Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 68/2012-T
Data da decisão: 2015-06-14  IVA  
Valor do pedido: € 114.634,37
Tema: Cessão de Posição Contratual do Contrato de Locação Financeira
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Decisão Arbitral

 

I – RELATÓRIO

 

  1. A…, (Requerente), contribuinte fiscal n.º …, com domicílio na Avenida da …, n.º …, Lote …, …, … – … …, requereu a constituição de Tribunal arbitral em 16 de abril 2012 (cfr. DOC. n.º 5 do PA[1]), ao abrigo do disposto no artigo 10º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 janeiro, doravante designado “RJAT”, e dos artigos 1º e 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, com vista à declaração de ilegalidade das liquidações adicionais n.º … e …, referentes, respetivamente, ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), no montante de €[2] 99.879,56 (noventa nove mil oitocentos e setenta nove euros e cinquenta e seis cêntimos) e respetivos juros compensatórios no montante de € 14.754,81 (catorze mil setecentos e cinquenta e quatro euros e oitenta e um cêntimos), totalizando € 114.634,37 (cento e catorze mil seiscentos trinta e quatro mil euros e trinta sete cêntimos), do ano de 2005 e ao período mensal de dezembro, notificadas à devedora originária B…, Lda (B), com o número de identificação fiscal …, e entretanto revertidas contra si a título de responsabilidade subsidiária ao abrigo do estatuído no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da Lei Geral Tributária (LGT), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “AT”), cfr. documentos anexos à citação que corresponde ao DOC. n.º 1 anexo à petição inicial. O total da divida exequenda controvertida ascende a € 114.634,37.
  2. A referida dívida exequenda de € 114.634,37 foi apurada em sede de procedimento inspetivo realizado no último trimestre de 2009, dirigido à B… em sede de IVA, relativamente ao ano de 2005 e ao período mensal de dezembro e, entretanto, revertida contra o Requerente. 
  3. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos da al. a) do n.º 2, do artigo 6.º do Decreto - Lei n.º 10 /2011, de 20 de janeiro, o Conselho Deontológico da CAAD designou o coletivo de Árbitros para julgar o presente processo, composto pelo Senhor Conselheiro Benjamim da Silva Rodrigues, na qualidade de Árbitro Presidente, Dr. José Coutinho Pires e Dr. Júlio Tormenta, na qualidade de Árbitros Adjuntos.
  4. Os Árbitros aceitaram a designação efetuada, tendo o Tribunal arbitral sido constituído em 15 de junho de 2012, na sede do CAAD (cfr. ata de constituição do Tribunal arbitral).
  5. Na sessão de constituição do Tribunal arbitral o Árbitro Presidente convidou o representante do Requerente a fazer uma síntese oral dos factos e fundamentos de direito em que se consubstancia a causa de pedir, para mero conhecimento imediato por parte dos membros do Tribunal, o que veio a acontecer.
  6. Na sessão de constituição do Tribunal arbitral foi a entidade Requerida notificada para apresentar, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 17.º do RJAT, a sua Resposta tendo, no prazo legal, procedido à sua junção, instruída com o Processo Administrativo (PA) e respetivos anexos.  

 

  1. Para fundamentar o seu pedido o Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

7.1. O pedido de pronúncia arbitral tem por finalidade a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IVA e de juros compensatórios que ascendem a € 114.634,37 (cento catorze mil seiscentos trinta e quatro mil euros e trinta sete cêntimos) que estão a suportar a reversão operada contra o Requerente (cfr. DOC. n.º 1 da petição inicial e artigo 2.º da petição inicial). O montante de € 114.634,37 resultou de um procedimento inspetivo que decorreu no último trimestre de 2009, dirigido à B…, em sede de IVA respeitante ao período de tributação de 1 de dezembro de 2005 a 31 de dezembro de 2005, tendo a AT efetuado liquidações adicionais à B… para efeitos de IVA e juros compensatórios com os n.ºs … e … referentes, respetivamente, ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) no montante de € 99.879,56 (noventa nove mil oitocentos e setenta nove euros e cinquenta e seis cêntimos) e respetivos Juros Compensatórios no montante de € 14.754,81 (catorze mil setecentos e cinquenta e quatro euros e oitenta e um cêntimos), totalizando € 114.634,37 (cento catorze mil seiscentos trinta e quatro mil euros e trinta sete cêntimos).

7.2. A reversão operada na pessoa do Requerente a título de responsabilidade subsidiária teve por base a falta de pagamento de IVA por parte da B… como executada, sendo por isso a devedora originária (cfr. artigos 4.º e 5.º da petição inicial).

7.3. A B… integrava o universo do Grupo C…, assim como a D… foi incorporada na sua totalidade na sociedade E…, S. A. (E…, com o número de identificação fiscal …, através de uma operação de fusão por incorporação ao abrigo da alínea a) do n.º 4 do artigo 97.º do Código das Sociedades Comerciais, com efeitos a 22 de dezembro de 2006 (cfr. DOC. n.º 2 fls. 6 anexo à petição inicial). Por esse facto, todos os direitos e obrigações da B… foram transferidos para a E.... Assim, à data das liquidações efetuadas por parte da AT decorrentes do procedimento inspetivo levada a cabo em 2009, a B... já não existia juridicamente, pelo que jamais poderia assumir a qualidade de executada e devedora originária (cfr. artigo 8.º da petição inicial). Decorre daqui, conforme alega, que todos os atos de liquidação notificados à B... estão viciados de ineficácia, assim como os atos de liquidação que se reverteram contra o Requerente (cfr. artigo 9.º da petição inicial).

7.4. Devido à falta de pagamento de imposto por parte da B... foi desencadeado o respetivo processo executivo, tendo a AT apurado, na esfera da B..., a inexistência ou insuficiência de bens suscetíveis de penhora [“Da tramitação constante do processo de execução fiscal n.º … 2010 … e … 2011 …, verifica-se que a devedora principal “B... –; LDA;NIPC …”não possui bens que garantam o pagamento de dívida e acrescido, nomeadamente (…) Fundamenta a presente afirmação, as diligências de penhora efetuadas e documentadas no referido processo de execução fiscal. Consequentemente, verifica-se a inexistência do património da executada para solver a dívida, ao abrigo do art.º 153.º,n.º 2 do CPPT ”] (cfr. artigo 12.º da petição inicial).

7.5. Pelo facto de a B... se ter incorporado na E... era expectável que as diligências efetuadas pela AT conduzissem à constatação de falta de património societário adequado a solver a dívida tributária e quem deveria responder pela dívida tributária a título de devedor originário deveria ser a E... e não a B..., porque esta não existia juridicamente à data das liquidações adicionais. Assim, todas as diligências constantes nos autos que tentam demonstrar falta de património a nível da B... deveriam ter sido efetuadas na esfera jurídica da E... sob pena de violação do princípio de excussão prévia, não obstante a E... ter entrado em situação de insolvência (cfr. artigos 13.º e 14.º da petição inicial).

7.6. Operou-se a reversão da execução da dívida da B... na pessoa do Requerente a título de responsabilidade subsidiária (cfr. DOC. n.º 1 anexo à petição inicial e artigo 17.º da mesma, e com a qual não concorda). O Requerente exerceu a gerência de facto e de direito da sociedade B... até à data de incorporação da mesma na E... e à data do facto gerador de imposto que deram origem às liquidações adicionais (cfr. artigo17.º a 21.º da petição inicial). Também é referido pelo Requerente que: [“…mas já quanto ao momento da notificação para pagamento do imposto entretanto revertido, deve dizer-se, in limine, que, atendendo a que o prazo para pagamento voluntário terminou em 31.1.2010, há muito que aquele havia deixado a administração da E... (o que, como dito, ocorreu em 24.3.2008), o que obstava a que se pudesse efetivar a reversão ao abrigo da alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT, aliás, tal como parece continuar a almejar a Fazenda.] (cfr. artigo 21.º da petição inicial).

7.7. Exerceu o direito de audição em sede de reversão do responsável subsidiário (cfr. DOC. n.º 4 anexo à petição inicial), tendo a AT mantido a sua decisão de concretizar a reversão da dívida fiscal contra o Requerente e, por isso, se viu citado no processo executivo intentado pela Requerida (cfr. artigo 25.º e 26.º da petição inicial). Assim, pelo facto de não haver lugar à exigibilidade da dívida tributária e de preterição de formalidade essencial, intentou uma ação judicial através da oposição à execução (cfr. artigo 27.º da petição inicial e fls. 177.º a 225.º do PA).

7.8. A B... celebrou, em 19 de setembro de 2001, com o F… um contrato de locação financeira, contrato n.º …, que tinha por objeto uma embarcação ... modelo … (cfr. referido pela B... no exercício de audição prévia ao Projeto de Correções relativo ao ano de 2005 e ao período mensal de dezembro, cfr. artigo 33.º da petição inicial e DOC. n.º 6 Anexos 1e 2 anexos à petição inicial, assim como fls. 177/192 Anexo ao PA referentes ao ponto II 3 DOS FACTOS em sede de direito de audição por parte da B... relativo ao Projeto de Correções por parte da AT).

7.9. A B..., antes de ser incorporada na E..., faturou à sociedade G…[3] a cessão duma embarcação pelo valor da € 518.754,69 acrescido de IVA à taxa vigente à data de 21%, no montante de € 108.938,48 totalizando € 627.693,17 (cfr DOC. n.º 5 anexo à petição inicial - fatura n.º 1283 de 30 de novembro de 2005, e artigo 31.º da petição inicial). O diferencial de € 5.695, 89 será o valor que corresponde aos juros compensatórios liquidados pela AT. Assim, a liquidação que está a suportar a reversão contra o Requerente respeita ao IVA e juros compensatórios conexos com a cessão de posição contratual da referida embarcação. Mais afirma o Requerente que o IVA relativamente à cessão da posição contratual terá sido liquidado oficiosamente na sequência do procedimento inspetivo dirigido à B... que não foi dado a conhecer pela AT ao Requerente, incumprindo com o estatuído no n.º 4 do artigo 22.º do LGT no que diz respeito à obrigatoriedade de apresentação dos elementos essenciais das liquidações revertidas incluindo a sua fundamentação e por isso a liquidação objeto de pronúncia arbitral enferma do vício de falta de fundamentação (cfr. artigo 31.º da petição inicial).

7.10. O valor constante do DOC. n.º 5 anexo à petição inicial (fatura n.º 1283 de 30 de novembro de 2005) referente à cessão da embarcação e que na mesma corresponde ao item “IATE” corresponde ao montante das rendas vencidas pagas pela locatária (B...) ao locador (F…) (cfr. artigo 32.º da petição inicial).

7.11. A cessão da posição contratual da B..., como locatária, do contrato de locação financeira mobiliária celebrado com o F… referente à embarcação operou-se a favor da G… (cfr. Contrato de Cessão de Posição Contratual do Contrato de Locação Financeira n.º ... celebrado entre a B... (cedente), G... (cessionário) e o F…, datado de 7 de dezembro de 2005; DOC. n.º 6 Anexo 1 anexo à petição inicial).

7.12. Por força do Contrato de Cessão da Posição Contratual acima mencionado, a G... passou a assumir a responsabilidade pelo pagamento das rendas vincendas assim como o respetivo valor residual caso exerça a opção de compra, tendo sido acordado que a G... não pagaria qualquer indemnização à B... pela cessão da posição contratual, conforme o estabelecido na cláusula 3 do referido Contrato de Cessão de Posição Contratual.

7.13. Como consequência do cumprimento de vínculo contratual autónomo (meramente verbal), a G... aceitou pagar à B... o montante das rendas vencidas, consubstanciando-se nesse novo vínculo a contrapartida da cessão, sujeitando o montante correspondente a IVA que foi liquidado e entregue nos cofres do Estado (cfr. artigo 35.º da petição inicial).

7.14.  Em termos de IVA, só haverá tributação da cessão da posição contratual se o cedente for compensado (por via da perceção de uma qualquer contrapartida) ou indemnizado pela transmissibilidade da sua posição contratual, conforme é defendido pela Direção de Serviços de IVA, quer pelo próprio Requerente quer pelo TJCE (Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias), o que no caso controvertido da cessão de posição contratual relativa à embarcação, isso não aconteceu, conforme cláusula 3 do Contrato de Cessão de Posição Contratual do Contrato de Locação Financeira n.º … celebrado entre a B... (cedente), G... (cessionário) e F… datado de 7 de dezembro de 2005 correspondente ao DOC, n.º 6 Anexo 1 anexo à petição inicial (cfr. artigo 114.º da petição inicial).

7.15. Relativamente à cessão da posição contratual da B... à G...  referente ao Contrato de Locação Financeira n.º … de 7 de dezembro de 2005, foi pactuada a gratuitidade da mesma havendo num segundo momento um vínculo contratual autónomo ao abrigo do qual a B... faturou a G... (fatura n.º 1283 – DOC. n.º 5 anexo à petição inicial) pelo montante das rendas já vencidas e pagas pela B... ao F… ao abrigo do Contrato de Locação Financeira n.º … de 7 de dezembro de 2005 no montante total de € 627.693,17 correspondentes a uma base tributável de € 518.754,69 acrescida do IVA correspondente à taxa de 21% de € 108.938,48. O montante de IVA liquidado pela B... à G... foi entregue nos cofres do Estado conforme se pode inferir da leitura do DOC. n.º 7 anexo à petição inicial que tem no seu campo 3 (base tributável) o montante de € 711.571,09 e no campo 4 (Imposto a favor do Estado) o valor de € 149.429,93 e que corresponde exatamente ao valor das operações normais daquele período de tributação acrescido da liquidação do IVA associado à cessão e que está inscrito na fatura 1283. Assim, a cessão gratuita no âmbito contratual de uma locação financeira mobiliária que tem por objeto uma embarcação, entre cedente (B...), cessionário (G...) e locador (F…) passou de gratuita a onerosa (cfr. artigo 116.º da petição inicial).

7.16. Caso proceda a liquidação que a AT se propõe realizar na pessoa do Requerente, a mesma enfermará do vício de duplicação de coleta e por isso a liquidação será ilegal. O mesmo facto gerador (cessão da posição contratual) não pode estar sujeito a tributação no âmbito do relacionamento contratual que faz modificar subjetivamente, i.e., substituição de locatários, a relação de locação financeira, e, depois novamente, haja tributação pelo mesmo facto gerador no âmbito do relacionamento entre cedente e cessionário, em que ambos acordam dar configuração onerosa à cessão de posição contratual operada, ao abrigo do qual, o cessionário (G...) resolve compensar, por um montante igual às rendas vencidas e já pagas pelo cedente (B...) ao locador (F...) (cfr. artigo 117.º da petição inicial).

7.17. Relativamente à cedência da posição contratual da B..., como titular de um “Contrato de Cedência Temporária de Direito Exclusivo de Utilização do Posto de Acostagem n.º …” sito na … chamado …, celebrado com a I…, a favor da G..., a mesma estaria isenta por força do artigo 32.º do artigo 9.º do CIVA e de Jurisprudência da União Europeia em sede de IVA com o fundamento de (que) uma vez que nas rendas previamente debitadas pela I… à B... em que foi liquidado IVA, esta (B...) nunca deduziu o mesmo (cfr. artigo 136.º da petição inicial).

7.18. O Requerente juntou 7 documentos e procuração forense.

 

  1. Em 2 de julho de 2012, a Requerida, notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta à petição inicial do Requerente na qual impugna especificadamente os argumentos aduzidos, alegando o seguinte:

8.1. O Requerente solicita ao Tribunal arbitral que se pronuncie sobre a legalidade do ato de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios respeitantes ao mês de dezembro do ano de 2005, no montante total de € 114.634,37, revertida contra si na qualidade de responsável subsidiário, enquanto gerente da devedora originária, a empresa B... (cfr. artigo 1.º da Resposta).

8.2. Que, segundo o Requerente o imposto revertido em sede de execução fiscal foi liquidado e pago pela B... e por isso a liquidação de imposto em sede de IVA e dos correspondentes juros compensatórios referente ao exercício fiscal de 2005 correspondente ao período de dezembro é ilegal por vício de duplicação de coleta (cfr. artigo 2.º da Resposta).

8.3. A devedora originária do imposto, B..., cessou a sua atividade para efeitos de IVA e IRC em 22 de dezembro de 2006 devido a uma operação de fusão ocorrida no ano de 2006 (cfr. artigo 4.º da Resposta).

8.4. A B... celebrou dois contratos de cessão de posições contratuais com a sociedade G... que deram origem às liquidações de impostos controvertidas nos presentes autos. Os dois contratos de cessão de posição contratual diziam respeito a:

8.4.1. um de locação financeira com o n.º … celebrado em 19 de setembro de 2001 com o F… que tinha por objeto uma embarcação de recreio ... modelo … (cfr. artigo 18.º da Resposta).

8.4.2.  outro relativo ao direito de utilização exclusiva de um posto de acostagem na … (cfr. artigo 19.º da Resposta).

8.5. O contrato de cedência de posição contratual da embarcação foi celebrado em 7 de dezembro de 2005 (cfr. fls. 5 e 6 dos Anexos ao PA) sendo à data do fato o Requerente gerente da B... e G... (cfr. artigo 21.º da Resposta).

8.6. A cessão de posição contratual da embarcação não foi efetuada a título gratuito, apesar de na cláusula 3 do referido contrato de cessão estar estipulado a gratuitidade, “… pois face aos elementos contabilísticos e no que é a sua interpretação uniforme e seguida em todas situações idênticas, que o mesmo tinha natureza onerosa, considerando ser € 434.630,70 o valor tributável sobre o qual incide o IVA à taxa de 21% no montante de € 91.272,45 (cfr. fls. 12 do Anexo ao PA;. artigos 22, 24 e 25 da Resposta).

8.7. O valor de € 434.630,70 foi obtido na contabilidade da G... (cfr. fls. 4 do Anexo do PA), apesar de o Requerente afirmar na petição inicial que a referida cessão de posição contratual da embarcação ser formalmente gratuita e em momento posterior acordarem verbalmente o pagamento de € 518.754,69 acrescido de IVA no montante de € 108.938,48 que considera ter sido liquidado e pago à Fazenda por parte da B... (cfr. artigo 27 da Resposta).

8.8. A Requerida refere que “… apesar de o iate constar das contabilidades de G… – … Lda, no valor supra referido de 434,634,70 €, aparece nos documentos da B... –, Lda, contabilizado pela importância de 518.754,69 € (fatura e recibo 1283 da B...-, Lda, junto pelo A.”(cfr. artigo 28.º da Resposta).

8.9. Relativamente à cedência de posição contratual da B... no contrato de cedência temporária do direito exclusivo de utilização de um posto de acostagem de embarcação na … datado de 2005, estipula-se na cláusula 1.ª o valor da cedência de € 125.000,00 sobre o qual incide IVA à taxa correspondente de 21% na importância de € de 26.250,00, o mesmo não tinha sido pago pela B... encontrando-se assim em dívida (cfr. artigo 28.º da Resposta), pelo que a totalidade do imposto relativo à cedência de posição contratual da embarcação e do posto de amarração na …, considerado em falta pelos Serviços de Inspeção Tributária, é de € 117.522,45 (cfr. fls. 2, 12,42,48,49,85,87 e 106 dos Anexos do PA; artigo 31.º da Resposta).

8.10. Como consequência de um procedimento inspetivo à G... e da análise à sua contabilidade, a AT verificou a existência de cedência de posições contratuais da B... à G... relativamente a um contrato de locação financeira que tinha por objeto uma embarcação ... modelo … no montante de € 434.630,70, e a um contrato de cedência temporária do direito exclusivo de utilização de um posto de acostagem de embarcação na … no valor de € 125.000, sem que tivesse havido liquidação de IVA no montante total de € 117.522,45 por parte da B... à G... e entrega do mesmo nos cofres do Estado, determinando-se por isso a abertura de um procedimento inspetivo à B... (cfr. fls. 2 a 23 dos Anexos ao PA; artigo 33.º da Resposta).

8.11. Decorrente do procedimento inspetivo à B..., a mesma foi chamada a pronunciar-se para efeitos de audição prévia (cfr. fls. 57 a 63 dos Anexos ao PA; artigo 34.º da Resposta).

8.12. A B... exerceu o seu direito, mantendo a AT a sua decisão de liquidar o imposto em falta à B..., tendo esta sido notificada (cfr. fls, 83 a 87, e 94 a 108 dos Anexos ao PA) e dando origem paralelamente a um processo de contra-ordenação fiscal por falta de entrega da prestação tributária (cfr. fls 88 a 92 dos Anexos ao PA; artigos 35.º e 36.º da Resposta).

8.13. Foi instaurado um processo de execução fiscal na pessoa da B... para cobrança coerciva do imposto em falta no montante total de € 114.634,37 sendo € 98.879,56[4] de IVA (valor decorrente de acertos de liquidação dos referidos € 117.634,37) e de € 14.754,81 de juros compensatórios (cfr. fls. 15 a 272 dos Anexos ao PA; artigo 37.º da Resposta).

8.14. Resultante da constatação de inexistência de bens penhoráveis da devedora originária (cfr. fls. 40 e 43 dos Anexos ao PA), foi instaurado processo de reversão fiscal contra o Requerente na qualidade de responsável subsidiário para pagamento da dívida por ser ao tempo da sua constituição, o gerente da B... (cfr. fls. 39 a 44 dos Anexos ao PA; artigo 38.º da Resposta).

