Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 87/2012-T
Data da decisão: 2012-11-28  IRC  
Valor do pedido: € 13.525,90
Tema: Derrama - Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedade
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Decisão Arbitral

 

Processo n.º 87/2012-T

Autor / Requerente: … LDA.

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

Tema: Derrama. Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedade

 

I - RELATÓRIO

 

A) Tramitação processual

 

1. Em 16 de Julho de 2012, a sociedade … LDA., pessoa colectiva número …, com sede social na Rua …, em Lisboa, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos do disposto nos artigos 10.º, n.º 1, alínea a) e nº 2.º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, de ora em diante designado RJAT), com vista à declaração de ilegalidade parcial da autoliquidação n.º …, do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) relativa ao exercício de 2009, entregue em 4 de Agosto de 2010, emitido pela Direcção-Geral dos Impostos, na parte correspondente à derrama, e ao respectivo reembolso do montante de Euros 12.546,90 acrescido de juros Indemnizatórios calculados sobre o montante pago indevidamente pela Requerente à taxa de 4% ao ano no montante de € 979,00.

2. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, foi designada por decisão do Conselho Deontológico, de 24 de Julho de 2012, como árbitro único, a signatária Maria Manuela do Nascimento Roseiro, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.

3. O tribunal arbitral foi constituído em 19 de Setembro de 2012, na sede do CAAD (cf. acta de constituição do tribunal arbitral).

4. Em 28 de Setembro de 2012, a Administração Tributária e Aduaneira (AT)1 juntou o processo administrativo e apresentou a sua Resposta onde suscitou diversas excepções.

5. Em 22 de Outubro de 2012 realizou-se a primeira reunião do tribunal arbitral nos termos e com os objectivos previstos no artigo 18.º do RJAT. A Requerente não apresentou qualquer documento de resposta às excepções suscitadas pela Requerida na resposta tendo optado por lhes responder oralmente, nesta reunião. Apesar de a Requerente reconhecer o interesse do município na decisão do caso, alegou que, tratando-se de um tributo administrado pela Administração Tributária, seria de rejeitar a tese da necessidade de intervenção do Município na presente demanda. E, tratando-se de imposto administrado pela AT, cairia por terra também a tese da incompetência do tribunal arbitral.

Ambas as partes declararam não ter mais nada a acrescentar ou comentar acerca das peças processuais e, expressamente ouvidas sobre a necessidade de apresentação de alegações orais em audição marcada para o efeito, prescindiram da respectiva apresentação.

Nos termos do artigo 18.º, n.º 2, do RJAT, o Árbitro decidiu o prosseguimento do processo indicando uma data limite para a prolação da decisão arbitral (cf. acta da primeira reunião do tribunal arbitral).

 

 

 

B) AS POSIÇÕES DAS PARTES

i) O PEDIDO

 

6. Como fundamentação do pedido, a Requerente alegou, em síntese, que :

6.1. Contra o entendimento próprio, e apenas para evitar uma liquidação adicional de IRC acrescida de juros compensatórios, ou um eventual processo de execução fiscal, com os inerentes inconvenientes, a Requerente procedeu, na autoliquidação referente ao exercício fiscal de 2009 (Modelo 22) ao apuramento da Derrama devida de acordo com a interpretação da administração tributária contida no Oficio Circulado nº 20132, de 14 de Abril de 2008, da Direcção de Serviços do IRC, ou seja, que “a derrama deverá ser calculada e indicada individualmente por cada uma sociedades na sua declaração (...)”, cabendo à sociedade dominante incluir na declaração Modelo 22 do grupo o somatório das Derramas apuradas Individualmente e proceder ao respectivo pagamento;

6.2. Contudo, por ter outra interpretação, entretanto sancionada por dois Acórdãos do STA e decisões de tribunais arbitrais, a Requerente apresentou reclamação graciosa (que veio a ser indeferida) defendendo que com a entrada em vigor da Lei das Finanças Locais n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, a base de Incidência da derrama passou a coincidir com a do IRC, isto é, sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, relativamente aos sujeitos passivos que exerçam a título principal uma actividade comercial, Industrial ou agrícola, quer sejam residentes ou não residentes que exerçam tal actividade através de estabelecimento estável situado em território português.

6.3. Apesar de a Lei das Finanças Locais n.º 2/2007 ter consagrado a derrama como um Imposto autónomo face ao IRC, o seu regime, para além de remeter expressamente para o IRC na definição da sua base de incidência e dos seus sujeitos passivos, é omisso quanto a regras próprias de determinação da matéria colectável, liquidação, pagamento, obrigações acessórias e garantias, sendo de entender que, “a única via para integrar possíveis lacunas que surjam em relação a algum desses aspectos, consiste em aplicar o regime previsto para o IRC, que é o regime para o qual a lei já remete em relação à base de Incidência e sujeitos passivos da Derrama”.

6.4. Esta posição está em linha com o entendimento da Direcção de Serviços do IRC, assumido através da Circular n.º 14, de 21 de Abril de 1995, tendo como efeito a conclusão de que a Derrama não é encargo dedutível para efeitos fiscais, no sentido de que «a Derrama tem natureza de imposto acessório do imposto principal que é o IRC, e que O imposto acessório seguia o imposto principal "acessorium sequitur principale"».

6.5. Assim, uma vez que, na falta de norma expressa, o apuramento da matéria colectável para efeitos de incidência de Derrama deverá ser semelhante ao do IRC, e este entendimento é válido também para as sociedades abrangidas pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, a posição defendida pela Administração tributária, no Ofício­-Circulado n.º 20132, de 14/04/2008, determinando que cada sociedade do grupo, após ter apurado o lucro tributável na sua declaração Individual, procederá ao cálculo da Derrama sobre esse valor, competindo à sociedade dominante proceder ao pagamento do montante da Derrama que resultará do somatório das Derramas individualmente apuradas por cada uma das sociedades do grupo que apresentem lucro tributável, não está em conformidade com a lei, nomeadamente com o artigo 70.º do Código do IRC, segundo o qual “O lucro tributável do Grupo é calculado (...) através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo”.

6.6. Ou seja, como o lucro tributável para efeitos de grupo resulta da soma algébrica dos lucros e prejuízos fiscais de cada uma das sociedades que integram o mesmo, sendo o grupo de sociedades tributado para efeitos de IRC, como se de uma só entidade se tratasse, e sendo a Derrama um imposto acessório do IRC, então a Derrama do grupo deve ser igualmente calculada de forma agregada, como se de uma só entidade se tratasse.

6.7. Esta tese tem sido adoptada pela jurisprudência do STA que, embora realçando o carácter autónomo da Derrama, designadamente, face ao IRC tem concluído que: "Prevendo o CIRC, nos seus artigos 69.° a 71.º, um regime especial de tributação dos grupos de sociedades (....) e tendo esta optado, como a lei lhe faculta, pela aplicação desse regime para determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo, a determinação do lucro, tributável, para efeitos de IRC, é apurada através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações individuais das sociedades que pertencem ao grupo". E “(...) assim determinado o lucro tributável para efeitos de IRC, está necessariamente encontrada a base de incidência da derrama.”

6.8. A conclusões idênticas têm chegado a doutrina e as várias decisões proferidas nesta matéria em casos que já foram submetidos a julgamento pelo Tribunal Arbitral em Matéria Tributária.

6.9. No caso do Grupo…, verifica-se, pois, que o apuramento da Derrama, deveria no exercício fiscal de 2009, ter sido efectuado sobre o lucro tributável de todo o Grupo e não sobre o lucro tributável das sociedades Individualmente consideradas.

