Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 236/2020-T
Data da decisão: 2021-03-01  IVA  
Valor do pedido: € 10.316,39
Tema: IVA – Prestações de serviços de fisioterapia e de nutrição – Isenção – Art. 9.º, 1) do CIVA; Reenvio a título prejudicial
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

1. A... Lda., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ... n.º..., ...-... Porto, (doravante designada por “Requerente”) apresentou, em 22-04-2020, um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1, e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/201, de 22 de março.

2. A Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista a declarar a anulação das liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) com os n.ºs 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020... e os respetivos de juros compensatórios com os n.ºs 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., referentes aos exercícios de 2018 e 2019, no montante total de €10.316,39 (dez mil trezentos e dezasseis euros e trinta e nove cêntimos) e ainda o pagamento de juros indemnizatórios, contados da data de pagamento efetivo das liquidações.

3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) (adiante designada por “Requerida”).

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, em 23-04-2020.

5. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.

6. A Requerente foi notificada, em 07-07-2020, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

7. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 06-08-2020.

8. A Requerida foi notificada, em 06-08-2020, através do despacho arbitral, proferido na mesma data, para os efeitos previstos no artigo 17.º da RJAT.

9. A Requerida, em 28-09-2020, apresentou a Resposta e remeteu o Processo Administrativo.

10. O Tribunal Arbitral por despacho, de 30-09-2020, notificou a Requerente para, no prazo de 5 dias, querendo pronunciar-se sobre o pedido de suspensão da instância formulado pela AT na Resposta.

11. A Requerente, em 09-10-2020, pronunciou-se sobre pedido de suspensão da instância formulado pela AT.

12. O Tribunal Arbitral, por despacho de 12-10-2020, determinou: (i) designar o dia 29 de outubro, às 14h, para a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e ouvir a parte e inquirir as testemunhas; (ii) apreciar o pedido de suspensão da instância, formulado pela AT e sobre o qual a Requerente já se pronunciou, na decisão final.

13. Em 16-10-2020, B..., Inspetor Tributário, manifestou total disponibilidade para ser ouvido como testemunha no processo e solicitou que a referida audiência fosse efetuada no regime de videoconferência.

14. Em 29-10-2020, a testemunha C... requereu que o seu depoimento fosse realizado por videoconferência por motivos de gravidez.

15. O Tribunal Arbitral, em 29-10-2020, procedeu à realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, conforme ata que se encontra nos presentes autos arbitrais e que se dá, para todos os efeitos, como integralmente reproduzida, tendo: (i) o representante da Requerente prescindiu das declarações de parte de D... e da inquirição da testemunha E...; (ii) o Tribunal procedeu à inquirição das testemunhas: B..., inspetor tributário, e C..., fisioterapeuta; (ii) notificado a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem as alegações escritas no prazo de 10 dias; (iii) designado o dia 11-12-2020 como data para a prolação da decisão arbitral; (iv) informado a Requerente que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente até à data indicada na alínea anterior.

16. As alegações foram apresentadas pela Requerente, em 10-11-2020, e pela Requerida, em 24-11-2020. 

17. A Requerente, em 04-12-2020, ao abrigo do princípio do contraditório, pronunciou-se sobre as alegações da Requerida.

18. Por despacho arbitral, de 06-01-2021, foi notificada a AT para, querendo, se pronunciar, no prazo de 5 dias, sobre o requerimento da Requerente, identificado no n.º anterior, e alterada para o dia 25 de janeiro de 2021 a data para a prolação da decisão arbitral.

19. A Requerida, em 18-01-2021, pronunciou-se sobre o requerimento da Requerente, identificado no n.º 17 supra.

20. A posição da Requerente, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral, nas alegações e no requerimento, de 04-12-2021, é, em síntese, a seguinte:

20.1. A Requerente entende que as liquidações supra identificadas são ilegais por vício de violação de lei uma vez que (i) se tratam de prestações combinadas ou complementares e não acessórias; e (ii) a disponibilização do serviço é requisito bastante para se beneficiar da isenção prevista no artigo 9.º, n.º 1, do Código do IVA (CIVA).

20.2. A numerosa jurisprudência dos Tribunais Arbitrais a funcionar junto do CAAD vem reiteradamente recusando que a prestação de serviços de nutrição e fisioterapia em ambiente de ginásios seja acessória da prestação de serviços de fitness, recusando, igualmente, que a isenção prevista no artigo 9.º, n.º 1, do CIVA se aplique somente a serviços utilizados, mas não a serviços disponibilizados.

20.3. Os serviços de nutrição e de fisioterapia prestados pela Requerente apresentam um caráter independente em face da prestação de serviços de fitness, estando aqui em causa serviços claramente dissociáveis entre si.

20.4. Da leitura do Relatório de Inspeção infere-se que a Requerida recorreu a um conjunto de indícios avulsos, por si concebidos, tendo em vista analisar o peso relativo dos serviços de fisioterapia e nutrição e, bem assim, dos serviços de fitness, no valor global faturado pela Requerente. No entanto, se a Requerida entendia que, para efeitos da decisão a proferir em sede de procedimento inspetivo, era necessária a realização de tal exercício comparativo, nunca o poderia ter feito sem recurso a um qualquer critério objetivo, como seja, por exemplo, uma análise dos preços praticados por outros operadores económicos que ofereçam serviços equivalentes aos disponibilizados pela Requerente.

20.5. Nem tal enquadramento foi contestado pela AT, nem poderia sê-lo sob pena de violação evidente do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA.

20.6. Em face dos factos demonstrados, não restam dúvidas de que o conjunto de prestações efetuadas pela Requerente, em particular, serviços de nutrição e de fisioterapia, são complementares dos serviços de ginásio (e outros, tais como SPA ou estética) e não acessórias destes.

20.7. Não restam dúvidas de que a Requerente dispunha (como dispõe) de espaços físicos

adequados, com horários de funcionamento regular e devidamente identificados, bem como de profissionais habilitados para a realização de consultas de nutrição e de fisioterapia.

20.8. Os serviços em causa foram, pois, colocados à disposição dos clientes da Requerente, o que é condição bastante para aplicação da isenção prevista no artigo 9.º, n.º 1 do Código do IVA. Aliás, a querer ser consequente com a sua própria abordagem, se a AT entendia que o facto gerador é a utilização do serviço e não a sua disponibilização, então só poderia ter

concluído pela falta de incidência de IVA na prestação em causa.

20.9. Conforme ficou claramente provado no presente processo os serviços de nutrição e de fisioterapia disponibilizados pela Requerente tinham, exclusivamente, um fim terapêutico ou de prevenção de doenças. Por assim ser, o enquadramento dos referidos serviços no âmbito da isenção de IVA, prevista no artigo 9.º, n.º 1, do CIVA não é merecedor de qualquer reparo.

20.10. É evidente que os serviços de nutrição e de fisioterapia são considerados prestação de serviços efetuadas no exercício de profissões médicas ou paramédicas, para efeitos de aplicação da isenção prevista no artigo 9.º, n.º 1, do CIVA. É inequívoco que a inscrição da Requerente na Entidade Reguladora da Saúde não é condição necessária para a aplicação do fundamento de isenção invocado, ao contrário do que pretende a Requerida.

