € 932,86
Tema: Regime transitório para os prédios urbanos arrendados
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Processo arbitral n.º 79/2012-T

Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”)

 

Requerentes

… e

 

Requerida

Autoridade Tributária e Aduaneira (Ministério das Finanças)

 

 

1. Relatório

 

1.1. … e …, adiante designadas por “Requerentes”, contribuintes n.º … e n.º …, respectivamente, residentes na …, n.º …, …-… …, vêm requerer a constituição de tribunal arbitral e, em coligação, deduzir pedidos cumulados de anulação parcial das liquidações de IMI referentes aos anos 2010 e 2011 (emitidas sob os números 2010 …, 2010 …, 2011 … e 2011 …), ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”1), com o consequente reembolso às Requerentes do montante indevidamente pago de € 932,86, acrescido dos juros indemnizatórios correspondentes.

 

As Requerentes invocam a ilegalidade das liquidações de IMI por estas não terem atendido ao regime especial relativo a prédios arrendados, previsto no artigo 17.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, que aprovou o novo Código do IMI, na redacção dada pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.

 

Entendem as Requerentes que tendo procedido à actualização do valor das rendas de forma faseada, de acordo com o Novo Regime do Arrendamento Urbano (“NRAU”), o valor base para liquidação do IMI devia corresponder apenas a uma percentagem do valor patrimonial tributário (ou “VPT”) determinado nos termos do artigo 38.º do Código deste imposto e não ao seu valor integral.

 

Concluem que a recusa de aplicação do benefício previsto no artigo 17.º, n.º 2, do citado Decreto-Lei n.º 287/2003 viola os princípios da justiça e da igualdade entre contribuintes e pedem a anulação do acto, com a restituição da prestação tributária paga em excesso acrescida de juros indemnizatórios.

 

1.2. De acordo com o artigo 6.º, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou como árbitro único Alexandra Coelho Martins.

 

O tribunal arbitral foi constituído no CAAD, em 4 de Setembro de 2012, conforme acta de constituição do tribunal arbitral.

 

1.3. A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu no sentido da inaplicabilidade do referido regime especial à situação concreta, uma vez que os prédios em causa já se encontravam definitivamente avaliados nos termos do Código do IMI.

 

Preconiza que este regime especial apenas é convocável relativamente a prédios cujo VPT careça de ser determinado nos termos do artigo 38.º deste Código, para efeitos de actualização do valor do locado e da renda, os quais constituem pressuposto da disciplina constante do artigo 32.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.

 

Na situação vertente, quando foi dado início ao procedimento de actualização das rendas já estava concluído e consolidado o procedimento de avaliação fiscal previsto no artigo 38.º do Código do IMI, originado pela declaração de aquisição dos imóveis por escritura de partilhas por óbito de pai e marido (e não no âmbito de um procedimento de actualização de rendas).

 

Encontrando-se os prédios avaliados há menos de três anos, o ulterior início de um processo de actualização de rendas previsto no NRAU não é passível de despoletar uma nova avaliação dentro do quadro temporal de três anos (artigo 130.º, n.º 4 do Código do IMI), nem esta avaliação é necessária para efeitos de aplicação do regime de actualização das rendas do artigo 32.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, pois já se encontra fixado um valor patrimonial tributário ao abrigo das regras do IMI (o qual constitui pressuposto da actualização das rendas).

 

Considera, assim, que não existe motivo para a anulação dos actos de liquidação de IMI e, consequentemente, para o pagamento de quaisquer juros indemnizatórios.

 

1.4. Em 9 de Outubro de 2012, realizou-se a primeira reunião do tribunal arbitral, nos termos e com os objectivos previstos no artigo 18.º do RJAT, fixando-se o dia 25 de Outubro de 2012 para a produção de alegações orais, as quais foram nessa data apresentadas por ambas as partes.

 

1.5. A única questão decidenda é de direito e prende-se com o âmbito e pressupostos de aplicação da norma especial constante do n.º 2 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, que aprovou o Código do IMI, na redacção dada pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.

