Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 77/2012-T
Data da decisão: 2012-12-27  IVA  
Valor do pedido: € 176.379,18
Tema: Direito à dedução das SGPS
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CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa

Arbitragem Tributária

 

Processo n.º 77/2012-T

 

 

Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutora Ana Maria Rodrigues e Dr. José Coutinho Pires (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 10-9-2012, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A, ..., SGPS, (doravante abreviadamente designada por “requerente”), pessoa colectiva número ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número, com sede na ... , requereu, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, a constituição de Tribunal Arbitral, visando a declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IVA n.º ... e da liquidação dos juros compensatórios correspondentes, com o n.º ...

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, defendendo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Na reunião prevista no art. 18.º do RJAT, realizada em 18-10-2012, foi junto ao processo um acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia e marcada diligência de produção de prova testemunhal, que teve lugar no dia 16-11-2012.

Nesta data, foi fixado prazo para alegações escritas, que terminou em 26-11-2012.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, em reunião de 10-9-2012, e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.


 

2. Matéria de facto

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo instrutor apenso, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais (art. 14.º do pedido de pronúncia arbitral e art. 1.º da resposta);

  2. Foi efectuada uma inspecção de âmbito geral à Requerente, relativa ao ano de 2008, em que se concluiu dever efectuar-se correcção no montante de € 163.796,05, com fundamento em dedução indevida de IVA (relatório da inspecção, que constitui o documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  3. No ano de 2008, a Requerente liquidou IVA sobre as prestações de serviços que realizou no montante de € 634.738,24 (documento n.º 5, junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  4. No ano de 2008, a Requerente deduziu IVA no valor total de € 267.902,45 resultante do seguinte:

– nas declarações periódicas de IVA relativas aos meses de Janeiro a Novembro a Requerente deduziu o valor correspondente à aplicação de um pro rata provisório de 16% suportado na totalidade dois bens e serviços adquiridos;

– na declaração periódica relativa ao mês de Dezembro a Requerente deduziu o IVA que resultou do apuramento na contabilidade e que corresponde

– a anulação do IVA já deduzido com aplicação de um pro rata de 16%, passando a considerar 100% do imposto suportado na aquisição dos seguintes serviços prestados por terceiro no âmbito de assessoria jurídica relativa a sociedades participadas pela Requerente:

 

– ajustamento no sentido de considerar como dedutível a parte restante do imposto de 84%, decorrente de ter apurado um pro rata definitivo de 100% (relatório da inspecção, a fls. 8-9 do documento n.º 3 do pedido de constituição do tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  1. Desta forma a Requerente considerou, excluindo as despesas identificadas na alínea anterior, ser dedutível a totalidade do IVA suportado, no exercício de 2008, na aquisição da totalidade dos bens e serviços que utiliza nas suas actividades, no montante de € 267.902,45 (relatório da inspecção, a fls. 9 do documento n.º 3 do pedido de constituição do tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  2. Posteriormente, no decurso da inspecção, a Requerente passou a defender que também tinha direito à dedução do IVA suportado com a aquisição dos serviços de assessoria jurídica relativa a sociedades suas participadas, bem como relativos a investimentos e desinvestimentos que as empresas do grupo detêm e que nas suas declarações periódicas considerou não dedutível (relatório da inspecção, a fls. 14 do documento n.º 3 do pedido de constituição do tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  3. No ano de 2008, a Requerente teve ao seu serviço as 40 pessoas indicadas no documento n.º 4, incluindo pessoal a tempo inteiro, a tempo parcial e membros dos órgãos sociais com funções executivas e não executivas, resultando do cálculo do tempo de serviço de cada um que a Requerente teve ao seu serviço, em média, 26,33 pessoas (documento n.º 4 junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  4. No ano de 2008, os rendimentos da Requerente foram constituídos por dividendos, juros de empréstimos às suas participadas, mais-valias e pela remuneração de prestações de serviços a sociedades suas dependentes: ... , ... e ... (relatório da inspecção, a fls. 12 do documento n.º 3 do pedido de constituição do tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  5. Para o cálculo da remuneração das prestações de serviços referidas na alínea anterior, a Requerente imputou às suas participadas o tempo, em número de horas, com o valor de € 350 por hora, que 9 colaboradores seus efectivamente dedicaram aos serviços prestados, por serem esses 9 que estavam em contacto directo e fazendo a ligação com aquelas (páginas 27-29 do relatório da inspecção cuja cópia constitui documento n.º 3 do pedido de constituição do tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e depoimentos das testemunhas ... e ...);

