Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 490/2023-T
Data da decisão: 2024-02-09   Outros 
Valor do pedido: € 3.138.415,00
Tema: CSR - Contribuição de Serviço Rodoviário; Pressupostos processuais; Legitimidade dos repercutidos para suscitar a ilegalidade dos actos de liquidação de impostos especiais de consumo.
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SUMÁRIO:

            I – A CSR, durante algum tempo legalmente autonomizada do ISP, a partir do qual nasceu e ao qual voltou, constituiu sempre um pseudónimo deste – e, portanto, sempre foi um imposto.   

II – Os únicos factos relevantes para apurar a legitimidade da Requerente para impugnar os actos de liquidação da CSR são os referentes às relações estabelecidas com os sujeitos passivos que intervieram nesses actos.

III – Havendo um regime especial de revisão no CIEC, para o qual remetia o n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, o círculo dos potenciais impugnantes dos actos de liquidação da CSR coincide necessariamente com o círculo dos potenciais credores do reembolso delimitado no artigo 15.º, n.º 2, do CIEC.

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

 

  1. No dia 4 de Julho de 2023, na sequência da presunção de indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa apresentado em 30 de Novembro de 2022[1] na Alfândega de Alverca, A... – TRANSPORTES, S.A., pessoa colectiva n.º …, com sede na …, …, …, … Mafra (Requerente), formulou pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, al. a), e 10.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT) e dos artigos 95.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e d), da Lei Geral Tributária (LGT) e 99.º, alíneas a) e d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
  2. Pretendia que fosse apreciada a legalidade dos seguintes actos:

i.)  Liquidações respeitantes a Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”), referentes aos meses de novembro de 2018 a agosto de 2022, incidentes sobre a B..., S.A., pessoa coletiva n.º ..., cujo encargo tributário repercutiu na esfera da Requerente, na sequência da aquisição por esta de 28.274.006 litros de gasóleo, em face da qual a Requerente suportou 3.138.415 EUR a título de CSR;

ii.) Decisão final de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente a 30 de novembro de 2022 junto da Alfândega de Alverca”;

  1. Em 21 de Julho de 2023, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida) apresentou requerimento, dirigido ao Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), nos seguintes termos:

A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT), notificada em 11/07/2023 do pedido de constituição de tribunal arbitral no processo supramencionado, apresentado por A... – TRANSPORTES, S.A., NIPC …, vem informar, que analisado o pedido, não detetou a identificação de qualquer ato tributário. Identificação que, aliás, também não consta da plataforma do Centro de Arbitragem Tributária.

Tendo em conta, que

a) A competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, abrange exclusivamente a apreciação direta da legalidade de ato(s) de liquidação ou de ato(s) de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de ato(s) daquele tipo, conforme decorre do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT e como se depreende das referências expressas que se fazem na alínea a), do n.º 1, do artigo 10.º do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, e que,

b) Conforme dispõe expressamente a alínea b), do nº 2, do artigo 10º do RJAT, do requerimento em que é formulado o pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;

c) Sem a identificação, por parte dos interessados, do ato tributário, cuja ilegalidade invoca, o dirigente máximo da AT não pode exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT.

Solicita-se que seja(m) identificado(s) os atos de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista no artigo 13º do RJAT só ocorre após a notificação da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada.

  1. Nomeados os árbitros que constituem o presente Tribunal Arbitral em 24 de Agosto de 2023, e não tendo nem a Requerente, nem a Requerida, suscitado qualquer objecção, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 12 de Setembro.
  2. Tendo o Presidente do CAAD entendido que seria o Tribunal Arbitral a entidade competente para a pronúncia sobre o requerido pela AT, foi o requerimento referido em 3. Integrado nos autos. Porém, sendo ele dirigido a entidade alheia ao Tribunal Arbitral Colectivo, entendeu este que a pretensão da Requerida poderia ser-lhe apresentada na sua resposta, razão pela qual, em 18 de Setembro, foi proferido despacho a convidar a AT a, querendo, apresentá-la e solicitar a produção de prova adicional no prazo de 30 dias.
  3. Em 19 de Outubro de 2023, a AT apresentou resposta – em que, entre o mais, suscitou as excepções adiante apreciadas e, para o caso da sua improcedência, solicitou a intervenção provocada da B..., S.A. (fornecedora de combustível) – e juntou o processo administrativo (PA).
  4. Em 3 de Novembro de 2023, a Requerente apresentou, motu proprio, réplica às excepções suscitadas pela AT.  
  5. Em 21 de Novembro de 2023, a Requerente apresentou requerimento de junção de uma “Declaração” da sua fornecedora de combustível, assinada por “C...”, afirmando:

• Não ter solicitado, nem pretender solicitar, perante a Autoridade Tributária e Aduaneira e Tribunais Tributários, a declaração de ilegalidade (e, concomitante, restituição) da Contribuição de Serviço Rodoviário por si repercutida à A... – Transportes, S.A., aquando da introdução no consumo do combustível que lhe vendeu;

• Ter introduzido no consumo a totalidade do combustível que vendeu e faturou à A... – Transportes, S.A.”.

  1. Em 11 de Dezembro de 2023, foi proferido despacho que, entre o mais, fixava um prazo de 20 dias para alegações simultâneas e sugeria à Requerente que, querendo, se pronunciasse sobre:  

- a sua qualificação como sujeito passivo para efeito do disposto no artigo 15.º do CIEC;

- a destacabilidade da liquidação da CSR da liquidação de ISP;

- a duplicidade da presunção da repercussão dos montantes da CSR pagos a montante e a não presunção de qualquer repercussão a jusante;

- a distorção introduzida pela temperatura de referência na medição dos volumes de combustíveis introduzidos no consumo e efectivamente comercializados e as suas implicações na repercussão da CSR;

- a distorção introduzida pelo reembolso obtido em sede de ISP, incluindo a CSR, no âmbito do regime de reembolso parcial de imposto para o gasóleo profissional, ao abrigo do artigo 93.º-A, do CIEC;

- a tempestividade de tal pedido de revisão oficiosa – atento o fundamento invocado, atenta a entidade a quem o dirigiu, e atenta a ignorância sobre o dies a quo dos correspondentes actos de liquidação e subsequentes pagamentos correspondentes a cada uma das específicas liquidações globais - e, consequentemente, a tempestividade e a delimitação do objecto dos presentes autos;

- a (im)possibilidade de estabelecer uma correspondência específica entre a liquidação dos montantes calculados de CSR por grosso e a sua repercussão a retalho.