6.10. Assim sendo, considerando que, no exercício fiscal de 2009, o Grupo … apurou, um lucro tributável no montante de 2.140.228,68 €, verifica-se que era devida Derrama no montante de 32.103,43 € (2.140.228,68 € *1,5%), ao Invés do montante 44,650,33 € apurado e pago pela Requerente, pelo que, em relação a este exercício fiscal, a Requerente deverá ser reembolsada de 12.546,9 € (44.650,33 € ­32,103,43 €) pago indevidamente junto dos cofres do Estado.

6.11. Para além da condenação da AT no reembolso da importância de derrama paga a mais, a Requerente pede, por se estar perante um erro imputável aos serviços, já que a autoliquidação teve por causa a interpretação errada da AT, constante do Ofício-Circulado nº 20132, de 14 de Abril de 2008, que esta seja condenada a pagar juros indemnizatórios, de acordo com o previsto nos artigos 43º, nº s 1 e 2 da LGT, à taxa de 4% (arts. 43º, nº 4 e 35º, nº 10 da LGT e portaria nº 291/2003, de 8 de Abril).

7. Com o pedido de pronúncia arbitral a requerente juntou quinze (15) documentos.

 

ii) RESPOSTA

 

8. Na sua resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), para além de ter apresentado defesa por impugnação invocou algumas questões prévias.

9. Na defesa por excepção, a Requerida alegou, em síntese :

9.1. A AT não tem legitimidade passiva para estar em juízo como única demandada em matéria respeitante a derrama municipal, imposto co-administrado com os Municípios (sujeitos activos do imposto aqui em causa).

9.2. Os Municípios envolvidos têm interesse em agir por terem um interesse pessoal e directo no seu resultado, devendo qualquer decisão que seja proferida sobre o litígio fazer caso julgado em relação a estes, pelo que deveria desencadear-se litisconsórcio necessário (art. 28º CPC), ou ao menos suscitar-se incidente de intervenção provocada (art. 320º do CPC e ss.), sob pena de violação dos direitos de acesso à justiça e de tutela jurisdicional efectiva.

9.3. O Tribunal arbitral é incompetente para decidir quanto à legalidade da liquidação porque a decisão tomada não fará caso julgado em relação ao Município por estes não se encontrarem vinculados à jurisdição do CAAD.

10. Na impugnação da argumentação da Requerente quanto à legalidade da liquidação, a Requerida sustentou, em síntese:

10.1. A actual Lei das Finanças Locais, Lei n.º2/2007, de 15 de Janeiro, concretiza adequadamente os objectivos constitucionais de descentralização administrativa ao consagrar (artigo 14º) a derrama sem natureza acessória deixando de atender quer à matéria colectável quer à própria colecta de IRC, enquanto pressupostos da sua aplicabilidade.

10.2. A derrama municipal apresenta-se como um imposto autónomo, porque todos os seus elementos estruturantes, ou resultam apenas da lei (sujeito activo, margem de taxas), ou obedecem à intervenção da autarquia local (tributação ou não, taxas concretas), apenas comungando de uma incidência objectiva comum com o IRC para efeitos de cálculo e simplicidade de gestão.

10.3. A derrama municipal apenas se socorre das regras de cálculo do IRC para apuramento do lucro tributável, pois que as especificidades da tributação em sede de IRC só a este dirão respeito, não sendo legalmente acolhidas para efeitos de sujeição à derrama.

10.4. Relativamente a um grupo de sociedades submetidas a um «regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo», resulta do conjunto de preceitos do CIRC, designadamente os artigos 2º, 3º 17º, 15º e 69 a 71º, que as sociedades integrantes do grupo continuam a ser sujeito passivo de IRC, embora, em vez de, após determinação do lucro tributável de cada uma das sociedades (art. 17) se efectuar a determinação da matéria colectável segundo o art. 15º, sociedade a sociedade, se proceda ao cálculo do lucro tributável do grupo pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo» e «o montante obtido nos termos do número anterior é corrigido da parte dos lucros distribuídos entre as sociedades do grupo que se encontre incluída nas bases tributáveis individuais». (art. 70º).

10.5. Atendendo ao disposto no art. 14º da LFL a incidência real da derrama municipal recai sobre o lucro tributável das sociedades residentes na área geográfica do respectivo município, sendo que no caso concreto das sociedades abrangidas pelo RETGS, cada uma das sociedades que integram o respectivo perímetro é sujeito passivo de IRC, gerando rendimento sujeito a IRC.

10.6. O legislador não prevê para as sociedades do grupo qualquer situação de não sujeição, de isenção, ou de exclusão de tributação, mas sim a possibilidade de agregar os seus vários lucros tributáveis/prejuízos fiscais, individualmente apurados, chegando ao “lucro tributável do grupo”.

10.7. Quanto à derrama, incide sobre o lucro tributável de cada uma das sociedades do grupo que têm a obrigação legal de proceder à entrega das respectivas declaração individuais de rendimentos, nas quais apuram o seu próprio lucro tributável, e, não existindo qualquer estatuição que considere não sujeitos ou isentos de IRC os rendimentos das sociedades que integram o perímetro de um grupo de sociedades, os mesmos estão sujeitos a tributação em sede de derrama.

10.8. A tributação de cada uma das sociedades que integram o perímetro do grupo de sociedades, tendo por base o seu próprio lucro tributável, constitui a melhor forma de conferir exequibilidade ao instrumento de financiamento dos Municípios que se consubstancia na derrama, pelo que a jurisprudência que tem adoptado tese contrária, faz uma interpretação violadora dos princípios constitucionais ínsitos nos artigos 81.º e 238.º da CRP.

10.9. O aditamento do nº 8 do art. 14.º da Lei n.º 2/2007, pela Lei n.º 64-B/2011 de 30 de Dezembro (OE para 2012), passando a consagrar expressamente que «quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo (...)», procurou obstar à dimanação de jurisprudência violadora da Lei Fundamental – vícios que terá uma decisão arbitral que acolha a mesma posição.

10.10. Uma lei pode ser considerada interpretativa quando sobre um ponto em que a regra de direito é incerta ou controvertida, vem consagrar uma solução que a jurisprudência, por si só, poderia ter adoptado, sendo que o aditamento verificado pelo OE de 2012 nem foi designado como interpretativo porque o legislador, na sua intenção na redacção original do artigo 14.º da LFL, era já a de a tributação se concretizar nos termos agora explicitados.

10.11. Porque o acto tributário referente à derrama municipal não padece de qualquer ilegalidade, não procede a pretensão de restituição de montante objecto da autoliquidação nem de juros indemnizatórios.

 

C) QUESTÕES A DECIDIR

 

11. A requerida suscitou as questões prévias, a seguir enunciadas, cuja apreciação se fará tendo em conta o disposto no artigo 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força da al. e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT: i) legitimidade da Requerente ii) incidente de intervenção provocada; iii) competência do Tribunal Arbitral.

12. No caso de improcederem as excepções suscitadas pela Requerida, será analisada a questão substantiva em causa no presente litígio relativa à aplicação da legislação vigente no exercício de 2009 e que consiste em saber se, no caso de um grupo de sociedades sujeitas ao RETGS, o cálculo da derrama deve ser feito pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais, ou se deve continuar a apurar a derrama de cada uma das sociedades que integra o perímetro do grupo, de acordo com as regras gerais do IRC na esfera de cada uma das sociedades, e somando as derramas das sociedades.

13. Em caso de improcedência das excepções e de procedência da questão de mérito, haverá ainda que apreciar e decidir o pedido de juros indemnizatórios.