  6. Todos os colaboradores da Requerente e a generalidade dos seus recursos materiais foram utilizados no ano de 2008 a título principal na prestação de serviços na actividade de prestação de serviços às suas participadas (depoimentos das testemunhas ... e ...);

  7. A actividade dos colaboradores da Requerente que, no ano de 2008, entravam em contacto directo com as suas participadas não era possível de efectuar nos termos em que o foi se não tivessem a colaboração de todos os outros seus colaboradores (depoimentos das testemunhas ... e ...);

  8. No ano de 2008, a ocupação dos colaboradores e utilização dos recursos da Requerente em actividades diferentes da prestação de serviços às suas participadas foi muito reduzida (depoimentos das testemunhas ... e ...);

  9. A actividade da Requerente de acompanhamento e assessoria às suas participadas implica ocupação de espaço e consumos de informática, material de escritório e contratação de assessoria externa especializada (anexos 2 a 5 do relatório da inspecção tributária, que constitui o documento n.º 3 junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  10. No ano de 2008, a Requerente fez consumos no valor de € 2.195.343,00 onerados com IVA e realizou prestações de serviços às suas participadas no valor de € 3.092.640,00 em que liquidou IVA (quadro da página 16 e página 17 do relatório da inspecção que constitui o documento n.º 3 junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  11. Na sequência da apresentação pela Requerente, no exercício do direito de audição em relação ao projecto de relatório da inspecção, do documento que veio a juntar ao presente processo arbitral com o n.º 4, em que se refere que, das 40 pessoas ao serviço da Requerente em 2008, o número médio das que prestaram serviço foi de 26,33, a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a fixar a correcção do imposto em € 163.796,05, decorrente da afectação de 34,18% (40-26,33= 13,67, que é 34,18% dos 40) dos recursos adquiridos à actividade isenta;

  12. No relatório da inspecção entendeu-se que os seguintes bens e serviços foram exclusivamente utilizados na actividade da Requerente não sujeita a IVA (páginas 2 a 26 do relatório):

– os serviços adquiridos para a elaboração, revisão, concepção e tradução do relatório e contas (IVA no valor de € 13.724,94);

– os serviços de apoio administrativo e secretariado à administração da sociedade e serviços de consultadoria relativos aos benefícios de reforma dos administradores da Requerente (IVA no valor global de € 29.530,23);

– os pagamentos efectuados à ..., no âmbito de obrigações inerentes à citação em bolsa do grupo ... (IVA no valor de € 5.808,10); e

– os serviços relacionados com a assessoria e desenvolvimento de negócios no Brasil, com a liquidação de uma sociedade dominada e com o parecer relativo ao regime fiscal de algumas formas societárias em Espanha (IVA no valor global de € 16.793,85).

  1. Em 7-3-2011, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IVA n.º…, no valor de € 163.796,05, e da liquidação de juros compensatórios correspondente no valor de € 12.583,13, datadas de 1-3-2011, ambas com data limite de pagamento voluntário de 30-4-2011 (documento n.º 1, junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  2. Em 29-8-2011, a Requerente apresentou reclamação graciosa das duas liquidações (documento n.º 2, junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  3. A reclamação graciosa referida na alínea anterior não foi decidida até 23-5-2012, data em que foi apresentado o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo;

  4. No ano de 2008, a Requerente não efectuou qualquer alienação de participações sociais;

  5. Em 27-5-2011, a Requerente prestou a garantia bancária que consta do documento n.º 19, junto com o pedido pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido.