 

  1. Em 12 de Janeiro de 2024, a Requerida solicitou a junção aos autos da decisão proferida no processo n.º 408/2023-T.
  2. Em 16 de Janeiro de 2024, a Requerida apresentou alegações.
  3. Nesse mesmo dia a Requerente apresentou as suas alegações e pediu a junção aos autos da decisão proferida no processo n.º 534/2023-T.
  4. Em 17 de Janeiro de 2024, a Requerida solicitou a junção aos autos da decisão proferida no processo n.º 375/2023-T.

 

 

  1. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
  2. As Partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se regularmente representadas.
  3. Importa estabelecer preliminarmente – e oficiosamente – se o pedido de pronúncia arbitral (PPA) se contém no âmbito das atribuições do tribunal arbitral e é legítimo, atentas também as excepções invocadas pela AT.
  4. É o que se verá a seguir. Primeiro, porém, importa decidir sobre a junção aos autos do documento apresentado pela Requerente no dia 21 de Novembro.
  5. Atendendo a que o n.º 2 do artigo 423.º do CPC consente a junção de documentos “até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final” (ainda que sujeita à aplicação de uma multa, que seria de duvidosa aplicação na jurisdição arbitral), entende o Tribunal que, até pela sua nula importância para a solução do caso, nada de fundamental obsta à possibilidade de manter nos autos tal documento, em benefício do escrutínio público – e eventualmente jurisdicional – da presente decisão.

 

  1. DIREITO

III.1. Questões a decidir

Hierarquizando as diferentes questões prévias que foram objecto da pronúncia espontânea da Requerente na réplica referida em 7. e no Despacho referido em 9., entende o presente Tribunal que o primeiro núcleo de questões a discutir é o da arbitrabilidade da disputa.

Isso supõe estabelecer, em primeiro lugar, uma de duas coisas:

a) ou que a CSR é um imposto;

b) ou que, sendo uma contribuição (como entende a AT), ainda assim está dentro do perímetro de jurisdição atribuída legalmente aos Tribunais Arbitrais do CAAD e está compreendida no âmbito de vinculação que foi fixado para a AT pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (que “Vincula vários serviços e organismos do Ministério das Finanças e da Administração Pública à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa”, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do RJAT).

Ambas as questões são puramente de Direito.

Um segundo núcleo de questões é o que se prende com a posição da Requerente no processo arbitral. Assim, passado o anterior nível de análise, importa avaliar:

a) se foi liquidada CSR à Requerente, ou, pelo menos, se adquiriu combustíveis a alguém que a tenha pago;

b) a legitimidade e interesse da Requerente em relação ao pedido formulado; e

c) a eventual existência de uma situação de litisconsórcio necessário activo (artigo 316.º do Código de Processo Civil), como pretendido pela AT na defesa do pedido de intervenção provocada que formulou.

Um terceiro núcleo de questões a discutir – caso se ultrapassem as anteriores – é o da regularidade do PPA. Isso implica estabelecer, em primeiro lugar, que

a) o PPA não era inepto (por não identificação dos actos de liquidação visados); e que

b) o que o PPA visa não é uma pronúncia abstracta – ou a “suspensão” – do regime da CSR (como entende a AT).

Um quarto núcleo de questões, se acaso se resolverem positivamente as anteriores, tem a ver com a regularidade do pedido de revisão oficiosa, pressuposto necessário, desde logo, da tempestividade do pedido arbitral. No caso, isso passaria por estabelecer:

a) a legitimidade da Requerente para solicitar essa “revisão oficiosa” (sendo certo que o estatuto de sujeito passivo da relação tributária – que é o único para o qual remete a norma do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT) – não é o seu; e sendo certo que há uma norma específica do CIEC – a do n.º 2 do seu artigo 15.º – que reserva aos sujeitos passivos da relação tributária a possibilidade de obter o reembolso desses impostos);

b) a tempestividade do pedido de revisão (quer em termos do fundamento invocado –uma vez que os prazos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT são diferentes consoante tais fundamentos –, quer em termos da contagem desses prazos a partir do dies a quo relevante);  e

 

c) a regularidade do pedido de revisão (na medida em que tem de ser dirigido ao autor do acto – o n.º 1 do artigo 78.º da LGT prevê a “revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou” e o n.º 3 do artigo 15.º do CIEC estipula que o “pedido de reembolso deve ser apresentado na estância aduaneira competente”; e na medida em que a entidade a quem a Requerente endossou tal pedido poderia não ter sido, no caso, a autora dos actos de liquidação; e sendo óbvio que tal alfândega nada tem a ver com os actos de repercussão.  

Uma quinta questão, a ser abordada só após resolvidas as anteriores a favor da competência do Tribunal, da arbitrabilidade da questão suscitada e da legitimidade, tempestividade e regularidade das pretensões formuladas junto da Alfândega de Alverca e, consequentemente – mas não só consequentemente – também junto deste Tribunal, seria a da (i)legalidade da cobrança dos valores da CSR face ao Direito da União ou à Constituição. Sobretudo porque o que está em causa, na materialidade das coisas, é apenas uma (transitória) alteração da designação atribuída a uma parte do ISP, que era integralmente válido antes de o legislador lhe mudar o nome para CSR (e de consignar essa parcela do que era antes o ISP), e continuou a sê-lo depois de o legislador ter deixado de lhe chamar CSR (mesmo tendo continuado a consignar a mesma receita à mesma entidade)[2].

Uma sexta questão seria a da possibilidade de dissociação dos actos de liquidação da CSR e do ISP, sendo certo que só aqueles estavam em causa – o que se poderia designar como a questão da dissociação jurídica; e, sendo certo que a não repercussão integral e exacta dos montantes de ISP/CSR poderia ter a ver tanto com uma como com a outra das duas componentes da imposição fiscal única, determinar qual delas (ou qual a percentagem de ambas) é que não teria sido repercutida integralmente – o que se poderia designar como a questão da dissociação económica.