20.11. Com efeito, não resulta da Diretiva IVA, nem do artigo 9.º, n.º 1 do CIVA, uma qualquer exigência de cumprimento da referida prescrição regulatória. Exige-se unicamente que os serviços em questão tenham uma finalidade terapêutica ou de prevenção e que tenham sido efetuados por profissionais devidamente habilitados para o efeito. Ora, a observância de tais exigências ficou claramente demonstrada no presente processo arbitral, não subsistindo quaisquer dúvidas quanto à finalidade dos serviços para cuja prestação a nutricionista e as fisioterapeutas referidas no RIT foram contratadas, bem como quanto à idoneidade profissional das mesmas. Assim, não pode a Requerida pretender introduzir requisitos acrescidos em matéria de elementos essenciais do imposto sem, com isso, incorrer numa clara violação do princípio da tipicidade fiscal, previsto no artigo 103.º, n.º 2, da CRP.

20.12. A linha jurisprudencial seguida pelos tribunais arbitrais a funcionar junto do CAAD em relação às questões jurídicas aqui suscitadas deve, pois, manter-se. Deste modo. deverão ser anuladas as liquidações em causa nos presentes autos arbitrais.

20.13. Nestes termos deverão ser restituídos à Requerente os montantes correspondentes a imposto e juros indevidamente liquidados, acrescidos de juros indemnizatórios, nomeadamente, nos termos do artigo 43.º da LGT, por a ilegalidade substantiva das Liquidações resultar de erro imputável aos serviços.

21. A posição da Requerida, de acordo com o disposto na Resposta, nas alegações e no requerimento, de 18-01-2021, pode ser sintetizada no seguinte:

21.1. A instância deve ser suspensa até à Decisão a proferir no processo C-581/19 - caso Fenetikexito, que deu entrada no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), em 31-07-2019, decorrente do processo n.º 504/2018-T, que correu termos no CAAD, com os seguintes fundamentos:

                i) No referido processo, foi suscitada pela AT a necessidade de reenvio prejudicial para o TJUE da questão relativa à interpretação da alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º, ambos da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28/11. O tribunal arbitral tributário concordou com a AT de que “(…) a jurisprudência do TJUE tem defendido que, quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos e de atos, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão, para determinar, por um lado, se se está na presença de duas ou mais prestações distintas ou de uma prestação única.”

ii) Por outro lado, o tribunal arbitral considerou também que a jurisprudência do TJUE não é única na defesa de um ou outro entendimento, “(…) no caso de se entender que o serviço de nutrição assume natureza independente, não devendo ser objecto do mesmo tratamento fiscal aplicável ao serviço de fitness, impõe-se analisar se a eventual isenção de IVA prevista no artigo 9.º n.º 1 do CIVA pressupõe a efetiva prestação do serviço ou a sua mera disponibilização”.

iii) Perante as dúvidas foram formuladas as questões e o reenvio foi aceite pelo TJUE.

iv) Neste momento já foram formuladas as observações escritas e o Advogado Geral já apresentou as Conclusões.

v) Ora, como o referido reenvio foi aceite pelo TJUE isso significa que a Jurisprudência já existente daquele Tribunal, atenta a especificidade da matéria em apreço, não responde às questões colocadas. Isto, implica que o próprio TJUE, já tenha feito um juízo, quanto à pertinência de tal reenvio, juízo esse que no caso, contraria todas as decisões sobre esta matéria já emanadas por Tribunais constituídos no CAAD, quanto à necessidade de suspender aqueles autos e promover uma pronúncia do TJUE sobre a matéria.

vi) No caso em apreço, por já ter sido promovido o reenvio sobre questão manifestamente idêntica, no âmbito de outro processo, significa que se deve suspender a instância até à decisão do TJUE no reenvio promovido. Neste sentido já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, no seu acórdão de 14-03-2018, no processo 090/16.

21.2. Relativamente às liquidações em análise a Requerida considera que o direito aplicável é o constante da fundamentação de direito do Relatório de Inspeção, que se deu por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

21.3. Em suma, concluíram os Serviços de Inspeção Tributária que, os serviços prestados pela Requerente a título de consultas de nutrição/fisioterapia eram meramente disponibilizados.

21.4. Assim, a Requerente não logrou provar ter prestado esses serviços, como também, por ao serem os mesmos prestados aos seus destinatários, durante a prática de exercício físico (no ginásio) e como acompanhamento de tais exercícios, não reunirem as condições para usufruírem da isenção em apreço.

21.5. No Relatório de Inspeção consta que os serviços de nutrição/fisioterapia, acessórios dos serviços de ginásio, devem por via disso, ter o mesmo enquadramento em sede de IVA, que o serviço principal (ginásio). Tendo em conta que se tratam de serviços prestados, ou melhor dizendo, disponibilizados conjuntamente e que se trata de uma operação complexa única, cuja decomposição, faturando os serviços de nutrição/fisioterapia em separado dos de ginásio e aplicando aqueles a isenção do artigo 9.º do CIVA, constitui uma decomposição artificial.

21.6. A referida isenção é insuscetível de ser aplicada quando não se demonstre terem sido efetivamente prestadas as consultas de nutrição/fisioterapia. Desde logo, a norma de isenção refere-se expressamente a “os serviços prestados” e não aos serviços disponibilizados. Assim, é manifestamente incompatível com o espírito daquela isenção, a mera disponibilização de cuidados de saúde. Daqui resulta que os serviços só poderão beneficiar da isenção se forem prestados e por profissionais habilitados.

21.7. Sendo a Requerente quem invoca o direito à isenção, nos termos do artigo 74.º da LGT, cabia-lhe fazer prova dos pressupostos da sua aplicação, no caso, do número de consultas efetivamente prestadas.

21.8. O facto de os destinatários dos serviços não os procurarem e, na esmagadora maioria dos casos, não serem efetivamente prestados, evidencia, que os serviços em questão, não têm um fim terapêutico. Ora, não sendo efetivamente prestado o serviço, por maioria de razão se entenderá, que não são efetuadas quaisquer práticas terapêuticas, não podendo por essa via aplicar-se à isenção em apreço.

21.9. Realça-se também que as Decisões Arbitrais referidas pela Requerente no pedido de pronuncia arbitral refletem realidades distintas da em apreço, desde logo, por exemplo, em nenhum dos casos referidos pela Requerente no pedido de pronuncia arbitral os serviços de nutrição e/ou fisioterapia eram prestados em pleno ginásio aquando da prática de exercício físico por parte dos destinatários dos serviços.

21.10. Em conclusão, quanto à interpretação da isenção da alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, não enfermam as liquidações adicionais de qualquer vício, devendo o pedido de pronúncia arbitral improceder por não provado, com todas as consequências legais.

22. A posição da Requerente sobre o pedido de suspensão da instância formulado pela AT, expressa nas alegações e nos requerimentos, de 09-10-2020 e de 04-12-2021, pode ser sintetizada nos seguintes termos:

                22.1. Afigura-se manifestamente desnecessária a suspensão da presente instância arbitral por forma a aguardar pela decisão prejudicial a proferir pelo TJUE no processo invocado pela Requerida.

22.2. Com efeito, a situação de facto sub judice é distinta da decisão que foi objeto de apreciação naquele processo.

22.3. Acresce que os factos analisados no presente processo são materialmente idênticos aos apreciados em vasta jurisprudência dos tribunais arbitrais a funcionar junto do CAAD.

22.4. De igual modo, a jurisprudência do TJUE oferece elementos bastantes para permitir ao julgador a prolação de uma decisão de mérito conforme ao Direito da União Europeia.