 

Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os juízos probatórios nos documentos referidos sobre cada ponto e nos depoimentos das testemunhas ... e ..., que mostraram ter conhecimento do funcionamento da Requerente e aparentaram depor com isenção.

Não há factos relevantes para decisão que não se tenham provado.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Regime jurídico aplicável

 

De harmonia com o art. 2.º da Directiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28-11-2006, estão sujeitas ao IVA, para além de outras, as operações de entregas de bens efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, as aquisições intracomunitárias de bens efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro, as prestações de serviços efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade e as importações de bens.

Na mesma linha o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) estabelece no seu art. 1.º que estão sujeita a este imposto as transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, as importações de bens e as operações intracomunitárias efectuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias.

Nos termos do art. 9.º da Directiva «entende-se por "sujeito passivo" qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma actividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa actividade» e «entende-se por "actividade económica" qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada actividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência».

O CIVA estabelece que são sujeitos passivos, além de outras, «as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC)».

O direito à dedução surge no momento em que o imposto se torna exigível (art. 167º da Directiva n.º 2006/112/CE e art. 22.º n.º 1, do CIVA) e, em regra, só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de operações tributadas (arts. 168.º da Directiva n.º 2006/112/CE e art. 20.º, n.º 1, do CIVA).

No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações (arts. 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º n.ºs 1 e 2, do CIVA).

O pro rata de dedução é determinado para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo e resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes:

a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução;

b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução (arts. 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º n.º 4, do CIVA).

 

O pro rata de dedução é determinado anualmente, fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior (arts. 177.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º n.º 4, do CIVA).

De harmonia com o disposto no art. 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro 1 as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, sendo a participação numa sociedade considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.

O art. 4.º, n.º 1, do mesmo diploma 2permite às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações.

 

3.2. Posição da Requerente

 

A Requerente defende que, por força do disposto no corpo do art. 168.º da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE), o direito à dedução nasce de uma relação de utilização: se os recursos foram utilizados numa actividade que confere direito a dedução, o IVA será dedutível, independentemente do peso relativo em termos de valor gerado por essa actividade no confronto com a totalidade dos proveitos.

Assim, será irrelevante a natureza da entidade, devendo ter-se em conta a actividade e a relação com esta dos recursos onerados com IVA.

A Requerente defende que a detenção de participações sociais e o recebimento de dividendos não são actividades consumidoras de recursos e a jurisprudência comunitária considerou que no cálculo do IVA dedutível pelo método standard do pro rata o volume dos dividendos não podia influenciar o nível do direito à dedução (acórdão Satam e outros).

No entender da Requerente, a utilização de recursos que fez está associada quase exclusivamente à actividade remunerada em prol das participadas, implicando a recepção ocasional de dividendos e juros de empréstimos ou realização ocasional de mais-valias uma ínfima utilização de recursos.

A Requerente entende que não pode, sem violação da Directiva sobre o IVA, ser utilizado o método da afectação real para transformar impostos dedutível em não dedutível e, por isso, se os dividendos e a detenção de participações sociais não são rendimentos nem actividades consumidoras de recursos onerados com IVA não pode com aplicação daquele método passar a atrair o IVA suportado relativamente a recursos expressivos de um sujeito passivo que, como a Requerente, se dedica à prestação de serviços técnicos e de gestão às suas participadas.

No que concerne aos juros de empréstimos efectuados pela Requerente, que no seu caso são receitas esporádicas e que consomem recursos insignificantes comparativamente com o seu montante, devem qualificar-se como operações acessórias, à luz do entendimento do Tribunal de Justiça da União Europeia (acórdão EDM).