8.15. Do total da dívida exequenda no montante de € 138.189,86, decomposto por imposto em falta (IVA) no montante de € 99.879,56 relativo a cessão de posições contratuais, € 14.634,37 a título de juros compensatórios e de € 23.555,49 de coimas, somente € 114.634,37 relativamente a imposto em falta em sede de IVA (€ 99.879,56) e juros compensatórios (€ 14.754,81) serão objeto de pronúncia arbitral (cfr. artigo 39.º da Resposta).

8.16. O Requerente foi notificado para exercer o seu direito de audição prévia (cfr. fls. 45 a 50 dos Anexos ao PA) em 30 de dezembro de 2011 (cfr. fls 57 a 91 dos Anexos ao PA), alegando que a partir de 24 de março de 2008 deixou de exercer funções na E... S.A. (sociedade que incorporou a B...), razão pela qual não poderia vir a ser responsabilizado pelo pagamento da dívida tributária (cfr. artigo 40.º da Resposta).

8.17. A Requerida decidiu manter a reversão contra o Requerente a título de responsável subsidiário (cfr. fls. 153 e 154 dos Anexos ao PA com os fundamentos constantes das fls. 93 a 96 dos Anexos ao PA, i.e., que o pagamento do imposto deveria ter sido efetuado até ao dia 10 de fevereiro de 2006, data em que o Requerente era de facto gerente de direito e de facto da B... e culminado na citação do mesmo; artigo 41.º da Resposta). O Requerente exerceu em 27 de fevereiro de 2012 o direito à oposição fiscal (cfr. fls. 177 a 272 dos Anexos ao PA), alegando inexistência de culpa sua na falta de pagamento do imposto em dívida (cfr. artigo 42.º da Resposta).

8.18. Nos artigos 43.º a 52.º da Resposta, a Requerida enumera os argumentos aduzidos pelo Requerente e respetivos fundamentos que a seguir sumariamente se identificam:

8.18.1. Ineficácia dos atos do processo de execução fiscal na pessoa da B... e por reversão contra o Requerente pela simples razão de que a B... foi incorporada na E... e por esse facto quem deve ser considerado devedor originário é a E... e não a B... (argumento nº1) (cfr. artigo 43.º da Resposta).

8.18.2. O Requerente foi gerente da E... apenas até 24 de março de 2008 e a partir dessa data terem sido nomeados novos órgãos sociais (argumento n.º2) (cfr. artigo 44.º da Resposta).

8.18.3. O Requerente era gerente de facto e de direito da B... à data de verificação do facto gerador do imposto, mas já não o era à data de notificação para o pagamento do imposto, cujo prazo de pagamento voluntário era 31 de janeiro de 2010 (argumento nº 3) (cfr. artigo 45.º da Resposta).

8.18.4. A AT ter desconsiderado o documento em que o Requerente exerceu o direito de audição prévia relativamente ao projeto de decisão de reversão de execução fiscal contra aquele (argumento n.º 4) (cfr. artigo 46.º da Resposta).

8.18.5. Omissão do dever de fundamentação por parte da AT por não ter tido acesso aos dados da liquidação de imposto à B... (argumento n.º5) (cfr. artigo 47.º da Resposta);

8.18.6. Relativamente à cessão de posição contratual da B... (cedente) à G... (cessionário) relativa ao contrato de locação financeira que tem por objeto a embarcação ... … a mesma inicialmente gratuita, evoluiu para uma forma onerosa, através dum vínculo contratual autónomo verbal. A contraprestação total no montante de € 627.693,17 correspondia ao montante de € 518.754,69, a título de rendas vencidas, acrescidas de € 108.938,48, correspondente ao IVA já entregue pela B... nos cofres do Estado. Uma nova liquidação de imposto que considera já pago configurará uma duplicação de coleta atendendo aos elementos constituintes do instituto de duplicação de coleta, a saber: unicidade do facto tributário, identidade do imposto, período de imposto, não sendo relevante quaisquer divergências no imposto que tenha sido já liquidado (argumento n.º 6) (cfr. artigo 49.º da Resposta).

8.18.7. Relativamente às rendas debitadas pela I… à B... ao abrigo do contrato de utilização do posto de acostagem na …, em relação ao IVA liquidado por parte da 1.ª à 2ª, não houve dedução de IVA por parte da B... pelo que a cedência da posição contratual da B... à G... estaria isenta de IVA (argumento n.º 7) (cfr. artigo 50.º da Resposta). Igualmente acrescenta que, só no caso de haver compensação nas cessões de posição contratual, as mesmas estarão sujeitas a IVA (cfr. artigo 51.º da Resposta).

8.19. Relativamente aos argumentos invocados pelo Requerente, a Requerida contesta-os da seguinte forma:

8.19.1. Quanto à ineficácia dos atos do processo de execução fiscal instaurado contra a B... e por reversão contra o Requerente pela razão de não dever ser a B... a devedora originária mas sim a E... devido à fusão entretanto ocorrida, a B... pronunciou-se em 19 de outubro de 2009 no exercício do direito de audição prévia sobre o Projeto de Correções do Relatório dos Serviços de Inspeção Tributária (cfr. fls. 65 a 82 do Anexos ao PA; artigos 52.º e 53.º da Resposta). Adicionalmente, e ainda em sede de audição prévia ao Projeto de Correções do Relatório dos Serviços de Inspeção Tributária relativamente aos dois factos tributários controvertidos – cessão da posição contratual da embarcação e do posto de acostagem - a B... não invocou o vício de duplicação de coleta mas os fundamentos plasmados no artigo 59.º da Resposta e como tal, a B... é a devedora originária do IVA apurado em falta no valor de € 117.522,45, executada originariamente em sede de processo de execução fiscal, reconhecendo em outubro de 2009 que o imposto não foi pago encontrando-se em dívida, alegando não ser a responsável pelo seu pagamento, mas sim o seu gerente na pessoa do Requerente (cfr. artigo 60.º da Resposta).

8.19.2. Como consequência de procedimentos inspetivos à B... e à G..., os Serviços de Inspeção Tributária constataram que nas duas operações tributáveis controvertidas – cedência de posição contratual, quer no contrato de locação financeira que tem por objeto uma embarcação, quer no contrato de cedência temporária de um posto de acostagem na …, não houve liquidação por parte do cedente (B...) ao cessionário (G...) e pagamento/entrega do IVA devido por parte do cedente (B...) nos cofres do Estado. As operações controvertidas tiveram uma contraprestação e, por isso, a questão da gratuitidade não se levantou e face ao regime legal do IVA, as referidas cedências de posição contratual são operações tributáveis sujeitas a IVA a título de prestação de serviços, conforme regime geral do IVA e doutrina assente pela Direção dos Serviços do IVA através da informação n.º 2175 de 22 de agosto de 1995. Decorre daqui que a liquidação adicional efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária à B... em sede de IVA relativamente às duas operações tributáveis controvertidas é legal (cfr. artigos 71.º a 72.º da Resposta).  

8.19.3. O objeto e pedido do presente processo arbitral tem a ver com a declaração da ilegalidade ou não da liquidação do imposto e não o da legalidade da reversão da execução fiscal, embora não possa deixar de contraditar o Requerente. Assim, a reversão da execução fiscal para a cobrança do IVA em dívida e respetivos juros operada na pessoa do Requerente, deu-se a título de responsável subsidiário pela inexistência de bens penhoráveis na pessoa da B... a título de devedor originário, uma vez que o mesmo exercia funções de gerência a nível da B... e da E... na data (dezembro de 2005) da verificação das operações tributáveis – cessão da posição contratual nos contratos de locação financeira da embarcação e do posto de acostagem – entre as duas sociedades anteriormente referidas. Ora, o Requerente deixou de exercer funções de gerente na B... em 22 de dezembro de 2006 (por efeito de fusão) e administrador na E... em 24 de março de 2008, pelo que não existe qualquer indício que afaste a sua culpa funcional no não pagamento do imposto em dívida (cfr. artigos 72.º a 76.º da Resposta).

8.19.4. A divida do IVA é referente ao período de dezembro de 2005 pelo que a declaração periódica referente ao respetivo período, deverá ser entregue até 10 de fevereiro de 2006 acompanhada do correspondente meio de pagamento, uma vez que o imposto se tornou exigível nessa data, i.e., 10 de fevereiro de 2006 (cfr. artigo 77.º da Resposta). Acresce que, de acordo com a alínea b) n.º1 do artigo 24.º da LGT, os gerentes são responsáveis subsidiários pelas dívidas cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do cargo, pelo que a reversão da execução fiscal operada na pessoa do Requerente foi legal (cfr. artigo 78 da Resposta).

8.19.5. O Requerente vem arguir como principal argumento e objeto do pedido de pronúncia arbitral de que o imposto já foi liquidado e pago, pelo que se estaria face a uma duplicação de coleta caso a pretensão da Requerida fosse procedente. O Requerente para justificar a sua pretensão, apresenta o DOC. n.º 7 “comprovativo da entrega da declaração – via internet” anexo à petição inicial, como documento comprovativo da liquidação e pagamento do imposto referente às duas operações tributáveis (cfr. artigo 79 da Resposta).

8.19.6.  A Requerida reafirma que o imposto decorrente das duas operações tributáveis não foi liquidado nem pago e relativamente ao documento n.º 7 anexo à petição inicial (declaração periódica de substituição para efeitos de IVA referente a novembro de 2005), o mesmo (documento) não permite concluir que o imposto relativamente às duas operações tributáveis foi declarado e pago (cfr. artigos 80.º e 81.º da Resposta), pelas seguintes razões:

  1. O contrato de cessão da posição contratual da embarcação foi celebrado no dia 7 de dezembro de 2005 (cfr. fls. 5 e 6 dos Anexos ao PA) devendo o IVA correspondente à operação no montante de € 91.272,45 ter sido declarado e pago até ao dia 10 de fevereiro de 2006 (cfr. artigo 82.º da Resposta).
  2. O DOC. n.º 7 anexo à petição inicial diz respeito a uma declaração periódica de substituição para efeitos de IVA referente ao mês de novembro de 2005 tendo sido entregue em 23 de janeiro de 2006 (cfr. artigo 83.º da Resposta).
  3. Assim, como se pode pretender considerar pago o imposto que foi declarado e pago por referência a um período mensal do IVA (novembro de 2005) prévio ao mês que geraria, no futuro, a sua obrigação (dezembro) (cfr. artigo 84.º da Resposta).
  4. Na dita declaração periódica de substituição, existe um montante de € 711.571,09 constantes do campo 3 como base tributável e o Requerente não efetuou qualquer prova que nesse montante estivesse incluído o valor referente à cessão da posição contratual da embarcação (cfr. artigo 85.º da Resposta).

8.19.7. O valor declarado e pago pela B... relativo ao mês de dezembro de 2005, mês da celebração do contrato de cessão de posição contratual da embarcação, foi de € 17.642, 89, muito inferior aos € 91.272,45 (cfr. artigo 86.º da Resposta).

8.19.8. O Requerente não efetuou qualquer prova que o IVA relativo à cessão do posto de acostagem tenha sido previamente deduzido pela B..., (cfr. artigo 87.º da Resposta).

 

8.20. O Requerente não tem razão quando alega que teve falta de informação relativamente ao procedimento levado a cabo pela AT a nível da B..., pelo facto de, conforme DOC. n.º 6 anexo à petição inicial, a B... ter sido notificada do  Projeto de Correções do Relatório da Inspeção Tributária (cfr. artigo 88.º da Resposta).

8.21. A Requerida conclui que:

8.21.1. Na sequência de um procedimento inspetivo à B..., aquela cedeu à G... a sua posição contratual em dois contratos, um de locação financeira de uma embarcação de recreio e outro de um direito de utilização exclusiva de um posto de amarração na …, nos montantes respetivamente de € 434.630,70 e € 125.000,00,e, à data da celebração dos contratos de cedência de posição contratual, dezembro de 2005, o Requerente era gerente tanto da B... como da G... (cfr. artigo 89.º da Resposta).

8.21.2. As ditas cessões de posição contratual, ambas onerosas, nos termos do artigo 4.º n.º do CIVA, estão sujeitas a IVA nos valores respetivamente de € 91.272,45 e € 26.250,00 (cfr. artigo 90.º da Resposta). 

8.21.3. O valor apurado pelos Serviços de Inspeção Tributária no montante de € 114.634,37 corresponde ao IVA relativo às duas operações de cessão de posição contratual no montante de € 99.879,56 e juros compensatórios de € 14.754,81, não foi pago voluntariamente pela B... (cfr. artigo 91.º da Resposta).

8.21.4. A B... em sede de audição prévia sobre o Projeto de Relatório de Inspeção reconhece a dívida, i.e., o imposto não foi pago mas considera que o devedor da mesma é o Requerente, dada a utilização da embarcação e do posto de amarração para uso pessoal do mesmo e não da sua atividade (comércio de automóveis) (cfr. artigo 92.º da Resposta).

8.21.5. Devido à inexistência de bens penhoráveis a nível da B... e pelo facto de o Requerente ser o gerente de facto e de direito da mesma à data dos factos tributários, dezembro de 2005, o processo de execução fiscal foi revertido contra o Requerente ao abrigo da alínea b) do n.º1 do artigo 24º da LGT (Lei Geral Tributária) (cfr. artigo 93.º da Resposta).

8.21.6. Não existe duplicação de coleta pois as operações tributáveis reportam-se a dezembro de 2005 e a declaração de IVA que o Requerente pretende demonstrar a liquidação e pagamento do imposto em falta, reporta-se ao mês de novembro de 2005, isto é, a data anterior à própria celebração do negócio jurídico (cessão da posição contratual da B... a favor da G... relativamente à embarcação) (cfr. artigo 94.º da Resposta). A B... estava incluída no regime normal de IVA de periodicidade mensal.

8.21.7. A declaração periódica de IVA onde o Requerente pretende considerar o imposto incluído o imposto em falta, sem o demonstrar, é de data anterior à data de celebração do negócio jurídico (cessão de posição contratual da posição de locatário no contrato de locação financeira que tem por objeto a embarcação) que faria nascer a obrigação tributária (cfr. artigo 95.º da Resposta).

8.21.8. O imposto em falta (IVA) relativo às cessões de posição contratual referentes à embarcação e posto de acostagem não foram incluídas pela B... (como cedente) na declaração periódica de IVA referente ao mês de dezembro de 2005 (cfr. artigo 95.º da Resposta).   

8.22. A Requerida juntou à Resposta o Processo Administrativo e respetivos Anexos e arrolou 1 (uma) testemunha.

  1. No dia 10 de julho de 2012 pelas 14:30 horas no CAAD – Centro de Arbitragem Tributária – na Av. Duque de Loulé, n.º 72 – A, em Lisboa, o Tribunal reuniu, em segunda sessão a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde a Requerida disse que pretendia que fosse inquirida a testemunha por si arrolada na Resposta, a qual tinha sido a autora do relatório de inspeção, para concretizar os factos relacionados com a alegação feita pelo Requerente do pagamento do imposto cuja legalidade aqui se impugna e, nomeadamente, com a interpretação factual do documento em que o Requerente fundamenta a alegação do pagamento desse imposto. O Tribunal, após conferenciar entre si, decidiu por unanimidade autorizar a produção de prova testemunhal da AT para o dia 5 de setembro de 2012, pelas 14h 30m, nas instalações do CAAD. A prova seria gravada. Foi igualmente decidido pelo Tribunal, por unanimidade, deferir o pedido do Requerente no sentido de ser possibilitada a apresentação de alegações por escrito, ao invés de orais, fixando-se um prazo de 10 dias a contar da produção de prova testemunhal.
  2. Devido a reagendamento de reunião, no dia 26 de setembro de 2012 pelas 15:30 horas no CAAD – Centro de Arbitragem Tributária – na Av. Duque de Loulé, n.º 72 – A, em Lisboa, o Tribunal reuniu, em terceira sessão a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo a testemunha arrolada pela Requerida sido chamada pelo Senhor Árbitro Presidente, prestado juramento legal e informado que exercia funções de inspetora tributária. A testemunha foi inquirida diretamente pelos representante e por esta ordem da Requerida e do Requerente tendo igualmente respondido às questões colocadas pelo Tribunal.
  3.  Durante o depoimento da testemunha, a mesma exibiu um documento que correspondia a uma fatura com um número igual (fatura n.º 1283 emitida em 30 de novembro de 2005 pela B... à G...) à apresentada pelo Requerente e já anexa aos autos (DOC. n.º 5 anexo à petição inicial – fatura 1283 emitida em 30 de novembro de 2005 pela B... à G...) com a diferença que na fatura apresentada pela testemunha eram identificados dois bens [IATE e Jaguar (…-…-…] enquanto na fatura apresentada pelo Requerente eram identificados três bens [Iate; Jaguar (…-…-…) e Mercedes Vito (…-…-…)]. De igual modo relativamente às duas faturas foram detetadas diferenças formais em termos de logotipos nelas impressos e ao software licenciado para a sua emissão. Uma vez que o Tribunal arbitral não teve possibilidade imediata de averiguar se o documento apresentado pela testemunha corresponde a um exemplar arquivado na Direção de Finanças como a mesma refere, como também não sabe se o documento apresentado pelo Requerente foi analisado e tido em conta no procedimento inspetivo de que foi objeto a B..., sendo certo que o documento apresentado pela testemunha foi por ela dado como adquirido no procedimento inspetivo à G..., o Tribunal arbitral oficiou em 28 de setembro de 2012 à Direção de Finanças de Lisboa para que a mesma informe:

11.1. Se o documento exibido pela testemunha corresponde ao documento arquivado nesses serviços decorrente do processo inspetivo levado a cabo à G... relativo ao ano de 2005 em sede de IVA.

11.2. Se o documento apresentado pelo Requerente como Doc. n.º 5 anexo à petição inicial corresponde a exemplar que exista em qualquer procedimento inspetivo à B... com o número de contribuinte n.º … relativamente ao ano de 2005 em sede de IVA ou à G... com o número de contribuinte n.º …, também igualmente referente ao mesmo período e imposto.

11.3. Não houve objeções por parte do Requerente e Requerida quanto ao decidido pelo Tribunal arbitral quanto ao pedido a efetuar à Direção de Finanças.

  1. O Tribunal arbitral decidiu conceder às Partes um prazo de 10 dias para se pronunciarem sobre as informações prestadas pela Direção de Finanças tendo igualmente sido dado um prazo adicional de mais 10 dias para além daqueles que foram concedidos para a produção de alegações escritas.
  2. O Tribunal arbitral comunicou que a decisão seria proferida até ao dia 28 de novembro de 2012.
  3. Em 28 de setembro 2012, o requerente através do seu mandatário enviou ao CAAD um requerimento a solicitar ao Tribunal arbitral prova adicional invocando, como ponto prévio, dificuldade na obtenção de prova necessária à factualidade existente nos autos resultante de uma situação de litígio com a devedora originária. Salientou que decorrente da audiência realizada em 26 de setembro 2012 onde foi inquirida a testemunha arrolada pela Requerida onde a mesma levantou a questão da junção do documento n.º 7 anexo à petição inicial que, segundo a mesma, o referido documento não provava o pagamento do imposto apurado nos termos dos artigos 19.º e seguintes do CIVA relativo ao período de novembro de 2005. Assim, requereu que o Tribunal arbitral interpelasse a Requerida no sentido de esta juntar prova de que o Requerente, para efeitos de IVA, para além do cumprimento da obrigação declarativa reportada ao período de tributação de novembro de 2005 através da entrega da declaração periódica Modelo A e subsequente declaração de substituição Modelo C, também cumpriu a obrigação principal, isto é, o do pagamento de imposto através do envio do meio de pagamento correspondente e das declarações anteriormente mencionadas.
  4. Em 2 de outubro 2010, a Requerida foi notificada do requerimento enviado pelo Requerente em 28 de setembro 2012 e, para querendo, exercer o contraditório, o que veio a acontecer em 12 de outubro de 2012. Em sede de contraditório a Requerida opôs-se ao pedido do Requerente afirmando “A Requerida AT, ouvida, veio opor-se ao pedido, dizendo nunca ter suscitado a dúvida de que o imposto apurado pelo sujeito passivo no mês de novembro de 2005 tenha sido pago, mas a de que o Requerente não exibiu a documentação que serviu de base ao apuramento do imposto constante da declaração, o que impossibilita a verificação dos elementos nela indicados, designadamente da respetiva base tributável e, por outro lado, que a matéria controvertida não contende com a venda do iate a que se reporta a fatura n.º 1283 datada de 30.11.2005 (incluída naquele período de tributação), mas a cessão de posição contratual no contrato de leasing celebrado com o BCP, em dezembro de 2005 e, finalmente, que, de acordo com o art.º 74.º da LGT, incumbia ao Requerente o ónus da prova de que o imposto relativo a este facto tributário autónomo estava pago.”
  5.   O Tribunal arbitral em 16 de outubro decidiu por unanimidade indeferir o pedido do Requerente em 28 de setembro de 2012, com base nos seguintes fundamentos:

16.1. O DOC. n.º 7 anexado pelo Requerente na petição inicial não comprova qualquer pagamento de imposto mas sim para declarar o imposto e a base tributária associada a esse imposto.

16.2. O documento em causa, DOC. n.º 7 anexo pelo Requerente na sua petição inicial, não permite verificar quais os factos tributários a que respeita a base tributária na qual foi apurado o imposto.