22.5. Finalmente, e ao contrário do sugerido pela Requerida, as mais qualificadas e recentes decisões arbitrais proferidas no CAAD, recusam o reenvio prejudicial, mantendo a jurisprudência unânime dos tribunais arbitrais a funcionar junto do CAAD.

22.6. Em conclusão, deve improceder o pedido de suspensão da instância apresentado pela Requerida.

II – Saneamento

23. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.ºs 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

24. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

25. Não foram suscitadas exceções de que cumpra conhecer e não se verificam nulidades. 

26. A suspensão de prazos processuais e procedimentais, com efeitos a 22 de janeiro de 2021 , decorrentes das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19 não obsta a que seja proferida a presente decisão arbitral, de acordo com o disposto na alínea d), do n.º 5 do artigo 6.º-B, aditado à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro.

27. Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

III - Matéria de facto

28. Factos dados como provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos: 

A)           A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, com capital social de €4 000,00, constituída em 04-11-2016, que abriu a sua atividade ao público em 01-03-2017, cujo objeto consiste: “Prática de ginástica, hidroginástica, musculação, natação, hidroterapia, fisioterapia, recuperação funcional e todas as atividades comerciais conexas. Prestação de cuidados médicos em toda a sua vertente, avaliação, prevenção e reabilitação médico desportiva. Comércio de produtos alimentares e bebidas” (vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 2, junto como Documento n.º 2 ao pedido de pronuncia arbitral e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

 

B)           A Requerente está registada para o exercício das seguintes atividades: Código de Atividade Económica (CAE) Principal 93130 – “Atividades de ginásio (fitness)”; CAE Secundário1 86906 – “Outras atividades de saúde humana, n.e.” e CAE Secundário2 047112 – “Com. Ret. Out. Est.N. E., c/predom. Prod. Alim., bebidas, tabaco (vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 3);

 

C)           A Requerente possui contabilidade organizada e, em termos cadastrais para efeitos de IVA, está enquadrada no regime normal de periodicidade mensal praticando operações de “bens com/sem dedução” (vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 2 e 3);

 

D)           A atividade da Requerente, à data dos fatos, era exercida no prédio urbano sito na Rua..., n.º ..., freguesia de ... através de contrato de arrendamento celebrado, em 17-11-2016, com renda mensal no valor de € 2.000,00, (vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 10);

 

E)            Os contratos que tutelaram os serviços prestados pela Requerente aos utilizadores são do tipo que vulgarmente se designa por “contratos de adesão”. Neste aspeto o Relatório de Inspeção verificou o seguinte:

“Da análise ao Contrato de Adesão, verifica-se que o mesmo é composto por uma folha, sendo a parte da frente, denominada por “Ficha de Inscrição” e o seu verso constituído pelas denominadas “Condições Gerais de Adesão” (CGA).

(vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 20);

 

F)            Os sócios da Requerente adquirem esta condição através da assinatura do Contrato de Adesão (vd., n.º 13 do pedido de pronuncia arbitral);

 

G)           A Requerente coloca à disposição dos sócios a utilização de ginásio com ou sem professor, em contexto individual ou em contexto de aula, mas, também outros serviços, em especial, serviços de nutrição e fisioterapia (vd., n.º 12 do pedido de pronuncia arbitral);

 

H)           Os sócios da Requerente têm direito, nos termos do Ponto 11 das Condições Gerais de Adesão:

«ao acompanhamento de fisioterapia mediante os horários em que a fisioterapeuta se encontra presente nas instalações e de acordo com as possibilidades de interação permitidas pelo material disponibilizado pelo clube. O associado tem ainda direito a acompanhamento nutricional, mediante marcação prévia e de acordo com os horários em que a nutricionista se encontra presente nas instalações».

(vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 20);

 

I)             O Regulamento Interno da Requerente relativamente aos serviços prestados dispõe:

“13. Serviços oferecidos ao associado:

13.1 O associado do G... tem direito a uma avaliação (física e nutricional) que deverá ser regularizada ao longo do período de inscrição. É de inteira responsabilidade do associado a não realização destas avaliações.

13.2. O associado do G... tem direito a avaliações físicas periódicas (de 2 em 2 meses) efetuadas pelo professor de musculação ao abrigo do sistema ... Trainer mas é da sua inteira responsabilidade a não realização das mesmas.

13.3. O associado do G... tem direito a acompanhamento de fisioterapia e a aconselhamento nutricional, mediante os horários em que estão presentes os fisioterapeutas e nutricionistas nas instalações e segundo as possibilidades de interação permitidas pelo material disponibilizado pelo clube. O G... não se responsabiliza pelos tratamentos de fisioterapia e aconselhamentos nutricionais que não consiga realizar nas instalações do ginásio.”

(vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 20-21);

 

J)            No ano de 2017 a Requerente dispôs de um total de 34 trabalhadores sendo 13 pertencentes ao quadro da empresa (trabalhadores dependentes – categoria A para efeitos de IRS) e 21 colaboradores (trabalhadores independentes – categoria B para efeitos de IRS) (vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 12-13);

 

K)           Para a prestação dos serviços de fisioterapia, a Requerente contratou os serviços das seguintes técnicas: Dr.ª C..., fisioterapeuta, cédula profissional n.º C-... e Dr.ªF..., fisioterapeuta, cédula profissional n.º C-...) (vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 13);

 

L)            Para a prestação dos serviços de nutrição, a Requerente contratou os serviços da Dr.ª E..., nutricionista, inscrita na Ordem dos Nutricionistas com a cédula CP... (vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 13);

 

M)          Nas instalações da Requerente, identificadas na alínea D), existiam três gabinetes com sete metros quadrados cada. Um destinado a tratamentos de fisioterapia, outro para consultas de nutrição e outro para sala de reuniões (vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 11, e depoimentos das testemunhas B..., e C...);

 

N)           O gabinete, referido na alínea anterior, destinado à realização de tratamentos de fisioterapia dispunha do material apropriado para a prática dos referidos tratamentos (vd., depoimento da testemunha C...);

 

O)           No âmbito da sua atividade profissional, a fisioterapeuta Dr.ª C... atendeu no gabinete, referido na alínea anterior, sócios da Requerente, mas também esporadicamente utentes, não sócios, que procuraram apenas os seus serviços de fisioterapeuta (vd., depoimento da testemunha C...);

 

P)           Na faturação emitida pela Requerente é efetuada a divisão entre a componente de ginásio (parte sujeita e não isenta de IVA) e a componente de serviços de saúde humana (parte isenta de IVA) sendo esta denominada “FISIOTERAPIA, NUTRIÇÃO” ou “PREVENÇÃO RECUPERAÇÃO MEDICO DESPORTIVA” (PRMD) seguida da tipologia de prestação escolhida pelo sócio (Anual/Semestral/Trimestral/Mensal) (vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 15);

 

Q)           Os Serviços de Inspeção Tributária (Divisão II) da Direção de Finanças do Porto ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2019..., iniciaram, em 03-09-2019, um procedimento externo de inspeção tributária à Requerente, de âmbito parcial IVA e IRC, relativo ao ano de 2017, tendo por motivo: “Controlo de sujeitos passivos que se dedicam à atividade da gestão de instalações desportivas” (vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 2);

 

R)           Através do ofício da Direção de Finanças do Porto n.º 2019..., de 21-11-2019, a Requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção, para exercer o direito de participação na decisão na modalidade de audição prévia, mas não exerceu esse direito (vd., Relatório de Inspeção Tributária, ponto IX. Direito de audição, pp. 30);

 