Relativamente a despesas de aquisição de participações sociais ou de prospectivas aquisições, entende a Requerente que fazem parte das despesas gerais da Requerente (acórdão Cibo), mas isso não afasta o direito à dedução do IVA, apenas implicando, no caso de serem efectuadas tanto operações com direito a dedução como operações sem direito a dedução, que apenas pode ser deduzida a parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

Assim, a Requerente entende que, à excepção dos juros decorrentes de operações de empréstimos às participadas, consumidoras de uma porção de recursos irrisória, a restante actividade económica da Requerente é sujeita a IVA, pelo que as correcções do direito à dedução efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira violam esse seu direito.

A Requerente sugere ainda que, em caso de dúvida, se use o reenvio prejudicial.

Quanto às despesas com um parecer jurídico sobre algumas formas societárias em Espanha, faz parte dos estudos estratégicos sobre a expansão internacional do grupo e não com a obtenção de dividendos, tendo nexo com as operações tributadas por se inserir nas despesas gerais da Requerente, tratando-se de um investimento prévio à aquisição de participadas, sem o qual não pode ocorrer a subsequente prestação de serviços e, existindo direito à dedução, ele subsiste mesmo quando a actividade económica projectada não dê origem a operações tributáveis ou o sujeito passivo não tenha podido utilizar os bens ou serviços por razões alheias à sua vontade (acórdãos INZO e outros).

No que concerne às despesas com liquidação de uma sociedade dominada, a Requerente entende que se englobam nos custos gerais da Requerente, citando o acórdão Abbey National do TJUE.

Refere ainda a Requerente que a sua actividade principal é a gestão activa das suas participadas e que o facto de ser uma SGPS não é obstáculo à dedução da integralidade do IVA suportado.

Finalmente, defende ainda a Requerente que, olhando ao circuito económico em que se insere, a SGPS é um input ou instrumento ao serviço das sociedades participadas: a sua razão de existir são as suas participadas e tudo o que faz é instrumental relativamente aos interesses e actividades das participadas. Não sendo as SGPS um consumidor final e sendo as suas participadas por sua vez sujeitos passivos de IVA com direito à sua dedução (porque também não são consumidores finais, nem, no caso, realizam operações isentas sem direito à dedução), não haverá razão para o IVA suportado pela SGPS (que não está associado a um consumo final, mas a um consumo inserido no circuito económico de produção de bens e serviços) ficar arredado do direito à dedução.

 

3.3. Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

No relatório da inspecção subjacente ao acto impugnado e no presente processo a Autoridade Tributária e Aduaneira defende que há uma actividade que é levada a cabo pela Requerente derivada do facto de ser uma SGPS que é de natureza não económica e que relativamente aos custos que têm um nexo de causalidade com a prossecução dessa actividade ela não tem direito a deduzir o IVA, identificando os serviços adquiridos com que foi suportado IVA no montante global de € 65.857,12 que estarão nessas condições:

– os serviços adquiridos para a elaboração, revisão, concepção e tradução do relatório e contas (IVA no valor de € 13.724,94);

– os serviços de apoio administrativo e secretariado à administração da sociedade e serviços de consultadoria relativos aos benefícios de reforma dos administradores da Requerente (IVA no valor global de € 29.530,23);

– os pagamentos efectuados à CMVM, no âmbito de obrigações inerentes à citação em bolsa do grupo ... (IVA no valor de € 5.808,10); e

– os serviços relacionados com a assessoria e desenvolvimento de negócios no Brasil, com a liquidação de uma sociedade dominada e com o parecer relativo ao regime fiscal de algumas formas societárias em Espanha (IVA no valor global de € 16.793,85).