 

D) ANÁLISE DAS QUESTÕES PRÉVIAS

 

14. Quanto à invocada ilegitimidade da Administração Tributária e Aduaneira (AT) para intervir, em exclusivo, num litígio referente a derrama, a Requerida argumenta que a derrama é um imposto cujos sujeitos activos são os Municípios, cabendo à AT efectuar àqueles “meras prestações de serviços que se circunscrevem apenas às fases de liquidação e cobrança daquele imposto municipal “.

Sem esquecer que a evolução constitucional e legislativa em matéria financeira tem reforçado os poderes tributários próprios, não só das regiões autónomas como das autarquias locais, e que o art. 13º da Lei nº 2/2007 prevê que os serviços municipais podem ter competência para liquidação e cobrança de impostos, a verdade é que no que respeita à derrama, o artigo 14º da LFL, nos nºs 8, 9 e 10, atribui muito claramente a competência para liquidar e cobrar a derrama municipal à Administração Tributária. O que se compreende, atenta a relação existente entre a derrama e o IRC, imposto estadual administrado, sem qualquer dúvida, pela AT. Ora se a derrama incide sobre o lucro tributável em IRC, não pode negar-se à AT um papel determinante nesta matéria. E, assim, parece-nos que terá que se concluir que a AT é a entidade incumbida de administrar a derrama até à respectiva cobrança e transferência para os municípios. A administração da derrama parece-nos não poder deixar de incluir a decisão sobre dúvidas de interpretação quanto à aplicação das normas respectivas. Concordamos com as considerações efectuadas na Decisão Arbitral de 8 de Junho de 2012, Proc. nº 16/2012, acerca das dificuldades que resultariam de uma situação em que, estando em causa a determinação do lucro tributável dum sujeito passivo, necessariamente relevante para efeitos quer de IRC quer de derrama municipal, a decisão de uma mesma questão pertencesse a entidades diferentes. E, assim, a AT actua liquidando e cobrando a derrama, emitindo orientações administrativas, analisando reclamações graciosas e recursos hierárquicos, reformando ou revogando actos de liquidação e intervindo em processos judiciais tributários, como aliás tem feito ao longo dos anos, sem qualquer controvérsia acerca da legitimidade de representação, em casos semelhantes. Actualmente continua a poder dizer-se que os Municípios ainda que se possam identificar mais claramente como sujeitos activos na relação tributária que tem por objecto a derrama, não têm competência para a respectiva administração, “existindo aqui um mandato necessário, uma espécie de delegação de direito público, aqui entre pessoas autoridades públicas” 2.

Ou seja, a AT tem legitimidade para, de forma exclusiva, intervir no procedimento tributário, quer administrativo quer judicial, improcedendo a excepção de ilegitimidade passiva suscitada pela Requerente3.

15. Atenta a conclusão a que se chegou no número anterior, improcede igualmente o alegado pela Requerida quanto a necessidade de intervenção, em coligação necessária ou acessória, do município ou municípios titulares do direito à derrama objecto do presente litígio.

16. Concluído que, apesar de os municípios terem poderes para lançar e fixar aspectos da derrama, é à AT que compete a respectiva administração, o que inclui todos os procedimentos necessários à liquidação e cobrança da derrama, conferir e confirmar a respectiva autoliquidação pelo contribuinte, emitir as orientações necessárias à aplicação da lei, proceder às correspondentes liquidações oficiosas, fiscalizar o cumprimento das obrigações tributárias, é a AT também competente para intervir nas situações de controvérsia suscitadas na aplicação das normas de aplicação da derrama, apreciando reclamações graciosas e recursos hierárquicos, respondendo aos pedidos de informação vinculativa, agindo nos processos judiciais relativos a legalidade da derrama municipal, como aliás tem acontecido pacificamente. Ora, se assim é, também o pedido objecto do presente processo – apreciação da ilegalidade do acto de liquidação de derrama municipal, com base em vício de violação de lei directamente imputado à liquidação – constitui matéria incluída na competência do Tribunal Arbitral, porque a AT está vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida (artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março)4, em todas as situações não excepcionadas nas quatro alíneas do artigo 2.º da referida Portaria (e nenhuma dessas alíneas exclui a derrama).

Improcede, pois, a excepção dilatória de incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria.

***

E) SANEAMENTO

17. O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., nº 2, e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março.

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

Pelo que se passará à decisão de mérito.

 

 

II . FUNDAMENTAÇÂO

II- A) OS FACTOS

 

18. Com base no processo administrativo tributário e na prova documental junta aos autos fixa-se a seguinte matéria factual relevante:

18.1. A Requerente é sociedade dominante e responsável pela autoliquidação do IRC do Grupo …, ao qual, no exercício de 2009, foi aplicável o RETGS e que era composto por si e pelas seguintes entidades: … SGPS Unipessoal, … Lda.; …Lda., …Lda.; …, Lda; …Lda.; …Lda., …Lda., …, SA, e … Lda.

18.2. Em 4 de Agosto de 2010, a Requerente entregou a declaração anual Modelo n.º 22 (DR Mod.22) em nome do Grupo …, referente ao exercício de 2009, tendo apurado o lucro tributável de € 2.140.228,68, matéria colectável não isenta de 0,00 € e derrama no valor de € 44.650,33.

18.3. O montante da derrama referido na alínea anterior foi calculado com base no lucro tributável individual de cada uma das sociedades que fazem parte do grupo, de acordo com o entendimento preconizado no Ofício-Circulado n.º 20132, de 14 de Abril de 2008, da Direcção de Serviços do IRC, de 14 de Abril de 2008.

18.4. A declaração Mod. 22 entregue pela requerente deu origem a nota de liquidação do IRC, relativo ao exercício de 2009, com o n.º …, e demonstração de liquidação de IRC nº …, notificada à Requerente por carta registada, com data de registo de 18/08/2010, confirmando o montante da derrama € 44.650,33.

18.5. A 30 de Dezembro de 2011 a Requerente apresentou no 2º SF de Lisboa, dirigida ao Director de Finanças de Lisboa, uma reclamação graciosa do acto de liquidação identificado acima na alínea B), dando lugar ao Proc. n.º ….

18.6. Na referida reclamação, defendia-se que tendo o Grupo … apurado o lucro tributável relativo ao exercício de 2009 no montante de 2.140.228,68 €, a derrama devida seria no montante de 32.103,43 € (2.140.228,68 € x 1,5%), e não no de € 44.650,33, pelo que solicitava a restituição do montante de 12.546,90 €, correspondente à derrama indevidamente paga pela Reclamante.

18.7. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 26 de Abril de 2010, do Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, sendo o indeferimento notificado, em 2ª tentativa, por carta registada a 10/05/2012, recebida a 14/05/2012.

18.8. A fixação dos factos relevantes dados como provados baseou-se nos documentos constantes do processo - peças das partes e processo administrativo - tendo em conta a respectiva falta de contestação.

 

II- B) O DIREITO APLICÁVEL

 

19. Fixada a factualidade relevante para a decisão, cabe decidir sobre a aplicação do Direito, o que exigirá recordar a evolução do regime jurídico da derrama municipal e da sua relação com um imposto estadual.

 

i) A natureza jurídica da derrama

 

20. Não cabe fazer aqui a história da derrama, figura muito antiga 5. Ter-se-á apenas em conta o período de vigência da actual Constituição de 1976 e as sucessivas Leis de Finanças Locais - Lei nº 1/79, de 2 de Janeiro, Decreto-Lei nº 98/84, de 29 de Março, Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro, Lei nº 42/98, de 6 de Agosto, e Lei nº 2/2007 de 15 de Janeiro, e respectivas alterações 6 .