Finalmente, um sétimo núcleo de questões teria a ver com tecnicalidades da decisão a proferir em caso de juízo de desconformidade da CSR e das implicações dessa desconformidade na situação da Requerente (e da sua fornecedora de combustível), designadamente:

  1. A possibilidade de duplicação dos “reembolsos”, caso a fornecedora de combustível entendesse usar dos mesmos mecanismos (ou de outros) para obter o reembolso dos montantes pagos a título de CSR – que, no seu caso, entregou efectivamente, ao Estado; sendo, então, de novo relevante a questão da intervenção provocada suscitada pela AT;
  2. A possibilidade de duplicação dos benefícios através da obtenção de reembolso de montantes de CSR que lhe foram repercutidos, quando a Requerente já beneficiara de reembolsos obtidos em sede de ISP – incluindo a CSR – no âmbito do regime de reembolso parcial de imposto para o gasóleo profissional, ao abrigo do artigo 93º-A do CIEC;
  3. A não-homogeneidade da tributação no momento da introdução no consumo e no da sua repercussão (os problemas da ampliação dos volumes com a variação das temperaturas e do possível desfasamento entre sujeitos passivos e repercutidos, miscigenando os volumes de combustíveis que passam de uns para outros);
  4. A correspondência a estabelecer entre a tributação por grosso e a repercussão a retalho e entre as entidades que aparecem como responsáveis pela introdução no consumo e as entidades que comercializam os combustíveis já onerados com a CSR;
  5. A correspondência a estabelecer entre as facturas identificadas pela Requerente e as declarações de introdução no consumo que originaram a cobrança da CSR;
  6. A possibilidade de ter havido também repercussão a jusante e as suas implicações.

Prossigamos então, por ordem, começando pelas questões de competência e âmbito da jurisdição, que, nos termos do artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) – aplicável por força do disposto na alínea c) do n.º 1 artigo 29.º do RJAT – “precede o de qualquer outra matéria”.

 

 

III.2. A possibilidade de haver processos arbitrais sobre contribuições e a natureza da CSR

Uma vez que a competência dos tribunais arbitrais a constituir no âmbito do CAAD está estabelecida no artigo 2.º do RJAT e abrange (al. a) do seu n.º 1) a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”, mas o proémio do n.º 2 da já citada Portaria n.º 112-A/2011 circunscreveu – ao menos literalmente – tal vinculação às “pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”, tem-se discutido se as pretensões referentes a “contribuições” podem ser objecto de apreciação por tais tribunais[3]. Aliás, uma parte da Resposta da AT é dedicada a defender a natureza não unilateral da CSR e, consequentemente – invocando doutrina vária e a tese adoptada na decisão do processo n.º 714/2020-T a propósito da Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético – a incompetência do presente Tribunal, invocando a certa altura (negritos no original):

114. Sendo que, além da decisão proferida no indicado processo arbitral, a competência da Instância arbitral no que concerne à impugnação de contribuições financeiras foi igualmente objeto de análise nos Processos arbitrais n.ºs 123/2019-T, 138/2019-T, 182/2019-T, 248/2019-T e 585/2020-T, sendo consensual o entendimento de que, a sindicâncias de tais contribuições se encontra excluída da competência dos tribunais arbitrais tributários.

115. E, quanto à natureza jurídica da CSR, não se suscitam dúvidas de que a mesma, à luz do direito aplicável à data dos factos, constitui uma contribuição financeira, distinguindo-se, assim, do imposto.

 

Depois de evocar o objectivo da criação da CSR em 2007 e, anacronicamente, a sua afectação à Infraestruturas de Portugal, IP, criada em 2015 (“financiar a rede rodoviária nacional, a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A. (doravante IP), nos termos do Contrato de Concessão Geral da rede rodoviária nacional celebrado com o Estado, e “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”), a Resposta da AT considerava que:

119. De acordo com o contrato de concessão, a IP está obrigada a “serviços públicos” específicos, como a conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional.

120. Tratando-se de um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários (os utilizadores da rede rodoviária nacional), se efetiva na compensação da conservação e requalificação da rede rodoviária nacional, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira e não de imposto.

Tendo tal tese sido uniformemente desconsiderada nas decisões do CAAD proferidas a propósito da CSR (processos n.os  564/2020-T, 629/2021-T, 304/2022-T, 305/2022-T, 644/2022-T, 665/2022-T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 408/2023-T, 375/2023-T e 534/2023-T), a Resposta da AT invocava os únicos dois votos de vencido (apostos aos processos n.os 629/2021-T e 305/2022-T) e uma suposta omissão de pronúncia sobre tal questão por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no despacho proferido em 7 de Fevereiro de 2022 no Proc.º C-460/21, para concluir deste modo (negrito no original):

124. Nesse sentido, a CSR encontra-se excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.

*

Entende o presente Tribunal, com a anterior jurisprudência do CAAD já citada, que a CSR era um imposto (mal) disfarçado de contribuição. Como se escreveu no Sumário da decisão do processo n.º 629/2021-T,

Uma parcela de um imposto especial de consumo não deixa de ser um imposto especial de consumo por o legislador lhe atribuir uma narrativa (de resto oscilante entre a compensação de custos e a contrapartida de benefícios) e lhe providenciar uma consignação orgânica (mormente se a entidade que dela beneficia deixa de ter como função única providenciar a suposta contrapartida que justificaria a alteração de género).

Nessa decisão, os argumentos usados para caracterizar a CSR como imposto foram essencialmente os seguintes (negritos no original, *notas suprimidas):

- histórico:

A Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (“Regula o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E.”) criou a CSR por desdobramento do ISP – que é, indiscutivelmente, um imposto especial de consumo*. Como se escrevia no artigo 7.º dessa lei, sob a epígrafe “Fixação das taxas do ISP”,

As taxas do ISP são estabelecidas por portaria conjunta nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo, por forma a garantir a neutralidade fiscal e o não agravamento do preço de venda dos combustíveis em consequência da criação da contribuição de serviço rodoviário.

(…)

a única diferença entre os € 525,1 milhões que o ISP perdeu e os € 525,1 milhões que a CSR ganhou em 2008 residiu na alteração da sua designação e na sua afectação. Enquanto imposto especial de consumo louvava-se na cobertura de um custo: os custos ambientais que o preço dos combustíveis não internalizavam (uma externalidade). A partir do momento em que uma parte – arbitrária – da receita gerada pelo ISP passou a ter a designação de CSR, passou (parece – mas contra o já referido pelo legislador*) a louvar-se no benefício proporcionado aos causadores do custo.”.