 

Especificamente, importa aquilatar se o mencionado regime especial é aplicável na situação de actualização (aumento) faseada do valor das rendas ao abrigo do NRAU, quando tenha previamente ocorrido um procedimento de avaliação geral e sido determinado um VPT, nos termos do (artigo 38.º do) Código do IMI, encontrando-se a decorrer o prazo de três anos previsto no artigo 130.º, n.º 4 deste Código.

 

* * *

1.6. O Tribunal é competente e foi regularmente constituído.

 

O processo não enferma de vícios que o invalidem na totalidade.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

 

Não se verificam nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito, enquadrando-se a coligação de autores e a cumulação de pedidos (IMI dos anos 2010 e 2011) nos pressupostos do n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, dependendo da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras de direito.

 

 

2. Fundamentação

 

Com interesse e relevância para a decisão, dão-se por assentes os seguintes factos:

 

  1.  

A primeira Requerente e a segunda Requerente adquiriram, em processo de partilha, por óbito de pai e marido, respectivamente, as fracções autónomas de seguida identificadas, todas no concelho do …, por escritura datada de 24 de Julho de 2009 – cf. escritura de partilha constante do processo administrativo (fls. 17 a 25):

 

Primeira Requerente

Prédio

Morada

Fracção

Artigo matricial n.º …

Prédio urbano

Rua …, n.º …

Fracção U

Fracção V

Fracção W

Segunda Requerente

Prédio

Morada

Fracção

Artigo matricial n.º …

Prédio urbano

Avenida …, n.º …

Fracção J

Fracção J1

 

 

  1.  

Em 4 de Setembro de 2009 as Requerentes apresentaram junto do Serviço de Finanças do … as Declarações Modelo 1 para inscrição ou actualização de prédios urbanos na matriz referentes às cinco fracções supra identificadas, assinalando como motivo da entrega das declarações tratar-se da “1ª Transmissão na Vigência do IMI”cf. cópias das declarações modelo 1 constante do processo administrativo (fls. 100 a 106 do processo de reclamação graciosa n.º … e fls. 79 a 83 do processo de reclamação graciosa n.º …).

 

  1.  

Na sequência da entrega das Declarações Modelo 1 pelas Requerentes, o Serviço de Finanças do … procedeu à avaliação das correspondentes fracções tendo sido fixados os valores patrimoniais tributários, ainda em Setembro de 2009, de acordo com a fórmula prevista no artigo 38.º Código do IMI, relativamente aos quais não foi requerido um pedido de segunda avaliação nos termos do quadro seguinte – cf. informações constantes do processo administrativo e cópias das cadernetas prediais (fls. 27 a 34 do processo de reclamação graciosa n.º … e 26 a 30 do processo de reclamação graciosa n.º …):

 

  • Artigo

    Fracção

    Data da avaliação

    Valor da avaliação

    Artigo matricial n.º …

     

    U

    19.09.2009

    € 42.410,00

    V

    17.09.2009

    € 49.060,00

    W

    17.09.2009

    € 42.390,00

    Artigo matricial n.º …

    J

    19.09.2009

    € 52.930,00

    J1

    25.09.2009

    € 49.430,00

 

  1.  

Estando as referidas fracções autónomas arrendadas, as Requerentes procederam à abertura de um processo de actualização de rendas, ao abrigo do NRAU. Este processo foi aberto em 29 de Dezembro de 2009 para a fracção U do artigo matricial n.º … e em 30 de Dezembro de 2009 para as demais fracções – conforme informações oficiais constantes do processo administrativo (fls. 45 a 52 do processo de reclamação graciosa n.º … e 38 a 42 do processo de reclamação graciosa n.º …).

 

  1.  

Em 6 de Março de 2010 as Requerentes preencheram, para cada uma das fracções identificadas, o Modelo Único NRAU (“Artigo 1.º da Portaria n.º 1192-A/2006, de 3 de Novembro”), preenchendo o campo 18 relativo a “Pedidos e comunicações do senhorio” com a indicação do valor das novas rendas – cf. processo administrativo (formulários de fls. 36 a 43 do processo de reclamação graciosa n.º … e 32 a 36 do processo de reclamação graciosa n.º …).

 

  1.  