21. A evolução do perfil da derrama nas últimas décadas foi assim sintetizada em Acórdão do TCA proferido em 10/17/2000 (rec.nº454/00): “O legislador alterou a natureza jurídica da derrama de imposto acessório na Lei 1/79, para imposto dependente nos DL 98/84 e Lei 1/87 e, de volta, a imposto acessório, com a redacção introduzida pelo DL 470-B/88, assim permanecendo no domínio do DL 37/93 de 13.2”. 

22. Esta classificação apela à dicotomia há muito introduzida por Alberto Xavier 7, distinguindo entre os impostos acessórios "que dependem na sua existência de outras relações tributárias" e os "impostos dependentes" em que o "objecto ou conteúdo depende, por força da lei, do objecto ou conteúdo, actual ou hipotético, de um determinado imposto" .

23. Por outro lado, na relação entre a derrama e os impostos a que se subordina, a doutrina identificava duas variantes: do adicionamento, em que a derrama agrava directamente a matéria colectável, ou do adicional, em que a derrama agrava a colecta, o que pressupõe ou toma por base a liquidação 8 .

24. Analisando o regime de derrama consagrado, sucessivamente, na Lei nº 1/79 e no Decreto-Lei nº 98/84 9, Sousa Franco, viria a concluir 10 que a) A derrama é um imposto próprio local, que tem como sujeito a autarquia municipal; b)Tem a forma financeira de adicional, mas configura uma relação jurídica autónoma. E, veio a concluir que se tratava, já na Lei nº 1/79 11, de um imposto dependente e não acessório porque o facto gerador da derrama, ainda que coincidindo com o do imposto principal independente, seria distinto deste.

25. Sabemos que esta interpretação não foi a dominante, e o legislador voltou a optar por uma redacção da Lei de Finanças Locais, a partir do DL 470-B/88 e mantida pelo DL 37/93, que viria a ser pacificamente interpretada como consagrando uma relação de acessoriedade que teria como efeito a isenção de derrama quando se verificasse isenção de imposto principal. Também a quase unânime jurisprudência que não considerava a derrama custo para efeitos do art. 41º, nº 1, alínea a), do CIRC, utilizava o fundamento de que o imposto acessório tem o mesmo regime do imposto principal ou imposto base 12.

26. Na Lei nº 42/98, de 6 de Agosto, a derrama continuou como um imposto calculado sobre a colecta de outro imposto (IRC), mantendo-se a previsão, na linha do estabelecido desde 1993, de a derrama sobre cada entidade sujeita incidir de forma proporcionalmente estabelecida, de acordo com a massa salarial, relativamente ao rendimento gerado pelos diversos estabelecimentos estáveis ou representações locais. Nada se prevê então sobre a situação de isenção de IRC.

27. Na Lei nº 2/2007, a derrama deixa de ser calculada por aplicação de uma taxa sobre a colecta de IRC, passando a incidir, através da aplicação de uma taxa máxima de 1,5%, sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC). Ou seja, fica claro que, apesar de a derrama não incidir sobre a colecta do imposto principal (situação em que a liquidação de imposto principal deixaria de ser um pressuposto da liquidação da derrama), se pretende que a tributação pela derrama municipal só incida sobre rendimentos sujeitos a IRC e dele não isentos.

28. Quer dizer, apesar de a derrama municipal parecer revestir hoje uma maior autonomia13 podem ser assinaladas limitações importantes aos poderes tributários consagrados na CRP e no art. 11º da Lei de Finanças Locais, levando, por exemplo, a afirmação de Rui Duarte Morais “parece verdadeiramente inaceitável é o facto de a derrama não ter sido assumida pelo legislador como um verdadeiro imposto municipal, autónomo do IRC. (...)”14

29. A nível de benefícios fiscais, a autonomia existirá relativamente aos que operam ao nível da taxa do IRC, mas os outros tipos de isenções em IRC repercutem-se como isenções de derrama sem que tenha havido qual­quer apreciação (e poder de decisão) municipal quanto a sua bondade15.

30. No sentido de autonomia da derrama face ao IRC, apontar-se-á ainda o poder de os municípios poderem conceder isenções em sede de derrama16, e a não aplicação de reporte de prejuízos17 mas a derrama, apesar das virtualidades que permitem consi­derá-la como um bom imposto local, apresentará também dificuldades na repartição da receita quando a empresa possui estabelecimentos estáveis em mais de um município18.

31. Tendo em conta a breve síntese de algumas questões sobre a caracterização da derrama municipal, na vigência da Constituição de 1976, é possível observar que se trata de uma figura frequentemente afectada por falta de clareza, dando lugar a dúvidas que exigiram decisões jurisprudenciais ao mais alto nível.

 

ii) A dúvida actual – estado da questão - as duas interpretações acerca da relação entre IRC e derrama no caso de RETGS

 

32. Ao tempo da situação objecto do presente litígio, o Código do IRC previa nos artigos 63º a 65º 19, um “regime especial de tributação dos grupos de sociedades”, aplicável por opção da sociedade dominante a todas as sociedades do grupo20, traduzido num modo especial de determinação da matéria colectável (art. 63º, nº 1). Segundo o art. 64º, nº 1 (agora 70º, nº1) do CIRC “…o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.”

33. E as duas interpretações em presença, defendiam, respectivamente, em síntese:

Para a Administração Tributária 21, o art. 14º da LFL determina a incidência real da derrama municipal sobre o lucro tributável das sociedades residentes na área geográfica do respectivo município. Essa a questão fundamental, pelo que mesmo em caso de aplicação do RETGS, em sede de tributação em IRC, cada uma das sociedades que integram o respectivo perímetro continua a ser tributada autonomamente em derrama. Como a lei não prevê para as sociedades do grupo qualquer situação de não sujeição, de isenção, ou de exclusão de tributação, mas sim apenas a possibilidade de agregar os seus vários lucros tributáveis/prejuízos fiscais, individualmente apurados, chegando ao “lucro tributável do grupo”, em sede de IRC.

Mas esse cálculo não dispensa, antes exige, o cálculo e declaração do lucro tributável calculado, de modo autónomo e segundo o CIRC, de cada uma das sociedades do grupo. Esta interpretação seria a que melhor se coaduna com o espírito da lei, até por constituir a melhor forma de conferir exequibilidade ao instrumento de financiamento dos Municípios que se consubstancia na derrama.

34. Já a posição contrária sustenta que, na ausência de uma norma legal que estatuísse uma regra de determinação da matéria colectável especifica para a derrama e diferente da que constava do n.º 1 do art. 64º, hoje art. 70.º do CIRC, a aplicação do RETGS acarretava forçosamente que a derrama incidisse sobre o lucro tributável do Grupo e não já sobre o lucro individual de cada uma das sociedades que o integram, porque a matéria colectável da derrama tem por referência o mesmo lucro tributável agregado.

 

iii) A intervenção do legislador na LFL e as diferentes posições sobre respectivos efeitos

 

35. A Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei do OE para 2012), no seu artigo 57º introduziu várias alterações à LFL (Lei n.º 2/2007 de 15 de Janeiro), para entrarem em vigor em 1 de Janeiro de 2012. O nº 8 do art. 14.º da LFL passou a ter a seguinte redacção: “Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115.º do Código do IRC.”