           

            - conceptual:

Procurando identificar os critérios de distinção das taxas, das contribuições financeiras*, das contribuições especiais e dos impostos, a A. [Suzana Tavares da Silva, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013] recorre, para a delimitação dos contornos das contribuições financeiras, aos critérios desenvolvidos pelo Tribunal Constitucional Alemão:

1) incidir sobre um grupo homogéneo; 2) manter uma proximidade com a obrigação tributária e as suas finalidades; 3) corresponder a uma relação encargo/benefício capaz de demonstrar que as receitas geradas são fruídas pelos membros do grupo” (p. 91).

(…)

a CSR apresenta diferenças muito significativas em relação ao comum das contribuições financeiras, sejam elas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas” de regulação ou as “grandes contribuições” que foram surgindo a título transitório e se vão mantendo (Contribuição sobre o Sector Bancário, Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético - CESE, Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica, …).

Em primeiro lugar, nessas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas de regulação” e “contribuições”, o sujeito passivo é o contribuinte (na CESE há mesmo uma proibição da sua repercussão), enquanto que na CSR um e outro são diferentes: o sujeito passivo (quem tem de entregar o imposto ao Fisco) é o introdutor dos produtos no mercado e o contribuinte (quem tem de suportar a exacção fiscal) é o adquirente dos combustíveis (incluindo, como a já citada jurisprudência arbitral evidencia, adquirentes de combustíveis que nada têm a ver com a utilização das estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal).

Em segundo lugar, o nexo grupal – que faria das contribuições financeiras uma espécie de taxas colectivas – não se estabelece com os sujeitos passivos da CSR, mas sim com terceiros não participantes na relação tributária. (…)

Em terceiro lugar, enquanto nas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas de regulação” e “contribuições” é a pertença ao grupo que permite de imediato a identificação do devedor – sendo a indução de um custo ou a obtenção de um benefício presumida a partir dessa inclusão nelena CSR não há nenhum grupo prévio a que se possa imputar o pagamento: é porque se paga a CSR que se supõe que se integra o grupo. (…)

Em quarto lugar, o princípio da equivalência – a que se recorre para conferir unidade de sentido às contribuições financeiras*, equiparando-se o pagamento feito à repartição, tendencialmente idêntica (ou, pelo menos, com base em características dadas e estáveis), dos custos especificamente gerados pelo grupo homogéneo (ou dos benefícios auferidos pelo grupo homogéneo, como nas “taxas” das autoridades reguladoras, ou, forçando mais ou menos a nota, nas tais “grandes contribuições”) – assume na CSR uma ligação a um índice variável: o do consumo dos “grandes combustíveis rodoviários”*. Com a agravante de o presumido benefício não ter uma relação directa com esse índice variável: por um lado, as vias da Rede Rodoviária Nacional (que foram concessionadas, em 2007, à EP - Estradas de Portugal, E.P.E.) não são a totalidade das estradas nacionais (além das auto-estradas concessionadas, e da rede municipal – urbana e rural –, o Plano Rodoviário Nacional prevê a transferência para as autarquias das estradas que não estejam nele incluídas). Noutras palavras: a utilidade proporcionada pela circulação nas estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal não é segmentável da que é proporcionada pelas demais; por outro lado, uma fracção crescente dos utilizadores dessa sub-parcela das vias de circulação automóvel – a rede rodoviária nacional – não fica sujeita a essa “contribuição”: o dos utilizadores dela com veículos eléctricos ou velocípedes. (…)

Em quinto lugar, e não obstante – como já referido – não ser bom critério determinar a natureza de um tributo a partir da sua consignação material ou orgânica*, certo é que a EP - Estradas de Portugal, E.P.E. só gastava o dinheiro em estradas (e no mais necessário a poder fazê-lo, incluindo as suas despesas correntes), mas, com a fusão, em 2015, com a Rede Ferroviária Nacional - REFER E.P.E. para dar origem à Infraestruturas de Portugal, isso deixou de ser assim.

           

            E, em termos de índices da natureza da CSR[4],

- doutrinal:

“- na recolha de Casalta Nabais Estudos sobre a Tributação dos Transportes e do Petróleo, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 42-43, refere-se, a propósito da CSR (e de outras figuras aí referidas), “estarmos perante tributos que, atenta a sua estrutura unilateral, se configuram como efectivos impostos, muito embora dada a titularidade activa das correspondentes relações tributárias (e o destino da sua receita), tenham clara natureza parafiscal.”. Como o A. escreve em Direito Fiscal, 11.ª ed, Almedina, Coimbra, 2021, pp. 53-54, “o critério para a distinção entre os tipos de tributos [reporta-se] exclusivamente à estrutura da relação tributária, ao tipo de relação que se estabelece entre os respetivos sujeito ativo e passivo, e não à titularidade activa dessa relação (…) É, pois, a estrutura bilateral da relação jurídica, em que assentam tanto as taxas como as contribuições financeiras, que revela a natureza comutativa destes tributos, os quais, porque concretizam uma efectiva troca de utilidades económicas, têm por base […] uma legitimidade económica. / O que vale também relativamente à titularidade da receita dos tributos. De facto, esta titularidade, até porque está para além da relação tributária integrando [-se …] numa relação financeira a constituir-se a jusante da relação tributária, nada pode dizer sobre o tipo de tributo.” (destaques aditados).

(…)

Filipe de Vasconcelos Fernandes, ob. cit., p. 116, sublinha que “o nexo bilateral que subjaz ao respetivo facto tributário [tem] caráter derivado, já que resulta de uma presunção de benefício ou utilidade na esfera dos sujeitos passivos, por pertencerem ou integrarem, num determinado intervalo de tempo, um grupo, tendencialmente homogéneo de interesses”, e desdobra este, na página seguinte, numa “homogeneidade de interesses” – que, segundo informa, na literatura alemã por vezes se designa por “homogeneidade de grupo” – e numa “responsabilidade de grupo (…) que se deve ao facto de os sujeitos passivos deste tipo de tributo partilharem um ónus ou responsabilidade de custeamento ou suporte da atividade pública que não pode atribuir-se isoladamente, mas apenas em face daquela que é a respetiva inserção no grupo a que efetivamente pertencem.”.