Em 26 de Março de 2010, as Requerentes comunicaram aos Serviço de Finanças do …, por carta registada com aviso de recepção, a actualização das rendas de forma faseada juntando cópia dos comprovativos emitidos pela plataforma informática do NRAU – cf. processo administrativo (fls. 54, 55 e 68 do processo de reclamação graciosa n.º … e fls. 44 a 53 do processo de reclamação graciosa n.º …).

 

  1.  

A referida actualização das rendas processou-se da seguinte forma – cf. documentos 12 a 16 juntos à p.i. também constantes do processo administrativo:

 

  • Artigo

    Fracção e processo

    Renda anterior

    Valor máximo de renda mensal efectivo

    Período de faseamento de renda

    Artigo matricial n.º …

     

    U - …

    € 50,00

    € 128,00

    10 anos

    V - …

    € 30,00

    € 148,00

    10 anos

    W - …

    € 50,00

    € 128,00

    10 anos

    Artigo matricial n.º …

    J - …

    € 68,30

    € 159,00

    10 anos

    J1 - …

    € 68,30

    € 149,00

    5 anos

 

 

 

  1.  

As Requerentes foram objecto de liquidações de IMI relativamente às fracções autónomas em apreço nos seguintes termos – cf. notas demonstrativas das liquidações de IMI dos anos 2010 e 2011, juntas como documentos 19, 20, 29 e 30 à p.i.:

 

  • ANO 2010

    Artigo

    Fracção

    VPT

    Taxa

    Valor de IMI

    Número da liquidação

    Data da liquidação

    Artigo matricial n.º …

     

    U

    € 42.410,00

    0,40

    € 169,64

    2010 …

    20.02.2011

    V

    € 49.060,00

    0,40

    € 196,24

    2010 …

    20.02.2011

    W

    € 42.390,00

    0,40

    € 169,56

    2010 …

    20.02.2011

    Artigo matricial n.º …

    J

    € 52.930,00

    0,40

    € 211,72

    2010 …

    25.02.2011

    J1

    € 49.430,00

    0,40

    € 197,72

    2010 …

    25.02.2011

 

  • ANO 2011

    Artigo

    Fracção

    VPT

    Taxa

    Valor de IMI

    Número da liquidação

    Data da liquidação

    Artigo matricial n.º …

     

    U

    € 42.410,00

    0,40

    € 169,64

    2011 …

    01.03.2012

    V

    € 49.060,00

    0,40

    € 196,24

    2011 …

    01.03.2012

    W

    € 42.390,00

    0,40

    € 169,56

    2011 …

    01.03.2012

    Artigo matricial n.º …

    J

    € 52.930,00

    0,40

    € 211,72

    2011 …

    03.03.2012

    J1

    € 49.430,00

    0,40

    € 197,72

    2011 …

    03.03.2012

 

  1.  

O IMI liquidado relativamente ao ano 2010 foi pago pelas Requerentes em 14 de Abril de 2011 e em 30 de Setembro de 2011 (cf. documentos 21 e 22 juntos à p.i., também constantes do processo administrativo). A primeira prestação do IMI do ano 2011 foi paga em 23 de Abril de 2012 pela primeira Requerente e em 26 de Abril de 2012 pela segunda Requerente (cf. documentos 31 e 32 juntos à p.i.).

 

  1.  

Em 16 de Maio de 2011, não se conformando com as liquidações de IMI referentes ao ano 2010 as Requerentes deduziram reclamações graciosas – cf. documentos 23 e 24 juntos à p.i. e processo administrativo (processo de reclamação graciosa n.º … – fls. 1 a 14 – e processo de reclamação graciosa n.º … – fls. 2 a 13).

 

  1.  

Notificadas dos projectos de indeferimento das reclamações graciosas do IMI de 2010, as Requerentes exerceram o direito de audição em 14 de Fevereiro de 2012 – cf. documentos 25 e 26 juntos à p.i. e processo administrativo (processo de reclamação graciosa n.º … – fls. 144 a 150 – e processo de reclamação graciosa n.º … – fls. 116 a 122).

 

  1.  