36. Esta alteração deu também origem a duas interpretações contrapostas. Para a Administração Tributária esta redacção apenas confirma e/ou clarifica o regime anteriormente vigente; para as teses em oposição à da AT, o legislador alterou o regime vigente, porque a anterior redacção do artigo 14.º da LFL não permitia sustentar a interpretação constante do Ofício-Circulado n.º 20132, de 14 de Abril de 2008. A norma do n.º 8 do artigo 14.º da LFL não tem natureza interpretativa, porque não existe qualquer referência, directa ou indirecta na norma ou no articulado do Orçamento do Estado, ao seu carácter interpretativo e tendo em conta o princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal, constante do disposto no n.º 3 do artigo 103 da CRP, a referida norma não pode ser aplicada retroactivamente, valendo apenas para o futuro, ou seja, desde 1 de Janeiro de 2012.

 

iv) A jurisprudência

 

37. Confrontadas, em diversos casos pendentes nos tribunais tributários, as duas teses quanto à interpretação do artigo 14º, nº 1, da Lei de Finanças Locais, mesmo tendo em conta o disposto no OE para 2012 quanto à redacção introduzida na redacção do nº 8 do mesmo artigo, têm os tribunais decidido de forma unânime, com confirmação ao mais alto nível - cf. (em www.dgsi.pt) Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, Secção de Contencioso Tributário, de 2 de Fevereiro de 2011 (rec.nº909/2010), 22 de Junho de 2011 (rec.n.º309/11), de 5 de Julho de 2012 (rec.nº265/12), de 2 de Maio de 2012 (rec.nº234/12) e de 5 de Julho de 2012 (rec.nº206/12) - contra a posição da Administração Tributária. Recordaremos de seguida alguns dos argumentos reflectidos nessa jurisprudência.

38. Por simplicidade tomaremos como base os dois acórdãos emitidos mais recentemente, ambos em 5 de Julho de 2012, nos processos 265/2012 e 206/2012, mas que seguem a doutrina da anterior jurisprudência.

39. No Rec. nº 265/2012, o STA considerou (síntese da nossa responsabilidade):

  • Os argumentos da AT não são coerentes com a lógica da tributação agregada das sociedades (RETGS) porque no caso de grupo de sociedades que optaram pela aplicação desse regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo, aplica-se o disposto no art. 64º do IRC, a lógica de tributação agregada para efeitos de IRC, implica um resultado agregado, como se de uma só entidade se tratasse. E, não havendo regras específicas de apuramento da base de incidência da derrama, ao remeter-se para a base de incidência do IRC, tem que se aceitar necessariamente a base de incidência prevista para quem é tributado segundo o RETGS, sob pena de se criar uma excepção não prevista na lei à lógica da tributação agregada em que assenta esse regime;

  • O nº 1 do artigo 14º da LFL não permite retirar nenhuma conclusão da obrigação de apresentação declarações individuais pelas sociedade que compõem o grupo, no sentido de servirem de base de incidência da derrama, porque os lucros individuais constantes dessas declarações não têm efeitos de liquidação do imposto, apenas servem para efeitos de controle do lucro tributável consolidado que foi apurado e comunicada pela sociedade dominante do grupo fiscal;

  • Em caso de opção pelo RETGS, a determinação do lucro tributável do grupo com base na soma algébrica dos lucros e prejuízos fiscais apurados na declaração periódica de cada uma das sociedades que o integram, funda-se no princípio da capacidade contributiva, fazendo prevalecer a capacidade do grupo sobre a capacidade contributiva individual das empresas que o integram;

  • Se a base de incidência da derrama tivesse por referência o lucro de cada uma das sociedades que o integram, seria atingido o princípio da capacidade contributiva do grupo, que é um dos fundamentos do RETGS;

  • Quanto ao novo nº 8 do art. 14º da LFL, trata-se de uma norma inovadora, que afronta a lógica do RETGS, pelo que a alteração introduzida vigora apenas de 2012 em diante.

  • 40. No Rec 206/12, o STA considerou (síntese da nossa responsabilidade) :

  • A derrama goza actualmente de uma maior autonomia - deixou de ser, com a Lei nº 2/2007 um adicional ao IRC para passar a ser um adicionamento, o seu carácter acessório é um mero expediente técnico para dispensar a determinação autónoma da matéria colectável), pelo que se trata mais de um imposto dependente;

  • A existência de relações jurídico-fiscais claramente autónomas entre a derrama e o IRC, ao contrário do que se discutia nas anteriores LFLs, apenas comungando, para efeitos do seu cálculo e por simplicidade de gestão, de uma incidência objectiva comum e ainda assim, admitindo-se a possibilidade de adaptação dos critérios de imputação do rendimento colectável do sujeito passivo (em atenção às características especiais deste) ao município, bem como a criação de um regime especial de taxas para empresas com baixos volumes de facturação;

  • Não obstante a autonomização assinalada em relação à incidência, à colecta e à taxa do IRC, a derrama continua, todavia, a depender do regime do IRC em todos os outros campos que definem a sua relação jurídica tributária porque para além de remeter expressamente para o IRC na definição da sua base de incidência e dos seus sujeitos passivos, o regime da derrama é omisso quanto a regras próprias de determinação da matéria colectável, liquidação, pagamento, obrigações acessórias e garantias (...), não podendo deixar de se colmatar as lacunas através do recurso às regras do IRC;

  • No caso dos grupos de sociedades, isso significa – aqui subscrevendo inteiramente jurisprudência anterior do STA – que em casos concretos em que se aplica o regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto no CIRC, se a determinação do lucro tributável, para efeitos de IRC, é apurada através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações individuais das sociedades que pertencem ao grupo, determinado o lucro tributável para efeito de IRC, está necessariamente encontrada a base de incidência da derrama, sendo esse o entendimento que melhor se harmoniza com os preceitos legais aplicáveis em nada desvirtuando os fins que a LFL pretende alcançar ou ofende qualquer norma ou princípio constitucional;

  • Nem obsta a tal solução a circunstância de os lucros individuais de cada empresa do grupo serem individualmente (por cada uma das sociedades) declarados, sendo que «os mesmos não têm efeitos de liquidação de imposto, mas tão-só efeitos declarativos e de controlo do lucro tributável agregado, apurado e comunicado pela sociedade dominante do grupo fiscal» 22;

  • Assim, na redacção do art. 14º da Lei nº 2/2007 em vigor à data dos factos, a base de incidência da derrama sempre que esteja em causa a aplicação do RTGS, será o lucro resultante da soma de lucros tributáveis e prejuízos fiscais individuais (resultado agregado), uma vez que apenas este se encontra sujeito a IRC (art. 64º, nº 1 do CIRC);

  • A norma do nº 8 do artigo 14º, introduzida pela Lei do Orçamento de Estado para 2012, não se pode aplicar ao caso dos autos não é uma norma interpretativa que se possa integrar no sentido e âmbito do nº 1 do mesmo artigo mas uma norma claramente inovadora, não se aplicando ao caso vertente, (só se a lei fosse interpretativa é que aplicaria a factos passados, e se o fosse, por certo o legislador não deixaria de o fazer constar do respectivo texto.

 

41. Múltiplas decisões arbitrais se pronunciaram entretanto no mesmo sentido da jurisprudência unânime do STA, desenvolvendo douta argumentação que seguimos e analisámos com muita atenção, mantendo contudo algumas dúvidas que a seguir se explicitarão.

 

v) Quanto à relação entre a base de incidência do IRC e da derrama

 

42. Apesar dos eloquentes e numerosos argumentos expendidos em alegações e decisões consultadas, a conclusão de que, se a derrama municipal define o seu âmbito de incidência como o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), aquela incidência (definida pelo lucro tributável de IRC) coincide, em caso de existência de um grupo de sociedades sujeitas a REGTS, com o lucro resultante da soma de lucros tributáveis e prejuízos fiscais individuais (resultado agregado) das sociedades componentes do agrupamento, parece-nos por vezes conter algo de circular, dando por demonstrado o que se pretendia demonstrar.