Para além disso, defende a Autoridade Tributária e Aduaneira que, além dos serviços prestados às suas participadas que consubstanciam actividade económica tributada em IVA, a Requerente também presta serviços que constituem actividade económica isenta, designadamente a concessão de empréstimos pelos quais recebeu juros no valor global de € 465.673,12 [actividade económica isenta de IVA nos do art. 9.º, n.º 27, alínea a), do CIVA], pelo que não haverá direito à dedução do IVA suportado numa percentagem proporcional ao cômputo dos juros no total da actividade da Requerente. Por isso, houve que apurar o pro rata de dedução que se traduziu em 88%.

Finalmente, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende que, desenvolvendo a Requerente uma actividade que, para efeitos de IVA é considerada como não económica (mera detenção de partes sociais e recebimento de dividendos daí resultantes, bem como obtenção de mais-valias na sua alienação) haverá que apurar, relativamente aos restantes € 130.945,41 de IVA suportado na aquisição de bens e serviços de utilização mista o critério de imputação destes à realização das prestações de serviços efectivamente tributadas.

 

3.3. Decisão

 

A questão que é objecto do presente processo, enquadrada pela matéria de facto fixada, é a de saber se um sociedade gestora de participações sociais que presta serviços às suas participadas e cujos colaboradores estão principal e quase exclusivamente afectos a essa prestação de serviços pode deduzir todo o IVA suportado a montante com a aquisição de bens e serviços, e inclusivamente o conexionado com actividades como a detenção de participações sociais, o recebimento de dividendos e juros derivados de empréstimos as suas participadas e os serviços e pagamentos indicados na alínea p) da matéria de facto fixada.

Foi junta ao processo pela Autoridade Tributária e Aduaneira, na reunião prevista no art. 18º do RJAT, o recente acórdão 6-9-2012 do Tribunal de Justiça da União Europeia proferido no processo n.º C-496/11.

Embora o acórdão tenha sido emitido aplicando o regime da 6.ª Directiva (n.º 77/388/CEE, de 17-5-1977) que foi revogada pela Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que entrou em vigor em 1-1-2007, o regime desta é essencialmente semelhante à anterior, no que aqui interessa, pelo que se deve fazer aplicação daquela jurisprudência a situação dos autos, apesar de estarem em causa factos ocorridos em 2008.

Na verdade, como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência, é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no art. 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o art. 234.º do Tratado de Roma, anterior art. 177.º), o seu carácter vinculativo para os Tribunais nacionais quando têm de decidir questões conexas com do direito da União. ( 3 )

Designadamente, no que concerne ao regime das deduções de IVA, manifesta-se nesta Directiva n.º 2006/112/CE a preocupação na harmonização, no ponto 39 do Preâmbulo, em que se refere que «o regime das deduções deverá ser harmonizado, uma vez que influencia os montantes efectivamente cobrados, devendo o cálculo do pro rata de dedução ser efectuado da mesma maneira em todos os Estados-Membros».

Na parte decisória daquele acórdão refere-se o seguinte:

 

O artigo 17.º, n.ºs 2 e 5, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que uma sociedade holding como a que está em causa no processo principal, que, acessoriamente à sua actividade principal de gestão das participações sociais das sociedades de que detém a totalidade ou parte do capital social, adquire bens e serviços que factura em seguida às referidas sociedades, está autorizada a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado pago a montante, na condição de os serviços adquiridos a montante apresentarem um nexo directo e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução. Quando os referidos serviços são utilizados pela sociedade holding para realizar simultaneamente operações económicas com direito a dedução e operações económicas sem direito a dedução, a dedução só é admitida para a parte do imposto sobre o valor acrescentado que seja proporcional ao montante relativo às primeiras operações e a Administração Tributária nacional está autorizada a prever um dos métodos de determinação do direito a dedução enumerados no dito artigo 17.º, n.º 5. Quando os referidos bens e serviços são utilizados simultaneamente para actividades económicas e para actividades não económicas, o artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva 77/388 não é aplicável e os métodos de dedução e de repartição são definidos pelos Estados-Membros, que, no exercício deste poder, devem ter em conta a finalidade e a economia da Sexta Directiva 77/388 e, a esse título, prever um modo de cálculo que reflicta objectivamente a parte de imputação real das despesas a montante a cada uma destas duas actividades.