Em 27 de Fevereiro de 2012 as Requerentes foram notificadas dos despachos de indeferimento das reclamações graciosas do Chefe do Serviço de Finanças do …, por delegação de competências do Director de Finanças de … – cf. documentos 27 e 28 juntos à p.i. e processo administrativo (processo de reclamação graciosa n.º … – fls. 151 a 159 – e processo de reclamação graciosa n.º … – fls. 124 a 133).

 

  1.  

Constitui fundamento de indeferimento das reclamações graciosas o facto de as declarações modelo 1 de IMI terem sido apresentadas por motivo da primeira transmissão ocorrida no âmbito do IMI, na sequência da escritura de partilhas celebrada em 24 de Julho de 2009, por óbito de …, “verificando-se, que não foram observados os procedimentos a que aludem os artigo[s] 4º e 5º da Portaria 1192-A/2006, de 3 de Novembro, impossibilitando o faseamento do VPT para efeitos de IMI.

O disposto na segunda parte do n.º 2 do art.º 17 do DL 287/12/11, com a redacção dada pela Lei 6/2006 de 27/02, relativo ao faseamento do VPT para efeitos de IMI, só pode ser aplicado nos casos em que foi solicitada uma avaliação fiscal no âmbito do NRAU com respeito pelos requisitos procedimentos constantes da legislação, nomeadamente, o disposto no n.º 4 e 5 da Portaria 1192-A/2006 de 3/11.” cf. documentos que antecedem.

 

  1.  

Ainda neste sentido referem os projectos de decisão que a(s) Requerente(s) “após aquisição desses imóveis na sequência da escritura de partilhas realizada em 24/07/2009, ter iniciado, em 30/12/2009, o processo para alteração das rendas no âmbito do NRAU, mas tendo, previamente (04/09/2009) procedido à entrega de declarações mod. 1 de IMI no S.F. do …, de acordo com o que determina o nº 1 do artº 15º do D.L. 287/2003, tendo em vista a avaliação dos imóveis em causa, não sendo indicado que tinha como objectivo um processo no âmbito do NRAU. Em consequência a liquidação de IMI do ano de 2010 não foi executada de acordo com o disposto no n.º 2 do artº 17º do D.L. 287/2003” cf. documentos que antecedem.

 

  1.  

Em 28 de Maio de 2012 as Requentes apresentaram o pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral junto do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) – conforme documento impresso do registo do pedido extraído do sistema informático do CAAD.

 

* * *

 

A convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental junta, não se provando outros factos que se afigurem susceptíveis de influenciar a decisão de mérito.

 

 

3. Do Direito

 

3.1. A matéria em apreciação prende-se com a disciplina aplicável à avaliação de prédios urbanos no âmbito do Código do IMI à data dos factos (tempus regit actum). Comecemos pela análise do regime geral.

 

Nos termos do artigo 1.º do Código do IMI, este imposto “incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português, constituindo receita dos municípios onde os mesmos se localizam”.

 

O valor tributável dos prédios é, segundo o artigo 7.º do Código do IMI, o seu valor patrimonial tributário determinado nos termos do Código, ou seja, de harmonia com a fórmula de avaliação enunciada no seu artigo 38.º (Vt = Vc × A × Ca × Cl × Cq × Cv).

 

Acrescenta complementarmente o artigo 113.º, n.º 1, também do compêndio do IMI, que “o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita”.

As regras de avaliação previstas no referido artigo 38.º do Código do IMI aplicam-se aos prédios urbanos que sejam objecto de transmissão, onerosa ou gratuita, ocorrida a partir de 1 de Dezembro de 2003.

 

Rege neste ponto o artigo 15.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 287/2003, de Novembro, que aprovou o novo Código do IMI (na redacção dada pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro), segundo o qual: “enquanto não se proceder à avaliação geral, os prédios urbanos já inscritos na matriz serão avaliados, nos termos do CIMI, aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor”.

 

Deste modo, a partir de 1 de Dezembro de 2003, verifica-se a actualização do valor fiscal dos imóveis (avaliados ao abrigo de legislação anterior e inscritos na matriz), de acordo com as regras de avaliação substantivas e procedimentais previstas no Código do IMI, quando sejam objecto de uma primeira transmissão (a contar dessa data), onerosa ou gratuita, como sucede neste último caso com a transmissão em resultado de herança.