 

e

- jurisprudencial:

apenas DUAS das 19 decisões do CAAD que a Requerente invoca (na sua Resposta às excepções) para afirmar que tais tribunais arbitrais têm aceite a sua jurisdição sobre a CSR o poderiam substanciar (as dos processos n.os 483/2014-T e 147/2015-T8, que autonomizaram o seu tratamento), sendo as demais resultantes da consideração indiferenciada da CSR com o imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP)*.

O mesmo se diga para a jurisprudência dos Tribunais superiores, ainda que estes não tenham de cuidar da delimitação da sua competência em função da natureza do tributo, e se não conheçam decisões suas sobre a CSR.

Também não é indiferente que o Tribunal de Contas, a pp. 90 do seu Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2008 (https://erario.tcontas.pt/pt/actos/parecer-cge/2008/pcge2008-v1.pdf  ), tenha considerado o seguinte:

Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.”.

Evidentemente, sendo a CSR um imposto, a questão da competência do presente Tribunal deixa de ser controvertida, e fica prejudicada a indagação de saber se as questões relativas às contribuições se incluem no âmbito da jurisdição dos Tribunais arbitrais do CAAD – e, ou, no da vinculação da AT à sua jurisdição.

 

III.3. A questão da posição da Requerente no processo arbitral

Como referido, a Requerente solicitou ao Tribunal que se determinasse a anulação

- das “Liquidações respeitantes a Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”), referentes aos meses de novembro de 2018 a agosto de 2022, incidentes sobre a B..., S.A., pessoa coletiva n.º ..., cujo encargo tributário repercutiu na esfera da Requerente, na sequência da aquisição por esta de 28.274.006 litros de gasóleo, em face da qual a Requerente suportou 3.138.415 EUR a título de CSR”, e

- da “Decisão final de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente a 30 de novembro de 2022 junto da Alfândega de Alverca”.

Porque a jurisprudência arbitral sobre CSR tinha sido desencadeada pelos sujeitos passivos, ie, pelos intervenientes na relação jurídico-tributária, não abordou a questão de saber se quem não é sujeito passivo pode pretender anular uma componente específica dessa relação jurídico-tributária.

É o que se verá agora, uma vez que a sindicância do acto de 2.º grau (a decisão presumida sobre o pedido de revisão oficiosa) depende integralmente do que se concluir quanto à possibilidade de a Requerente pôr em causa actos de liquidação inter alios.

 

III.4. Factos provados

De acordo com a listagem de facturas infra, no período compreendido entre Novembro de 2018 e 31 de Agosto de 2022 a Requerente adquiriu 28.274.006 litros de gasóleo à sua fornecedora de combustível:

 

III.5. Fundamentação dos factos provados

A listagem supra reproduzida consolida as facturas que a Requerente juntou aos autos, e não foi posta em causa pela AT na estrita dimensão do que se deu como provado: que a Requerente adquirira gasóleo à referida fornecedora de combustível, sobre o qual tinha necessariamente incidido CSR no momento da introdução no consumo. Aliás, no n.º 14 da sua Resposta, a AT admite que “a Requerente adquiriu à B... S.A., entre os meses de novembro de 2018 a agosto de 2022, 28.274.006 litros de gasóleo”.

Acrescente-se, como obiter dictum, que não se intentou provar, por desnecessário para a solução jurídica adoptada, que a aquisição, por parte da Requerente, de tais quantidades de gasóleo rodoviário, tenha gerado da sua parte o pagamento do valor de CSR que invocou ter sido de € 3.138.415,00.

 

 

III.6. A possibilidade de os tribunais arbitrais sindicarem actos de liquidação (inerentemente ligados a actos de repercussão) por solicitação dos repercutidos

Numa passagem do seu manual[5], Sérgio Vasques afirma que “Se o repercutido estará à margem da relação tributária, não estará por isso à margem do direito.”, referindo que a LGT lhe reconhece o direito “à reclamação, recurso, impugnação ou pronúncia arbitral[6].

            Qualquer que seja a posição a adoptar em tese geral – e, salvo disposição legal em contrário, não há razões para pôr em causa a possibilidade de os contribuintes de facto serem admitidos a invocarem perante os Tribunais, incluindo arbitrais, a ilegalidade dos impostos que efectivamente pagaram –, tem de se ter em conta o quadro legislativo, e este foi invocado pela AT na sua Resposta para pôr em causa a possibilidade de a repercutida poder vir pedir a revisão de liquidações que lhe eram alheias[7]. Fê-lo a coberto do argumento da ineptidão do PPA por não incluir “A identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;”, como expressamente exigido na alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT; fê-lo também com base na caracterização da relação da Requerente com a sua fornecedora de combustível como “uma relação comercial de direito privado entre empresas, à qual a administração tributária é estranha”; mas fê-lo igualmente com base numa alegada restrição legal do círculo de sujeitos que podem solicitar o reembolso da CSR, fazendo a equiparação desses pedidos de reembolso a pedidos de revisão (negrito e sublinhado no original):

apenas, o sujeito passivo que declarou os produtos para consumo a quem  foi liquidado o imposto e que efetuou o correspondente pagamento, reúne condições (e pode identificar os atos de liquidação), para solicitar em caso de erro, a revisão desses atos de liquidação com vista ao reembolso dos montantes cobrados, cfr. artigos 15º e 16º do CIEC.

 

Isto porque, defendeu, como o n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (diploma que criou a CSR), determina a aplicação do CIEC (e da LGT e do Código de Procedimento e Processo Tributário - CPPT) à “liquidação, cobrança e pagamento” da CSR, sempre teria de se aplicar o disposto no n.º 2 do artigo 15.º do CIEC,

o qual estabelece que o reembolso só poderá ser solicitado pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto, o que bem se compreende por força das caraterísticas dos impostos em causa.” (negrito e sublinhado no original).

 

Acrescentando que

Estas disposições legais do CIEC fundamentam-se no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratarem de impostos monofásicos, que

incidem apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez.

 

Em todo o caso, concluía,

Acresce que, ainda que, no caso concreto, a CSR tivesse sido efetivamente repercutida e a Requerente tivesse legitimidade processual para peticionar a anulação das liquidações com fundamento em erro e o reembolso dos montantes correspondentes, sempre seria de invocar a jurisprudência do TJUE, resultante do Acórdão proferido no Proc.º n.º C-94/10, de 20/10/2011, de acordo com a qual:

As normas do direito da União devem ser interpretadas no sentido de que:

1) Um Estado-Membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil;

2) Um Estado-Membro pode recusar um pedido de indemnização apresentado pelo comprador sobre quem o sujeito passivo tenha repercutido um imposto indevido, com base na falta de nexo directo de causalidade entre a cobrança desse imposto e o dano sofrido, desde que o comprador possa, com base no direito interno, dirigir esse pedido contra o sujeito passivo e que a reparação, por este, do dano sofrido pelo comprador não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil.””(negrito e sublinhado no original).