S)            O Relatório de Inspeção Tributária, de 09-12-2019, foi notificado à Requerente, nos termos do artigo 62.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), através do ofício n.º 2019..., de 27-12-2019, da Divisão de Inspeção Tributária-II da Direção de Finanças do Porto (vd., fls. 79 do Processo Administrativo);

 

T)            O Relatório de Inspeção Tributária, identificado na alínea anterior, concluiu o seguinte:

 

1.            A entidade A... declarou, para efeitos de IVA, que cerca de 45% da sua atividade total se encontrava isenta ao abrigo do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, por, alegadamente, se tratar da prestação de cuidados de saúde;

2.            De acordo com o TJUE considera-se estar perante a prestação de cuidados de saúde na aceção da isenção em questão quando os serviços visam a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento de doenças ou outra qualquer anomalia de saúde;

3.            Da análise efetuada à atividade efetivamente exercida, aferida nomeadamente com base na afetação dos gastos incorridos, concluiu-se, nomeadamente, pela utilização dada às instalações e pela mão-de-obra que o sujeito passivo tem ao seu dispor, que a estrutura existente tem como principal objetivo a oferta de serviços de ginásio, proporcionando aos seus clientes condições para a prática desportiva monitorizada ou não;

4.            Com efeito, ficou sobejamente evidenciado na exposição desenvolvida nos pontos III.1.3.1 a III.13.3. que a estrutura de gastos do A... tem subjacente, maioritariamente, a prestação a jusante de serviços de ginásio e, residualmente a prestação de serviços de aconselhamento nutricional e de fisioterapia;

5.            Ficou ainda demonstrado que o contribuinte não dispunha em 2017 de recursos suficientes, designadamente, profissionais de nutrição e de fisioterapia devidamente credenciados para o efeito, para realizar o número de sessões de aconselhamento nutricional e de fisioterapia faturadas. Assim sendo, a referência nas faturas a “Nutrição/Fisioterapia” corresponde, quando muito, a disponibilização do direito de usufruir de uma consulta de aconselhamento nutricional inicial (no ato de inscrição), e não a uma efetiva consulta realizada sendo, de igual modo, que a referência à fisioterapia corresponde, quanto muito, a serviço que se traduz no normal acompanhamento da pratica de exercício realizada pelos sócios no ginásio e não, a qualquer serviço de fisioterapia efetivamente realizado;

6.            Através da análise aos preços cobrados efetuada com base no Ficheiro SAF-T(PT) de faturação, verificou-se que os clientes adquiriam um “pacote” que inclui a atividade de ginásio, aconselhamento nutricional e/ou fisioterapia o que se confere pela quase total inexistência de clientes com adesão a apenas serviços de ginásio;

7.            Os serviços de nutrição e de fisioterapia, ou, melhor, a disponibilização do direito de aceder a esses serviços, é um benefício potencial atribuído aos clientes do serviço principal;

8.            A situação descrita permite ao sujeito passivo camuflar a isenção atribuída a uma parte significativa da mensalidade contratualizada com os clientes, retirando vantagem através da diminuição do IVA a entregar ao Estado;

9.            A formação do preço dos serviços prestados pelo A... é destituída de qualquer racionalidade económica. Os serviços que mais recursos consomem (serviços de ginásio) são vendidos a preços que não permitem sequer cobrir os gastos com os recursos que lhe são afetos. Tal, só pode encontrar justificação numa discriminação artificial do preço, neste caso, com o objetivo de obter a vantagem fiscal;

10.          É de referir ainda que, nem na tabela de preços, nem nos respetivos contratos celebrados, é feita qualquer menção do valor atribuído aos serviços de nutrição e de fisioterapia, estes apenas são referidos nas cláusulas gerais do contrato, onde é firmado, que tais serviços são um direito dos sócios. Na verdade, trata-se de um preço único – o preço do ginásio, na medida em que o preço fixado para o serviço de ginásio confere aos associados o direito a usufruir de tais serviços;

11.          O A... só encontra registado na ERS como prestador de cuidados de saúde desde 31 de julho de 2019;

Permitem à Inspeção tributária afirmar:

i Que o contribuinte está a utilizar os serviços de aconselhamento nutricional e de fisioterapia – que, na realidade, serão apenas residualmente e sempre a título acessório, utilizado pelos clientes – para, de forma artificial, discriminar as suas receitas, que mais não são do que derivadas da atividade que exerce a título principal, a atividade de ginásio;

ii. Dito de outra forma, que os serviços de aconselhamento nutricional e de fisioterapia eventualmente realizados pelo A..., nunca constituíram para os seus clientes um fim em si mesmo, mas antes, e, eventualmente, um meio de beneficiar, nas melhores condições de preço, do serviço principal prestado por aquele e, nessa exata medida, devem ter, em sede de IVA, o mesmo tratamento da prestação de serviços principal;

iii. Que o serviço contratado pelo cliente do A... é um serviço global, com um valor único e fixo, que engloba a prática desportiva e a possibilidade de beneficiar de serviço de aconselhamento nutricional e de fisioterapia. A prática do sujeito passivo de faturar o valor contratado em duas verbas, de serviço de ginásio e de serviço de aconselhamento nutricional e/ou de fisioterapia, constitui uma divisão artificial da operação contratada, estando consequentemente sujeita e não isenta de IVA pelo seu valor total à taxa normal de IVA;

iv. Por outro lado, tendo ficado demonstrada a falta de capacidade para a realização de todos os serviços de aconselhamento nutricional e de fisioterapia faturados, conclui-se a final, que a mera disponibilização de um serviço, quando não ocorra a efetiva realização, por falta de finalidade terapêutica e até de prevenção, não constitui um serviço isento nos termos da legislação invocada pelo contribuinte;

v. Além disso, e em jeito de conclusão, questiona-se se, ainda que todos os serviços de aconselhamento nutricional e de fisioterapia tivessem sido realizados, poder-se-á considerar que a oferta desses serviços, composto por uma sessão inicial com um profissional de nutrição e a presença, num horário restrito, de um fisioterapeuta no ginásio poderiam, ainda assim, ser consideradas prestações de cuidados de saúde na aceção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA?

Pelo plasmado ao longo do presente relatório, concluímos que as operações faturadas pelo A... a título de aconselhamento nutricional e de fisioterapia não reúnem as condições para beneficiar da isenção de IVA constante do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA. Consequentemente está em falta a liquidação, declaração e entrega de imposto, a liquidar à taxa de 23% prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA.”

(vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 26-29);

 

U)           Na sequência da Inspeção Tributária, identificada na alínea Q), foi elaborado auto de notícia, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), em 11-12-2019, e aberto o processo de contraordenação n.º ...2019..., por infração aos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea a), do CIVA, falta de pagamento do imposto, punido pelos artigos 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea a), e 26.º, n.º 4, do RGIT, falta de entrega da prestação tributária (vd., fls 82 a 85 do Processo Administrativo);

V)           O auto de notícia, identificado na alínea anterior, conclui que a Requerente praticou as infrações seguintes:

“Falta de entrega de IVA nos cofres do Estado, resultante de IVA não liquidado em operações sujeitas e não isentas daquele imposto realizadas no período de 2017, no montante global de 9.886, 45 Euros, discriminado por período de imposto como se exibiu na parte final do ponto A.1.1 infringindo o disposto no artigo 27.º e 41.º do CIVA, infrações previstas e puníveis a título de contra ordenação nos termos do artigo 114.º do RGIT.”