 

No caso em apreço, não é controvertido que a Requerente é uma SGPS que presta serviços às sociedades de que detém participações.

Da prova produzida resulta mesmo que essa prestação de serviços foi, no ano de 2008, a actividade principal da Requerente, que era desempenhada com coadjuvação de todos os seus colaboradores.

O citado acórdão vem, desde logo, afastar o obstáculo conceitual suscitado pela Autoridade Tributária e Aduaneira da inadmissibilidade de dedução integral do IVA suportado por uma SGPS, atenta a sua natureza, quando se trata de uma sociedade deste tipo que presta serviços às suas participadas.

Na verdade, refere-se expressamente naquele acórdão que «caso seja de considerar que todos os serviços adquiridos a montante têm um nexo directo e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução, o sujeito passivo em causa teria o direito, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 2, da Sexta Directiva, de deduzir a integralidade do IVA que tenha onerado a aquisição a montante dos serviços em causa no processo principal. Este direito a dedução não pode ser limitado pelo simples facto de a regulamentação nacional, em razão do objecto social das referidas sociedades ou da sua actividade geral, qualificar as operações tributadas de acessórias da sua actividade principal».

Assim, tem razão a Requerente ao defender, em primeira linha, que o direito à dedução nasce de uma relação de utilização: se os recursos foram utilizados pela Requerente em actividades que conferem direito a dedução, o IVA será dedutível, independentemente do peso relativo em termos de valor gerado por essa actividade no confronto com a totalidade dos proveitos.

A referida jurisprudência do TJUE tem suporte explícito na legislação da União Europeia, no art. 168.º da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE) que estabelece que, quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes do IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo.

A legislação nacional está em sintonia com aquela norma, ao estabelecer no art. 20.º do CIVA, que pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações que aí se indicam, entre as quais se incluem as transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.

Por outro lado, ainda em sintonia com o citado acórdão do TJUE a interferência da Requerente «na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma actividade económica», para efeitos de tributação em IVA, estando a Requerente autorizada a deduzir o IVA pago a montante, na condição de os serviços adquiridos a montante apresentarem um nexo directo e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução.

Para além disso, como se refere no mesmo acórdão ( 4 ), «admite-se igualmente um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo».

Assim, tem cobertura legal a dedução pela Requerente de todo o IVA suportado com serviços e bens adquiridos que tenham nexo directo e imediato com os serviços prestados às suas participadas com direito a dedução ou que, não tendo nexo directo e imediato com determinados serviços, seja IVA suportado com custos que fazem parte das despesas gerais da Requerente que tenham nexo directo e imediato com o conjunto da sua actividade económica.

Assim, tendo-se provado que todos os colaboradores da Requerente participam na prestação de serviços às suas participadas, ficará fora do âmbito do direito à dedução apenas o IVA suportado pela Requerente com despesas que não sejam despesas gerais conexionadas com a sua actividade económica de prestação de serviços e o que esteja conexionado directa e imediatamente com serviços prestados às suas participadas não tributados em IVA.

Relativamente às despesas referidas na alínea p) da matéria de facto fixada, a Autoridade Tributária e Aduaneira entende estarem exclusivamente conexionadas com a actividade não económica da Requerente, não sujeita a IVA.

No entanto, a natureza de custos gerais é clara quanto aos serviços adquiridos para a elaboração, revisão, concepção e tradução do relatório e contas e aos serviços de apoio administrativo e secretariado à administração da sociedade e serviços de consultadoria relativos aos benefícios de reforma dos administradores da Requerente e os pagamentos efectuados à ..., no âmbito de obrigações inerentes à citação em bolsa do grupo .... São despesas respeitantes ao funcionamento da Requerente como SGPS que, por isso, são de considerar elementos constitutivos do preço dos serviços prestados pela Requerente às suas participadas, tendo um nexo directo e imediato com a actividade económica da Requerente tributada em IVA, como se reconhece naquela jurisprudência.