*

O Tribunal entende que tem obviamente competência para se pronunciar sobre o pedido da Requerente – a declaração de ilegalidade dos actos tributários. Ser competente, porém, apenas preenche o pressuposto processual referente ao Tribunal, não o que é respeitante à Requerente. A questão é: pode ela suscitar a revisão das liquidações de CSR em que não teve intervenção – e que, aliás, não consegue identificar – ainda que apenas na medida em que tais liquidações contendam com os pagamentos por ela feitos? Rectius: pode ela, supondo que todo o iter procedimental que desembocou no PPA cumpre os requisitos (o que ainda teria de se apurar) – pode a Requerente, perguntava-se, suscitar a revisão das liquidações conjuntas (e acumuladas) de ISP e CSR no segmento que invoca dizer-lhe respeito?

A questão está em saber se, portanto, no quadro processual que ficou descrito, pode este Tribunal declarar a ilegalidade das liquidações de CSR praticadas pela AT com base nas DIC submetidas pela fornecedora de combustível da Requerente, ainda que delimitando o âmbito da ilegalidade de tais liquidações pela sua correspondência aos encargos tributários que aquela “repercutiu na esfera da Requerente” – uma vez que, em tudo o que as exceda, não foi formulada qualquer pretensão arbitral.

 

Ora, qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originam a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda: a do n.º 2 do artigo 15.º do CIEC (epigrafado “Regras gerais do reembolso”), assim redigida:

Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto.”.

 

Por sua vez, as disposições relevantes desse artigo 4.º (epigrafado “Incidência subjectiva”), para as quais tal norma remete, têm a seguinte redacção:

1 - São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo:

a) O depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado;

(…)

2 - São também sujeitos passivos, sem prejuízo de outros especialmente determinados no presente Código:

a) A pessoa que declare os produtos ou por conta da qual estes sejam declarados, no momento e em caso de importação;

 

Desde a redacção inicial destas normas, dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, também a única alteração substancial registada foi o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de Dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjectiva”. Quer dizer que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”.

            Assim, só os sujeitos passivos aí identificados – e só quando preencham requisitos adicionais – podem suscitar questões sobre, como se escreve no n.º 1 desse artigo 15.º, “o erro na liquidação”.

Os argumentos que a Requerente esgrimiu contra a sua falta de legitimidade nunca enfrentaram esta força de bloqueio legal à sua pretensão. Num primeiro momento (o da réplica espontânea à Resposta da AT), os que a Requerente invocou foram:

- as posições contraditórias da AT consoante os Requerentes eram ou não sujeitos passivos (“a incongruência da posição perfilhada pela Entidade Requerida quando afirma nos processos arbitrais em que são Requerentes as entidades comercializadoras de produtos petrolíferos que, sendo os consumidores finais quem, na verdade, suporta o encargo do tributo, são estes últimos os contribuintes da CSR e que, por isso, aquelas entidades carecem de legitimidade que sustente a sua pretensão, e, nos processos arbitrais em que são Requerentes os consumidores finais do combustível, afirma que estes não têm legitimidade por não serem os sujeitos passivos do tributo.[8]), o que, de facto, não abona a credibilidade da argumentação da AT, mas é irrelevante quanto ao enquadramento legal, que é imune a maus argumentos de quem tem de o aplicar;

- o regime geral em vigor (“a legitimidade da Requerente para propor a presente ação arbitral e intervir no processo arbitral tributário resulta da aplicação conjugada das normas ínsitas na LGT, no CPPT”), o que também é irrelevante, atenta a existência do já referido regime especial aplicável em matéria de impostos especiais de consumo;

- um argumento a retirar do “despacho proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia a 7 de fevereiro de 2022 no âmbito do Caso Vapo Atlantic (Processo C-460/21), o qual, pese embora se refira à legitimidade ativa do sujeito passivo da CSR e não do repercutido, fornece pistas interpretativas relevantes para a análise da questão sub judice.”. Sendo tal análise do TJUE, nessa circunstância, alheia à existência de um regime restritivo quanto à possibilidade de certos interessados serem impedidos de contestar a legalidade de certos tributos (em geral ou numa específica jurisdição), o argumento de nada vale, até porque o TJUE já referiu[9] que

na ausência de regulamentação comunitária em matéria de repetição de impostos nacionais indevidamente cobrados, cabe à ordem jurídica interna dos Estados-Membros designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais dos recursos judiciais destinados a assegurar a protecção dos direitos de que os cidadãos gozam com base no direito comunitário.

38. Por razões de segurança jurídica, os Estados-Membros estão, em princípio, autorizados a limitar, a nível nacional, o reembolso de impostos indevidamente cobrados. Contudo, estas limitações devem respeitar o princípio da equivalência, nos termos do qual as disposições nacionais devem aplicar-se de maneira idêntica às situações puramente nacionais e às situações reguladas pelo direito comunitário, e o princípio da eficácia, que impõe que o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária não se torne praticamente impossível ou excessivamente difícil.