W)          Subsequentemente, a Requerente foi notificada dos seguintes atos tributários:

i)             Liquidação de IVA n.º 2020..., datada de 06-01-2020, período de 2018-06, no montante de € 818,31, e respetiva demonstração de liquidação de juros moratórios (Documento n.º 2020...), no valor de € 55,92

ii)            Liquidação de IVA n.º 2020..., datada de 06-01-2020, período de 2018-07, no montante de € 1.111,05, e respetiva demonstração de liquidação de juros moratórios (Documento n.º 2020...), no valor de € 71,34;

iii)           Liquidação de IVA n.º 2020... datada de 06-01-2020, período de 2018-08, no montante de € 901,70, e respetiva demonstração de liquidação de juros moratórios (Documento n.º 2020...), no valor de € 54,30

iv)           Liquidação de IVA n.º 2020..., datada de 06-01-2020, período de 2018-09, no montante de € 1.272,43 e respetiva demonstração de liquidação de juros moratórios (Documento n.º 2020...), no valor de € 71,04;

v)            Liquidação de IVA n.º 2020..., datada de 07-01-2020, período de 2018-10, no montante de € 718,56 e respetiva demonstração de liquidação de juros moratórios (Documento n.º 2020...), no valor de € 37,44;

vi)           Liquidação de IVA n.º 2020..., datada de 07-01-2020, período de 2018-11, no montante de € 912,62 e respetiva demonstração de liquidação de juros moratórios (Documento n.º 2020...), no valor de € 43,91;

vii)          Liquidação de IVA n.º 2020..., datada de 07-01-2020, período de 2019-01, no montante de € 844,60 e respetiva demonstração de liquidação de juros moratórios (Documento n.º 2020...), no valor de € 33,94;

viii)         Liquidação de IVA n.º 2020..., datada de 07-01-2020, período de 2019-02, no montante de € 727,57 e respetiva demonstração de liquidação de juros moratórios (Documento n.º...), no valor de € 26,35;

ix)           Liquidação de IVA n.º 2020..., datada de 07-01-2020, período de 2019-03, no montante de € 1.106,09 e respetiva demonstração de liquidação de juros moratórios (Documento n.º 2020...), no valor de € 35,68;

x)            Liquidação de IVA n.º 2020..., datada de 08-01-2020, período de 2019-04, no montante de € 561,52;

xi)           Liquidação de IVA n.º 2020..., datada de 08-01-2020, período de 2019-05, no montante de € 912,02.

(vd., documento n.º 1 anexo ao pedido de pronuncia arbitral)

  

29. Factos dados como não provados

A Requerente alegou que “(…) procedeu ao pagamento das liquidações relativas a juros n.os 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020... e 2020..., no valor global de EUR 429,92.” (vd., n.º 4 do pedido de pronúncia arbitral) e que na sequência do indeferimento do pedido de suspensão do processo de execução fiscal apresentou “(…) pedido de pagamento em prestações do valor das Liquidações, com dispensa de garantia (por valor reduzido), o qual foi aceite pelo Serviço e Finanças Porto ....” (vd., n.º 5 do pedido de pronúncia arbitral). Só que a Requerente não apresentou documentos comprovativos destes factos.

No pedido de pronúncia arbitral, nas alegações e nos requerimentos que posteriormente apresentou, e que constam dos autos, a Requerente não apresentou documentos comprovativos do pagamento das liquidações. No Processo Administrativo, remetido pela AT e junto aos presentes autos, também não constam quaisquer provas do pagamento por parte da Requerente das liquidações ora impugnadas. Dos autos também não existe prova do alegado plano prestacional a que está sujeita a Requerente nem dos pagamentos realizados no cumprimento do referido plano.

Nestes termos, não se provou que a Requerente tenha procedido ao pagamento das liquidações impugnadas relativas a juros, conforme indicado no n.º 4 do pedido de pronúncia arbitral, nem que tenha efetuado pagamentos no âmbito de um alegado plano prestacional em curso, conforme alegado no n.º 5 do pedido de pronúncia arbitral.

Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

 

30. Fundamentação da matéria de facto

Relativamente à matéria de facto, atendendo ao disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e no artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada.

Assim, de acordo com o disposto no artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida tendo em conta as questões de Direito suscitadas.

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental, junta aos autos, e a prova testemunhal consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

No caso e para prova dos factos, foi tomado em conta, conjugado e analisado de forma crítica, os depoimentos prestados por B..., inspetor tributário, e C..., fisioterapeuta. Estes depoimentos foram globalmente considerados credíveis e revelaram conhecimento, designadamente técnico, no âmbito das respetivas atividades e no que respeita à matéria objeto dos presentes autos.

Na formação da convicção do Tribunal quanto à prova foram ainda relevantes o processo administrativo instrutor bem como os demais documentos juntos aos autos e que o Tribunal analisou criticamente em conjugação com as posições das partes espelhadas nos respetivos articulados, alegações e requerimentos.

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou, em qualquer caso, cuja apreciação seria inútil (vd., artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

31. Cumulação de pedidos

O presente pedido de pronúncia arbitral reporta-se a onze liquidações adicionais de IVA.

Face ao disposto nos artigos 3.º do RJAT e 104.º do CPPT e atendendo à identidade dos factos tributários, aos idênticos fundamentos de facto e de direito invocados, o tribunal considera que nada obsta à cumulação dos presentes pedidos.

IV. Matéria de Direito

32. Impõe-se começar por apreciar o pedido de suspensão da instância formulado pela Requerida (vd., n.º 21.1. supra) e sobre o qual a Requerente já se pronunciou (vd., n.º 22. supra).

                32.1. A Requerida, na Resposta, alega que está pendente no TJUE um pedido de reenvio prejudicial, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado sobre Funcionamento da União Europeia (TFUE), formulado no âmbito do processo n.º 504/2018-T, que correu os seus termos no CAAD. O pedido de reenvio prejudicial deu entrada no TJUE, em 31-07-2019, (processo C-581/19 – caso FrenetiKexito) com as seguintes questões:

“i) Nas hipóteses em que, como sucede nos autos, uma sociedade:

a)            se dedica, a título principal, a atividades de manutenção e bem estar físico e, a título secundário, a atividades de saúde humana, entre elas nutrição, consultas de nutrição e de avaliação física, bem como a realização de massagens;

b)           disponibiliza aos seus clientes planos que incluem apenas serviços de fitness e planos que incluem serviços de fitness e nutrição, deverá para efeito do disposto no artigo 2.º nº 1 al. C) da Diretiva 2006/112/CE,de 28/11, considerar-se que a atividade de saúde humana, designadamente nutrição é acessória da atividade de manutenção e bem-estar físico, devendo assim, ter a prestação acessória o mesmo tratamento fiscal da prestação principal ou deverá considerar-se, ao invés, que a atividade de saúde humana, designadamente nutrição e a atividade de manutenção e bem-estar físico são independentes e autónomas entre si, devendo ser-lhes aplicável o tratamento fiscal previsto para cada uma dessas atividades?

ii) A aplicação da isenção prevista no artigo 132º nº 1c) da Diretiva 2006/112/CE, de 28/11 pressupõe que os serviços aí consignados sejam efetivamente prestados ou a mera disponibilização dos mesmos, de forma a que a sua utilização esteja unicamente dependente da vontade do cliente, é suficiente para aplicação desta isenção?”

32.2. A AT conclui que o pedido de reenvio prejudicial, supra identificado, versa sobre uma questão manifestamente idêntica à do presente processo, e, em consequência, deve ser suspensa a instância nestes autos até ser proferida a decisão do TJUE no reenvio promovido.