 

O mesmo ocorre, relativamente a quaisquer prédios, quando for ordenada uma avaliação geral da propriedade imobiliária ou sempre que, por iniciativa do senhorio, seja pretendida uma actualização de rendas ao abrigo do NRAU.

 

Porém, na situação particular de transmissões por morte, de que sejam beneficiários o cônjuge, descendentes e ascendentes, a Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, ao aditar o n.º 8 do art.º 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, veio exclui-las do âmbito da primeira avaliação, nos termos do Código do IMI, excepto por vontade expressa pelos próprios.

 

No que se refere ao procedimento de avaliação propriamente dito, a iniciativa (relativa à primeira avaliação [directa] de um prédio urbano [após a entrada em vigor do Código do IMI, i. é, 1 de Dezembro de 2003]) cabe ao chefe de finanças, com base na declaração apresentada pelos sujeitos passivos ou em quaisquer elementos de que disponha (cf. artigo 37.º, n.º 1 do Código do IMI).

 

Neste âmbito, após execução das operações de avaliação e concluída a avaliação do prédio urbano o resultado da mesma é notificado ao sujeito passivo que, se não concordar, com tal resultado pode, no prazo de 30 dias (a contar da data da notificação), requerer uma segunda avaliação (cf. artigo 76.º do Código do IMI).

 

Do resultado das segundas avaliações e caso subsista a discordância cabe impugnação judicial nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), em conformidade com o disposto no artigo 77.º do Código do IMI.

 

Salienta-se que a impugnação dos actos de fixação de valores patrimoniais depende do prévio esgotamento dos meios administrativos de revisão previstos no procedimento de avaliação (cf. artigo 134.º, n.º 7 do CPPT e 86.º, n.ºs 1 e 2 da LGT), estabelecendo-se o princípio da impugnabilidade autónoma dos actos de fixação dos valores patrimoniais nos n.ºs 1 e 2 do artigo 134.º do CPPT.

 

Refere Jorge Lopes de Sousa que “Estes actos, assim, quando inseridos num procedimento de liquidação de um tributo são actos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa. Tratando-se de actos destacáveis e inexistindo tal restrição relativa às ilegalidades que podem ser objecto de impugnação contenciosa, os vícios de que enferme o referido acto de avaliação apenas poderão ser arguidos em impugnação do acto de avaliação e não do acto de liquidação que seja praticado com base naquele, já que a atribuição da natureza de acto destacável tem por fim, precisamente, autonomizar, os vícios deste acto para efeitos de impugnação contenciosa. Sendo assim, não haverá possibilidade de apreciação da correcção do mesmo acto em impugnação do acto de liquidação, tendo aí de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação” (Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, I Volume, 2006, Áreas Editora pp. 962-963).

 

Deve concluir-se que o pedido de segunda avaliação constitui condição indispensável de impugnabilidade do acto da primeira avaliação e que não sendo o mesmo apresentado em prazo (30 dias) a primeira avaliação directa se consolida na ordem jurídica formando caso decidido ou caso resolvido, consubstanciado na inadmissibilidade legal de os contribuintes questionarem administrativa ou contenciosamente a legalidade dos actos com fundamento em vícios geradores de anulabilidade.

 

Este efeito de estabilização do valor patrimonial tributário na ordem jurídica não significa a sua imutabilidade ou cristalização definitiva.

 

Por forma a permitir a adaptação do valor tributário às múltiplas vicissitudes que nele podem influir, de forma mais ou menos expressiva (e os últimos anos disso têm sido ilustrativos), o Código do IMI contempla a possibilidade de o valor patrimonial tributário resultante de avaliação directa ser objecto de alteração com fundamento na sua desactualização decorridos três anos sobre a data de encerramento da matriz em que tenha sido inscrito o resultado daquela avaliação (cf. artigo 130.º, n.º 3, alínea a) e n.º 4 do Código do IMI).

 

3.2. O regime-regra que se descreveu é também aplicável a prédios urbanos arrendados no caso de primeira transmissão após a entrada em vigor do Código do IMI.