16.3. Tratando-se de uma declaração apresentada pelo contribuinte é ele quem tem o ónus de provar quais os factos tributários a que respeita a base tributária que declarou e se o correspondente imposto se encontra pago, nos termos do artigo 74.º da LGT e não à AT.

16.4. O DOC. n.º 7 anexo pelo Requerente na sua petição inicial não corresponde ao período de tributação ao qual a AT imputa os factos tributários (cedência de posição contratual em contrato de leasing) – dezembro de 2005 – que justificam a liquidação adicional de IVA, dado que o referido DOC. n.º 7 diz respeito ao mês de novembro de 2005, tornando-se irrelevante saber se o imposto relativo ao mês de novembro de 2005 foi ou não pago.

  1. Em 15 de outubro de 2012, a Direção de Finanças de Lisboa através do Oficio n.º …, de 9 de outubro de 2012, registado com aviso de receção em resposta à solicitação pedida pelo Tribunal arbitral decorrente da sessão de inquirição da testemunha arrolada pela Requerida, informa que:

17.1. O DOC. n.º1 (apresentado pela testemunha arrolada pela Requerida) anexo ao oficio enviado pelo Tribunal arbitral corresponde à cópia de um documento que se encontra arquivado na Direção de Finanças de Lisboa que teve por base um procedimento inspetivo com a referência …/…/… referente aos exercícios de 2005/6/7 em nome de G..., titular do número de identificação fiscal n.º ….

17.2. O DOC. n.º 2 (apresentado pelo Requerente como DOC. n.º 5 anexo à petição inicial) anexo ao oficio enviado pelo Tribunal arbitral, não se encontra arquivado nem nos procedimentos inspetivos supra mencionados, nem no procedimento inspetivo com a referência OI …, referente ao exercício de 2005, em nome da B..., titular do número de identificação fiscal n.º ….

  1. Não foram apresentadas alegações orais.
  2. Foi proferida decisão arbitral em 27 de novembro de 2012, tendo sido improcedente o pedido formulado pelo Requerente no processo arbitral tributário inicial quanto à ilegalidade das liquidações adicionais n.º … e …, referentes, respetivamente, a IVA, no montante de €[5] 99.879,56 e juros compensatórios no montante de € 14.754,81, no valor total de € 114.634,37 respeitantes ao exercício de 2005 na pessoa da B.... O Requerente foi igualmente condenado ao pagamento de custas.  
  3. O Requerente deduziu impugnação para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) da decisão arbitral proferida em 27 de novembro de 2012 no processo de arbitragem – P.68/2012-T, que julgou improcedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações adicionais n.º … e …, referentes, respetivamente, a IVA, no montante de € 99.879,56 e respetivos juros compensatórios no montante de € 14.754,81, no valor total de € 114.634,37, respeitantes a dezembro de 2005, com o fundamento de violação do principio do contraditório, uma vez que tanto Requerente como Requerida não foram notificadas do Oficio n.º …, de 9 de outubro de 2012, da Direção de Finanças de Lisboa (doravante designado por Ofício). O Requerente alega ainda que tanto ele como a Requerida tinham um prazo de 10 dias para se pronunciarem sobre o conteúdo do Ofício e, terminado esse prazo, começava a correr o prazo para as Partes alegarem. Ora, não tendo havido notificação do Oficio acima referido, jamais se iniciou o prazo para apresentação das alegações escritas, precludindo-se tal direito, violando-se assim o princípio do contraditório plasmado na alínea d) do n.º1 do artigo 28.º do RJAT.
  4. A Requerida em sede de contra-alegações não concordou com os fundamentos invocados pelo Requerente em sede de recurso, concluindo, em síntese, que os princípios do contraditório e da igualdade das Partes foram cumpridos não havendo lugar a qualquer decisão surpresa porque os factos invocados pelo Requerente já serem sobejamente conhecidos de ambas as Partes. Por outro lado, a Requerida invoca que em sede de arbitragem tributária, a oralidade deverá ser preferida em detrimento das peças escritas, uma vez que o Tribunal dentro dos limites do seu livre arbítrio prescindiu destas peças escritas porque das mesmas, não viriam quaisquer argumentos novos que não tivessem sido já aduzidas por qualquer das Partes. Adicionalmente, alega que o Tribunal arbitral deu cumprimento aos princípios da sua autonomia na condução do processo, da livre apreciação dos factos e da livre determinação das diligências de produção de prova a que por lei se encontra submetido.
  5. O TCAS jugou procedente a impugnação por preterição do princípio do contraditório por falta da notificação do Ofício, às Partes não lhes dando a possibilidade de argumentarem sobre a força probatória do mesmo. Segundo o TCAS, a omissão de notificação do Ofício constitui formalidade cuja inobservância influi no exame e decisão da causa, conforme previsto no artigo 195.º n.º1 do CPC[6], por remissão do artigo 29.º n.º1 alínea e) do RJAT, uma vez que obsta a que as Partes se pronunciem sobre os meios de prova e consequentemente essa omissão de pronúncia vai inquinar a decisão arbitral impugnada.  
  6. Em face do recurso interposto pelo Requerente junto do TCAS em que foi concedido provimento, anulando-se o Acórdão proferido pelo Tribunal arbitral referente ao processo 68/2012-T, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, Senhor Conselheiro Manuel Fernando dos Santos Serra, ao abrigo do artigo 668.º do CPC convoca o Tribunal recorrido, designando o Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, como Árbitro-presidente, em substituição do Conselheiro Benjamim Silva Rodrigues, uma vez que o mesmo não faz parte da lista de árbitros do CAAD, e o Dr. José Coutinho Pires e Dr. Júlio Tormenta, como Árbitros adjuntos.
  7. É proferido um despacho em 14 de abril de 2015 pelo Tribunal arbitral com o seguinte teor:

Junte ao processo o requerimento de prova e o ofício n.º 77 192, de 09-10-2012, que não foram juntos ao processo no momento adequado.

Notifique as Partes para se pronunciarem sobre esses documentos no prazo de 10 dias.

O Presidente do Tribunal arbitral

Jorge Lopes de Sousa “, sendo Requerente e Requerida notificadas em 17de abril de 2015.

  1. O Requerente em 20 de abril de 2015 relativamente ao despacho arbitral de 14 de abril de 2015 pronuncia-se sobre o conteúdo da decisão arbitral anulada pelo TCAS, alegando novos factos e requerendo a junção de 6 (seis) documentos que acompanham o requerimento apresentado, cujo teor se dá aqui como reproduzido. Em 20 de abril de 2015, o Tribunal arbitral profere um despacho no sentido de a Requerida se pronunciar num prazo de 10 dias sobre os documentos apresentados pelo Requerente sendo na mesma data notificadas ambas as Partes (Requerente e Requerida).
  2. Relativamente ao despacho de 14 de abril de 2015, a Requerida pronuncia-se pelo desentranhamento do requerimento apresentado pelo Requerente e que oportunamente apresentará os fundamentos para suportar tal posição. Vem igualmente pugnar pela não existência de qualquer força probatória do documento n.º5 anexo à petição inicial apresentado pelo Requerente, uma vez que o mesmo não coincide com o documento arquivado pela AT resultante do procedimento inspetivo levado a cabo pelos Serviços de Inspeção, cuja autenticidade é inquestionável. Este entendimento é corroborado por força da junção do Ofício aos autos, decorrente do despacho de 14 de abril de 2015.
  3. É proferido um despacho em 28 de abril de 2015 pelo Tribunal arbitral para ao abrigo do artigo 120.º do CPPT num prazo de 10 dias, quer Requerente quer Requerida, apresentarem alegações escritas. Este despacho foi notificado às Partes em 28-04-2015, através da ViaCTT.
  4. Em requerimento de 29 de abril de 2015, a Requerida vem pronunciar-se sobre o requerimento e documentos apresentados pelo Requerente em 20 de abril de 2015 e com os fundamentos constantes do mesmo que se dão aqui por inteiramente reproduzidos, pugnar por:

  1. O desentranhamento da resposta do Requerente em tudo aquilo que constitui uma evidentíssima violação do douto despacho arbitral de 14.04.2015;
  2. O desentranhamento, consequentemente, de todos os documentos agora juntos pelo requerente, já que estes nunca foram apresentados no processo, nem oportunamente pelo Requerente, nem constavam do Processo Administrativo existente na AT sobre o assunto, facto que no mínimo não deixa de causar a maior perplexidade;

O Requerente foi notificado em 29 de abril de 2015 via CTT do teor do requerimento apresentado pela Requerida.

  1. A Requerida em sede de alegações apresentadas em 7 de maio de 2015, vem corroborar o que já manifestou em sede de Resposta e posteriormente através do Requerimento apresentado em 29 de abril de 2015 decorrente do Acórdão anulatório da decisão arbitral proferido pelo TCAS, e que, em síntese, se traduz na oposição à junção dos documentos anexos ao requerimento apresentado pelo Requerente em 20 de abril de 2015, no desentranhamento de tudo o que estiver contido na peça processual apresentada em 20 de abril de 2015 que vá para além da pronúncia sobre o Ofício. Mais, alega que, em face do material probatório carreado para os autos, o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente, absolvendo-se a Requerida do pedido devido à inexistência de qualquer duplicação de coleta e ilegalidade de liquidação de imposto como o Requerente pretende. O Requerente foi notificado na mesma data, 7 de maio de 2015, das alegações apresentadas pela Requerida, não tendo apresentado quaisquer alegações escritas.
  2. Em despacho datado de 11 de junho de 2015, o Tribunal arbitral vem pronunciar-se no sentido de:
  1. se considerar encerrada a fase de produção de prova com a reunião ocorrida em 26 de setembro de 2012 e que a única prova a ser admitida posteriormente àquela data é a junção do Ofício, e por conseguinte, indefere a junção aos autos dos documentos apresentados pelo Requerente em 20 de abril de 2015, devendo os mesmos ser desentranhados do processo;
  2. não haver desentranhamento do requerimento apresentado pelo Requerente em 20 de abril de 2015 por ser uma única peça processual, mas só se dar relevância processual ao que estiver relacionado e fundamentado com o Ofício;
  3. É negado o desentranhamento do documento n.º5 anexo à petição inicial, pelo mesmo ter sido apresentado tempestivamente, independentemente do valor probatório do mesmo;
  4. Relativamente à limitação do processado decorrente do Acórdão do TCAS, assiste razão à Requerida no sentido de que a sanação das deficiências processuais apontadas pelo TCAS, apenas implica a possibilidade de pronúncia das Partes sobre o Ofício e, no mais quanto à produção de alegações, tendo por base o estado do processo antes da decisão arbitral, acrescido do referido Ofício e pronúncia das mesmas sobre o mesmo.

As Partes em 11 de junho de 2015, foram notificadas do despacho supra.

 

O Requerente não apresentou alegações no prazo de 10 dias subsequente ao 25.º dia posterior à data em que foi enviada a notificação pela ViaCTT ( [7] ), em que se considera efectuada a notificação pela ViaCTT, de harmonia com o disposto nos n.ºs 9 e 10 do artigo 39.º do CPPT.

 

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II. SANEAMENTO

  1. O Tribunal é competente.
  2. As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e o Requerente está regularmente representado por Advogado.

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III. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Perante a posição assumida pelas Partes, com base no processo administrativo e perante a prova documental e testemunhal junta aos autos, e na apreciação que das mesmas fez o Tribunal, fixa-se a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão:

  1. Em 2009 foi efetuada uma ação de inspeção à sociedade G... com o objetivo de consultar, recolher e cruzar elementos com relevo tributário. Dessa ação e tendo por base o material probatório em termos contabilístico e documental, os Serviços de Inspeção Tributária apuraram que, no exercício de 2005, entre a B... (cedente) e a G... (cessionário) foram celebradas duas cessões de posição contratual de um contrato de locação financeira, datado de 7 de dezembro de 2005, que tinha por objeto uma embarcação modelo ... … e uma cedência temporária de direito exclusivo de utilização de posto de acostagem cais … n.º … na …. Foi aberto um procedimento inspetivo à B... igualmente em 2009.
  2. A B... foi alvo de uma inspeção tributária em 2009, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI … (cfr. fls. 25/192 anexo ao PA), levada a cabo pela Direção de Finanças de Lisboa, SIT – Serviços de Inspeção Tributária – Divisão VI relativa ao ano de 2005, ao período de dezembro e de âmbito parcial (IVA). Da inspeção efetuada, os Serviços de Inspeção Tributária apuraram que existiam dois contratos de cessão de posição contratual da B... (cedente) à G... (cessionária) referentes a:

34.1. Contrato de locação financeira n.º …, datado de 7 de dezembro de 2005, que tinha por objeto uma embarcação ... modelo … (cfr. fls. 109/192 e 110/192 Anexos 1 e 2 dos anexos ao PA; DOC. 6 Anexos 1, 2, anexos à petição inicial);

34.2. Posto de acostagem sito no cais …, com o posto n.º … localizado na … (cfr. fls. 111/192 e 112/192 Anexos 3 e 4 dos anexos ao PA; DOC. 6 Anexos 3 e 4, anexos à petição inicial).

  1. Como resultado das inspeções efetuadas às duas sociedades comerciais (B... e G...), os Serviços de Inspeção Tributária apuraram que as cessões de posição contratual por parte da B... à G... relativamente à embarcação e ao posto de acostagem, tinham sido efetuadas respetivamente por € 434.630,70 e € 125.000, não tendo havido liquidação do IVA respetivo, por parte da B..., à taxa de 21% nos montantes de € 91.272,45 e de € 26.250,00, havendo por isso IVA em falta de € 117.522,45, conforme Projeto de Correções do Relatório de Inspeção (cfr. fls. 39/192  a 55/192  dos anexos ao PA).
  2. A B... foi notificada para a sua sede social através do oficio n.º … datado de 6 de outubro de 2009 (cfr. fls. 113/192, 114/192 e 115/192 dos Anexos ao PA), quer para a morada de contacto (indicada na declaração de cessação de atividade n.º … para efeitos de IVA e IRC com efeitos a partir de 22 de dezembro de 2006 que a B... entregou no Serviço de Oeiras) através do ofício … datado da mesma data do que foi enviada para a sede social (cfr. fls. 116/192, 117/192 e 118/192 dos Anexos ao PA). A B... através do seu mandatário legal exerceu o seu direito de audição por escrito por fax em 19 de outubro de 2009, dando entrada na direção distrital de finanças de Lisboa em 20 de outubro de 2009 (cfr. fls. 65/192 a 73/192 dos Anexos ao PA). Também enviou através de correio registado o seu direito de audição, tendo neste caso dado entrada na direção distrital de finanças de Lisboa em 27 de outubro de 2009 (cfr. fls. 128/192, a 135/192 dos Anexos ao PA).
  3. Em direito de audição a B... argui que:

37.1. Por efeito da fusão com efeitos a 22 de dezembro de 2006 com a E..., todas as obrigações se transferiram aquela (cfr. pontos 1 e 2 de I. Questão Prévia).

37.2. Houve a celebração dos dois contratos de cessão de posição contratual referente à embarcação e ao posto de acostagem entre si própria e a G... em que relativamente à embarcação o mesmo foi gratuito e ao posto de acostagem foi acordado uma verba de € 125.000 e que o Requerente representava ambas as sociedades, B... e G... (cfr. pontos 3 a 10 do II.DOS FACTOS).

37.3. Os restantes considerandos no uso do direito de audição correspondentes aos pontos III. DA GESTÃO EXERCIDA PELO SR: A…, ponto IV. DO CONTRATO DE EMPRÉSTIMO COMO GARANTIA e ponto V. PRINCIPIOS DO DIREITO FISCAL consideram-se reproduzidos no artigo 59.º da Resposta, sendo de destacar o pedido que aí é feito: “ (…) deve o presente procedimento de inspeção ser concluído e elaborado relatório final no sentido de, ao abrigo dos princípios da verdade material e da prevalência sobre a forma, não ser a sociedade exponente considerada responsável pelas correções propostas”.

 

  1. A AT manteve a sua decisão de liquidar o IVA em falta no montante de € 117.522,45 (cfr. fls. 94/192 a 104/192 dos Anexos ao PA), tendo notificado em 30 de outubro de 2009 a B... quer para a morada da sua sede (através do oficio n.º … datado de 30 de outubro de 2009) (cfr. fls. 126/192 e 127/192), de contacto (através do oficio n.º … datado de 30 de outubro de 2009) (cfr. fls. 122/192 a 125/192) e o seu mandatário legal (através do oficio n.º … datado de 30 de outubro de 2009) (cfr. fls. 120/192 e 121/192 dos Anexos ao PA).
  2.  Em 22 de fevereiro de 2010 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º … 2010 … à B..., como devedora originária, em que a quantia exequenda ascendia a € 114.634,37 (cfr. DOC. n.º1 e respetivos anexos juntos à petição inicial), por esta não ter pago voluntariamente até 31 de janeiro de 2010 o imposto (IVA) em dívida de € 117.522,45 resultante da inspeção efetuada ao exercício de 2005 em sede de IVA. A quantia exequenda de € 114.634,37 diz respeito a:

39.1. € 99.879,56[8], referente a IVA em falta devido pela celebração dos dois antes referidos contratos onerosos de cessão relativo a 2005 e ao período de dezembro de 2005 correspondente à certidão de dívida n.º 2010/… (cfr. fls. 264 do PA); e

39.2. a € 14.754,81 a titulo de juros compensatórios correspondente à certidão de dívida n.º 2010/… (cfr. fls. 263 do PA).

  1. Devido à inexistência de bens penhoráveis a nível da B... foi instaurado o procedimento de reversão da execução fiscal contra o Requerente na qualidade de responsável subsidiário (cfr. fls. 39 a 44 do PA), por ser gerente de facto e de direito da B... à data da exigência do IVA, ao abrigo do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT. O Requerente foi notificado para exercer o seu direito de audição prévia (cfr. fls 45 a 50 do PA), o que veio a exercer em 30 de dezembro de 2011 (cfr fls. 57 a 91 do PA). A AT decidiu manter a sua decisão de reverter o procedimento executivo contra o Requerente a título de responsável subsidiário (cfr. fls. 152/153/154 do PA). A AT procedeu à citação do Requerente (cfr. fls. 155 a 157 e 165 do PA) tendo este em 27 de fevereiro de 2012 deduzido oposição à execução fiscal (cfr. fls. 177 a 225 do PA).
  2. Em 22 de dezembro de 2006 efetuou-se o registo definitivo na Conservatória do Registo Comercial de … de uma operação de concentração através de uma fusão ao abrigo da qual a B... transfere a totalidade do seu património para a E... (cfr fls 32 a 34 do PA). À data do registo definitivo da fusão, o capital social da B... era de € 150.000 sendo detido em 95% pela E… correspondendo a uma quota de valor nominal de € 142.500,00 e 5% detido pela H…, Lda correspondente a uma quota de valor nominal de € 7.500,00.
  3. À data do registo definitivo da fusão da B... na E…, 22 de dezembro de 2006, o Requerente era gerente da B... (cfr. fls 32 a 34 do PA e administrador da E...; fls. 74 a 78 do PA).
  4. A fatura apresentada como o Doc. n.º 2 (apresentado pelo Requerente como Doc. n.º 5 anexo à petição inicial) anexo ao oficio enviado pelo Tribunal arbitral à Direção de Finanças, não se encontra arquivada nem nos procedimentos inspetivos efetuados à G... relativamente ao exercício de 2005 e ao período de dezembro nem no procedimento inspetivo com a referência OI …, referente ao exercício de 2005, em nome da B..., titular do número de identificação fiscal n.º …. A junção do Ofício n.º …, de 9 de outubro, aos autos veio comprovar que o referido Doc. n.º 2 (apresentado pelo Requerente como Doc. n.º 5 anexo à petição inicial) não se encontra arquivado nem no procedimento inspetivo com a referência OI …, referente ao exercício de 2005, em nome da B.... Adicionalmente, refira-se que o Requerente no requerimento apresentado no dia 20 de abril de 2015, reconhece no ponto 17 que a fatura correspondente ao Doc. n.º2  (apresentado pelo Requerente como Doc. n.º 5 anexo à petição inicial) foi anulada e substituída pela B....    

No tocante aos factos provados, a convicção dos Árbitros fundou-se na prova documental junta aos autos (incluindo o Ofício), concretamente indicada, e na prova testemunhal produzida na sessão de 26 de setembro de 2012.

 

Factos dados como não provados:

  1. De acordo com o material probatório dos autos, o Requerente não provou que o IVA debitado pela I… à B..., ao abrigo do contrato de utilização do posto de acostagem n.º … na …, não tivesse sido deduzido pela B....
  2. O Requerente não provou também que as cessões da posição de locatário houvessem sido efetuadas a título gratuito.

 

IV. Fundamentação de Direito

 

A - Enquadramento

  1. Fixados os factos relevantes cumpre delimitar o objeto e pedido do presente processo arbitral. Ora, a única questão que pode ser conhecida neste processo é a da ilegalidade das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios respeitantes ao exercício de 2005 no montante de € 114.634,37, dirigidas à B... como devedora originária e entretanto revertidas contra o Requerente, sob os fundamentos da inexistência dos factos tributários e da duplicação de coleta. Escapa totalmente ao objeto do processo a apreciação da legalidade da reversão da dívida contra o Requerente fundada na sua responsabilidade subsidiária.
  2. Para se poder dar resposta ao questionado, há que saber se o montante de € 114.634,37 é devido ou não pela B... como sua devedora originária. Se a resposta for positiva, haverá que igualmente saber se a liquidação adicional efetuada à B... por parte da AT sofre de duplicação de coleta.