32.3. Relativamente à competência do tribunal nacional em matéria de reenvio prejudicial, a jurisprudência do TJUE tem salientado a competência exclusiva do juiz nacional para decidir sobre a necessidade do pedido de reenvio prejudicial e sobre a pertinência das questões a submeter ao TJUE, nos seguintes termos:

“(…) há que recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, é da competência exclusiva do juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade da decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça” (Acordão do TJUE, de  6 de março de 2018, SEGRO e Horváth, C-52/16 e C-113/16, EU C:2018:157, n.º 42)

32.4. A este respeito o Tribunal Arbitral subscreve a posição adotada pela Decisão Arbitral n.º 87/2020, de 20 de novembro, quando afirma:

“A obrigatoriedade ou não de efectuar o reenvio prejudicial não resulta da vontade das Partes nem pode ser decidida de forma genérica, dependendo apenas do juízo que o Tribunal nacional que tem de proferir a decisão fizer sobre a sua necessidade para decidir os litígios, como tem sido repetidamente afirmado pelo TJUE: «Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça» (Acórdão de 10 de julho de 2018, Jehovan Todistajat, C-25/17, EU:C:2018:551, n.º 31 e jurisprudência referida; Acórdão de 6 de março de 2018, SEGRO e Horváth, C-52/16 e C-113/16, EU:C:2018:157, n.º 42; Acórdão de 02-10-2018 processo C-207/16, n.º 45; Acórdão de 28-11-2018, processo C-295/17, n.º 33). (negrito nosso).

Por isso, sendo exclusivamente este Tribunal Arbitral competente para decidir sobre a necessidade ou não de reenvio, é irrelevante que outros Tribunais possam ter entendido sobre a necessidade de reenvio prejudicial noutros processos, sobre outras questões.”

32.5. Tendo em conta o exposto, este Tribunal Arbitral é exclusivamente competente para decidir sobre a necessidade ou não do reenvio a título prejudicial e não está obrigado a suspender a instância só pelo fato de já estar pendente um pedido de reenvio noutro processo.

32.6. Em defesa da sua posição a AT refere o Acórdão do STA, de 14-03-2018, proferido no processo n.º 090/16. No referido Acórdão o STA afirma o seguinte: “Se o reenvio foi já efectuado no âmbito de um processo idêntico e se encontra pendente no TJUE, não se justifica novo reenvio, antes deve suspender-se a instância do presente processo até à decisão do mesmo [cfr. arts. 269.º, n.º 1, alínea c), e 272.º, n.º 1, do CPC].”.

Assim, o STA considera que se verifica a desnecessidade de efetuar um novo pedido de reenvio para o TJUE quando já se encontra pendente nesse tribunal um pedido sobre uma questão idêntica. Sucede, porém, que o juiz nacional, perante as condições do caso que está a julgar, não fica limitado na decisão sobre a verificação dos pressupostos para efetivar ou não o reenvio a título prejudicial. Só caso o juiz nacional considerar que existe fundamento para o pedido de reenvio prejudicial e verificar que se encontra pendente no TJUE um pedido, no âmbito de um processo idêntico, é que deve, tal como afirma o citado acórdão do STA, suspender a instância.

32.7. Cumpre sublinhar que o TJUE no ponto 12. das recomendações aos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01) , afirma que o reenvio prejudicial para o TJUE não deverá ocorrer quando: (i) já exista jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto); ou (ii) quando o modo correto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoca.

32.8. O Tribunal Arbitral, no presente caso, não considera que uma decisão sobre a interpretação das normas comunitárias seja necessária para proferir a sua decisão. Efetivamente, como se pode comprovar (vd., n.º 37 e 38 infra), a jurisprudência do TJUE esclarece, em termos que este Tribunal considera suficientes, as questões suscitadas nos presentes autos arbitrais e, em consequência, permite a este Tribunal decidir da interpretação correta do direito da União Europeia e a sua aplicação à matéria de facto provada.

32.9. Deste modo, afigura-se que a situação em análise, que já se encontra suficientemente tratada pela jurisprudência do TJUE, não suscita nenhuma dúvida fundada quanto à aplicação da norma comunitária ao caso concreto.

32.10. Nestes termos e pelo exposto, concluímos pela inexistência de fundamento para o pedido de suspensão da instância, requerida pela AT, fundada no reenvio prejudicial pendente no TJUE (processo C-581/19 – caso FrenetiKexito) que, por isso, é indeferido.

33. Resolvida a questão relativa ao pedido de suspensão da instância, constata-se que as principais questões nos presentes autos consistem em saber se os serviços de fisioterapia e de nutrição se enquadram ou não na isenção prevista no artigo 9.º, 1), do CIVA e se as prestações de serviços de fisioterapia e de nutrição, disponibilizadas pela Requerente, podem ser qualificadas ou não como acessórias em relação aos serviços de ginásio que a Requerente também disponibiliza aos seus sócios.

Por fim, cumpre analisar o pedido da Requerente de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

O árbitro do presente processo integrou o tribunal coletivo que proferiu a decisão arbitral no processo n.º 544/2019-T, de 23 de abril, sobre questão idêntica à apresentada nos presentes autos. A existência de idêntica questão de mérito num novo processo pode sempre originar a alteração da posição anteriormente adotada, porque do novo contraditório pode resultar um aprofundamento da análise e uma reponderação da matéria de direito.

Cumpre apreciar.

34. Primeiro, importa verificar se os serviços de fisioterapia e de nutrição estão enquadrados ou não na norma de isenção prevista no artigo 9.º, 1), do CIVA.

A norma do CIVA, supra referida, tem o seguinte teor:

 “Artigo 9.º

Isenções nas operações internas

Estão isentas do imposto:

1) As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas; (…)”

 

Esta norma constitui a transposição do artigo 132.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, publicada no JO L 347, de 11 de dezembro de 2006, que estabelece a disciplina do “sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado” na União Europeia (designada em seguida por “Diretiva IVA”).

O objetivo desta isenção, inserida no âmbito das isenções em benefício das atividades de interesse geral, é reduzir o custo dos cuidados de saúde contribuindo para melhorar a proteção no acesso à saúde. Este objetivo foi reconhecido pelo TJUE, nomeadamente nos acórdãos nos casos Dornier, C-45/01, de 6 de novembro de 2003, e Kügler, C-141/00, de 10 de setembro de 2002.

35. Atendendo à factualidade provada nos presentes autos arbitrais (vd. alíneas G), H), I), K), L), M), N) O) e P) do n.º 28 supra) importa indagar se a fisioterapia e a nutrição estão incluídas no conceito de “outras profissões paramédicas” do 1) do artigo 9.º do CIVA.

 

35.1. As atividades paramédicas “compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação”, nos termos do disposto no artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 261/93, de 24 de julho.

Nessas atividades está incluída, segundo o disposto no artigo 1.º, n.º 3, do referido diploma e no n.º 7 da sua Lista anexa, a fisioterapia, que é definida nos seguintes termos:

“Centra-se na análise e avaliação do movimento e da postura, baseadas na estrutura e função do corpo, utilizando modalidades educativas e terapêuticas específicas, com base, essencialmente, no movimento, nas terapias manipulativas e em meios físicos e naturais, com a finalidade de promoção da saúde e prevenção da doença, da deficiência, de incapacidade e da inadaptação e de tratar, habilitar ou reabilitar indivíduos com disfunções de natureza física, mental, de desenvolvimento ou outras, incluindo a dor, com o objectivo de os ajudar a atingir a máxima funcionalidade e qualidade de vida.”