 

Não obstante, o diploma que aprovou o Código do IMI instituiu um regime especial transitório para os prédios urbanos arrendados, dispondo no n.º 2 do seu artigo 17.º que:

 

“Quando se proceder à avaliação de prédio arrendado, o IMI incidirá sobre o valor patrimonial tributário apurado nos termos do artigo 38.º do CIMI, ou, caso haja lugar a aumento da renda de forma faseada, nos termos do artigo 38.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, que aprova o Novo Regime do Arrendamento Urbano, sobre a parte desse valor correspondente a uma percentagem igual à da renda actualizada prevista nos artigos 39.º, 40.º, 41.º e 53.º da referida lei sobre o montante máximo da nova renda.“

 

O processo de actualização das rendas previsto no NRAU consta dos artigos 30.º e seguintes da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro e encontra-se regulamentado na Portaria n.º 1192-A/2006, de 3 de Novembro, que aprova um modelo único simplificado congregador de todos os pedidos e comunicações legalmente previstas, incluindo a solicitação da avaliação fiscal do locado nos termos do Código do IMI.

 

Este regime especial aplica-se independentemente de ter ocorrido a (primeira) transmissão do prédio urbano arrendado, sendo, no entanto, requisito dessa aplicação que seja iniciado ou esteja em curso um procedimento de avaliação de prédio arrendado ao abrigo do Código do IMI.

 

Com efeito, a locução “quando se proceder à avaliação de prédio arrendado” remete de forma expressa e, a nosso ver, inequívoca, a aplicação do regime especial para um momento em que o prédio arrendado esteja (e possa estar) a ser avaliado para efeitos de IMI (avaliação que pode ser despoletada unicamente com fundamento na actualização de renda).

 

Se a base de incidência do imposto pode ficar sujeita a este regime especial, proporcional e gradual (pro rata temporis) quando haja lugar a aumento de renda de forma faseada nos termos do NRAU, tal não significa que o procedimento de avaliação fiscal no qual a mesma é enquadrável não continue a ter de observar as regras gerais supra enunciadas.

 

Com efeito, mantêm-se os pressupostos que, de acordo com as regras do Código do IMI, têm de estar reunidos para que possam ter lugar as operações de avaliação.

 

Dito de outro modo, a avaliação fiscal do locado tem de ser admissível à luz das regras que regulam o procedimento e as operações de avaliação directa previstos no Código do IMI.

 

Assim, se ainda não tiverem decorridos três anos sobre um procedimento de avaliação relativo ao mesmo prédio urbano arrendado, não pode ser dado início a um novo procedimento de avaliação, tendo de aguardar-se o decurso desse prazo mínimo de estabilização do valor fiscal do imóvel.

 

A arquitectura da disciplina do citado n.º 2 do artigo 17.º do diploma de aprovação do Código do IMI, que reveste carácter transitório, tem subjacente de forma implícita, em primeira linha, as situações em que se verifica a primeira avaliação na vigência do IMI, em que a sua aplicação é relativamente linear. Ora, neste caso, as Requerentes já tinham avaliado os prédios ao abrigo do IMI, pelo que não se trata de uma actualização de renda inserida num processo de primeira avaliação fiscal “pós-IMI”.

 

Porém, não consideramos que a norma restrinja o seu campo de aplicação aos casos de primeira avaliação, uma vez que se refere genericamente à avaliação do prédio (seja ela a primeira, a segunda ou a terceira após o início de vigência do IMI). Importa, pois, aferir, mesmo nas situações de prédios já avaliados, se estão reunidos os pressupostos da sua previsão.

 

Se no caso das primeiras avaliações “pós-IMI” o obstáculo dos três anos da precedente avaliação é inaplicável, nas demais situações estamos perante um pressuposto negativo que, a constatar-se, impede (ao menos temporariamente, até ao decurso do prazo) o início de um novo procedimento de avaliação.

 

3.3. Da análise dos factos, constata-se que as Requerentes, em 4 de Setembro de 2009, solicitaram a avaliação patrimonial, para efeitos de IMI, das 5 fracções supra identificadas, adquiridas por escritura de partilhas do pai e marido, através da apresentação das Declarações Modelo 1 para inscrição ou actualização de prédios urbanos na matriz, junto do Serviço de Finanças, assinalando o campo “1ª Transmissão na Vigência do IMI”.