 

 

B – Existência ou não de uma obrigação tributária de liquidação de IVA na B...

  1. A resposta a esta questão pressupõe verificar se existe ou não uma obrigação tributária de liquidação na esfera da B..., como consequência da cessão de posição contratual nos dois negócios jurídicos celebrados entre a B... e a G.... De acordo com o artigo 36.º n.º1 da LGT “A relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário”. De acordo com Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4ª edição 2012, Encontro da Escrita Editora, páginas 294 e 295  “ (…) o facto tributário é o facto jurídico que determina o nascimento da obrigação tributária” pelo que primeiro há que verificar se perante o material probatório constante dos autos se está perante factos tributários ou não que determinam a exigência do imposto.
  2. Conforme referido por Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, op. cit. página 293 “ o facto jurídico é aquele que produz efeitos jurídicos, criando uma situação jurídica nova, alterando uma existente ou extinguindo-a” pelo que há que averiguar se estamos perante factos da vida real que possam ser qualificados de factos jurídico-tributários à face do respetivo quadro legal (artigos 1.º, 2.º, 4.º, n.º 2, e 19.º, n.º 1, do CIVA). De acordo com a matéria de facto fixada, existem dois factos que são qualificados de factos jurídicos que são a celebração de dois negócios jurídicos – cedência da posição contratual – em que existe uma alteração em termos subjetivos da pessoa do locatário. Assim, a B... cede a sua posição de locatário à G... no contrato de locação financeira que tinha por objeto uma embarcação ... modelo … e num outro contrato que tinha por objeto o direito de utilização exclusiva de um posto de acostagem na …. Deste modo, estamos perante factos jurídicos e, assim sendo, há que averiguar se esses factos poderão ser considerados factos tributários ou não.
  3. Como se afirmou supra, “ (…) o facto tributário é o facto jurídico que determina o nascimento da obrigação tributária” pelo que se torna importante saber se os factos jurídicos objeto de pronúncia arbitral, dão origem ao nascimento de uma obrigação tributária ou não. Ora, sendo assim, terá de conhecer-se quando nasce a obrigação tributária e, deste modo, saber se se está perante um facto tributário que dá origem a uma relação jurídica tributária e, consequentemente, a uma obrigação tributária de liquidação e, consequentemente de pagamento do imposto devido.
  4. De acordo com a matéria de facto fixada, no ano de 2005 foram celebrados dois contratos de cessão de posição contratual em que a B... cede a sua posição de locatária à G... relativamente a um contrato de locação financeira que tem por objeto uma embarcação ... modelo … e a um outro cujo objeto é o direito ao uso temporário de um posto de amarração na …. O Requerente não contesta a existência dos dois contratos de cessão de posição contratual - o referente à embarcação (cfr. artigo 33.º da petição inicial e DOC. n.º 6 e respetivos Anexo 1 e 2 anexo à petição inicial) – e outro referente ao direito ao uso temporário de um posto de amarração na … (cfr. artigo 136.º da petição inicial e DOC. n.º 6 e respetivos Anexos 3 e 4 anexo à petição inicial). Adicionalmente, em sede de direito de audição relativamente ao Projeto de Conclusões da inspeção relativa ao ano de 2005, a B..., através do seu mandatário legal reconhece a existência dos dois contratos de cessão de posição contratual conforme é referido nos pontos 5,6,7, 8 e 9 II. DOS FACTOS (cfr. fls. 129/192 e 130/192 dos Anexos ao PA). 
  5. Relativamente ao contrato de cessão que tem por objeto a embarcação, o Requerente vem defender que relativamente ao mesmo foi pactuada entre a B... e a G... a gratuitidade da mesma, embora diga que num segundo momento através de um vínculo contratual autónomo (meramente verbal) tenha sido acordado o débito da B... à G... das rendas já vencidas e pagas pela B... ao F… dando origem à fatura n.º 1283 de 30 de novembro correspondente ao DOC. 5.º anexo à petição inicial (cfr. artigos 31.º e 32.º da mesma petição). Como já ficou provado e assente na matéria de facto, o referido DOC. n.º 5 apresentado pelo Requerente não consta da documentação relativa aos procedimentos inspetivos levadas a cabo por parte da AT quer a nível da G... quer a nível da B.... Assim, sendo, e independentemente do questionamento sobre a autenticidade de tal documento, face ao disposto no artigo 414.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 29.º, n.º1, al. e), do RJAT, e no artigo 71.º, n.º 1, da LGT, não pode a dúvida sobre os factos afirmados nos artigos 31.º, 32.º, 35.º e 116.º da petição inicial relativamente ao montante de rendas já vencidas e pagas pela B... ao F… e entretanto debitadas à G... de ser resolvida contra o Requerente.  
  6. Em relação à questão da gratuitidade da cessão da posição contratual da B... à G... relativa à embarcação conforme o estipulado na cláusula 3 do contrato de cessão de posição contratual (DOC. n.º 6 Anexos 1 e 2 anexos à petição inicial), há que ter em conta que o artigo 36.º, n.º 4, da LGT refere que “A qualificação do negócio jurídico efetuada pelas Partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária”. Ora, em face deste preceito e do princípio do inquisitório, plasmado no artigo 58.º da LGT, estava a AT obrigada a realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, utilizando todos os meios de prova admitidos em direito conforme o estatuído no artigo 72.º da LGT. Ora, a AT, ao verificar que na contabilidade da G... havia um montante escriturado de € 434.630,70, a título de cessão de posição contratual da B... à G..., considerou a cessão como onerosa e, portanto, sujeita a IVA à taxa de 21% (taxa em vigor à data dos factos), no montante € 91.272,45, desencadeando um procedimento inspetivo a nível da B... para recolher, cruzar e validar a informação entretanto recolhida a nível da G.... Assim, tendo por base o material probatório recolhido na B..., nomeadamente, os contratos de cessão posição contratual celebrados entre a B... e a G... e o recolhido na G... na vertente contabilística, a AT concluiu que a cessão da posição contratual relativa à embarcação por parte da B... à G... assumiu uma forma onerosa sujeita a IVA.
  7. Face às pertinentes disposições do IVA, acima referidas, em vigor à data dos factos (exercício de 2005 e período de Dezembro), conclui-se que a cessão em causa estava sujeita a IVA, pois a mesma configurava uma prestação de serviços ao abrigo do artigo 4.º do CIVA, isto é, sobre o valor de € 434.630,70 deveria ter incidido IVA no montante de € 91.272, 45. Deste modo, existiu um facto tributário e um facto gerador[9] de IVA em dezembro de 2005 – cedência de posição contratual de uma embarcação por parte da B... à G... – e da qual nasceu uma obrigação tributária por parte da B... perante o Estado de liquidar o imposto em dezembro de 2005, de o manifestar/declarar na declaração periódica de IVA de dezembro de 2005 a ser entregue até ao dia 10 de fevereiro de 2006. O imposto deveria ter sido liquidado à G... em dezembro de 2005, entregue nos cofres do Estado até 10 de fevereiro de 2006, uma vez que o mesmo se tornou exigível a partir de 10 de fevereiro de 2006[10], como é referido, e bem, no artigo 82.º da Resposta. Assim, a B..., em termos de IVA, estava em dívida perante o Estado desde fevereiro de 2006, pois é a partir dessa data que o Estado poderia exigir o pagamento do IVA devido.
  8. Por outro lado, ainda em relação à gratuitidade da cessão de posição contratual referente à embarcação por parte da B... à G..., o Requerente afirma que a mesma evoluiu para uma situação onerosa com base num vínculo autónomo (meramente verbal), titulado pelo DOC. n.º 5 anexo à petição inicial. No DOC. n.º 5 apurou-se IVA no montante de € 108.938,48 tendo por base um valor de € 518.754,69 relativamente às rendas vencidas e pagas pela B... ao F… (cfr. artigos 31.º, 32.º e 116.º da petição inicial), que foi entregue ao Estado como se pode comprovar pelo DOC. n.º 7 anexo à petição inicial. Segundo o Requerente, tributar a cessão de posição contratual quer quando exista contrapartida por essa cessão, conforme DOC. n.º 5 anexo à petição inicial, quer quando esta contrapartida não exista por a cessão assumir uma forma gratuita, - mas que a AT não considerou como tal e, por isso, efetuou liquidações adicionais em 2009 aqui controvertidas, - constitui uma ilegalidade por duplicação de coleta (cfr. artigos 115.º, 116.º, 117.º e 118.º da mesma petição). 
  9. Ficou provado (cfr. matéria de facto fixada por este Tribunal arbitral), que o DOC. n.º 5 anexo à petição inicial, não consta dos procedimentos inspetivos efetuados quer à G... quer à B..., carecendo de eficácia probatória quanto aos factos alegados pelo Requerente, pelas razões já aduzidas. Quanto ao DOC. n.º 7 anexo à petição inicial, este Tribunal arbitral já se pronunciou em despacho interlocutório de 16 de outubro de 2012 de que se destaca o seguinte e que aqui se renova inteiramente:

56.1. Não comprova qualquer pagamento de imposto mas sim cumpre a função de declarar o imposto e a base tributária associada a esse imposto.

56.2. Não corresponde ao período de tributação ao qual a AT imputa os factos tributários (cedência de posição contratual em contrato de leasing) – dezembro de 2005 – que justificam a liquidação adicional de IVA dado que o referido DOC. n.º 7 diz respeito ao mês de novembro de 2005.

  1. Do supra exposto resulta que não há fundamento legalmente válido para a existência de duplicação de coleta, pelo que não procede o fundamente invocado pelo Requerente quanto à existência da mesma.
  2. Igualmente do supra exposto decorre que os factos tributários – cessão de posição contratual onerosa - ocorreram em dezembro de 2005 dando origem à constituição de duas relações jurídico tributárias das quais resultaram um conjunto de obrigações, tanto para o sujeito ativo, como para o sujeito passivo. A nível do sujeito passivo, a obrigação principal consiste em efetuar o pagamento da dívida tributária, conforme o estatuído no artigo 31.º, n.º1, da LGT, que se traduz no dever de prestar uma certa quantia em dinheiro e do correlativo direito a recebê-la por parte do sujeito ativo. As obrigações acessórias referidas no artigo 31.º, n.º 2, da LGT correspondem, nomeadamente, às obrigações declarativas sob a forma de declarações periódicas, exibição de documentos fiscalmente relevantes incluindo a contabilidade e a escrita, assim como prestação de informações. No caso objeto de pronúncia arbitral, os factos geradores – cessão de posição contratual – ocorrem em dezembro de 2005, decorrendo daí o nascimento duma obrigação tributária em sede de IVA cuja exigibilidade por parte do Estado se verifica em fevereiro de 2006, por força do disposto nos artigos 19.º, n.º 1, 26.º, n.º 1, 28.º, n.º 1, alínea c), e 40.º, n.º 1, todos do CIVA. Por sua vez, o Requerente apresenta um documento, DOC. n.º 7 anexo à petição inicial, referente a um período anterior – novembro de 2005 - ao nascimento da obrigação tributária - através do qual pretende provar que o imposto devido (IVA) pela cessão de posição contratual se encontra pago. Estaríamos perante uma situação em que a relação jurídica tributária decorrente dos factos geradores de imposto e respetiva obrigação principal nasce em dezembro de 2005 e a correspondente obrigação acessória declarativa (declaração de substituição – Doc. n.º 7) relativa a essa relação jurídica tributária onde se pretende provar o cumprimento da obrigação principal – pagamento de imposto – seria anterior ao nascimento dessa mesma relação jurídica tributária, à qual tem associada uma obrigação principal. Não vemos como possa proceder este entendimento, tal como é questionado pela Requerida no artigo 84.º e 85.º na Resposta.
  3. O que se pode concluir é que, referentemente à cessão da posição contratual do contrato de locação financeira que tinha por objeto a embarcação ... modelo …, nasceu uma obrigação principal que consistia no dever de entregar o IVA devido nos cofres do Estado cuja exigibilidade por parte do mesmo terminava em 10 de fevereiro de 2006, e que isso não veio acontecer e que, por esse facto, se constituiu uma divida tributária desde essa data a favor do Estado. A título de obrigação acessória, a B... deveria ter declarado na sua declaração periódica de IVA referente ao período de dezembro de 2005 o valor da base tributável assim como o respetivo IVA liquidado à G... pela referida cessão de posição contratual, o que não ficou provado que o tivesse efetuado.   
  4. Aplicando-se igual princípio legal ao que foi aplicado ao contrato de cessão da posição contratual da embarcação, em termos de - qualificação jurídico tributária (prestação de serviços), facto gerador e exigibilidade em sede de IVA - ao contrato de cessão de posição contratual da B... à G..., relativa ao direito ao uso temporário de um posto de amarração na …, os Serviços de Inspeção detetaram relativamente ao ano de 2005 e ao período de dezembro, IVA em falta no montante de € 26.250,00 correspondente a uma taxa de 21% a incidir sobre o valor da cessão que foi acordado entre a B... e a G... e que ascendeu a € 125.000 (cfr. artigos 89.º e 90.º da Resposta). 
  5. Da ocorrência dos dois factos geradores de imposto em sede de IVA – as duas cessões de posição contratual – nasceram obrigações tributárias na pessoa da B... que consistiam em liquidar imposto, declarar e entregar o mesmo nos cofres do Estado, o que não veio a acontecer. Aliás, refira-se que a B... quando foi notificada em 6 de outubro de 2009 do Projeto de Correções decorrentes da inspeção ao ano de 2005, em direito de audição, não contestou a existência de imposto em falta no montante de € 117.522,45 mas apenas que não era a responsável pelo imposto em falta devido ao facto de ter havido uma fusão com a E... com efeitos a 22 de dezembro de 2006 e não poder vir a ser responsabilizada por atos praticados pelo seu gerente - (celebração de contratos de cessão de posição contratual) - o Requerente, por entender que os atos praticados por aquele tiveram como único fim o seu próprio proveito através do uso da personalidade jurídica da B... e da G..., como gerente que era de ambas.
  6. Assim, constata-se que o Estado poderia exigir à B... o pagamento do IVA devido referente às duas cessões de posição contratual a partir de 10 de fevereiro de 2006.
  7. Pode-se concluir que, com base no supra exposto e no ano de 2005, ocorreram factos tributários na esfera da B... que deram origem ao reconhecimento de obrigações tributárias e que culminaram na existência de uma dívida fiscal, exigível originariamente àquela. O que a AT fez através de procedimento inspetivo em 2009 foi exatamente o apuramento e reconhecimento da divida fiscal da B... perante o Estado, existente desde 11 de fevereiro de 2006, como consequência de a B... ser o sujeito passivo do IVA decorrente das cessões de posição contratual ocorridas em 2005. O imposto em falta a nível da B... apurado em sede de procedimento inspetivo por parte dos Serviços de Inspeção Tributária, cujo prazo de pagamento voluntário era 31 de janeiro de 2010, não foi pago por aquela, dando origem à instauração de um processo executivo, como devedora originária, conforme se provou nos autos.
  8. A dívida em causa de € 114.634,37 é certa, uma vez que o Estado como sujeito ativo da relação tributária constituída devido aos dois fatos tributários controvertidos – cessão de posição contratual - tem o direito a recebê-la, é exigível porque o Estado pode reclamar o pagamento da mesma a partir de 11 de fevereiro de 2006 e também líquida, porque se sabe, através das competentes liquidações, devidamente notificadas e fundamentadas, conforme a seguir se conclui, o montante exato da mesma – € 114.634,37 – que deu origem, por falta de pagamento por parte da B..., à emissão das certidões de dívida n.º 2010/… e n.º 2010/…, respetivamente de € 99.879,56 e € 14.754,8. Assim, pode concluir-se que a divida fiscal de € 114.634,37 (sendo € 99.879,65 de IVA e € 14.754,81 de juros compensatórios) é legal.

 

C – Legitimidade das liquidações adicionais de IVA e Juros compensatórios efetuadas à B...

  1. O Requerente refere que os atos de liquidação de IVA e juros compensatórios notificados em 2009 à B... relativos ao exercício de 2005 e ao período de dezembro, são ineficazes porque por efeito da fusão ocorrida em dezembro de 2006 com a E..., todos os direitos e obrigações se transferiram para a E... e em 2009 a B... não existia juridicamente (cfr. artigos 7.º,8.º e 9.º da petição inicial).
  2.  Mas será assim?

Vejamos,

  1. O Supremo Tribunal Administrativo (STA) já se pronunciou no Acórdão de 16 de setembro de 2009, processo n.º 0372/09, Relator: Isabel Marques da Silva (Jusnet 5350/2009) e Acórdão de 23 de setembro 2009, processo n.º 0370/09, Relator: Jorge Lino (Jusnet 5301/2009) disponíveis em www. dgsi.pt sobre o impacto em termos tributários em sede de liquidações adicionais de imposto e respetivos processos executivos associados a atos de concentração através de operações de fusão.
  2. No Acórdão de 16 de setembro de 2009, processo n.º 0372/09, esgrimiu-se doutamente o seguinte:

Como bem diz a recorrente, resulta da própria lei das sociedades comerciais - artigo 112.º alínea a) do Código das Sociedades Comerciais (CSC) -, que, nos casos de fusão por incorporação, a que se refere a alínea a) do n.º 4 do artigo 97.º do CSC [cfr., por todos, RAÚL VENTURA, Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades: Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, 3.ª reimp.da 1.ª ed. de 1990, Coimbra, 2006, p. 16 (nota 5 ao art. 97.º do CSC) e ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO (coordenador), Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coimbra, 2009, p. 323 (nota 10 ao art. 97.º do CSC)], com a inscrição da fusão no registo comercial extinguem-se as sociedades incorporadas (...) transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante (...).

Pretende a recorrente extrair da citada norma a impossibilidade jurídica de liquidação adicional de IRC à sociedade extinta bem como da consequente instauração contra ela de execução fiscal tendente à cobrança coerciva daquela dívida, devendo, no seu entender, tais atos terem como destinatária a sociedade incorporante que lhe sucedeu.

Afigura-se-nos, contudo, que não lhe assiste razão, como se demonstrará.

Independentemente da posição que se assuma acerca da natureza jurídica da fusão - matéria em que se defrontam na Europa Continental duas grandes orientações dogmáticas [como dá conta DIOGO GONÇALVES in ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO (coord.), Código das Sociedades Comerciais Anotado, cit., p. 323 (nota 9 ao art. 97.º do CSC), que aqui seguimos], a teoria da sucessão universal, em tudo semelhante à sucessão "mortis causa" e a teoria do ato modificativo das sociedades envolvidas, mediante transformação, sendo esta última a doutrina a atualmente prevalecente em Itália, França e Portugal e aquela outra a que mais se aproxima da construção germânica da "Universalsukzession", e que, sob outra designação (estinzione-creazione-sucessione universale), foi no passado prevalecente em Itália -, a extinção da personalidade jurídica própria da sociedade incorporada por fusão não tem por efeito a extinção dos seus direitos e deveres, antes, por expressa disposição legal estas se "transmitem" para a sociedade incorporante, seja porque esta sucede aquela, em conformidade com a teoria da sucessão universal, seja porque as situações jurídicas de que era titular a sociedade incorporada permanecem inalteradas ao longo do processo de fusão para se reunirem depois numa nova entidade, em conformidade com a teoria do ato modificativo.

Temos, assim, que, qualquer que seja a construção dogmática assumida quanto à natureza da fusão, esta operação de reorganização empresarial não extingue as dívidas fiscais da sociedade incorporada, ainda que tais dívidas não estivessem ainda liquidadas aquando do registo da fusão, pois que não é a liquidação, mas a verificação do facto tributário, ocorrido antes da fusão da sociedade incorporada e a ela atinente, o facto constitutivo da relação jurídica de imposto (cfr. o n.º 1 do artigo 36.º da Lei Geral Tributária), nada obstando igualmente à instauração contra a sociedade incorporada por fusão do processo de execução fiscal tendente à cobrança coerciva daquela dívida, pois que, como se escreveu no Acórdão deste Tribunal de 12 de março de 2003 (rec. n.º 1975/02) (JusNet 1914/2003), a sociedade extinta continua, de resto, a ser o sujeito da relação jurídica tributária, mesmo que a lei designe outros responsáveis pelo respetivo pagamento.(sublinhado nosso) Não implicando o fim da personalidade jurídica de um dado sujeito a extinção dos créditos dos seus credores, nada há na lei que impeça a Administração Fiscal de efetuar um ato tributário de liquidação já depois de extinta a pessoa (singular ou coletiva) sujeito passivo da obrigação jurídica tributária. Menos, de exigir o pagamento da obrigação fiscal já antes liquidada. (....)(sublinhado nosso). Em súmula, o desaparecimento da personalidade jurídica coletiva do respetivo sujeito passivo não é causa extintiva das obrigações de crédito, não obstando, pois, a que os credores façam valer os seus correspondentes direitos. Assim, a Administração Fiscal, munida de título executivo em que figura como devedora a sociedade extinta, pode fazer prosseguir (e, até, instaurar) ação executiva para a respetiva cobrança, desde que a dívida se tenha tomado exigível.