Quer dizer que, na lógica do Direito da União, nada impede que o legislador nacional limite (e não apenas na jurisdição arbitral, embora por maioria de razão nesta, dada a sua competência por atribuição), os modos e as condições de, e os interessados na, obtenção da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação por razões ligadas à prevalência do Direito da União – designadamente excluindo a possibilidade de quem quer que seja que não tenha tido intervenção neles suscitar a avaliação dessa desconformidade[10];

- a insistência na efectiva transferência dos montantes pagos a título de CSR por parte da sua fornecedora de combustível para a Requerente, configurando, parece, uma espécie de sub-rogação desta na posição daquela na relação jurídico-tributária (“aquele que demonstrar ter suportado o encargo do imposto terá legitimidade procedimental e/ou processual para contestar a legalidade das liquidações, quer detenha ou não a qualidade de sujeito passivo.”) – o que, mais uma vez, não tem suporte legal;

- a alegada indicação legislativa superveniente de uma obrigação de repercussão dos impostos especiais de consumo (“Ademais, com a entrada em vigor da Lei n.º 24-E/2022, 30 de dezembro, o legislador introduziu no artigo 2.º do CIEC uma referência expressa à imposição legal de repercussão dos impostos especiais de consumo, tendo, no artigo 6.º da referida de Lei, sido atribuída natureza interpretativa a tal alteração legislativa.”). É verdade que a doutrina admitia, em geral, essa repercussão e que isso também valia para a CSR. Num comentário sobre esta[11] tinha-se escrito:

Com efeito, tem sido pacífico na doutrina e na jurisprudência que os IECs [Impostos Especiais de Consumo] implicam casos de repercussão legal. Sustenta-se, nesse sentido, que os impostos especiais de consumo procuram onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente e da saúde pública e que, por essa razão, deverá ser o verdadeiro titular da capacidade contributiva a ser onerado com o encargo do imposto.

A confirmar-se a natureza “pacífica” de tal entendimento – o que não é relevante apurar para os presentes autos – tal permitiria considerar legítima a determinação legislativa do artigo 6.º da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro (“Altera o Código dos Impostos Especiais de Consumo, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e o Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de maio, transpondo as Diretivas (UE) 2019/2235, 2020/1151 e 2020/262”) ao atribuir natureza interpretativa à “redação conferida pela presente lei ao artigo 2.º do Código dos IEC”. Isto porque, dada a proibição constitucional da retroactividade de disposições fiscais que abranjam os elementos essenciais dos impostos (artigo 103.º da Constituição), só nesse caso é que tal alteração (a introdução do inciso “sendo repercutidos nos mesmos” – sendo os “mesmos” os “contribuintes” onerados segundo o “princípio da equivalência”, “na medida dos custos que (…) provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública”) seria verdadeiramente interpretativa e, portanto, constitucionalmente legítima. O ponto, porém, continua a não ser esse: da existência de repercussão não se retira, nem a ilegitimidade dos sujeitos passivos para pretenderem o reembolso do que pagaram indevidamente (como acontece em matéria de Imposto Sobre Veículos, ou ISP), nem a legitimidade dos repercutidos, pese embora a irracionalidade das opções legislativas;

- a obrigação de facturação detalhada decorrente da Lei n.º 5/2019, de 11 de Janeiro (que impõe, no seu artigo 16.º, que

As faturas do GPL e dos combustíveis derivados do petróleo a apresentar pelos comercializadores dos postos de abastecimento aos consumidores devem conter os elementos necessários a uma completa e acessível compreensão dos valores totais e desagregados faturados, designadamente os seguintes:

a) Taxas discriminadas;

b) Impostos discriminados; (…)”),

do que a Requerente faz decorrer a obrigatoriedade de haver menção aos montantes de CSR que lhe teriam sido repercutidos – o que, podendo embora ser relevante para esclarecer a sua situação de contribuinte de facto, nada altera da sua posição de Direito no quadro do artigo 15.º do CIEC; 

 - a suposta renúncia da sua fornecedora de combustível a invocar a sua legitimidade processual para pretender a devolução dos montantes pagos de CSR, que faz derivar da declaração assinada por “C...”, que juntou aos autos (como referido supra, I.8.) – o que, igualmente, não altera o quadro legal aplicável, qualquer que seja o seu valor probatório.

Num segundo momento, e após o despacho que determinou a produção de alegações lhe ter sugerido que se pronunciasse especificamente sobre “a sua qualificação como sujeito passivo para efeito do disposto no artigo 15.º do CIEC;”, a Requerente acrescentou à anterior argumentação:

- que “como os n.os 3 e 4 do artigo 18.º da LGT imediatamente indiciam, é atribuída legitimidade processual a entidades que não se qualificam como sujeitos passivos, designadamente em situações de repercussão do pagamento do imposto”; porém, quer a doutrina e jurisprudência invocada em abono, quer os exemplos escolhidos (Imposto do Selo, Taxa de Ocupação do Subsolo), não se referiam ao regime específico do CIEC; e

- as “declarações prestadas pelo então Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ANTÓNIO MENDONÇA MENDES, na Assembleia da República, aquando da discussão na especialidade da Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2022” sobre o inconcebível que seria que “alguma gasolineira vá pedir ao Estado português para lhe devolver a CSR de cada um dos portugueses” – e que, entretanto, já foi desmentido pela actuação, pelo menos, da D…, Lda., que apresentou diversos pedidos de revisão oficiosa e impugnações judiciais destinadas à recuperação dessa CSR.

Num comentário de divulgação das primeiras decisões arbitrais sobre a CSR escreveu-se [12]:

o parque automóvel português é composto por 6,5 milhões de veículos ligeiros, a que acrescem 500 mil veículos pesados, num total de cerca de 7 milhões de veículos em circulação.

Se, por hipótese, admitirmos que cada automobilista fará, relativamente à CSR, um “pedido de revisão do ato de liquidação” e considerando que podem ser revistos os atos de liquidação relativos aos últimos quatro anos, temos que este contencioso poderá somar 28 milhões de processos!

 

Diga-se, mas apenas como obiter dictum, que a opção legislativa, que tem de se admitir justificada face à impraticabilidade de se gerir um sistema, digamos, “aberto” (como o que resultaria dos números indicados), foi, no que diz respeito à contrariedade de tais liquidações com o Direito da União, considerada justificável no despacho do TJUE no Processo n.º C-94/10, desde que o “comprador possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil”.

Se essa condição está ou não preenchida no caso não cabe, evidentemente, a este Tribunal apurar: tal perquisição só poderia ocorrer aquando da aferição da conformidade do sistema legal de recuperação de montantes pagos a título de CSR com o Direito da União (na fase da decisão sobre o fundo), e o Tribunal já concluiu que a Requerente não está em condições de o poder levá-lo a confrontar-se com tal questão (como o poderiam fazer os sujeitos passivos da relação tributária).

 À mesma conclusão chegaram, por outra via, as decisões proferidas nos processos n.os 408/2023-T (relator: Tomás Cantista Tavares) e 375/2023-T.