Quanto às despesas com a liquidação de uma sociedade dominada, a situação apresenta semelhança com a que esteve subjacente ao acórdão do TJCE proferido em 22-2-2001, no processo n.º C-408/98, em que se entendeu que «os diferentes serviços adquiridos pelo transmitente a fim de realizar a transferência de uma universalidade de bens ou de parte dela não apresentam uma relação directa e imediata com uma ou várias operações a jusante que confiram direito à dedução», mas «os custos destes serviços fazem parte das despesas gerais do sujeito passivo e, como tais, são elementos constitutivos do preço dos produtos de uma empresa. Com efeito, mesmo no caso de transferência de uma universalidade de bens, quando o sujeito passivo não realiza mais operações após a utilização dos referidos serviços, os custos destes últimos devem ser considerados inerentes ao conjunto da actividade económica da empresa antes da transmissão. Qualquer outra interpretação do artigo 17.º da Sexta Directiva seria contrária ao princípio que exige que o sistema do IVA seja de uma perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas da empresa, na condição de estas estarem elas próprias sujeitas ao IVA, e poria a cargo do operador económico o custo do IVA no âmbito da sua actividade económica sem lhe dar a possibilidade de o deduzir (ver neste sentido, acórdão Gabalfrisa e outros, já referidos, n.º 45). Assim, proceder-se-ia a uma distinção arbitrária entre, por um lado as despesas efectuadas para os fins de uma empresa antes da exploração efectiva desta e das efectuadas no decurso da referida exploração e, por outro lado, as despesas efectuadas para pôr termo a esta exploração».

No que concerne às despesas com assessoria e desenvolvimento de negócios no Brasil e o parecer relativo ao regime fiscal de algumas formas societárias em Espanha, têm perceptível conexão com o apuramento da viabilidade de expansão internacional do grupo de sociedades e, sendo-o, são também custos gerais da sua actividade que se repercutem nos preços dos seus serviços.

Na verdade, não se vislumbra que nenhuma destas despesas esteja relacionada com a de mera detenção de participações sociais e recebimento de dividendos das participadas, que constituem a «actividade não económica» da Requerente. Com efeito, «... os dividendos, bem como os demais direitos sociais, constituem afinal o conteúdo próprio do direito de propriedade, não envolvendo aquele mínimo de actividade ou de decisão económica que a sujeição ao IVA implica ou supõe». Esses direitos sociais «não são contrapartida de uma actividade económica, resultam da mera propriedade de um bem, a participação social; não são contrapartida nem de actividade tributada nem de actividade isenta, encontrando-se fora do campo de aplicação do IVA» ( 5 ).

«Não constituindo a contrapartida de qualquer actividade económica, na acepção da Sexta Directiva, a percepção de dividendos não entra no âmbito de aplicação do imposto sobre o valor acrescentado, de forma que os dividendos, que resultam da detenção de participações, são estranhos ao sistema dos direitos à dedução». ( 6 ) Por isso, não poderia uma hipotética relação de despesas referidas com a percepção de dividendos ou a detenção de participação sociais influenciar a dedução de IVA.

De qualquer forma, a dúvida sobre tal hipotética relação das referidas despesas com a percepção de dividendos tem de ser valorada a favor da Requerente, em face do princípio enunciado no n.º 1 do art. 100.º do CPPT [subsidiariamente aplicável, nos ermos do art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT], segundo o qual «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado».

Finalmente, é certo que algumas das despesas da Requerente estarão conexionadas, ainda que em ínfima parte quando comparada com a totalidade das despesas em relação as quais foi suportado IVA pela Requerente, com a efectivação de empréstimos e obtenção de juros, o que constitui uma actividade de natureza económica, embora isenta de IVA, nos termos do art. 9.º, n.º 27, alínea a), do CIVA.