Acompanhando o citado Acórdão, conclui-se no sentido da admissibilidade da liquidação adicional de imposto e subsequente instauração da execução fiscal tendente à sua cobrança coerciva contra a sociedade extinta por fusão-incorporação,…”. O Acórdão de 23 de setembro 2009, processo n.º 0370/09, Relator: Jorge Lino (Jusnet 5301/2009) também segue a mesma linha de orientação. Assim, face à Jurisprudência citada, a AT quando efetuou as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios na pessoa da B... agiu corretamente, uma vez que a constituição do facto tributário – cessão das duas posições contratuais – ocorreu em dezembro de 2005, ainda durante a existência jurídica da B....

  1.  Deste modo, nem sequer se coloca a questão da extinção jurídica da B... por virtude da fusão, como alega o REQUERENTE, visto que os factos tributários ocorreram no período da sua existência jurídica e, portanto, muito antes da fusão e, em consequência, muito antes também do próprio registo definitivo da mesma, que ocorreu em 22 de dezembro de 2006.
  2. Como se afirma na douta decisão do Tribunal Superior, não é a liquidação de imposto, a qual ocorreu em 2009, mas a verificação do facto tributário, o facto constitutivo da relação jurídica de imposto e da obrigação tributária, conforme artigo n.º1 da LGT, o qual ocorreu em dezembro de 2005, data em que a B... existia juridicamente.
  3.    Daqui se conclui que a B... tinha legitimidade passiva à data das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios relativas ao ano de 2005 e ao período de dezembro.
  4. Não se pode deixar de concluir pela legalidade das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios relativas ao ano de 2005 e ao período de dezembro efetuadas na pessoa da B... por parte da AT. 

***

DECISÃO:

 

Termos em que acordam, neste Tribunal arbitral Coletivo, julgar improcedente o pedido formulado pelo Requerente no presente processo arbitral tributário quanto à ilegalidade das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios respeitantes ao exercício de 2005 na pessoa da B....

- Condenar o Requerente no pagamento das custas.

 

Fixa-se o valor do processo em € 114.634,37 (cento catorze mil seiscentos trinta quatro euros e trinta sete cêntimos), nos termos dos artigos 12º n.º 2 e 29º, ambos, do RJAT, do artigo 4º do Regime de Custas Processuais de Arbitragem Tributária (RCPAT), da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e artigo 97º- A do CPPT e 306.º n.º2 do Código Processo Civil (CPC).

 

Custas a cargo da entidade Requerente no valor de € 3.060,00, pelo seu decaimento, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4 do RJAT e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária. 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de junho de 2015

 

Jorge Lopes de Sousa

 

José Coutinho Pires

 

Júlio César Nunes Tormenta

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131º n.º 5 do Código Processo Civil (CPC) aplicável por remissão do artigo 29º n.º 1 alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e revistos.

 

                                             

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 68/2012-T

Tema: IVA - Cessão de Posição Contratual do Contrato de Locação Financeira

 

* Decisão Arbitral substituída pela Decisão Arbitral de 14-06-2015

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PROCESSO ARBITRAL N.º 68/2012-T - CAAD

           

DECISÃO ARBITRAL[11]

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. …, (Requerente), contribuinte fiscal n.º …, com domicílio na Avenida da …, ALCOITÃO, …ALCABIDECHE, requereu a constituição de Tribunal arbitral em 16 de abril 2012 (cfr. DOC. n.º 5 do PA[12]), ao abrigo do disposto no artigo 10º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 janeiro, doravante designado “RJAT”, e dos artigos 1º e 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, com vista à declaração de ilegalidade das liquidações adicionais n.º … e …, referentes, respetivamente, ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), no montante de €[13] 99.879,56 (noventa nove mil oitocentos e setenta nove euros e cinquenta e seis cêntimos) e respetivos juros compensatórios no montante de € 14.754,81 (catorze mil setecentos e cinquenta e quatro euros e oitenta e um cêntimos), totalizando € 114.634,37 (cento e catorze mil seiscentos trinta e quatro mil euros e trinta sete cêntimos), do ano de 2005 e ao período mensal de dezembro, notificadas à devedora originária …, Lda (…), com o número de identificação fiscal …, e entretanto revertidas contra si a título de responsabilidade subsidiária ao abrigo do estatuído no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da Lei Geral Tributária (LGT), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “AT”), cfr. documentos anexos à citação que corresponde ao DOC. n.º 1 anexo à petição inicial. O total da divida exequenda controvertida ascende a € 114.634,37.
  2. A referida dívida exequenda de € 114.634,37 foi apurada em sede de procedimento inspetivo realizado no último trimestre de 2009, dirigido à ... Lda. em sede de IVA, relativamente ao ano de 2005 e ao período mensal de dezembro e, entretanto, revertida contra o Requerente. 
  3. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos da al. a) do n.º 2, do artigo 6.º do Decreto - Lei n.º 10 /2011, de 20 de janeiro, o Conselho Deontológico da CAAD designou o coletivo de Árbitros para julgar o presente processo, composto por Benjamim da Silva Rodrigues, na qualidade de Árbitro Presidente, José Coutinho Pires e Júlio Tormenta, na qualidade de Árbitros Adjuntos.
  4. Os Árbitros aceitaram a designação efetuada, tendo o Tribunal arbitral sido constituído em 15 de junho de 2012, na sede do CAAD (cfr. ata de constituição do Tribunal arbitral).
  5. Na sessão de constituição do Tribunal arbitral o Árbitro Presidente convidou o representante do Requerente a fazer uma síntese oral dos factos e fundamentos de direito em que se consubstancia a causa de pedir, para mero conhecimento imediato por parte dos membros do Tribunal, o que veio a acontecer.
  6. Na sessão de constituição do Tribunal arbitral foi a entidade Requerida notificada para apresentar, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 17.º do RJAT, a sua Resposta tendo, no prazo legal, procedido à sua junção, instruída com o Processo Administrativo (PA) e respetivos anexos.  

 

  1. Para fundamentar o seu pedido o Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

79.1. O pedido de pronúncia arbitral tem por finalidade a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IVA e de juros compensatórios que ascendem a € 114.634,37 (cento catorze mil seiscentos trinta e quatro mil euros e trinta sete cêntimos) que estão a suportar a reversão operada contra o Requerente (cfr. DOC. n.º 1 da petição inicial e artigo 2.º da petição inicial). O montante de € 114.634,37 resultou de um procedimento inspetivo que decorreu no último trimestre de 2009, dirigido à ... Lda., em sede de IVA respeitante ao período de tributação de 1 de dezembro de 2005 a 31 de dezembro de 2005, tendo a AT efetuado liquidações adicionais à ... Lda. para efeitos de IVA e juros compensatórios com os n.ºs … e … referentes, respetivamente, ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) no montante de € 99.879,56 (noventa nove mil oitocentos e setenta nove euros e cinquenta e seis cêntimos) e respetivos Juros Compensatórios no montante de € 14.754,81 (catorze mil setecentos e cinquenta e quatro euros e oitenta e um cêntimos), totalizando € 114.634,37 (cento catorze mil seiscentos trinta e quatro mil euros e trinta sete cêntimos).

79.2. A reversão operada na pessoa do Requerente a título de responsabilidade subsidiária teve por base a falta de pagamento de IVA por parte da ... Lda. como executada, sendo por isso a devedora originária (cfr. artigos 4.º e 5.º da petição inicial).

79.3. A ... Lda. integrava o universo do Grupo …, assim como a … . A ... Lda. foi incorporada na sua totalidade na sociedade … – Gestão e Participações, S. A. (…, com o número de identificação fiscal …, através de uma operação de fusão por incorporação ao abrigo da alínea a) do n.º 4 do artigo 97.º do Código das Sociedades Comerciais, com efeitos a 22 de dezembro de 2006 (cfr. DOC. n.º 2 fls. 6 anexo à petição inicial). Por esse facto, todos os direitos e obrigações da ... Lda. foram transferidos para a … . Assim, à data das liquidações efetuadas por parte da AT decorrentes do procedimento inspetivo levada a cabo em 2009, a ... Lda. já não existia juridicamente, pelo que jamais poderia assumir a qualidade de executada e devedora originária (cfr. artigo 8.º da petição inicial). Decorre daqui, conforme alega, que todos os atos de liquidação notificados à ... Lda. estão viciados de ineficácia, assim como os atos de liquidação que se reverteram contra o Requerente (cfr. artigo 9.º da petição inicial).

79.4. Devido à falta de pagamento de imposto por parte da ... Lda. foi desencadeado o respetivo processo executivo, tendo a AT apurado, na esfera da ... Lda., a inexistência ou insuficiência de bens suscetíveis de penhora [“Da tramitação constante do processo de execução fiscal n.º …  e …, verifica-se que a devedora principal “... – IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO; LDA; NIPC …” não possui bens que garantam o pagamento de dívida e acrescido, nomeadamente (…) Fundamenta a presente afirmação, as diligências de penhora efetuadas e documentadas no referido processo de execução fiscal. Consequentemente, verifica-se a inexistência do património da executada para solver a dívida, ao abrigo do art.º 153.º,n.º 2 do CPPT ”] (cfr. artigo 12.º da petição inicial).

79.5. Pelo facto de a ... Lda. se ter incorporado na … era expectável que as diligências efetuadas pela AT conduzissem à constatação de falta de património societário adequado a solver a dívida tributária e quem deveria responder pela dívida tributária a título de devedor originário deveria ser a … e não a ... Lda, porque esta não existia juridicamente à data das liquidações adicionais. Assim, todas as diligências constantes nos autos que tentam demonstrar falta de património a nível da ... Lda deveriam ter sido efetuadas na esfera jurídica da … sob pena de violação do princípio de excussão prévia, não obstante a … ter entrado em situação de insolvência (cfr. artigos 13.º e 14.º da petição inicial).

79.6. Operou-se a reversão da execução da dívida da ... Lda. na pessoa do Requerente a título de responsabilidade subsidiária (cfr. DOC. n.º 1 anexo à petição inicial e artigo 17.º da mesma, e com a qual não concorda). O Requerente exerceu a gerência de facto e de direito da sociedade ... Lda. até à data de incorporação da mesma na … e à data do facto gerador de imposto que deram origem às liquidações adicionais (cfr. artigo 17.º a 21.º da petição inicial). Também é referido pelo Requerente que: [“…mas já quanto ao momento da notificação para pagamento do imposto entretanto revertido, deve dizer-se, in limine, que, atendendo a que o prazo para pagamento voluntário terminou em 31.1.2010, há muito que aquele havia deixado a administração da … (o que, como dito, ocorreu em 24.3.2008), o que obstava a que se pudesse efetivar a reversão ao abrigo da alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT, aliás, tal como parece continuar a almejar a Fazenda.] (cfr. artigo 21.º da petição inicial).

79.7. Exerceu o direito de audição em sede de reversão do responsável subsidiário (cfr. DOC. n.º 4 anexo à petição inicial), tendo a AT mantido a sua decisão de concretizar a reversão da dívida fiscal contra o Requerente e, por isso, se viu citado no processo executivo intentado pela Requerida (cfr. artigo 25.º e 26.º da petição inicial). Assim, pelo facto de não haver lugar à exigibilidade da dívida tributária e de preterição de formalidade essencial, intentou uma ação judicial através da oposição à execução (cfr. artigo 27.º da petição inicial e fls. 177.º a 225.º do PA).

79.8. A ... Lda. celebrou, em 19 de setembro de 2001, com o Banco … um contrato de locação financeira, contrato n.º …, que tinha por objeto uma embarcação … (cfr. referido pela ... no exercício de audição prévia ao Projeto de Correções relativo ao ano de 2005 e ao período mensal de dezembro, cfr. artigo 33.º da petição inicial e DOC. n.º 6 Anexos 1e 2 anexos à petição inicial, assim como fls. 177/192 Anexo ao PA referentes ao ponto II 3 DOS FACTOS em sede de direito de audição por parte da ... relativo ao Projeto de Correções por parte da AT).

79.9. A ... Lda., antes de ser incorporada na …, faturou à sociedade …[14] a cessão duma embarcação pelo valor da € 518.754,69 acrescido de IVA à taxa vigente à data de 21%, no montante de € 108.938,48 totalizando € 627.693,17 (cfr DOC. n.º 5 anexo à petição inicial - fatura n.º 1283 de 30 de novembro de 2005, e artigo 31.º da petição inicial). O diferencial de € 5.695, 89 será o valor que corresponde aos juros compensatórios liquidados pela AT. Assim, a liquidação que está a suportar a reversão contra o Requerente respeita ao IVA e juros compensatórios conexos com a cessão de posição contratual da referida embarcação. Mais afirma o Requerente que o IVA relativamente à cessão da posição contratual terá sido liquidado oficiosamente na sequência do procedimento inspetivo dirigido à ... que não foi dado a conhecer pela AT ao Requerente, incumprindo com o estatuído no n.º 4 do artigo 22.º do LGT no que diz respeito à obrigatoriedade de apresentação dos elementos essenciais das liquidações revertidas incluindo a sua fundamentação e por isso a liquidação objeto de pronúncia arbitral enferma do vício de falta de fundamentação (cfr. artigo 31.º da petição inicial).

79.10. O valor constante do DOC. n.º 5 anexo à petição inicial (fatura n.º 1283 de 30 de novembro de 2005) referente à cessão da embarcação e que na mesma corresponde ao item “IATE” corresponde ao montante das rendas vencidas pagas pela locatária (...) ao locador (Banco …) (cfr. artigo 32.º da petição inicial).

79.11. A cessão da posição contratual da ... Lda., como locatária, do contrato de locação financeira mobiliária celebrado com o Banco … referente à embarcação operou-se a favor da …&… (cfr. Contrato de Cessão de Posição Contratual do Contrato de Locação Financeira n.º … celebrado entre a ... (cedente), …&… (cessionário) e o Banco …, datado de 7 de dezembro de 2005; DOC. n.º 6 Anexo 1 anexo à petição inicial).

79.12. Por força do Contrato de Cessão da Posição Contratual acima mencionado, a …&… passou a assumir a responsabilidade pelo pagamento das rendas vincendas assim como o respetivo valor residual caso exerça a opção de compra, tendo sido acordado que a …&… não pagaria qualquer indemnização à ... Lda. pela cessão da posição contratual, conforme o estabelecido na cláusula 3 do referido Contrato de Cessão de Posição Contratual.

79.13. Como consequência do cumprimento de vínculo contratual autónomo (meramente verbal), a …&… aceitou pagar à ... Lda. o montante das rendas vencidas, consubstanciando-se nesse novo vínculo a contrapartida da cessão, sujeitando o montante correspondente a IVA que foi liquidado e entregue nos cofres do Estado (cfr. artigo 35.º da petição inicial).

79.14.  Em termos de IVA, só haverá tributação da cessão da posição contratual se o cedente for compensado (por via da perceção de uma qualquer contrapartida) ou indemnizado pela transmissibilidade da sua posição contratual, conforme é defendido pela Direção de Serviços de IVA, quer pelo próprio Requerente quer pelo TJCE (Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias), o que no caso controvertido da cessão de posição contratual relativa à embarcação, isso não aconteceu, conforme cláusula 3 do Contrato de Cessão de Posição Contratual do Contrato de Locação Financeira n.º … celebrado entre a ... (cedente), …&… (cessionário) e Banco … datado de 7 de dezembro de 2005 correspondente ao DOC, n.º 6 Anexo 1 anexo à petição inicial (cfr. artigo 114.º da petição inicial).

79.15. Relativamente à cessão da posição contratual da ... Lda. à …&…  referente ao Contrato de Locação Financeira n.º …  de 7 de dezembro de 2005, foi pactuada a gratuitidade da mesma havendo num segundo momento um vínculo contratual autónomo ao abrigo do qual a ... Lda. faturou a …&… (fatura n.º 1283 – DOC. n.º 5 anexo à petição inicial) pelo montante das rendas já vencidas e pagas pela ... ao Banco … ao abrigo do Contrato de Locação Financeira n.º … de 7 de dezembro de 2005 no montante total de € 627.693,17 correspondentes a uma base tributável de € 518.754,69 acrescida do IVA correspondente à taxa de 21% de € 108.938,48. O montante de IVA liquidado pela ... Lda. à …&… foi entregue nos cofres do Estado conforme se pode inferir da leitura do DOC. n.º 7 anexo à petição inicial que tem no seu campo 3 (base tributável) o montante de € 711.571,09 e no campo 4 (Imposto a favor do Estado) o valor de € 149.429,93 e que corresponde exatamente ao valor das operações normais daquele período de tributação acrescido da liquidação do IVA associado à cessão e que está inscrito na fatura… . Assim, a cessão gratuita no âmbito contratual de uma locação financeira mobiliária que tem por objeto uma embarcação, entre cedente (...Lda.), cessionário (…&…) e locador (Banco …) passou de gratuita a onerosa (cfr. artigo 116.º da petição inicial).

79.16. Caso proceda a liquidação que a AT se propõe realizar na pessoa do Requerente, a mesma enfermará do vício de duplicação de coleta e por isso a liquidação será ilegal. O mesmo facto gerador (cessão da posição contratual) não pode estar sujeito a tributação no âmbito do relacionamento contratual que faz modificar subjetivamente, i.e., substituição de locatários, a relação de locação financeira, e, depois novamente, haja tributação pelo mesmo facto gerador no âmbito do relacionamento entre cedente e cessionário, em que ambos acordam dar configuração onerosa à cessão de posição contratual operada, ao abrigo do qual, o cessionário (…&…) resolve compensar, por um montante igual às rendas vencidas e já pagas pelo cedente (...) ao locador (Banco …) (cfr. artigo 117.º da petição inicial).

79.17. Relativamente à cedência da posição contratual da ... Lda., como titular de um “Contrato de Cedência Temporária de Direito Exclusivo de Utilização do Posto de Acostagem n.º …” sito na Marina de …, celebrado com a …, a favor da …&…, a mesma estaria isenta por força do artigo 32.º do artigo 9.º do CIVA e de Jurisprudência da União Europeia em sede de IVA com o fundamento de (que) uma vez que nas rendas previamente debitadas pela … à ... Lda. em que foi liquidado IVA, esta (...) nunca deduziu o mesmo (cfr. artigo 136.º da petição inicial).

79.18. O Requerente juntou 7 documentos e procuração forense.

 

  1. Em 2 de julho de 2012, a Requerida, notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta à petição inicial do Requerente na qual impugna especificadamente os argumentos aduzidos, alegando o seguinte:

80.1. O Requerente solicita ao Tribunal arbitral que se pronuncie sobre a legalidade do ato de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios respeitantes ao mês de dezembro do ano de 2005, no montante total de € 114.634,37, revertida contra si na qualidade de responsável subsidiário, enquanto gerente da devedora originária, a empresa... Lda. (cfr. artigo 1.º da Resposta).

80.2. Que, segundo o Requerente o imposto revertido em sede de execução fiscal foi liquidado e pago pela... Lda. e por isso a liquidação de imposto em sede de IVA e dos correspondentes juros compensatórios referente ao exercício fiscal de 2005 correspondente ao período de dezembro é ilegal por vício de duplicação de coleta (cfr. artigo 2.º da Resposta).

80.3. A devedora originária do imposto, ... Lda., cessou a sua atividade para efeitos de IVA e IRC em 22 de dezembro de 2006 devido a uma operação de fusão ocorrida no ano de 2006 (cfr. artigo 4.º da Resposta).

80.4. A ... Lda. celebrou dois contratos de cessão de posições contratuais com a sociedade … &… que deram origem às liquidações de impostos controvertidas nos presentes autos. Os dois contratos de cessão de posição contratual diziam respeito a:

80.4.1. um de locação financeira com o n.º … celebrado em 19 de setembro de 2001 com o Banco … que tinha por objeto uma embarcação de recreio modelo V65 (cfr. artigo 18.º da Resposta).

 

80.4.2.  outro relativo ao direito de utilização exclusiva de um posto de acostagem na Marina de … (cfr. artigo 19.º da Resposta).

80.5. O contrato de cedência de posição contratual da embarcação foi celebrado em 7 de dezembro de 2005 (cfr. fls. 5 e 6 dos Anexos ao PA) sendo à data do fato o Requerente gerente da ... Lda. e …&… (cfr. artigo 21.º da Resposta).

80.6. A cessão de posição contratual da embarcação não foi efetuada a título gratuito, apesar de na cláusula 3 do referido contrato de cessão estar estipulado a gratuitidade, “… pois face aos elementos contabilísticos e no que é a sua interpretação uniforme e seguida em todas situações idênticas, que o mesmo tinha natureza onerosa, considerando ser € 434.630,70 o valor tributável sobre o qual incide o IVA à taxa de 21% no montante de € 91.272,45 (cfr. fls. 12 do Anexo ao PA;. artigos 22, 24 e 25 da Resposta).

80.7. O valor de € 434.630,70 foi obtido na contabilidade da …&… (cfr. fls. 4 do Anexo do PA), apesar de o Requerente afirmar na petição inicial que a referida cessão de posição contratual da embarcação ser formalmente gratuita e em momento posterior acordarem verbalmente o pagamento de € 518.754,69 acrescido de IVA no montante de € 108.938,48 que considera ter sido liquidado e pago à Fazenda por parte da ... (cfr. artigo 27 da Resposta).

80.8. A Requerida refere que “… apesar de o iate constar das contabilidades de … & …, no valor supra referido de 434,634,70 €, aparece nos documentos da ... Lda., contabilizado pela importância de 518.754,69 € (fatura e recibo 1283 da ...-, Lda, junto pelo A.”(cfr. artigo 28.º da Resposta).