43. É que embora a derrama municipal defina a sua base de incidência elegendo como facto o lucro tributável em IRC, o nº 1 do art. 14º da LFL, acrescenta que se trata do lucro que “corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território”. Com efeito, a derrama incide sobre as empresas, tendo em conta a área geográfica do município e precisamente isso contribui, como visto acima, para a sua autonomia (embora com críticas quanto à respectiva insuficiência) face ao IRC.

44. Parece que tal característica deveria implicar que a incidência da derrama fosse alheia à existência de um “grupo de sociedades sujeito a regime especial de tributação” em sede de tributação pelo próprio IRC, porque o regime previsto nos artigos 63º a 65º (hoje arts 69º a 71º) do CIRC foi criado pelo legislador, directamente, para a tributação por IRC e não para quaisquer outros impostos.

45. E não deveria entender-se que o artigo 64º (agora art. 70º) quando fala em lucro tributável do grupo se refere apenas aos casos específicos em que se aplica o REGTS, não substituindo o conceito de lucro tributável definido pelo CIRC no artigo 17º, conceito aplicável, em conjunto com as restantes normas desse capítulo, a todos os casos em que se aplicam as regras do IRC, em geral?

46. Por outro lado, a determinação do IRC para efeitos de tributação neste imposto, parte, mesmo em caso de RETGS, da determinação do lucro de cada entidade23 que continua a constituir um conceito relevante, não parecendo que se possa minimizar a sua importância considerando que a obrigação de entrega de declarações autónomas por parte das sociedades do grupo constitui apenas uma obrigação acessória que visa o controlo 24.

47. Precisamente, a identificação do lucro tributável das sociedades do grupo pode continuar a ser considerada relevante pelo legislador não apenas porque o próprio RETGS parte do lucro de cada uma das sociedades, embora agregando-os (aí a especificidade, mas para efeitos de tributação por IRC) como porque essa identificação pode continuar a servir de base a outras tributações.

48. Não deixa de ser perturbador que tendo a lei, como aliás não poderia deixar de ser, previsto expressamente a relevância fiscal dos grupos de sociedades, aprovando o RETGS (numa subsecção do CIRC referente ao “regime especial de tributação dos grupos de sociedades”, regime que, com as características actuais, existe desde a Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro 25) com vista à tributação em imposto do rendimento das pessoas colectivas (IRC), a Lei das Finanças Locais, a Lei nº 2/2007, não tenha previsto a relevância dos grupos de sociedades para efeitos de tributação pela derrama, para mais quando consagrou a incidência da “derrama municipal sobre a proporção de rendimento gerado na sua área geográfica”26 27

49. Parece curial defender-se que o espírito do legislador terá efectivamente correspondido, já em 2007, ao disposto actualmente 28 (depois da alteração introduzida na LFL pelo art. 57º da Lei nº Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que aprovou o OE para 2012), de forma expressa e clara, na redacção do nº 8 do art. 14º da LFL, de que, no caso de aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama incidir sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, ou seja, os grupos de sociedades, definidos segundo os critérios do artigo 63º (actual 69º) do CIRC só tem relevância para efeitos da tributação em IRC e não do imposto autónomo derrama municipal29.

50. É defensável também que, se fosse possível através do recurso aos elementos de interpretação consagrados no art. 9º do Código Civil, retirar da letra da lei em vigor ao tempo da situação sub judice o sentido posteriormente explicitado na nova redacção da lei, se estaria apenas a interpretar a lei vigente no momento dos factos e não a aplicar uma lei posterior, que nem se auto designou como interpretativa.

51. Mas será tal interpretação passível de ser feita, com base na letra da lei vigente ao tempo dos factos, mesmo atendendo a todos os elementos de interpretação, segundo as regras da hermenêutica jurídica? É que se “a interpretação não se pode cingir à letra da lei mas reconstituir o pensamento legislativo”, também o intérprete não pode esquecer que a letra é o ponto de partida e tem a função de um limite 30.

52. Após tão elevado número de decisões tomadas pelos tribunais, incluindo pela Secção de CT do STA, de várias decisões arbitrais de diferentes fiscalistas, é-se forçado a concluir que existem fortes obstáculos a que a letra da lei (artigo 14º da Lei nº 2/2007, na sua original redacção) 31 se acomode à interpretação que a Administração Tributária adoptou no Ofício Circulado n.º 20132, de 14/04/2008.

53. Ou seja, não pode deixar de se admitir que a letra da LFL, na redacção de 2007, levantava um indisfarçável problema de interpretação, face aos artigos do CIRC referentes a REGTS. Apesar da leitura que adiantámos acima como nos parecendo, de um ponto de vista sistemático e dos objectivos de política de finanças locais, justificável e legítima, não deixamos de considerar equívoca a referência no nº 1 do art. 14º da LFL a lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC). Para além de, no caso de sociedades ao abrigo de RETGS, se colocar a questão, ora em análise, a que lucro o preceito se refere (do grupo de sociedades? de cada uma das sociedades?), podem surgir dúvidas na relacionação dos conceitos lucro tributável e matéria colectável (em caso de sociedades com plurilocalização, o nº 2 do artigo 14º identifica o montante de matéria colectável do sujeito passivo como condição para a atribuição de receita de derrama a diferentes municípios) 32.

54. Mesmo admitindo – e nós admitimo-lo - que era possível a leitura do artigo 14º feita pela Administração Tributária, no Ofício Circulado n.º 20132, de 14/04/2008, a verdade é que essa interpretação não conquistou uma relevante orientação doutrinária ou jurisprudencial, antes terá ficado isolada, gerando-se, sim, uma forte corrente contra a interpretação administrativa.

55. Não se pode pois defender que o nº 8 do artigo 14º, com a redacção introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (OE para 2012) tenha vindo resolver uma querela existente entre correntes jurisprudenciais – o que existia era uma posição da Administração, isolada, ainda que podendo conhecer bem o pensamento “do legislador” (...), e já diversas posições na doutrina e decisões de tribunais, inclusive do STA, em sentido contrário à da Administração.

56. Assim, e apesar da convicção da Administração quando sustenta que o legislador não terá dito que se tratava de norma interpretativa porque isso seria admitir que poderia haver outra leitura numa situação em que o legislador pretendeu desde o início, com a Lei nº 2/2007, a solução consagrada pelo OE de 2011, no nº 8 do art. 14º, não pode deixar de se reconhecer que a letra da lei suscitou sempre dúvidas e leitura diversa da explicitada, em 2008, no Ofício-Circulado da DGCI!

57. A lei nova, em princípio, só tem eficácia para o futuro, podendo embora ser-lhe atribuída, nos casos não vedados constitucionalmente, eficácia retroactiva nos termos do nº 1 do art. 12º. Segundo o artigo 13º do Código Civil, a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, aplicando-se esta com o sentido agora explicitado, mas ressalva os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza, o que significa que mesmo a uma norma verdadeiramente interpretativa se coloca a necessidade de equilíbrio face aos valores segurança e confiança.

58. A previsão do nº 1 do art. 13º do CC, não vale contudo para leis que, ainda que dizendo-se interpretativas são inovadoras, sendo necessário que “a solução de direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei” 33.Ou seja, uma lei inovadora ainda que classificada como interpretativa só poderá ter a eficácia prevista no nº 1 do art. 13º do C. Civil em matéria em que não esteja vedada a retroactividade.