 

III.7. Conclusão sobre a legitimidade da Requerente e sobre as demais questões enunciadas

            Resultando da lei que a Requerente é parte ilegítima para questionar os actos de liquidação da CSR que pudessem ter alguma ligação com os actos de repercussão implícitos no preço do combustível adquirido à sua fornecedora de combustível, conclui-se que a Requerida terá de ser absolvida da instância, ficando prejudicados todos os passos seguintes no iter cognoscitivo acima delineado. 

            Não se opinando sobre o mérito, ficam igualmente prejudicados os pedidos de “restituição” e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

  1. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se:

  1. Considerar a Requerente parte ilegítima para suscitar a apreciação de legalidade das “Liquidações respeitantes a Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”), referentes aos meses de novembro de 2018 a agosto de 2022, incidentes sobre a B..., S.A., pessoa coletiva n.º ..., cujo encargo tributário repercutiu na esfera da Requerente, na sequência da aquisição por esta de 28.274.006 litros de gasóleo, em face da qual a Requerente suportou 3.138.415 EUR a título de CSR”; e, consequentemente,
  2. Considerar que o Tribunal Arbitral não pode sindicar a “Decisão final de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente a 30 de novembro de 2022 junto da Alfândega de Alverca”; e
  3. Em consequência, absolver a AT da instância, condenando a Requerente nas custas, nos termos abaixo fixados.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

Competindo ao Tribunal fixar o valor da causa (artigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT) e devendo ele, correspondendo à utilidade económica do pedido, equivaler à importância cuja anulação se pretende (alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, ex vi da alínea a) do artigo 6.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária - RCPAT), fixa-se o valor do processo em € 3.138.415,00 (três milhões, cento e trinta e oito mil quatrocentos e quinze euros).

 

  1. CUSTAS

Custas a cargo do Requerente, no montante de € 40.086,00 (quarenta mil e oitenta e seis euros), nos termos da Tabela I do RCPAT e do disposto no seu artigo 4.º, n.º 5, e nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT.

Lisboa,  9 de Fevereiro de 2024

 

O árbitro presidente

 

 

Victor Calvete

 

O árbitro adjunto

 

Hélder Faustino

 

O árbitro adjunto

 

 

 

Amândio Silva 

 

A redacção da presente decisão segue a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990 excepto em transcrições que o sigam.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Tal pedido só deu entrada na Alfândega de Alverca, porém, em 7 de Dezembro.

[2] O n.º 2 do artigo 4.º (epigrafado “Montante da consignação”) da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, manteve os montantes exactos que antes correspondiam à dita “CSR”:

A parte da receita de imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos a consignar ao serviço rodoviário é de 87 (euro)/1000 l da receita relativa à gasolina, de 111 (euro)/1000 l da receita relativa ao gasóleo rodoviário e de 123 (euro)/1000 kg da receita relativa ao GPL auto, montantes que integram os valores das taxas unitárias fixados nos termos do n.º 1 do artigo 92.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho.

Ou seja: uma vez que não se divisa que tais montantes de ISP sejam desconformes com o Direito da União, o que, em direitas contas, foi julgado desconforme com ele – na sequência do pedido de reenvio prejudicial que levou ao despacho proferido em 7 de Fevereiro de 2022 no Proc.º C-460/21 –, foi apenas a designação do primeiro regime de consignação de receitas que o legislador desavisadamente criou…

 

[3] Na fórmula usada na decisão do processo n.º 629/2021-T, “Isso não releva do âmbito de competência do tribunal, releva do âmbito de sujeição a ele de um dos intervenientes processuais.”, invocando em nota a “decisão do caso n.º 146/2019-T (com um voto de vencido) que acaba por reconduzir a primeira [“competência – delimitada legislativamente”] a incompetência absoluta e a segunda [“vinculação – delimitada pela portaria dentro da liberdade de opção atribuída por lei”] a incompetência relativa.

[4] Escreveu-se então:

Ainda que a qualificação jurídica de um tributo como imposto ou não-imposto tenha de depender das suas características intrínsecas (…), não são indiferentes os índices que – sendo externos a essa qualificação – foram invocados pela Requerente e pela Requerida. Assim, para começar, a jurisprudência do CAAD (e dos tribunais estaduais que a examinaram) não é indiferente”.

[5]  Manual de Direito Fiscal, 2.ª  ed., Almedina, Coimbra, p. 401.

 

[6] Dispõe o n.º 4 do artigo 18.º do RJAT que

Não é sujeito passivo quem:

a) Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias; (…)”.

 

[7] O Tribunal não fez uma indagação de Direito Comparado, mas como resulta do n.º 58 da decisão que o TJUE proferiu, em 2 de Outubro de 2003, no processo C-147/01 (Weber's Wine World Handels-GmbH et al. v. Abgabenberufungskommission Wien), essa é uma solução que não é específica do Direito nacional:

na medida em que tenha efectivamente havido repercussão, foram os consumidores que suportaram o encargo do imposto sobre as bebidas alcoólicas. Ora, nem a ordem jurídica do Land de Viena nem a da República da Áustria oferecem, em geral, aos consumidores a possibilidade de invocarem, no quadro de um procedimento de tributação, a ilegalidade de um imposto assim repercutido.

[8]  Uma acusação que adiante documenta com “o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado por uma gasolineira, reproduzido na decisão arbitral proferida, a 12 de julho de 2021, no âmbito do processo n.º 564/2020-T: (…)”

[9]  Nos ns. 37 e 38 da decisão citada na nota 7.

 

[10] Como se referiu supra, nota 7, é o que acontece na Áustria.

[11] “A contribuição de serviço rodoviário e a legitimidade processual dos consumidores finais”, edição de Agosto de 2022 da Newsletter do Tax Litigation Team encabeçado por Rogério Fernandes Ferreira, disponível em https://www.rfflawyers.com/pt/know-how/newsletters/a-contribuicao-de-servico-rodoviario-e-a-legitimidade-processual-dos-consumidores-finais/4579/ A passagem foi reproduzida no comentário referido na nota anterior.

 

 

[12] “A Contribuição de Serviço Rodoviário: enquadramento e desenvolvimentos recentes”, edição de Março de 2023 da Newsletter do Tax Litigation Team encabeçado por Rogério Fernandes Ferreira, disponível em

https://www.rfflawyers.com/xms/files/KnowHow/Newsletters/2023/03_Marco/A_Contribuicao_de_Servico_Rodoviario_enquadramento_e_desenvolvimentos_recentes_-marco_2023.pdf (p. 10)