 

80.9. Relativamente à cedência de posição contratual da ... Lda. no contrato de cedência temporária do direito exclusivo de utilização de um posto de acostagem de embarcação na Marina de … datado de 2005, estipula-se na cláusula 1.ª o valor da cedência de € 125.000,00 sobre o qual incide IVA à taxa correspondente de 21% na importância de € de 26.250,00, o mesmo não tinha sido pago pela ... Lda. encontrando-se assim em dívida (cfr. artigo 28.º da Resposta), pelo que a totalidade do imposto relativo à cedência de posição contratual da embarcação e do posto de amarração na Marina de …, considerado em falta pelos Serviços de Inspeção Tributária, é de € 117.522,45 (cfr. fls. 2, 12,42,48,49,85,87 e 106 dos Anexos do PA; artigo 31.º da Resposta).

80.10. Como consequência de um procedimento inspetivo à …&… e da análise à sua contabilidade, a AT verificou a existência de cedência de posições contratuais da ... Lda. à …&… relativamente a um contrato de locação financeira que tinha por objeto uma embarcação … modelo V65 no montante de € 434.630,70, e a um contrato de cedência temporária do direito exclusivo de utilização de um posto de acostagem de embarcação na Marina de … no valor de € 125.000, sem que tivesse havido liquidação de IVA no montante total de € 117.522,45 por parte da ... à …&… e entrega do mesmo nos cofres do Estado, determinando-se por isso a abertura de um procedimento inspetivo à ... (cfr. fls. 2 a 23 dos Anexos ao PA; artigo 33.º da Resposta).

80.11. Decorrente do procedimento inspetivo à ... Lda., a mesma foi chamada a pronunciar-se para efeitos de audição prévia (cfr. fls. 57 a 63 dos Anexos ao PA; artigo 34.º da Resposta).

80.12. A ... Lda. exerceu o seu direito, mantendo a AT a sua decisão de liquidar o imposto em falta à ... Lda., tendo esta sido notificada (cfr. fls, 83 a 87, e 94 a 108 dos Anexos ao PA) e dando origem paralelamente a um processo de contra-ordenação fiscal por falta de entrega da prestação tributária (cfr. fls 88 a 92 dos Anexos ao PA; artigos 35.º e 36.º da Resposta).

80.13. Foi instaurado um processo de execução fiscal na pessoa da ... Lda. para cobrança coerciva do imposto em falta no montante total de € 114.634,37 sendo € 98.879,56[15] de IVA (valor decorrente de acertos de liquidação dos referidos € 117.634,37) e de € 14.754,81 de juros compensatórios (cfr. fls. 15 a 272 dos Anexos ao PA; artigo 37.º da Resposta).

80.14. Resultante da constatação de inexistência de bens penhoráveis da devedora originária (cfr. fls. 40 e 43 dos Anexos ao PA), foi instaurado processo de reversão fiscal contra o Requerente na qualidade de responsável subsidiário para pagamento da dívida por ser ao tempo da sua constituição, o gerente da ... (cfr. fls. 39 a 44 dos Anexos ao PA; artigo 38.º da Resposta).

80.15. Do total da dívida exequenda no montante de € 138.189,86, decomposto por imposto em falta (IVA) no montante de € 99.879,56 relativo a cessão de posições contratuais, € 14.634,37 a título de juros compensatórios e de € 23.555,49 de coimas, somente € 114.634,37 relativamente a imposto em falta em sede de IVA (€ 99.879,56) e juros compensatórios (€ 14.754,81) serão objeto de pronúncia arbitral (cfr. artigo 39.º da Resposta).

80.16. O Requerente foi notificado para exercer o seu direito de audição prévia (cfr. fls. 45 a 50 dos Anexos ao PA) em 30 de dezembro de 2011 (cfr. fls 57 a 91 dos Anexos ao PA), alegando que a partir de 24 de março de 2008 deixou de exercer funções na … S.A. (sociedade que incorporou a ... Lda.), razão pela qual não poderia vir a ser responsabilizado pelo pagamento da dívida tributária (cfr. artigo 40.º da Resposta).

80.17. A Requerida decidiu manter a reversão contra o Requerente a título de responsável subsidiário (cfr. fls. 153 e 154 dos Anexos ao PA com os fundamentos constantes das fls. 93 a 96 dos Anexos ao PA, i.e., que o pagamento do imposto deveria ter sido efetuado até ao dia 10 de fevereiro de 2006, data em que o Requerente era de facto gerente de direito e de facto da ... Lda. e culminado na citação do mesmo; artigo 41.º da Resposta). O Requerente exerceu em 27 de fevereiro de 2012 o direito à oposição fiscal (cfr. fls. 177 a 272 dos Anexos ao PA), alegando inexistência de culpa sua na falta de pagamento do imposto em dívida (cfr. artigo 42.º da Resposta).

80.18. Nos artigos 43.º a 52.º da Resposta, a Requerida enumera os argumentos aduzidos pelo Requerente e respetivos fundamentos que a seguir sumariamente se identificam:

80.18.1. Ineficácia dos atos do processo de execução fiscal na pessoa da ...  Lda. e por reversão contra o Requerente pela simples razão de que a ... Lda. foi incorporada na … e por esse facto quem deve ser considerado devedor originário é a … e não a ... Lda.  (argumento nº1) (cfr. artigo 43.º da Resposta).

80.18.2. O Requerente foi gerente da … apenas até 24 de março de 2008 e a partir dessa data terem sido nomeados novos órgãos sociais (argumento n.º2) (cfr. artigo 44.º da Resposta).

80.18.3. O Requerente era gerente de facto e de direito da ... Lda. à data de verificação do facto gerador do imposto, mas já não o era à data de notificação para o pagamento do imposto, cujo prazo de pagamento voluntário era 31 de janeiro de 2010 (argumento nº 3) (cfr. artigo 45.º da Resposta).

80.18.4. A AT ter desconsiderado o documento em que o Requerente exerceu o direito de audição prévia relativamente ao projeto de decisão de reversão de execução fiscal contra aquele (argumento n.º 4) (cfr. artigo 46.º da Resposta).

80.18.5. Omissão do dever de fundamentação por parte da AT por não ter tido acesso aos dados da liquidação de imposto à ... Lda. (argumento n.º5) (cfr. artigo 47.º da Resposta);

80.18.6. Relativamente à cessão de posição contratual da ... Lda. (cedente) à …&… (cessionário) relativa ao contrato de locação financeira que tem por objeto a embarcação … V54 a mesma inicialmente gratuita, evoluiu para uma forma onerosa, através dum vínculo contratual autónomo verbal. A contraprestação total no montante de € 627.693,17 correspondia ao montante de € 518.754,69, a título de rendas vencidas, acrescidas de € 108.938,48, correspondente ao IVA já entregue pela ... Lda. nos cofres do Estado. Uma nova liquidação de imposto que considera já pago configurará uma duplicação de coleta atendendo aos elementos constituintes do instituto de duplicação de coleta, a saber: unicidade do facto tributário, identidade do imposto, período de imposto, não sendo relevante quaisquer divergências no imposto que tenha sido já liquidado (argumento n.º 6) (cfr. artigo 49.º da Resposta).

80.18.7. Relativamente às rendas debitadas pela … à ... Lda. ao abrigo do contrato de utilização do posto de acostagem na Marina de …, em relação ao IVA liquidado por parte da 1.ª à 2ª, não houve dedução de IVA por parte da ... Lda. pelo que a cedência da posição contratual da ... Lda. à …&… estaria isenta de IVA (argumento n.º 7) (cfr. artigo 50.º da Resposta). Igualmente acrescenta que, só no caso de haver compensação nas cessões de posição contratual, as mesmas estarão sujeitas a IVA (cfr. artigo 51.º da Resposta).

80.19. Relativamente aos argumentos invocados pelo Requerente, a Requerida contesta-os da seguinte forma:

80.19.1. Quanto à ineficácia dos atos do processo de execução fiscal instaurado contra a ... Lda. e por reversão contra o Requerente pela razão de não dever ser a ... Lda. a devedora originária mas sim a … devido à fusão entretanto ocorrida, a ... Lda. pronunciou-se em 19 de outubro de 2009 no exercício do direito de audição prévia sobre o Projeto de Correções do Relatório dos Serviços de Inspeção Tributária (cfr. fls. 65 a 82 do Anexos ao PA; artigos 52.º e 53.º da Resposta). Adicionalmente, e ainda em sede de audição prévia ao Projeto de Correções do Relatório dos Serviços de Inspeção Tributária relativamente aos dois factos tributários controvertidos – cessão da posição contratual da embarcação e do posto de acostagem - a ... Lda. não invocou o vício de duplicação de coleta mas os fundamentos plasmados no artigo 59.º da Resposta e como tal, a ... Lda. é a devedora originária do IVA apurado em falta no valor de € 117.522,45, executada originariamente em sede de processo de execução fiscal, reconhecendo em outubro de 2009 que o imposto não foi pago encontrando-se em dívida, alegando não ser a responsável pelo seu pagamento, mas sim o seu gerente na pessoa do Requerente (cfr. artigo 60.º da Resposta).

80.19.2. Como consequência de procedimentos inspetivos à ... Lda. e à …&…, os Serviços de Inspeção Tributária constataram que nas duas operações tributáveis controvertidas – cedência de posição contratual, quer no contrato de locação financeira que tem por objeto uma embarcação, quer no contrato de cedência temporária de um posto de acostagem na Marina de …, não houve liquidação por parte do cedente (...) ao cessionário (…&…) e pagamento/entrega do IVA devido por parte do cedente (...) nos cofres do Estado. As operações controvertidas tiveram uma contraprestação e, por isso, a questão da gratuitidade não se levantou e face ao regime legal do IVA, as referidas cedências de posição contratual são operações tributáveis sujeitas a IVA a título de prestação de serviços, conforme regime geral do IVA e doutrina assente pela Direção dos Serviços do IVA através da informação n.º … de 22 de agosto de 1995. Decorre daqui que a liquidação adicional efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária à ... Lda. em sede de IVA relativamente às duas operações tributáveis controvertidas é legal (cfr. artigos 71.º a 72.º da Resposta).  

80.19.3. O objeto e pedido do presente processo arbitral tem a ver com a declaração da ilegalidade ou não da liquidação do imposto e não o da legalidade da reversão da execução fiscal, embora não possa deixar de contraditar o Requerente. Assim, a reversão da execução fiscal para a cobrança do IVA em dívida e respetivos juros operada na pessoa do Requerente, deu-se a título de responsável subsidiário pela inexistência de bens penhoráveis na pessoa da ... Lda. a título de devedor originário, uma vez que o mesmo exercia funções de gerência a nível da ... Lda.  e ... na data (dezembro de 2005) da verificação das operações tributáveis – cessão da posição contratual nos contratos de locação financeira da embarcação e do posto de acostagem – entre as duas sociedades anteriormente referidas. Ora, o Requerente deixou de exercer funções de gerente na ... Lda. em 22 de dezembro de 2006 (por efeito de fusão) e administrador na L… em 24 de março de 2008, pelo que não existe qualquer indício que afaste a sua culpa funcional no não pagamento do imposto em dívida (cfr. artigos 72.º a 76.º da Resposta).

80.19.4. A divida do IVA é referente ao período de dezembro de 2005 pelo que a declaração periódica referente ao respetivo período, deverá ser entregue até 10 de fevereiro de 2006 acompanhada do correspondente meio de pagamento, uma vez que o imposto se tornou exigível nessa data, i.e., 10 de fevereiro de 2006 (cfr. artigo 77.º da Resposta). Acresce que, de acordo com a alínea b) n.º1 do artigo 24.º da LGT, os gerentes são responsáveis subsidiários pelas dívidas cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do cargo, pelo que a reversão da execução fiscal operada na pessoa do Requerente foi legal (cfr. artigo 78 da Resposta).

80.19.5. O Requerente vem arguir como principal argumento e objeto do pedido de pronúncia arbitral de que o imposto já foi liquidado e pago, pelo que se estaria face a uma duplicação de coleta caso a pretensão da Requerida fosse procedente. O Requerente para justificar a sua pretensão, apresenta o DOC. n.º 7 “comprovativo da entrega da declaração – via internet” anexo à petição inicial, como documento comprovativo da liquidação e pagamento do imposto referente às duas operações tributáveis (cfr. artigo 79 da Resposta).

80.19.6.  A Requerida reafirma que o imposto decorrente das duas operações tributáveis não foi liquidado nem pago e relativamente ao documento n.º 7 anexo à petição inicial (declaração periódica de substituição para efeitos de IVA referente a novembro de 2005), o mesmo (documento) não permite concluir que o imposto relativamente às duas operações tributáveis foi declarado e pago (cfr. artigos 80.º e 81.º da Resposta), pelas seguintes razões:

  1. O contrato de cessão da posição contratual da embarcação foi celebrado no dia 7 de dezembro de 2005 (cfr. fls. 5 e 6 dos Anexos ao PA) devendo o IVA correspondente à operação no montante de € 91.272,45 ter sido declarado e pago até ao dia 10 de fevereiro de 2006 (cfr. artigo 82.º da Resposta).
  2. O DOC. n.º 7 anexo à petição inicial diz respeito a uma declaração periódica de substituição para efeitos de IVA referente ao mês de novembro de 2005 tendo sido entregue em 23 de janeiro de 2006 (cfr. artigo 83.º da Resposta).
  3. Assim, como se pode pretender considerar pago o imposto que foi declarado e pago por referência a um período mensal do IVA (novembro de 2005) prévio ao mês que geraria, no futuro, a sua obrigação (dezembro) (cfr. artigo 84.º da Resposta).
  4. Na dita declaração periódica de substituição, existe um montante de € 711.571,09 constantes do campo 3 como base tributável e o Requerente não efetuou qualquer prova que nesse montante estivesse incluído o valor referente à cessão da posição contratual da embarcação (cfr. artigo 85.º da Resposta).

80.19.7. O valor declarado e pago pela ... Lda. relativo ao mês de dezembro de 2005, mês da celebração do contrato de cessão de posição contratual da embarcação, foi de € 17.642, 89, muito inferior aos € 91.272,45 (cfr. artigo 86.º da Resposta).

80.19.8. O Requerente não efetuou qualquer prova que o IVA relativo à cessão do posto de acostagem tenha sido previamente deduzido pela ... Lda., (cfr. artigo 87.º da Resposta).

 

80.20. O Requerente não tem razão quando alega que teve falta de informação relativamente ao procedimento levado a cabo pela AT a nível da ... Lda., pelo facto de, conforme DOC. n.º 6 anexo à petição inicial, a ... Lda. ter sido notificada do  Projeto de Correções do Relatório da Inspeção Tributária (cfr. artigo 88.º da Resposta).

80.21. A Requerida conclui que:

80.21.1. Na sequência de um procedimento inspetivo à ... Lda., aquela cedeu à …&… a sua posição contratual em dois contratos, um de locação financeira de uma embarcação de recreio e outro de um direito de utilização exclusiva de um posto de amarração na Marina de …, nos montantes respetivamente de € 434.630,70 e € 125.000,00,e, à data da celebração dos contratos de cedência de posição contratual, dezembro de 2005, o Requerente era gerente tanto da ... Lda. como da …&… (cfr. artigo 89.º da Resposta).

80.21.2. As ditas cessões de posição contratual, ambas onerosas, nos termos do artigo 4.º n.º do CIVA, estão sujeitas a IVA nos valores respetivamente de € 91.272,45 e € 26.250,00 (cfr. artigo 90.º da Resposta). 

80.21.3. O valor apurado pelos Serviços de Inspeção Tributária no montante de € 114.634,37 corresponde ao IVA relativo às duas operações de cessão de posição contratual no montante de € 99.879,56 e juros compensatórios de € 14.754,81, não foi pago voluntariamente pela ... Lda. (cfr. artigo 91.º da Resposta).

80.21.4. A ... Lda. em sede de audição prévia sobre o Projeto de Relatório de Inspeção reconhece a dívida, i.e., o imposto não foi pago mas considera que o devedor da mesma é o Requerente, dada a utilização da embarcação e do posto de amarração para uso pessoal do mesmo e não da sua atividade (comércio de automóveis) (cfr. artigo 92.º da Resposta).

80.21.5. Devido à inexistência de bens penhoráveis a nível da ... Lda. e pelo facto de o Requerente ser o gerente de facto e de direito da mesma à data dos factos tributários, dezembro de 2005, o processo de execução fiscal foi revertido contra o Requerente ao abrigo da alínea b) do n.º1 do artigo 24º da LGT (Lei Geral Tributária) (cfr. artigo 93.º da Resposta).

80.21.6. Não existe duplicação de coleta pois as operações tributáveis reportam-se a dezembro de 2005 e a declaração de IVA que o Requerente pretende demonstrar a liquidação e pagamento do imposto em falta, reporta-se ao mês de novembro de 2005, isto é, a data anterior à própria celebração do negócio jurídico (cessão da posição contratual da ... Lda. a favor da …&… relativamente à embarcação) (cfr. artigo 94.º da Resposta). A ... Lda. estava incluída no regime normal de IVA de periodicidade mensal.

80.21.7. A declaração periódica de IVA onde o Requerente pretende considerar o imposto incluído o imposto em falta, sem o demonstrar, é de data anterior à data de celebração do negócio jurídico (cessão de posição contratual da posição de locatário no contrato de locação financeira que tem por objeto a embarcação) que faria nascer a obrigação tributária (cfr. artigo 95.º da Resposta).

80.21.8. O imposto em falta (IVA) relativo às cessões de posição contratual referentes à embarcação e posto de acostagem não foram incluídas pela ... Lda. (como cedente) na declaração periódica de IVA referente ao mês de dezembro de 2005 (cfr. artigo 95.º da Resposta).   

80.22. A Requerida juntou à Resposta o Processo Administrativo e respetivos Anexos e arrolou 1 (uma) testemunha.

  1. No dia 10 de julho de 2012 pelas 14:30 horas no CAAD – Centro de Arbitragem Tributária – na Av. Duque de Loulé, n.º 72 – A, em Lisboa, o Tribunal reuniu, em segunda sessão a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde a Requerida disse que pretendia que fosse inquirida a testemunha por si arrolada na Resposta, a qual tinha sido a autora do relatório de inspeção, para concretizar os factos relacionados com a alegação feita pelo Requerente do pagamento do imposto cuja legalidade aqui se impugna e, nomeadamente, com a interpretação factual do documento em que o Requerente fundamenta a alegação do pagamento desse imposto. O Tribunal, após conferenciar entre si, decidiu por unanimidade autorizar a produção de prova testemunhal da AT para o dia 5 de setembro de 2012, pelas 14h 30m, nas instalações do CAAD. A prova seria gravada. Foi igualmente decidido pelo Tribunal, por unanimidade, deferir o pedido do Requerente no sentido de ser possibilitada a apresentação de alegações por escrito, ao invés de orais, fixando-se um prazo de 10 dias a contar da produção de prova testemunhal.
  2. Devido a reagendamento de reunião, no dia 26 de setembro de 2012 pelas 15:30 horas no CAAD – Centro de Arbitragem Tributária – na Av. Duque de Loulé, n.º 72 – A, em Lisboa, o Tribunal reuniu, em terceira sessão a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo a testemunha arrolada pela Requerida sido chamada pelo Senhor Árbitro Presidente, prestado juramento legal e informado que exercia funções de inspetora tributária. A testemunha foi inquirida diretamente pelos representante e por esta ordem da Requerida e do Requerente tendo igualmente respondido às questões colocadas pelo Tribunal.
  3.  Durante o depoimento da testemunha, a mesma exibiu um documento que correspondia a uma fatura com um número igual (fatura n.º … emitida em 30 de novembro de 2005 pela ... Lda. à …&…) à apresentada pelo Requerente e já anexa aos autos (DOC. n.º 5 anexo à petição inicial – fatura … emitida em 30 de novembro de 2005 pela ... à …&…) com a diferença que na fatura apresentada pela testemunha eram identificados dois bens [IATE e Jaguar (…-…-…] enquanto na fatura apresentada pelo Requerente eram identificados três bens [Iate; Jaguar (…-…-…) e Mercedes Vito (…-…-…)]. De igual modo relativamente às duas faturas foram detetadas diferenças formais em termos de logotipos nelas impressos e ao software licenciado para a sua emissão. Uma vez que o Tribunal arbitral não teve possibilidade imediata de averiguar se o documento apresentado pela testemunha corresponde a um exemplar arquivado na Direção de Finanças como a mesma refere, como também não sabe se o documento apresentado pelo Requerente foi analisado e tido em conta no procedimento inspetivo de que foi objeto a ... Lda., sendo certo que o documento apresentado pela testemunha foi por ela dado como adquirido no procedimento inspetivo à …&…, o Tribunal arbitral oficiou em 28 de setembro de 2012 à Direção de Finanças de Lisboa para que a mesma informe:

83.1. Se o documento exibido pela testemunha corresponde ao documento arquivado nesses serviços decorrente do processo inspetivo levado a cabo à …&… relativo ao ano de 2005 em sede de IVA.

83.2. Se o documento apresentado pelo Requerente como Doc. n.º 5 anexo à petição inicial corresponde a exemplar que exista em qualquer procedimento inspetivo à ... Lda. com o número de contribuinte n.º … relativamente ao ano de 2005 em sede de IVA ou à …&… com o número de contribuinte n.º…, também igualmente referente ao mesmo período e imposto.

 

83.3. Não houve objeções por parte do Requerente e Requerida quanto ao decidido pelo Tribunal arbitral quanto ao pedido a efetuar à Direção de Finanças.