 

Deste modo, as Requerentes impulsionaram (dando-lhe início) um procedimento de avaliação directa das mencionadas fracções, ao abrigo do artigo 15.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro e do artigo 38.º do Código do IMI, sendo que a tal [impulso] não eram obrigadas à face do disposto no artigo 15.º, n.º 8 daquele Decreto-Lei, respeitante a situações de transmissão por morte para o cônjuge ou descendentes.

 

Este procedimento de avaliação, ou melhor, de primeira avaliação (facultativa) após o início de vigência do Código do IMI, não foi, assim, enquadrado pelas Requerentes no âmbito do regime especial previsto no n.º 2 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, nem desencadeado através do procedimento próprio previsto para o efeito (do regime especial), via apresentação do modelo simplificado (Modelo Único NRAU) da Portaria n.º 1192-A/2006, nos moldes nela exarados.

 

Era através do referido modelo simplificado que as senhorias teriam de solicitar a avaliação fiscal do locado para efeitos de aplicação do regime especial (cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigos 4.º e 5.º, todos da Portaria n.º 1192-A/2006, de 3 de Novembro). Acresce referir que à data nem sequer se tinha iniciado o processo de actualização das rendas.

 

Tratou-se assim, de uma avaliação ao abrigo do regime geral do artigo 38.º do Código do IMI, e como tal enquadrada (e bem) pelo Serviço de Finanças, em conformidade com as declarações das próprias Requerentes, não se suscitando a aplicação do regime transitório especial de prédios urbanos arrendados.

 

As avaliações das fracções foram concluídas pelo Serviço de Finanças do …, ainda em Setembro de 2009, de acordo com a fórmula prevista no artigo 38.º Código do IMI.

 

As Requerentes não manifestaram discordância relativamente a estas avaliações, que se consolidaram na ordem jurídica, no prazo de 30 dias (artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, 86.º da LGT e 134.º do CPPT).

 

Em 29 e 30 de Dezembro de 2009, três meses volvidos, as Requerentes começaram o processo de actualização das rendas das fracções avaliadas, tendo preenchido o Modelo Único NRAU (6 de Março de 2010) e comunicado ao Serviço de Finanças do ... a actualização das rendas de forma faseada, por carta registada com aviso de recepção, em 26 de Março de 2010.

 

Nesse momento já se havia consolidado o procedimento de (primeira) avaliação relativo às mesmas fracções, impulsionado pelas próprias Requerentes que a ela deram causa sem qualquer pedido de enquadramento no regime especial de actualização de rendas ao abrigo do NRAU, o qual, à data nem sequer tinha sido iniciado. Essa (primeira) avaliação no regime geral fez caso decidido, apenas podendo ocorrer um novo procedimento de avaliação após o decurso de três anos (cf. artigo 130.º, n.º 4 do Código do IMI).

 

Nestas circunstâncias, encontrando-se legalmente vedada a (nova) avaliação dos prédios arrendados no referido quadro temporal de três anos, a situação das Requerentes não é passível de enquadramento na disciplina especial transitória prevista no n.º 2 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, pois a mesma apenas é de convocar “Quando se proceder à avaliação de prédio arrendado”.

 

Nestes termos, o valor patrimonial tributário e a base de incidência de IMI para os anos 2010 e 2011 deve ser o que corresponde ao valor da avaliação dos imóveis (VPT) que formou caso decidido e sobre o qual foi liquidado o imposto, à taxa aplicável, pelo que as liquidações impugnadas não enfermam dos vícios que lhe foram imputados.

 

A não aplicação do regime especial transitório ficou, unicamente, a dever-se à conduta das Requerentes. Com efeito, estas impulsionaram dois procedimentos sucessivos de avaliação, com fundamentos diferenciados, dando azo a que se formasse caso decidido no primeiro procedimento, impedindo, durante o período de três anos, uma nova reavaliação fiscal do locado.