No entanto, como se decidiu no acórdão do TJCE n.º C-77/01, de 19-12-2000 (caso «EDM»)

 

«a concessão por uma holding de empréstimos remunerados, anualmente, às suas participadas, bem como as aplicações feitas por aquela em depósitos bancários ou em títulos, como obrigações do Tesouro ou operações de tesouraria, constituem actividades económicas, efectuadas por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, na acepção dos artigos 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, da Sexta Directiva 77/388;

contudo, as referidas operações estão isentas do imposto sobre o valor acrescentado nos termos do artigo 13.º, B, alínea d), n.ºs 1 e 5, desta mesma directiva;

no cálculo do pro rata de dedução previsto nos artigos 17.º e 19.º da Sexta Directiva 77/388, estas operações devem ser consideradas operações acessórias na acepção do artigo 19.º, n.º 2, segundo período, da mesma directiva, na medida em que apenas impliquem uma utilização muito limitada de bens ou de serviços pelos quais o imposto sobre o valor acrescentado é devido; embora a amplitude dos rendimentos gerados pelas operações financeiras abrangidas pelo âmbito de aplicação da Sexta Directiva 77/388 possa constituir um indício de que estas operações não devem ser consideradas acessórias na acepção da referida disposição, o facto de serem gerados por essas operações rendimentos superiores aos produzidos pela actividade indicada como principal pela empresa em causa não pode, por si só, excluir a qualificação destas de «operações acessórias»;

 

No caso em apreço, como resulta da prova produzida, a actividade da Requerente relativa à concessão de empréstimos e recepção de juros implica uma utilização muito reduzida dos serviços pelos quais o IVA é devido, pelo que os proveitos que a Requerente obteve no ano de 2008 provenientes daquelas operações financeiras, não são de considerar relevantes para o cálculo da percentagem de dedução de IVA, como decorre do n.º 5 do art. 23.º do CIVA, pois têm «carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo».

Por isso, no caso em apreço, não ficou demonstrado que a Requerente não pudesse deduzir o IVA que deduziu.

 

4. Indemnização por garantia indevida

 

A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida.

Como resulta da alínea u) da matéria de facto fixada, a Requerente prestou uma garantia bancária no valor de € 222.979,44, para obter suspensão do processo de execução fiscal relativo à cobrança da dívida de IVA liquidada adicionalmente.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como directriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu art. 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo art. 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do art. 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no art. 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do art. 52.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

 

Garantia em caso de prestação indevida

 

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, é manifesto que os erros do acto de liquidação de IVA são imputáveis à administração tributária, pois as correcções foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão (arts. 661.º do Código de Processo Civil e 565.º do Código Civil).

 

 

5. Decisão

 

Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

– julgar procedente os pedidos de declaração de ilegalidade da liquidação de IVA n.º ..., no valor de € 163.796,05;

– julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação dos correspondentes juros compensatórios n.º ..., no valor € 12.583,13;

– julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente a indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à A. a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão.

 

 

Valor do processo: De harmonia com o disposto no art. 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 176.379,18.

 

Custas: Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 27-12-2012

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

(Prof.ª Doutora Ana Maria Rodrigues)

 

(Dr. José Coutinho Pires)

1(  ) Redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro.

2(  ) Redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro.

3(  ) Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, página 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2593.

4(  ) Citando jurisprudência anterior do TJCE adoptada nos acórdãos Kretztechnik, n.º 36, Investrand, n.º 24, e SKF, n.º 58.

5(  ) JOSÉ XAVIER DE BASTO e MARIA MODETE OLIVEIRA, O direito à dedução do IVA nas sociedades holding, em Fiscalidade n.º 6, página 8.

6(  ) Acórdão do TJCE Satam, S.A. (acórdão de 22-6-1993, processo n.º C-333/91).

Neste acórdão, conclui-se que os dividendos de acções devem ser excluídos do denominador da fracção de cálculo do pro rata.