  1. O Tribunal arbitral decidiu conceder às partes um prazo de 10 dias para se pronunciarem sobre as informações prestadas pela Direção de Finanças tendo igualmente sido dado um prazo adicional de mais 10 dias para além daqueles que foram concedidos para a produção de alegações escritas.
  2. O Tribunal arbitral comunicou que a decisão seria proferida até ao dia 28 de novembro de 2012.
  3. Em 28 de setembro 2012, o requerente através do seu mandatário enviou ao CAAD um requerimento a solicitar ao Tribunal arbitral prova adicional invocando, como ponto prévio, dificuldade na obtenção de prova necessária à factualidade existente nos autos resultante de uma situação de litígio com a devedora originária. Salientou que decorrente da audiência realizada em 26 de setembro 2012 onde foi inquirida a testemunha arrolada pela Requerida onde a mesma levantou a questão da junção do documento n.º 7 anexo à petição inicial que, segundo a mesma, o referido documento não provava o pagamento do imposto apurado nos termos dos artigos 19.º e seguintes do CIVA relativo ao período de novembro de 2005. Assim, requereu que o Tribunal arbitral interpelasse a Requerida no sentido de esta juntar prova de que o Requerente, para efeitos de IVA, para além do cumprimento da obrigação declarativa reportada ao período de tributação de novembro de 2005 através da entrega da declaração periódica Modelo A e subsequente declaração de substituição Modelo C, também cumpriu a obrigação principal, isto é, o do pagamento de imposto através do envio do meio de pagamento correspondente e das declarações anteriormente mencionadas.
  4. Em 2 de outubro 2010, a Requerida foi notificada do requerimento enviado pelo Requerente em 28 de setembro 2012 e, para querendo, exercer o contraditório, o que veio a acontecer em 12 de outubro de 2012. Em sede de contraditório a Requerida opôs-se ao pedido do Requerente afirmando “A Requerida AT, ouvida, veio opor-se ao pedido, dizendo nunca ter suscitado a dúvida de que o imposto apurado pelo sujeito passivo no mês de novembro de 2005 tenha sido pago, mas a de que o Requerente não exibiu a documentação que serviu de base ao apuramento do imposto constante da declaração, o que impossibilita a verificação dos elementos nela indicados, designadamente da respetiva base tributável e, por outro lado, que a matéria controvertida não contende com a venda do iate a que se reporta a fatura n.º … datada de 30.11.2005 (incluída naquele período de tributação), mas a cessão de posição contratual no contrato de leasing celebrado com o Banco …, em dezembro de 2005 e, finalmente, que, de acordo com o art.º 74.º da LGT, incumbia ao Requerente o ónus da prova de que o imposto relativo a este facto tributário autónomo estava pago.”
  5.   O Tribunal arbitral em 16 de outubro decidiu por unanimidade indeferir o pedido do Requerente em 28 de setembro de 2012, com base nos seguintes fundamentos:

88.1. O DOC. n.º 7 anexado pelo Requerente na petição inicial não comprova qualquer pagamento de imposto mas sim para declarar o imposto e a base tributária associada a esse imposto.

88.2. O documento em causa, DOC. n.º 7 anexo pelo Requerente na sua petição inicial, não permite verificar quais os factos tributários a que respeita a base tributária na qual foi apurado o imposto.

88.3. Tratando-se de uma declaração apresentada pelo contribuinte é ele quem tem o ónus de provar quais os factos tributários a que respeita a base tributária que declarou e se o correspondente imposto se encontra pago, nos termos do artigo 74.º da LGT e não à AT.

88.4. O DOC. n.º 7 anexo pelo Requerente na sua petição inicial não corresponde ao período de tributação ao qual a AT imputa os factos tributários (cedência de posição contratual em contrato de leasing) – dezembro de 2005 – que justificam a liquidação adicional de IVA, dado que o referido DOC. n.º 7 diz respeito ao mês de novembro de 2005, tornando-se irrelevante saber se o imposto relativo ao mês de novembro de 2005 foi ou não pago.

  1. Em 15 de outubro de 2012, a Direção de Finanças de Lisboa através do Oficio n.º …, de 9 de outubro de 2012, registado com aviso de receção em resposta à solicitação pedida pelo Tribunal arbitral decorrente da sessão de inquirição da testemunha arrolada pela Requerida, informa que:

89.1. O DOC. n.º1 (apresentado pela testemunha arrolada pela Requerida) anexo ao oficio enviado pelo Tribunal arbitral corresponde à cópia de um documento que se encontra arquivado na Direção de Finanças de Lisboa que teve por base um procedimento inspetivo com a referência … referente aos exercícios de 2005/6/7 em nome de …&…, titular do número de identificação fiscal n.º… .

89.2. O DOC. n.º 2 (apresentado pelo Requerente como DOC. n.º 5 anexo à petição inicial) anexo ao oficio enviado pelo Tribunal arbitral, não se encontra arquivado nem nos procedimentos inspetivos supra mencionados, nem no procedimento inspetivo com a referência …, referente ao exercício de 2005, em nome da ..., titular do número de identificação fiscal n.º … .

  1. Não foram apresentadas alegações orais.

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II. SANEAMENTO

  1. O Tribunal é competente.
  2. As partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e o Requerente está regularmente representado por Advogado.

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III. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Perante a posição assumida pelas partes, com base no processo administrativo e perante a prova documental e testemunhal junta aos autos, e na apreciação que das mesmas fez o Tribunal, fixa-se a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão:

  1. Em 2009 foi efetuada uma ação de inspeção à sociedade …&… com o objetivo de consultar, recolher e cruzar elementos com relevo tributário. Dessa ação e tendo por base o material probatório em termos contabilístico e documental, os Serviços de Inspeção Tributária apuraram que, no exercício de 2005, entre a ... Lda. (cedente) e a …&… (cessionário) foram celebradas duas cessões de posição contratual de um contrato de locação financeira, datado de 7 de dezembro de 2005, que tinha por objeto uma embarcação modelo V65 e uma cedência temporária de direito exclusivo de utilização de posto de acostagem cais … n.º … na Marina de  … Foi aberto um procedimento inspetivo à ... Lda. igualmente em 2009.
  2. A ... Lda. foi alvo de uma inspeção tributária em 2009, ao abrigo da ordem de serviço n.º … (cfr. fls. 25/192 anexo ao PA), levada a cabo pela Direção de Finanças de Lisboa, SIT – Serviços de Inspeção Tributária – Divisão VI relativa ao ano de 2005, ao período de dezembro e de âmbito parcial (IVA). Da inspeção efetuada, os Serviços de Inspeção Tributária apuraram que existiam dois contratos de cessão de posição contratual da ... Lda. (cedente) à … &… (cessionária) referentes a:

94.1. Contrato de locação financeira n.º…, datado de 7 de dezembro de 2005, que tinha por objeto uma embarcação modelo V65 (cfr. fls. 109/192 e 110/192 Anexos 1 e 2 dos anexos ao PA; DOC. 6 Anexos 1, 2, anexos à petição inicial);

94.2. Posto de acostagem sito no cais…, com o posto n.º … localizado na Marina de … (cfr. fls. 111/192 e 112/192 Anexos 3 e 4 dos anexos ao PA; DOC. 6 Anexos 3 e 4, anexos à petição inicial).

  1. Como resultado das inspeções efetuadas às duas sociedades comerciais (... e …&…), os Serviços de Inspeção Tributária apuraram que as cessões de posição contratual por parte da ... Lda. à …&… relativamente à embarcação e ao posto de acostagem, tinham sido efetuadas respetivamente por € 434.630,70 e € 125.000, não tendo havido liquidação do IVA respetivo, por parte da ... Lda., à taxa de 21% nos montantes de € 91.272,45 e de € 26.250,00, havendo por isso IVA em falta de € 117.522,45, conforme Projeto de Correções do Relatório de Inspeção (cfr. fls. 39/192  a 55/192  dos anexos ao PA).
  2. A ... Lda. foi notificada para a sua sede social através do oficio n.º … datado de 6 de outubro de 2009 (cfr. fls. 113/192, 114/192 e 115/192 dos Anexos ao PA), quer para a morada de contacto (indicada na declaração de cessação de atividade n.º …  para efeitos de IVA e IRC com efeitos a partir de 22 de dezembro de 2006 que a ... entregou no Serviço de …) através do ofício … datado da mesma data do que foi enviada para a sede social (cfr. fls. 116/192, 117/192 e 118/192 dos Anexos ao PA). A ... Lda. através do seu mandatário legal exerceu o seu direito de audição por escrito por fax em 19 de outubro de 2009, dando entrada na direção distrital de finanças de Lisboa em 20 de outubro de 2009 (cfr. fls. 65/192 a 73/192 dos Anexos ao PA). Também enviou através de correio registado o seu direito de audição, tendo neste caso dado entrada na direção distrital de finanças de Lisboa em 27 de outubro de 2009 (cfr. fls. 128/192, a 135/192 dos Anexos ao PA).
  3. Em direito de audição a ... Lda. argui que:

97.1. Por efeito da fusão com efeitos a 22 de dezembro de 2006 com a… , todas as obrigações se transferiram aquela (cfr. pontos 1 e 2 de I. Questão Prévia).

97.2. Houve a celebração dos dois contratos de cessão de posição contratual referente à embarcação e ao posto de acostagem entre si própria e a …&… em que relativamente à embarcação o mesmo foi gratuito e ao posto de acostagem foi acordado uma verba de € 125.000 e que o Requerente representava ambas as sociedades, ... Lda. e …&… (cfr. pontos 3 a 10 do II.DOS FACTOS).

97.3. Os restantes considerandos no uso do direito de audição correspondentes aos pontos III. DA GESTÃO EXERCIDA PELO SR: …, ponto IV. DO CONTRATO DE EMPRÉSTIMO COMO GARANTIA e ponto V. PRINCIPIOS DO DIREITO FISCAL consideram-se reproduzidos no artigo 59.º da Resposta, sendo de destacar o pedido que aí é feito: “ (…) deve o presente procedimento de inspeção ser concluído e elaborado relatório final no sentido de, ao abrigo dos princípios da verdade material e da prevalência sobre a forma, não ser a sociedade exponente considerada responsável pelas correções propostas”.

 

  1. A AT manteve a sua decisão de liquidar o IVA em falta no montante de € 117.522,45 (cfr. fls. 94/192 a 104/192 dos Anexos ao PA), tendo notificado em 30 de outubro de 2009 a ... Lda. quer para a morada da sua sede (através do oficio n.º …  datado de 30 de outubro de 2009) (cfr. fls. 126/192 e 127/192), de contacto (através do oficio n.º … datado de 30 de outubro de 2009) (cfr. fls. 122/192 a 125/192) e o seu mandatário legal (através do oficio n.º … datado de 30 de outubro de 2009) (cfr. fls. 120/192 e 121/192 dos Anexos ao PA).
  2.  Em 22 de fevereiro de 2010 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º … à ... Lda., como devedora originária, em que a quantia exequenda ascendia a € 114.634,37 (cfr. DOC. n.º1 e respetivos anexos juntos à petição inicial), por esta não ter pago voluntariamente até 31 de janeiro de 2010 o imposto (IVA) em dívida de € 117.522,45 resultante da inspeção efetuada ao exercício de 2005 em sede de IVA. A quantia exequenda de € 114.634,37 diz respeito a:

99.1. € 99.879,56[16], referente a IVA em falta devido pela celebração dos dois antes referidos contratos onerosos de cessão relativo a 2005 e ao período de dezembro de 2005 correspondente à certidão de dívida n.º … (cfr. fls. 264 do PA); e

99.2. a € 14.754,81 a titulo de juros compensatórios correspondente à certidão de dívida n.º … (cfr. fls. 263 do PA).

  1. Devido à inexistência de bens penhoráveis a nível da ... Lda. foi instaurado o procedimento de reversão da execução fiscal contra o Requerente na qualidade de responsável subsidiário (cfr. fls. 39 a 44 do PA), por ser gerente de facto e de direito da ... Lda. à data da exigência do IVA, ao abrigo do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT. O Requerente foi notificado para exercer o seu direito de audição prévia (cfr. fls 45 a 50 do PA), o que veio a exercer em 30 de dezembro de 2011 (cfr fls. 57 a 91 do PA). A AT decidiu manter a sua decisão de reverter o procedimento executivo contra o Requerente a título de responsável subsidiário (cfr. fls. 152/153/154 do PA). A AT procedeu à citação do Requerente (cfr. fls. 155 a 157 e 165 do PA) tendo este em 27 de fevereiro de 2012 deduzido oposição à execução fiscal (cfr. fls. 177 a 225 do PA).
  2. Em 22 de dezembro de 2006 efetuou-se o registo definitivo na Conservatória do Registo Comercial de … de uma operação de concentração através de uma fusão ao abrigo da qual a ... Lda. transfere a totalidade do seu património para a … (cfr fls 32 a 34 do PA). À data do registo definitivo da fusão, o capital social da ... era de € 150.000 sendo detido em 95% pela … correspondendo a uma quota de valor nominal de € 142.500,00 e 5% detido pela …, Lda. correspondente a uma quota de valor nominal de € 7.500,00.
  3. À data do registo definitivo da fusão da ... Lda. na …, 22 de dezembro de 2006, o Requerente era gerente da ... (cfr. fls 32 a 34 do PA e administrador da… ; fls. 74 a 78 do PA).
  4. A fatura apresentada como o Doc. n.º 2 (apresentado pelo Requerente como Doc. n.º 5 anexo à petição inicial) anexo ao oficio enviado pelo Tribunal arbitral à Direção de Finanças, não se encontra arquivado nem nos procedimentos inspetivos efetuados à … &… relativamente ao exercício de 2005 e ao período de dezembro nem no procedimento inspetivo com a referência OI …, referente ao exercício de 2005, em nome da ... Lda., titular do número de identificação fiscal n.º… .

No tocante aos factos provados, a convicção dos Árbitros fundou-se na prova documental junta aos autos, concretamente indicada, e na prova testemunhal produzida na sessão de 26 de setembro de 2012.

Factos dados como não provados:

  1. De acordo com o material probatório dos autos, o Requerente não provou que o IVA debitado pela … à ... Lda., ao abrigo do contrato de utilização do posto de acostagem n.º 23 na Marina de…, não tivesse sido deduzido pela ... Lda.
  2. O Requerente não provou também que as cessões da posição de locatário houvessem sido efetuadas a título gratuito.

 

IV. Fundamentação de Direito

A - Enquadramento

  1. Fixados os factos relevantes cumpre delimitar o objeto e pedido do presente processo arbitral. Ora, a única questão que pode ser conhecida neste processo é a da ilegalidade das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios respeitantes ao exercício de 2005 no montante de € 114.634,37, dirigidas à ... Lda. como devedora originária e entretanto revertidas contra o Requerente, sob os fundamentos da inexistência dos factos tributários e da duplicação de coleta. Escapa totalmente ao objeto do processo a apreciação da legalidade da reversão da dívida contra o Requerente fundada na sua responsabilidade subsidiária.
  2. Para se poder dar resposta ao questionado, há que saber se o montante de € 114.634,37 é devido ou não pela ... Lda. como sua devedora originária. Se a resposta for positiva, haverá que igualmente saber se a liquidação adicional efetuada à ... Lda. por parte da AT sofre de duplicação de coleta.

 

 

B – Existência ou não de uma obrigação tributária de liquidação de IVA na ...

  1. A resposta a esta questão pressupõe verificar se existe ou não uma obrigação tributária de liquidação na esfera da ... Lda., como consequência da cessão de posição contratual nos dois negócios jurídicos celebrados entre a ... Lda. e a …&… . De acordo com o artigo 36.º n.º1 da LGT “A relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário”. De acordo com Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4ª edição 2012, Encontro da Escrita Editora, páginas 294 e 295  “ (…) o facto tributário é o facto jurídico que determina o nascimento da obrigação tributária” pelo que primeiro há que verificar se perante o material probatório constante dos autos se está perante factos tributários ou não que determinam a exigência do imposto.
  2. Conforme referido por Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, op. cit. página 293 “ o facto jurídico é aquele que produz efeitos jurídicos, criando uma situação jurídica nova, alterando uma existente ou extinguindo-a” pelo que há que averiguar se estamos perante factos da vida real que possam ser qualificados de factos jurídico-tributários à face do respetivo quadro legal (artigos 1.º, 2.º, 4.º, n.º 2, e 19.º, n.º 1, do CIVA). De acordo com a matéria de facto fixada, existem dois factos que são qualificados de factos jurídicos que são a celebração de dois negócios jurídicos – cedência da posição contratual – em que existe uma alteração em termos subjetivos da pessoa do locatário. Assim, a ... Lda. cede a sua posição de locatário à …&… no contrato de locação financeira que tinha por objeto uma embarcação modelo V65 e num outro contrato que tinha por objeto o direito de utilização exclusiva de um posto de acostagem na Marina de …. Deste modo, estamos perante factos jurídicos e, assim sendo, há que averiguar se esses factos poderão ser considerados factos tributários ou não.
  3. Como se afirmou supra, “ (…) o facto tributário é o facto jurídico que determina o nascimento da obrigação tributária” pelo que se torna importante saber se os factos jurídicos objeto de pronúncia arbitral, dão origem ao nascimento de uma obrigação tributária ou não. Ora, sendo assim, terá de conhecer-se quando nasce a obrigação tributária e, deste modo, saber se se está perante um facto tributário que dá origem a uma relação jurídica tributária e, consequentemente, a uma obrigação tributária de liquidação e, consequentemente de pagamento do imposto devido.
  4. De acordo com a matéria de facto fixada, no ano de 2005 foram celebrados dois contratos de cessão de posição contratual em que a ... Lda. cede a sua posição de locatária à …&… relativamente a um contrato de locação financeira que tem por objeto uma embarcação modelo V65 e a um outro cujo objeto é o direito ao uso temporário de um posto de amarração na Marina de … . O Requerente não contesta a existência dos dois contratos de cessão de posição contratual - o referente à embarcação (cfr. artigo 33.º da petição inicial e DOC. n.º 6 e respetivos Anexo 1 e 2 anexo à petição inicial) – e outro referente ao direito ao uso temporário de um posto de amarração na Marina de … (cfr. artigo 136.º da petição inicial e DOC. n.º 6 e respetivos Anexos 3 e 4 anexo à petição inicial). Adicionalmente, em sede de direito de audição relativamente ao Projeto de Conclusões da inspeção relativa ao ano de 2005, a ... Lda., através do seu mandatário legal reconhece a existência dos dois contratos de cessão de posição contratual conforme é referido nos pontos 5,6,7, 8 e 9 II. DOS FACTOS (cfr. fls. 129/192 e 130/192 dos Anexos ao PA). 
  5. Relativamente ao contrato de cessão que tem por objeto a embarcação, o Requerente vem defender que relativamente ao mesmo foi pactuada entre a ... Lda. e a …&… a gratuitidade da mesma, embora diga que num segundo momento através de um vínculo contratual autónomo (meramente verbal) tenha sido acordado o débito da ... à …&… das rendas já vencidas e pagas pela ... ao Banco … dando origem à fatura n.º 1283 de 30 de novembro correspondente ao DOC. 5.º anexo à petição inicial (cfr. artigos 31.º e 32.º da mesma petição). Como já ficou provado e assente na matéria de facto, o referido DOC. n.º 5 apresentado pelo Requerente não consta da documentação relativa aos procedimentos inspetivos levadas a cabo por parte da AT quer a nível da …&… quer a nível da ...Lda. . Assim, sendo, e independentemente do questionamento sobre a autenticidade de tal documento, face ao disposto no artigo 516.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 29.º, n.º1, al. e), do RJAT, e no artigo 71.º, n.º 1, da LGT, não pode a dúvida sobre os factos afirmados nos artigos 31.º, 32.º, 35.º e 116.º da petição inicial relativamente ao montante de rendas já vencidas e pagas pela ... Lda. ao Banco … e entretanto debitadas à …&… de ser resolvida contra o Requerente.  
  6. Em relação à questão da gratuitidade da cessão da posição contratual da ...Lda. à …&… relativa à embarcação conforme o estipulado na cláusula 3 do contrato de cessão de posição contratual (DOC. n.º 6 Anexos 1 e 2 anexos à petição inicial), há que ter em conta que o artigo 36.º, n.º 4, da LGT refere que “A qualificação do negócio jurídico efetuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária”. Ora, em face deste preceito e do princípio do inquisitório, plasmado no artigo 58.º da LGT, estava a AT obrigada a realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, utilizando todos os meios de prova admitidos em direito conforme o estatuído no artigo 72.º da LGT. Ora, a AT, ao verificar que na contabilidade da …&… havia um montante escriturado de € 434.630,70, a título de cessão de posição contratual da ... Lda. à …&..., considerou a cessão como onerosa e, portanto, sujeita a IVA à taxa de 21% (taxa em vigor à data dos factos), no montante € 91.272,45, desencadeando um procedimento inspetivo a nível da ... Lda. para recolher, cruzar e validar a informação entretanto recolhida a nível da …&… . Assim, tendo por base o material probatório recolhido na ... Lda., nomeadamente, os contratos de cessão posição contratual celebrados entre a ... e a …&… e o recolhido na …&… na vertente contabilística, a AT concluiu que a cessão da posição contratual relativa à embarcação por parte da ... Lda. à …&… assumiu uma forma onerosa sujeita a IVA.
  7. Face às pertinentes disposições do IVA, acima referidas, em vigor à data dos factos (exercício de 2005 e período de Dezembro), conclui-se que a cessão em causa estava sujeita a IVA, pois a mesma configurava uma prestação de serviços ao abrigo do artigo 4.º do CIVA, isto é, sobre o valor de € 434.630,70 deveria ter incidido IVA no montante de € 91.272, 45. Deste modo, existiu um facto tributário e um facto gerador[17] de IVA em dezembro de 2005 – cedência de posição contratual de uma embarcação por parte da ... Lda. à …&… – e da qual nasceu uma obrigação tributária por parte da ... Lda. perante o Estado de liquidar o imposto em dezembro de 2005, de o manifestar/declarar na declaração periódica de IVA de dezembro de 2005 a ser entregue até ao dia 10 de fevereiro de 2006. O imposto deveria ter sido liquidado à …&… em dezembro de 2005, entregue nos cofres do Estado até 10 de fevereiro de 2006, uma vez que o mesmo se tornou exigível a partir de 10 de fevereiro de 2006[18], como é referido, e bem, no artigo 82.º da Resposta. Assim, a ... Lda., em termos de IVA, estava em dívida perante o Estado desde fevereiro de 2006, pois é a partir dessa data que o Estado poderia exigir o pagamento do IVA devido.
  8. Por outro lado, ainda em relação à gratuitidade da cessão de posição contratual referente à embarcação por parte da ... Lda. à …&…, o Requerente afirma que a mesma evoluiu para uma situação onerosa com base num vínculo autónomo (meramente verbal), titulado pelo DOC. n.º 5 anexo à petição inicial. No DOC. n.º 5 apurou-se IVA no montante de € 108.938,48 tendo por base um valor de € 518.754,69 relativamente às rendas vencidas e pagas pela ... Lda. ao  Banco …(cfr. artigos 31.º, 32.º e 116.º da petição inicial), que foi entregue ao Estado como se pode comprovar pelo DOC. n.º 7 anexo à petição inicial. Segundo o Requerente, tributar a cessão de posição contratual quer quando exista contrapartida por essa cessão, conforme DOC. n.º 5 anexo à petição inicial, quer quando esta contrapartida não exista por a cessão assumir uma forma gratuita, - mas que a AT não considerou como tal e, por isso, efetuou liquidações adicionais em 2009 aqui controvertidas, - constitui uma ilegalidade por duplicação de coleta (cfr. artigos 115.º, 116.º, 117.º e 118.º da mesma petição). 
  9. Ficou provado (cfr. matéria de facto fixada por este Tribunal arbitral), que o DOC. n.º 5 anexo à petição inicial, não consta dos procedimentos inspetivos efetuados quer à …&… quer à ..., carecendo de eficácia probatória quanto aos factos alegados pelo Requerente, pelas razões já aduzidas. Quanto ao DOC. n.º 7 anexo à petição inicial, este Tribunal arbitral já se pronunciou em despacho interlocutório de 16 de outubro de 2012 de que se destaca o seguinte e que aqui se renova inteiramente:

116.1. Não comprova qualquer pagamento de imposto mas sim cumpre a função de declarar o imposto e a base tributária associada a esse imposto.