59. Encontramo-nos, no caso presente, em matéria de incidência fiscal, onde se encontra constitucionalmente vedada a possibilidade de aprovação de normas com natureza retroactiva (art. 103º da CRP, na redacção da revisão constitucional de 1997).

60. Ou seja, o nº 8 do art. 14º da LFL, na redacção introduzida pelo OE de 2012, viria sempre, ainda que o legislador o tivesse classificado como norma interpretativa, a suscitar a questão da aplicação no tempo, questionando-se a legitimidade da sua aplicação antes de Janeiro de 2012 34.

 

vi) Conclusão

 

61. Apesar de todas as dúvidas manifestadas, conclui-se, afinal, e pelas razões que deixamos expostas, no mesmo sentido da jurisprudência unânime e constante do STA e das já muito numerosas decisões de Tribunal Arbitral, que a liquidação de derrama correcta incidia, à data dos factos em causa nestes autos, sobre o lucro consolidado do grupo, segundo o RETGS consagrado no CIRC e não sobre o lucro individual de cada um dos membro deste, calculado de acordo com as regras gerais previstas no mesmo CIRC.

62. Assim, porque face à redacção do artigo 14º da LFL, os serviços da administração tributária não fizeram a interpretação legal mais correcta deverá a autoliquidação efectuada pela Requerente em obediência às orientações do Oficio Circulado nº 20132, de 14 de Abril de 2008, da Direcção de Serviços do IRC ser anulada parcialmente, de acordo com a interpretação acolhida.

64. E, considerando-se procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação da derrama, por errada aplicação da lei, procede igualmente o pedido da Requerente de pagamento de juros indemnizatórios, que, nos termos dos nº s 1 e 2 do art. 43.º da LGT e do art. 61.º do CPPT, deverão ser pagos pela AT, desde o dia seguinte ao do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito, à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 43.º da LGT.

 

 

III. DECISÃO

 

Em face do exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar procedente o pedido formulado no presente processo arbitral tributário;

  2. Anular parcialmente o acto tributário objecto do presente processo arbitral tributário, relativo a derrama municipal do exercício de 2009, na parte correspondente ao montante de € 12.546,90, com base em vício de violação de lei;

  3. Condenar a Requerida a restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado (art. 23º, nº 1, b) do RJAT) devendo restituir a quantia indevidamente liquidada e paga, acrescida do pagamento de juros indemnizatórios, a determinar nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, por aplicação do art. 23º, nº 5 do RJAT.

 

Fixa-se o valor do processo em € 13.525,90 ( treze mil quinhentos e vinte e cinco euros e noventa cêntimos, € 12.546,90 do valor da liquidação anulada acrescido de €979,00 de juros indemnizatórios vencidos à data da entrada do requerimento inicial no CAAD), e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos dos artigos 12º n.º 2 e 29º, ambos, do RJAT, dos artigos 4º n.º 1 e 3 e Tabela I do Regime de Custas Processuais de Arbitragem Tributária (RCPAT), e dos artigo 97º- A do CPPT e 306º, nº 2 do CPC.

Custas a cargo da Requerida.

Notifique-se.

Lisboa, 28 de Novembro de 2012.

 

Manuela Roseiro (Árbitro singular)

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga].

 

 

 

 

 

1 A AT sucedeu nas atribuições da Direcção-Geral dos Impostos (DGCI), da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC) e da Direcção -Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros (DGITA) (artigo 12º, nº 1, do Decreto-Lei nº 118/2011, de 15 de Dezembro).

 

 

2 Saldanha Sanches, “A derrama, os recursos naturais e o problema da distribuição de receita entre municípios”, Fiscalidade nº 38, sobre A Derrama, os Municípios e as Empresas, p. 139.

3 Esta invocação, pela AT, de ilegitimidade, com pedido de intervenção necessária dos municípios parece ser contraditória com a posição assumida pela referida Administração em outras situações (v. rec.0838/11, de 11/16/2011), onde, então a DGCI, caracterizando a Derrama como um imposto que incide sobre o lucro tributável das entidades sujeitas e não isentas de IRC, defendia que o Município respectivo não dispunha de “qualquer poder legal de fiscalização junto da DGCI relativamente às operações administrativas por esta praticadas com intuito de liquidar e/ou cobrar tal prestação tributária, de onde resulte o direito a obter a identidade dos sujeitos passivos da derrama, assim como a identificação dos sujeitos passivos a quem esta foi liquidada, nem tão pouco a informação relativa à situação tributaria daqueles que deriva da mera comparação das listas identificativas com o universo empresarial do concelho”. (no caso referido, o STA decidiu que IV- À luz da Lei das Finanças Locais, os Municípios têm direito de obter informação relativa à liquidação e cobrança de impostos municipais e informação sobre a transferência dessas receitas. V - A identificação em bloco das pessoas colectivas a quem foram efectuadas essas liquidações e cobranças, pelo nome e/ou número de identificação fiscal, sem individualização ou particularização do montante liquidado e cobrado a cada uma delas, encontra-se fora da esfera da confidencialidade fiscal.”)

4 As referências feitas a DGCI consideram-se feitas a AT (art. 12.º n.º 2 alínea a) do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro).

5 Ver Sousa Franco, 0s poderes financeiros do Estado e do Município, in Estudos em Homenagem à Dr. Maria de Lurdes Correia e Vale, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1995, pp. 27-82.

6 Temos em vista as introduzidas à Lei nº 1/87 pelo DL nº 470-B/88, de 19/12 e pelo Decreto-Lei nº 37/93, de 13/02.

7 Manual Direito Fiscal, 1974, pp. 94-95, citado por Saldanha Sanches, Fisco nº 20, 1995, p. 108, comentário ao Ac. do STA, de 01/02/95, rec nº 16975.

8 Sousa Franco, estudo citado, Cadernos CTF, nº 171, p. 68. Também Alberto Xavier, ob. cit. p. 94.

9 Na versão original da Lei nº 1/79 a derrama incidia sobre a colecta de outros impostos, nada se prevendo quanto ao efeito na derrama de isenções existentes nesses impostos, enquanto que no Dec. Lei nº 98/84 e na Lei nº 1/87, a derrama incidia sobre as entidades que seriam tributadas nos impostos principais se não gozassem de isenção ou outros benefícios fiscais, dizendo-se que (apenas) “são isentos de pagamento de derrama os rendimentos que beneficiem de isenção permanente”(nº 3 art. 12º e nº 4 do art. 5º da Lei nº 1/87).

10 Estudo citado, Cadernos CTF, nº 171, p. 73.

11 Por isso, no referido estudo, Sousa Franco considerou, em divergência com Pareceres da PGR de 13/10/1983 e de 23/11/1984, que o regime consagrado no Decreto-Lei nº 98/84 não era inovador face ao preceituado no art. 12º da Lei nº 1/79.

12 Cf. Acórdão do STA de 10/25/2000 (rec.025083). Essa foi também, em grande parte, o fundamento da decisão sobre o carácter meramente interpretativo do n.º 7 do art. 28° da Lei 10-B/96 (por ex.,Ac do STA de 10/25/2000, rec 25083), embora a mais importante argumentação, contra a doutrina, isolada, do Ac. de 02/01/1995 (recurso nº 16.975), nos pareça ser a de que “a derrama não é, por natureza, custo fiscal do IRC”, “não deve ser qualificada como encargo fiscal dedutível porque, na realidade, não é um custo fiscal à luz do critério legal do art.º 23º do CIRC” (por todos, Ac do STA em Pleno da Secção CT, de 03/06/2002, rec nº 22155, e de acordo com Rogério Fernandes Ferreira, no seu estudo “ A derrama é, ou não, custo fiscal?”, in CTF n.º 378, pp. 14-15 .