 

E, ao contrário do que alegam as Requerentes, os dois procedimentos não se reconduzem nem se podiam reconduzir a um único procedimento de avaliação, tal representaria ignorar a fase decisória e constitutiva do que ocorreu em primeiro lugar e a produção de efeitos da avaliação realizada.

 

Com a consolidação da primeira avaliação dos prédios, a ulterior iniciativa de uma nova avaliação ficou efectivamente condicionada ao requisito negativo de não terem decorridos três anos, como já salientado.

 

Na ponderação de interesses em jogo – segurança jurídica e estabilidade por um lado; correcção de assimetrias (justiça) por outro – o n.º 4 do artigo 130.º pende para a consolidação fixando o período mínimo de três anos, interpretação que atende à finalidade e alcance substancial das normas em confronto e que tem correspondência com os princípios gerais do artigo 9.º do Código Civil, que coloca expressamente a letra da lei como limite à busca do sentido2.

 

Esta limitação temporal, reitera-se, deveu-se à precedência de uma avaliação recentíssima, apenas imputável ao impulso e à vontade expressa e declarada pelas Requerentes.

 

Aliás, tivessem as Requerentes seguido o regime adjectivo constante da Portaria n.º 1192-A/2006, e solicitado ab initio a avaliação no âmbito do processo de actualização de rendas, teriam tido acesso ao benefício do especial regime transitório do artigo 17.º do diploma que aprova o Código do IMI.

 

O simples facto de situações similares poderem gerar diferentes avaliações é insuficiente para afastar a conclusão alcançada, sendo inclusivamente uma das críticas que tem sido apontada ao actual sistema de tributação do património3, cujas melhorias cabem no âmbito das opções legislativas.

 

À face do exposto falece razão às Requerentes, não padecendo as liquidações de IMI dos vícios invocados e não havendo lugar à restituição do imposto, nem ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

4. Dispositivo

 

Em face do exposto, julgam-se improcedentes os pedidos das Requerentes com as legais consequências.

 

* * *

 

Valor da causa: € 932,86, de harmonia com o disposto no artigo 315.º, n.º 2 do CPC e 97.º-A do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas a cargo das Requerentes fixando-se o respectivo montante em 306.00, de acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e com o disposto no artigo 12.º, n.º 2 do RJAT e artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

* * *

 

Notifique-se.

Lisboa, 15 de Janeiro de 2012

 

A árbitro

 

 

Alexandra Coelho Martins

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

1 Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

2 Vide José de Oliveira Ascensão “Interpretação de leis. Integração de lacunas. Aplicação do princípio da analogia”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 57 – III, Lisboa, Dezembro 1997, pp. 913-941.

3 Veja-se este respeito, o Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal, Competitividade, Eficiência e Justiça do Sistema Fiscal, de 3 de Outubro de 2009, sob a égide do Ministério das Finanças, coordenação geral de António Carlos dos Santos e de António M. Ferreira Martins, e coordenação do Subgrupo da tributação do património a cargo de Sidónio Pardal. Sobre a relação entre o IMI e as rendas recebidas (pp. 388 e seguintes) retiramos os seguintes excertos ilustrativos: “Os proprietários de prédios arrendados, em particular aqueles que estão penalizados pelos efeitos das rendas congeladas, não foram devidamente considerados no regime do IMI. (…) O valor tributável dos prédios, nos termos do art.º 7.º do CIMI, é o seu valor patrimonial tributário determinado nos termos do CIMI, o qual conduz a que prédios iguais venham a ter valores substancialmente diferentes pela razão de serem utilizados critérios e formas diferentes de avaliação consoante o historial do prédio e a sua circunstância. (…) Destas disposições legais resulta que o novo regime de arrendamento urbano não foi capaz de repor uma relação de equilíbrio económico e financeiro entre os justos interesses do senhorio e os direitos do inquilino. (…) A Constituição e o Direito em geral exigem o respeito pelo princípio da igualdade, à luz do qual prédios idênticos devem ser tratados em sede fiscal de modo a serem tributados da mesma forma. Até que ponto está a ser violado o princípio da igualdade quando se assume tributar de forma diferente prédios idênticos pelo facto de uns estarem arrendados e outros não?”