116.2. Não corresponde ao período de tributação ao qual a AT imputa os factos tributários (cedência de posição contratual em contrato de leasing) – dezembro de 2005 – que justificam a liquidação adicional de IVA dado que o referido DOC. n.º 7 diz respeito ao mês de novembro de 2005.

  1. Do supra exposto resulta que não há fundamento legalmente válido para a existência de duplicação de coleta, pelo que não procede o fundamente invocado pelo Requerente quanto à existência da mesma.
  2. Igualmente do supra exposto decorre que os factos tributários – cessão de posição contratual onerosa - ocorreram em dezembro de 2005 dando origem à constituição de duas relações jurídico tributárias das quais resultaram um conjunto de obrigações, tanto para o sujeito ativo, como para o sujeito passivo. A nível do sujeito passivo, a obrigação principal consiste em efetuar o pagamento da dívida tributária, conforme o estatuído no artigo 31.º, n.º1, da LGT, que se traduz no dever de prestar uma certa quantia em dinheiro e do correlativo direito a recebê-la por parte do sujeito ativo. As obrigações acessórias referidas no artigo 31.º, n.º 2, da LGT correspondem, nomeadamente, às obrigações declarativas sob a forma de declarações periódicas, exibição de documentos fiscalmente relevantes incluindo a contabilidade e a escrita, assim como prestação de informações. No caso objeto de pronúncia arbitral, os factos geradores – cessão de posição contratual – ocorrem em dezembro de 2005, decorrendo daí o nascimento duma obrigação tributária em sede de IVA cuja exigibilidade por parte do Estado se verifica em fevereiro de 2006, por força do disposto nos artigos 19.º, n.º 1, 26.º, n.º 1, 28.º, n.º 1, alínea c), e 40.º, n.º 1, todos do CIVA. Por sua vez, o Requerente apresenta um documento, DOC. n.º 7 anexo à petição inicial, referente a um período anterior – novembro de 2005 - ao nascimento da obrigação tributária - através do qual pretende provar que o imposto devido (IVA) pela cessão de posição contratual se encontra pago. Estaríamos perante uma situação em que a relação jurídica tributária decorrente dos factos geradores de imposto e respetiva obrigação principal nasce em dezembro de 2005 e a correspondente obrigação acessória declarativa (declaração de substituição – Doc. n.º 7) relativa a essa relação jurídica tributária onde se pretende provar o cumprimento da obrigação principal – pagamento de imposto – seria anterior ao nascimento dessa mesma relação jurídica tributária, à qual tem associada uma obrigação principal. Não vemos como possa proceder este entendimento, tal como é questionado pela Requerida no artigo 84.º e 85.º na Resposta.
  3. O que se pode concluir é que, referentemente à cessão da posição contratual do contrato de locação financeira que tinha por objeto a embarcação modelo V65, nasceu uma obrigação principal que consistia no dever de entregar o IVA devido nos cofres do Estado cuja exigibilidade por parte do mesmo terminava em 10 de fevereiro de 2006, e que isso não veio acontecer e que, por esse facto, se constituiu uma divida tributária desde essa data a favor do Estado. A título de obrigação acessória, a ... Lda. deveria ter declarado na sua declaração periódica de IVA referente ao período de dezembro de 2005 o valor da base tributável assim como o respetivo IVA liquidado à …&… pela referida cessão de posição contratual, o que não ficou provado que o tivesse efetuado.   
  4. Aplicando-se igual princípio legal ao que foi aplicado ao contrato de cessão da posição contratual da embarcação, em termos de - qualificação jurídico tributária (prestação de serviços), facto gerador e exigibilidade em sede de IVA - ao contrato de cessão de posição contratual da ... Lda. à …&…, relativa ao direito ao uso temporário de um posto de amarração na Marina de …, os Serviços de Inspeção detetaram relativamente ao ano de 2005 e ao período de dezembro, IVA em falta no montante de € 26.250,00 correspondente a uma taxa de 21% a incidir sobre o valor da cessão que foi acordado entre a ...Lda. e a …&… e que ascendeu a € 125.000 (cfr. artigos 89.º e 90.º da Resposta). 
  5. Da ocorrência dos dois factos geradores de imposto em sede de IVA – as duas cessões de posição contratual – nasceram obrigações tributárias na pessoa da ... Lda. que consistiam em liquidar imposto, declarar e entregar o mesmo nos cofres do Estado, o que não veio a acontecer. Aliás, refira-se que a ...Lda.  quando foi notificada em 6 de outubro de 2009 do Projeto de Correções decorrentes da inspeção ao ano de 2005, em direito de audição, não contestou a existência de imposto em falta no montante de € 117.522,45 mas apenas que não era a responsável pelo imposto em falta devido ao facto de ter havido uma fusão com a … com efeitos a 22 de dezembro de 2006 e não poder vir a ser responsabilizada por atos praticados pelo seu gerente - (celebração de contratos de cessão de posição contratual) - o Requerente, por entender que os atos praticados por aquele tiveram como único fim o seu próprio proveito através do uso da personalidade jurídica da ... Lda. e da …&…, como gerente que era de ambas.
  6. Assim, constata-se que o Estado poderia exigir à ...Lda. o pagamento do IVA devido referente às duas cessões de posição contratual a partir de 10 de fevereiro de 2006.
  7. Pode-se concluir que, com base no supra exposto e no ano de 2005, ocorreram factos tributários na esfera da...Lda. que deram origem ao reconhecimento de obrigações tributárias e que culminaram na existência de uma dívida fiscal, exigível originariamente àquela. O que a AT fez através de procedimento inspetivo em 2009 foi exatamente o apuramento e reconhecimento da divida fiscal da ...Lda. perante o Estado, existente desde 11 de fevereiro de 2006, como consequência de a ... Lda.  ser o sujeito passivo do IVA decorrente das cessões de posição contratual ocorridas em 2005. O imposto em falta a nível da ... Lda.  apurado em sede de procedimento inspetivo por parte dos Serviços de Inspeção Tributária, cujo prazo de pagamento voluntário era 31 de janeiro de 2010, não foi pago por aquela, dando origem à instauração de um processo executivo, como devedora originária, conforme se provou nos autos.
  8. A dívida em causa de € 114.634,37 é certa, uma vez que o Estado como sujeito ativo da relação tributária constituída devido aos dois fatos tributários controvertidos – cessão de posição contratual - tem o direito a recebê-la, é exigível porque o Estado pode reclamar o pagamento da mesma a partir de 11 de fevereiro de 2006 e também líquida, porque se sabe, através das competentes liquidações, devidamente notificadas e fundamentadas, conforme a seguir se conclui, o montante exato da mesma – € 114.634,37 – que deu origem, por falta de pagamento por parte da ..., à emissão das certidões de dívida n.º 2010/… e n.º 2010/…, respetivamente de € 99.879,56 e € 14.754,8. Assim, pode concluir-se que a divida fiscal de € 114.634,37 (sendo € 99.879,65 de IVA e € 14.754,81 de juros compensatórios) é legal.

 

 

 

C – Legitimidade das liquidações adicionais de IVA e Juros compensatórios efetuadas à ... Lda.

  1. O Requerente refere que os atos de liquidação de IVA e juros compensatórios notificados em 2009 à ... Lda. relativos ao exercício de 2005 e ao período de dezembro, são ineficazes porque por efeito da fusão ocorrida em dezembro de 2006 com a …, todos os direitos e obrigações se transferiram para a … e em 2009 a ... Lda.  não existia juridicamente (cfr. artigos 7.º,8.º e 9.º da petição inicial).
  2. Mas será assim?

Vejamos,

  1. O Supremo Tribunal Administrativo (STA) já se pronunciou no Acórdão de 16 de setembro de 2009, processo n.º 0372/09, Relator: Isabel Marques da Silva (Jusnet 5350/2009) e Acórdão de 23 de setembro 2009, processo n.º 0370/09, Relator: Jorge Lino (Jusnet 5301/2009) disponíveis em www. dgsi.pt sobre o impacto em termos tributários em sede de liquidações adicionais de imposto e respetivos processos executivos associados a atos de concentração através de operações de fusão.
  2. No Acórdão de 16 de setembro de 2009, processo n.º 0372/09, esgrimiu-se doutamente o seguinte:

Como bem diz a recorrente, resulta da própria lei das sociedades comerciais - artigo 112.º alínea a) do Código das Sociedades Comerciais (CSC) -, que, nos casos de fusão por incorporação, a que se refere a alínea a) do n.º 4 do artigo 97.º do CSC [cfr., por todos, RAÚL VENTURA, Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades: Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, 3.ª reimp.da 1.ª ed. de 1990, Coimbra, 2006, p. 16 (nota 5 ao art. 97.º do CSC) e ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO (coordenador), Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coimbra, 2009, p. 323 (nota 10 ao art. 97.º do CSC)], com a inscrição da fusão no registo comercial extinguem-se as sociedades incorporadas (...) transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante (...).

Pretende a recorrente extrair da citada norma a impossibilidade jurídica de liquidação adicional de IRC à sociedade extinta bem como da consequente instauração contra ela de execução fiscal tendente à cobrança coerciva daquela dívida, devendo, no seu entender, tais atos terem como destinatária a sociedade incorporante que lhe sucedeu.

Afigura-se-nos, contudo, que não lhe assiste razão, como se demonstrará.

Independentemente da posição que se assuma acerca da natureza jurídica da fusão - matéria em que se defrontam na Europa Continental duas grandes orientações dogmáticas [como dá conta DIOGO GONÇALVES in ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO (coord.), Código das Sociedades Comerciais Anotado, cit., p. 323 (nota 9 ao art. 97.º do CSC), que aqui seguimos], a teoria da sucessão universal, em tudo semelhante à sucessão "mortis causa" e a teoria do ato modificativo das sociedades envolvidas, mediante transformação, sendo esta última a doutrina a atualmente prevalecente em Itália, França e Portugal e aquela outra a que mais se aproxima da construção germânica da "Universalsukzession", e que, sob outra designação (estinzione-creazione-sucessione universale), foi no passado prevalecente em Itália -, a extinção da personalidade jurídica própria da sociedade incorporada por fusão não tem por efeito a extinção dos seus direitos e deveres, antes, por expressa disposição legal estas se "transmitem" para a sociedade incorporante, seja porque esta sucede aquela, em conformidade com a teoria da sucessão universal, seja porque as situações jurídicas de que era titular a sociedade incorporada permanecem inalteradas ao longo do processo de fusão para se reunirem depois numa nova entidade, em conformidade com a teoria do ato modificativo.

Temos, assim, que, qualquer que seja a construção dogmática assumida quanto à natureza da fusão, esta operação de reorganização empresarial não extingue as dívidas fiscais da sociedade incorporada, ainda que tais dívidas não estivessem ainda liquidadas aquando do registo da fusão, pois que não é a liquidação, mas a verificação do facto tributário, ocorrido antes da fusão da sociedade incorporada e a ela atinente, o facto constitutivo da relação jurídica de imposto (cfr. o n.º 1 do artigo 36.º da Lei Geral Tributária), nada obstando igualmente à instauração contra a sociedade incorporada por fusão do processo de execução fiscal tendente à cobrança coerciva daquela dívida, pois que, como se escreveu no Acórdão deste Tribunal de 12 de março de 2003 (rec. n.º 1975/02) (JusNet 1914/2003), a sociedade extinta continua, de resto, a ser o sujeito da relação jurídica tributária, mesmo que a lei designe outros responsáveis pelo respetivo pagamento.(sublinhado nosso) Não implicando o fim da personalidade jurídica de um dado sujeito a extinção dos créditos dos seus credores, nada há na lei que impeça a Administração Fiscal de efetuar um ato tributário de liquidação já depois de extinta a pessoa (singular ou coletiva) sujeito passivo da obrigação jurídica tributária. Menos, de exigir o pagamento da obrigação fiscal já antes liquidada. (....)(sublinhado nosso). Em súmula, o desaparecimento da personalidade jurídica coletiva do respetivo sujeito passivo não é causa extintiva das obrigações de crédito, não obstando, pois, a que os credores façam valer os seus correspondentes direitos. Assim, a Administração Fiscal, munida de título executivo em que figura como devedora a sociedade extinta, pode fazer prosseguir (e, até, instaurar) ação executiva para a respetiva cobrança, desde que a dívida se tenha tomado exigível.

Acompanhando o citado Acórdão, conclui-se no sentido da admissibilidade da liquidação adicional de imposto e subsequente instauração da execução fiscal tendente à sua cobrança coerciva contra a sociedade extinta por fusão-incorporação,…”. O Acórdão de 23 de setembro 2009, processo n.º 0370/09, Relator: Jorge Lino (Jusnet 5301/2009) também segue a mesma linha de orientação. Assim, face à Jurisprudência citada, a AT quando efetuou as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios na pessoa da ...Lda. agiu corretamente, uma vez que a constituição do facto tributário – cessão das duas posições contratuais – ocorreu em dezembro de 2005, ainda durante a existência jurídica da .... Lda.

  1. Deste modo, nem sequer se coloca a questão da extinção jurídica da ... Lda. por virtude da fusão, como alega o REQUERENTE, visto que os factos tributários ocorreram no período da sua existência jurídica e, portanto, muito antes da fusão e, em consequência, muito antes também do próprio registo definitivo da mesma, que ocorreu em 22 de dezembro de 2006.
  2. Como se afirma na douta decisão do Tribunal Superior, não é a liquidação de imposto, a qual ocorreu em 2009, mas a verificação do facto tributário, o facto constitutivo da relação jurídica de imposto e da obrigação tributária, conforme artigo n.º1 da LGT, o qual ocorreu em dezembro de 2005, data em que a ... Lda. existia juridicamente.
  3.    Daqui se conclui que a ... Lda. tinha legitimidade passiva à data das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios relativas ao ano de 2005 e ao período de dezembro.
  4. Não se pode deixar de concluir pela legalidade das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios relativas ao ano de 2005 e ao período de dezembro efetuadas na pessoa da ... Lda. por parte da AT. 

***

DECISÃO:

 

Termos em que acordam, neste Tribunal Arbitral Coletivo, julgar improcedente o pedido formulado pelo Requerente no presente processo arbitral tributário quanto à ilegalidade das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios respeitantes ao exercício de 2005 na pessoa da ....

 

- Condenar o Requerente no pagamento das custas.

 

Fixa-se o valor do processo em € 114.634,37 (cento catorze mil seiscentos trinta quatro euros e trinta sete cêntimos), nos termos dos artigos 12º n.º 2 e 29º, ambos, do RJAT, do artigo 4º n.º 3 do Regime de Custas Processuais de Arbitragem Tributária (RCPAT), da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e artigo 97º- A do CPPT e 306.º n.º2 do Código Processo Civil (CPC).

Custas a cargo da entidade Requerente no valor de € 3.060,00, pelo seu decaimento, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4 do RJAT e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária. 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 27 de novembro de 2012

 

 

 

Benjamim Silva Rodrigues

 

 

José Coutinho Pires

 

Júlio César Nunes Tormenta - relator

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138º n.º 5 do Código Processo Civil (CPC) aplicável por remissão do artigo 29º n.º 1 alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e revistos.

 

 

                                                                                                          

 

 



[1] PA – Processo Administrativo;

[2] € - Euros

[3] A sociedade G…, Lda (G…) viria a ser transformada em sociedade anónima por deliberação dos sócios em 21 de outubro de 2005. Os sócios da G… à data da deliberação da transformação eram a E…. e a H… Lda que detinham respetivamente 90% e 10% do capital social da G…, o qual ascendia a € 150.000.

[4] O valor de € 98.879, 56 é igual à diferença entre o montante de imposto em falta apurado em sede de IVA pelos Serviços de Inspeção, € 117.634, 37, e o valor de IVA apurado pela B… relativamente a dezembro de 2005 no montante de € 17.642, 89 (cfr. fls. 33 dos Anexos ao PA), isto é, € 99.879,56 = € 117.634,37 - €17.642,89.

[5] € - Euros

[6] CPC – Código Processo Civil.

[7]              A autorização do envio de notificações pelo serviço ViaCTT é obrigatória e autorização obrigatória nos processos arbitrais tributários e indispensável para apresentação dos pedidos de constituição de tribunal arbitral, nos termos do respectivo formulário electrónico.

[8] O valor de € 99.879,56 corresponde ao valor em dívida apurado por parte dos Serviços de Inspeção - € 117.522,45 – deduzido dos acertos de liquidação entretanto efetuados no montante de € 17.642, 89, cfr. fls. 33/192 anexo ao PA.

[9] Conforme refere Duarte Travanca in IVA na Construção Civil e no Imobiliário, 2008, Editora Vida Económica, pg. 73 “ O facto gerador é o momento em que o imposto é devido e a exigibilidade o momento em que o imposto é exigível pelo Estado ….

[10] A B… era um sujeito passivo de IVA sujeito ao regime normal com periodicidade mensal. 

 

[11] Decisão Arbitral anulada pelo acórdão do TCA-S n.º 628/12, de 22-01-2015.

[12] PA – Processo Administrativo;

[13] € - Euros

[14] A sociedade, Lda (…&…) viria a ser transformada em sociedade anónima por deliberação dos sócios em 21 de outubro de 2005. Os sócios da …&… à data da deliberação da transformação eram a … e a … Lda que detinham respetivamente 90% e 10% do capital social da …&.. o qual ascendia a € 150.000.

[15] O valor de € 98.879, 56 é igual à diferença entre o montante de imposto em falta apurado em sede de IVA pelos Serviços de Inspeção, € 117.634, 37, e o valor de IVA apurado pela ... Lda. relativamente a dezembro de 2005 no montante de € 17.642, 89 (cfr. fls. 33 dos Anexos ao PA), isto é, € 99.879,56 = € 117.634,37 - €17.642,89.

[16] O valor de € 99.879,56 corresponde ao valor em dívida apurado por parte dos Serviços de Inspeção - € 117.522,45 – deduzido dos acertos de liquidação entretanto efetuados no montante de € 17.642, 89, cfr. fls. 33/192 anexo ao PA.

[17] Conforme refere Duarte Travanca in IVA na Construção Civil e no Imobiliário, 2008, Editora Vida Económica, pg. 73 “ O facto gerador é o momento em que o imposto é devido e a exigibilidade o momento em que o imposto é exigível pelo Estado ….

[18] A … era um sujeito passivo de IVA sujeito ao regime normal com periodicidade mensal.