13 Rui Duarte Morais refere um “sentido do reconhecimento da autono­mia teleológica dos dois impostos (IRC e Derrama)”, afirmando que “O carácter acessório desta em relação àquele deve ser encarado como um mero expediente técnico, a dispensa de determinação autónoma da matéria colectável. Mais correctamente, estamos perante um imposto dependente e não um imposto acessório. (“Passado, presente e futuro da derrama”, Fiscalidade, Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 38, Abril-Junho 2009, p. 112).

14 Estudo citado, Fiscalidade nº 38, p.114.

15 Ou seja, o Estado pode, diminuir esta receita municipal, por mero efeito da concessão de isenções em IRC, sem ter que dar cumprimento ao estabele­cido nos n.º 3 a 6 do art. 12.° da LFL, que prevêem, em determinados casos, a obri­gação de o Estado ouvir os municípios interessados antes da concessão de benefícios fiscais relativos aos impostos municipais e, até, a obrigação de os indemnizar pela receita perdida quando estes não concordem com tal concessão (cf. Rui Duarte Morais, estudo citado, p.113).

16 Ainda que com pouco clareza, como também identifica Rui Duarte Morais no estudo que temos vindo a citar, p. 113, concluindo, porém, que “apesar da falta de rigor do legislador, quer sistemático, quer terminológico, não parece oferecer dúvidas de que os municípios podem utilizar a derrama para a prossecução ao de objectivos extra-fiscais, através da concessão de benefícios fiscais”.

17 Neste sentido, cf. Rui Duarte Morais, texto cit., pp. 111-112. Também decisão arbitral nº 7/2012, de 7 de Julho de 2012. A conclusão contrária chega Manuel Anselmo Torres, “Relevância dos prejuízos fiscais na matéria colectável da derrama”, Fiscalidade nº 38, pp. 157 a 161, por considerar, designadamente, que “enquanto imposto sobre o rendimento das empresas que comunga da base de incidência do IRC, a Derrama não está excluída do principio da capacidade contributiva” .

18 Como referido por Rui Duarte Morais, texto cit. (p. 115) e estudado por Saldanha Sanches, designadamente em “A derrama, os recursos naturais e o problema da distribuição de receita entre os municípios”, revista Fiscalidade 38, pp. 131 e ss.

19 Artigos 69º a 71º, após alterações e renumeração do CIRC, pelo Decreto-Lei nº 159/2009, de 13/07, com efeitos a partir de 01/01/2010.

20 Sendo as relações de grupo, para efeitos da aplicação deste regime especial de tributação em IRC, detalhadamente reguladas no art. 63º, hoje no art. 69º, do CIRC.

21 Expressa nas orientações divulgadas no site da DGCI, pelo Ofício-Circulado n.º 20132, de 14 de Abril de 2008, emitido pela Direcção de Serviços do IRC .

22 Cita-se aqui André Alpoim de Vasconcelos (Apuramento da derrama no âmbito do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, Revista TOC nº 106 - Janeiro 2009, pp. 33 a 35. )

23 Relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.

24 A entrega de declaração periódica constitui também o meio de realização da liquidação (pelo próprio contribuinte) - actualmente arts. 89º e 90º do CIRC, arts. 82º e 93º na redacção anterior.

25 O art. 59º-A então aditado tinha uma redacção idêntica ao actual art. 70º (anterior 64º) .

26Saldanha Sanches, “A derrama, os recursos naturais e o problema da distribuição de receitas entre municípios”, in Fiscalidade nº 38, p. 140, realçando que tal critério corresponde, também, a uma correcta aplicação do princípio do benefício, uma vez que a actividade económica situada num certo município pode acarretar para este custos consideráveis, que a derrama vai compensar.

27 Não encontrámos no parecer da ANMP sobre a proposta de Lei de Finanças Locais pronúncia acerca desta questão, mas apenas posição negativa sobre a “possibilidade de o Estado decretar isenções de impostos que não são suas receitas” assim como dúvidas acerca da constitucionalidade da previsão de os municípios poderem prescindir de uma parte da receita do IRS dos munícipes residentes

28 E, antes até, no novo imposto (esse claramente acessório) derrama estadual criado pela Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, em vigor desde 01/07/2011, que aditou o artigo 87º-A ao CIRC, cujo nº 2 (actual nº 3) dizia: “Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a taxa a que se refere o número anterior incide sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.” Uns verão nessa norma a mais adequada previsão de uma solução já antes pretendida para a derrama municipal, outros verão o primeiro passo para a inovação de incidência das derramas, desligando-as do RETGS. Criticando esta solução, André Alpoim de Vasconcelos, O “novo imposto” da derrama estadual, Revista dos TOC Julho 2010, nº 124, pp 62-65.

29 A argumentação baseada na acessoriedade da derrama, invocando posição da AT nesse sentido através da Circular n.º 14, de 21 de Abril de 1995 (caso de André Alpoim de Vasconcelos, Apuramento da derrama no Âmbito do regime especial de tributação dos grupos de sociedades”, Revista dos TOC nº 106, Janeiro de 2009, estranhando a mudança de posição da Administração), não colhe porque esquece as alterações legislativas ocorridas que levaram a doutrina a reconhecer que a LFL de 2007 consagrou, embora com insuficiências, a derrama como imposto autónomo. Por outro lado, a circular em causa referia-se a não dedutibilidade em IRC dos custos com derrama, questão que se encontra resolvida desde 1996 por norma expressa do CIRC (então nº 1 do art. 41º do CIRC, introduzida pela Lei nº 10-B/96, de 23/03, actualmente na alínea a) do nº 1 do art. 45º do CIRC). Essa clarificação constitui uma solução muito mais adequada para quem, já então, pusesse em causa a classificação da derrama como imposto acessório.

30 Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao discurso legitimador, Almedina, Coimbra, 1987, pp. 188 e s.

31“A interpretação é o resultado do seu resultado”, “é o conteúdo normativo-jurídico assim determinado-constituído – num processo dialéctico análogo ao do círculo hermenêutico” que acaba de imputar-se à norma interpretanda, reconstituindo-a e enriquecendo-a nessa medida”, A. Castanheira Neves, Relatório, justificação do sentido e objectivo pedagógico, o programa, os conteúdos e os métodos de um curso de Introdução ao Estudo do direito, Coimbra, 1976 (pp. 76 e 77 do texto “Interpretação Jurídica”).

32 Assim como funciona em sentido contrário ao da autonomia da derrama o facto de as isenções de IRC se reflectirem automaticamente sobre a incidência da derrama (v.acima, nº 27 e 28).

 

33 Baptista Machado, Introdução ao Direito e discurso legitimador, cit. p. 247.

34 Saldanha Sanches, na crítica ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 275/98, (Fisco nº 72/73, pp 77 a 88) considerou que a intenção da mudança do texto constitucional, quanto à retroactividade em matéria fiscal, visara “retirar aos tribunais os poderes para proceder a essa hipótese de distinção” (entre normas interpretativas e inovadoras). Ou seja, se até então “o que estava em causa eram as leis falsamente interpretativas”, a partir da revisão constitucional ter-se-ia pretendido “impedir os efeitos retroactivos de qualquer norma em matéria fiscal. Incluindo os provocados por lei interpretativa”. A adoptar-se esta interpretação, estaria mesmo constitucionalmente vedada a estatuição de leis interpretativas...