O Decreto-lei n.º 320/99, de 11 de agosto , define, no artigo 1.º, os princípios gerais em matéria do exercício das profissões de diagnóstico e terapêutica. De acordo com o disposto no artigo 2.º, n.º 1, a profissão de fisioterapeuta está incluída como profissão de diagnóstico e terapêutica e exige para o acesso ao seu exercício a detenção de curso que se enquadre na previsão do n.º 1 do artigo 4.º, ou a verificação de uma situação prevista nos números 2 e 3 do mesmo artigo. Para além disso, nos termos do artigo 5.º o exercício desta profissão fica dependente de título profissional, sendo que “O reconhecimento do título profissional é feito através da emissão de uma cédula, conforme modelo a aprovar por despacho do Ministro da Saúde.” .

Pelo exposto, a fisioterapia é legalmente considerada uma atividade paramédica. Assim, a prestação de serviços de fisioterapia, nomeadamente consultas presenciais, enquadra-se no âmbito da prestação de serviços paramédicos e, em consequência, é subsumível à norma de isenção do artigo 9.º, 1), do CIVA.

35.2. Nas atividades paramédicas está incluída também, segundo o disposto no artigo 1.º, n.º 3, do Decreto-lei n.º 261/93, de 24 de julho, e n.º 5 da sua Lista anexa, a dietética, que é definida como:

 “ aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares.”.

A profissão de dietista está incluída no âmbito das profissões de diagnóstico e terapêutica, segundo o disposto no Decreto-lei n.º 320/99, de 11 de agosto.

O exercício da profissão denominada de “dietista” ou “nutricionista” está dependente de título profissional atribuído pela Ordem dos Nutricionistas, que foi criada pela Lei n.º 51/2010, de 14 de dezembro, e sujeita a regras técnicas e deontológicas.

A Ordem dos Nutricionistas define o nutricionista como o profissional de saúde “(…) que dirige a sua ação para a salvaguarda da saúde humana através da promoção da saúde, prevenção e tratamento da doença pela avaliação, diagnóstico, prescrição e intervenção alimentar e nutricional a pessoas, grupos, organizações e comunidades, bem como o planeamento, implementação e gestão da comunicação, segurança e sustentabilidade alimentar, através de uma prática profissional cientificamente comprovada e em constante aperfeiçoamento. Incorpora ainda as atividades técnico-científicas de ensino, formação, educação e organização para a promoção da saúde e prevenção da doença através da alimentação.” (cf. http://www.ordemdosnutricionistas.pt/ver.php?cod=0A0D).

Conforme resulta do exposto, os serviços de nutrição, exercidos por nutricionistas, estão inseridos na prestação de cuidados de saúde na área da alimentação humana com o objetivo de prevenir e tratar as doenças associadas a hábitos alimentares incorretos.

Pelo exposto, a nutrição é legalmente considerada uma atividade paramédica. Assim, a prestação de serviços de aconselhamento nutricional, nomeadamente consultas presenciais, enquadra-se no âmbito da prestação de serviços paramédicos e, em consequência, é subsumível à norma de isenção do artigo 9.º, 1), do CIVA.

36. Conforme resulta do exposto (vd., 35.1. e 35.2. supra), tanto os serviços de fisioterapia como os de nutrição, exercidos respetivamente por fisioterapeutas e nutricionistas legalmente habilitados, estão inseridos na prestação de cuidados de saúde enquadrando-se no âmbito da prestação de serviços paramédicos e, em consequência, sendo subsumíveis à norma de isenção do artigo 9.º, 1), do CIVA.

37. Sobre as condições para a aplicação da norma de isenção de IVA acima referida o presente Tribunal Arbitral subscreve a posição expressa na Decisão Arbitral, de 14 de julho de 2019, proferida no processo n.º 373/2018-T, desenvolvida nos seguintes termos:

“As isenções de IVA são delimitadas por conceitos autónomos do direito europeu que têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado-Membro para outro. No que respeita à isenção em análise, aplicável aos serviços efetuados no exercício de profissões paramédicas, importa considerar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça estes têm de se configurar como serviços de assistência com uma finalidade terapêutica, i.e. de “diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde”–Acórdãos Ygeia, C-394/04, de 1 de dezembro de 2005; Dornier, C-45/01; Kugler, C-141/00;e D. e W., C-384/98, de 14 de setembro de 2000.

O Tribunal de Justiça esclarece ainda que a finalidade terapêutica não tem de ser compreendida numa aceção particularmente restrita, considerando que as prestações efetuadas para fins de prevenção, que visem proteger a saúde humana, também são abrangidas.

Com efeito, mesmo nos casos em que as pessoas sejam objeto de exames ou de outras intervenções médicas e paramédicas de carácter preventivo e não sofram de qualquer doença ou anomalia de saúde, a inclusão das referidas prestações nos conceitos de assistência é conforme ao objetivo de redução do custo dos cuidados de saúde subjacente à isenção do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA. “Portanto, as prestações médicas efetuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas beneficiam da isenção” – Acórdãos L.u.P., C-106/05, de 8 de agosto de 2006; Unterpertinger, C-212/01, de 20 de novembro de 2003; D’Ambrumenil, C-307/01, de 20 de novembro de 2003; e Comissão/França, C-76/99, de 11 de janeiro de 2001. (realce nosso)

Relativamente à forma jurídica do sujeito passivo que fornece as prestações médicas ou paramédicas previstas na isenção de IVA, que no caso em apreciação é uma sociedade comercial, o Tribunal de Justiça também clarificou que a isenção não se limita às pessoas singulares, pois tal restrição não resulta do elemento gramatical e contraria o objetivo da isenção que é justificado pela necessidade de reduzir as despesas médicas e de favorecer o acesso à proteção da saúde, para além de que não se coordena ao princípio da neutralidade fiscal que postula idêntico tratamento para as pessoas singulares e para as pessoas coletivas. Segundo o Tribunal de Justiça, “basta que sejam preenchidas duas condições, a saber, que se trate de prestações médicas e que estas sejam fornecidas por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.” – Acórdão Kugler, C-141/00.

(…)

Relativamente ao facto de nem sempre esses serviços serem efetivamente utilizados pelos clientes subscritores, tal não significa a descaracterização dos mesmos e a consequente perda do regime de isenção. Conforme assinalado por CLOTILDE CELORICO PALMA no parecer supra citado “[a] partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e faturado, deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente de o utente não vir a frequentar alguma consulta (à semelhança do que se verifica, por exemplo, em relação aos serviços de prática de atividades físicas).”

Aliás, a questão que se poderia colocar a este propósito não seria a de tais serviços passarem a ser tributados em IVA, por não terem sido utilizados, mas, ao invés, a de não serem sequer sujeitos a imposto, porque precisamente não foram prestados (com a eventual restituição da remuneração paga pelos clientes). Em qualquer caso, esta última hipótese não procede, porque o serviço em causa consiste na disponibilização das consultas, pelo que se considera prestado com essa disponibilização, tal como sucede, entre outros, com os serviços de ginásio, telecomunicações ou de transporte aéreo.

Neste sentido, se pronunciou o Tribunal de Justiça, designadamente nos casos Air France-KLM, C-250/14, de 23 de dezembro de 2015, e MEO, C-295/17, de 22 de novembro de 2018. Segundo o tribunal europeu, com a assinatura do contrato de prestação de serviços o cliente adquire o direito de beneficiar do “cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, independentemente de o cliente exercer esse direito. Assim, o prestador de serviços efetua essa prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, pelo que a existência do supramencionado nexo direto não é afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do referido direito”.

Conclui-se, desta forma, que o facto de os clientes por vezes não usufruírem dos serviços contratados não implica que se considere que a prestação de serviços não foi realizada pelo prestador e/ou que a qualificação desses serviços e respetivo regime de IVA sofram modificações.”

Atendendo ao exposto verifica-se, no presente caso, que estão reunidas as condições para a aplicação da norma de isenção do artigo 9.º, 1), do CIVA relativamente às consultas de fisioterapia e de nutrição disponibilizadas pela Requerente.

38. O caráter acessório dos serviços de nutrição, defendido pela AT nos presentes autos, acarreta como consequência o seu enquadramento na prestação principal, ou seja, nos serviços de ginásio deixando de estar abrangidos pela isenção de IVA.

Os critérios de determinação do caráter acessório de uma operação relativamente a outra dita “conexa” têm sido desenvolvidos pelo TJUE. A este propósito a citada Decisão Arbitral, identificada no n.º anterior, afirma, de forma pertinente, o seguinte:

“O princípio geral que constitui o ponto de partida é o de que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente, como, a título de exemplo, assinalam os Acórdãos Levob Verzekeringen, C-41/04, de 27 de outubro de 2005, e CPP, C-349/96, de 25 de fevereiro de 1999.

O regime-regra pode, porém, ser afastado e uma prestação ser considerada acessória em relação a uma prestação principal e partilhar do regime (de IVA) desta, “quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador” – Acórdãos CPP, C-349/96, e Madgett e Baldwin, C-308/96 e C-94/97, de 22 de outubro de 1998. Em determinadas circunstâncias, “várias prestações formalmente distintas, suscetíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes” – Acórdão Part Service, C-425/06, de 21 de fevereiro de 2008. (realce nosso)

Para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa.

Contudo, não existe uma regra absoluta para determinar o alcance de uma prestação para efeitos de IVA, sendo, para tal, necessário tomar em consideração todas as circunstâncias em que a operação em questão se desenrola – Acórdãos BGŻ Leasing, C-224/11, de 17 de janeiro de 2013, Field Fisher Waterhouse, C-392/11, de 27 de setembro de 2012, e demais jurisprudência acima citada.

O Tribunal de Justiça apela ao padrão do “consumidor médio” como ponto de vista a partir do qual se pode concluir estarmos perante uma prestação única.

Segundo este Tribunal atenta a “dupla circunstância de que, por um lado, do artigo 2.°, n.º 1, da Sexta Diretiva [artigo 2.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva IVA] decorre que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente e que, por outro, a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA, importa assim, em primeiro lugar, procurar encontrar os elementos característicos da operação em causa para determinar se o sujeito passivo fornece ao consumidor, entendido como um consumidor médio, diversas prestações principais distintas ou uma prestação única […]. O mesmo se passa quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao consumidor, entendido como consumidor médio, estão tão estreitamente conexionados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial – Levob Verzekeringen, C-41/94. No mesmo sentido, veja-se o caso Aktiebolaget NN, C-111/05, de 29 de março de 20074. (realce nosso)

A realização, a título oneroso, de uma prestação que não é indispensável para atingir o objetivo visado pela prestação “principal”, se bem que possa ser considerada muito útil para essa prestação, não será considerada uma prestação estreitamente conexa, conforme preconiza o Tribunal de Justiça no caso Ygeia, C-394/04, de 1 de dezembro de 2005.

Acresce que se o cliente tiver a faculdade de escolher os seus prestadores e/ou as modalidades de utilização dos bens ou serviços em causa, as prestações relacionadas com estes bens ou serviços podem, em princípio, ser consideradas distintas da operação dita “principal” – Acórdão Wojskowa Agencja Mieszkaniowa, C-42/14, de 16 de abril de 2015.”

Conforme resulta da matéria de fato provada a Requerente presta nas suas instalações serviços de ginásio e disponibiliza também serviços de fisioterapia e de nutrição aos sócios.

Só que os serviços de ginásio, de fisioterapia e de nutrição são perfeitamente autonomizáveis e existem independentemente uns dos outros. Tanto as consultas de fisioterapia como as consultas de nutrição têm objetivos próprios e seguem metodologias específicas não dependendo necessariamente da utilização e da prática de atividade no ginásio. Aliás, resulta dos autos que esporadicamente os serviços de fisioterapia foram prestados por uma fisioterapeuta a utentes, não sócios da Requerente, que procuraram apenas os seus serviços de fisioterapeuta (vd., alínea O) do n.º 28 supra).

Pelas razões já aduzidas, a conjugação dos diversos serviços apresenta-se complementar e não acessória.

39. De acordo com o exposto, este Tribunal considera que a prestação de serviços de fisioterapia e de nutrição pela Requerente é autonomizável da prestação de serviços de ginástica integrante da atividade da Requerente.

Em conclusão, não se verifica a acessoriedade das consultas de fisioterapia e das consultas de nutrição prestadas pela Requerente relativamente aos serviços de utilização de ginásio e, desta forma, encontram-se reunidos, no presente caso, os requisitos suficientes a aplicação da isenção de IVA, prevista no artigo 9.º, 1), do CIVA, de acordo com o preconizado pela jurisprudência do TJUE.

Nestes termos, este Tribunal considera que é aplicável às consultas de fisioterapia e de nutrição a isenção prevista no artigo 9.º, 1), do CIVA, enfermando os atos tributários impugnados de erro de pressupostos de facto e de direito, pelo que devem ser anulados.

40. Cabe agora analisar o pedido da Requerente de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

O artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

De igual modo, estipula o artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi a alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que a “… administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT não cabendo recurso ou impugnação da decisão arbitral, a mesma vincula a AT, devendo esta “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

Acresce que segundo o disposto no artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, nos processos arbitrais “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e do Processo Tributário”.

Atendendo ao enquadramento legal vigente, em sede de processo arbitral a procedência do pedido anulatório implica a restituição da quantia paga indevidamente e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade dos atos de liquidação é imputável à AT, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal, só que nos presentes autos não consta prova de que a Requerente tenha efetuado o pagamento das quantias liquidadas (vd., n.º 29 supra).

Nestes termos, não pode proceder o pedido de pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, sem prejuízo de esse direito poder vir a ser apreciado em execução de julgado, se for caso disso.

V - Decisão

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            Indeferir o requerimento da Autoridade Tributária e Aduaneira para a suspensão da instância fundada em pedido de reenvio prejudicial pendente no TJUE;

b)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular os atos de liquidação adicional de IVA com os n.ºs 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020... e os respetivos de juros compensatórios com os n.ºs 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020...;

c)            Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios;

d)           Condenar a Requerida nas custas do processo no montante abaixo indicado (vd.,VII infra.).

VI - Valor do Processo

Atendendo ao disposto nos artigos 32.º do CPTA, 306.º, n.º 2, do Código do Processo Civil e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se o valor do processo em €10.316,39 (dez mil trezentos e dezasseis euros e trinta e nove cêntimos).

VII - Custas

O montante das custas é fixado em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a cargo da Requerida nos termos da Tabela I do RCPAT, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do RCPAT,

Notifique-se.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 1 de março de 2021

 

O Árbitro

(Olívio Mota Amador)