Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 432/2022-T
Data da decisão: 2023-03-15  IMI  
Valor do pedido: € 11.896,81
Tema: IMI – Terrenos para construção; valor patrimonial tributário; revisão do ato tributário. Artigos 38.º e 45.º do Código do IMI; artigo 78.º da LGT. *Decisão arbitral anulada por acórdão do STA de 21 de março de 2024, Processo n.º 60/23.6BALSB.
Versão em PDF

Sumário:

I – O artigo 78.º, n.º 1, da LGT permite a revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI, no prazo de quatro anos, por erro na determinação do valor patrimonial tributário que seja imputável à AT.

II – Não obstante o disposto no artigo 77.º, n.º 1, do Código do IMI, a legalidade dos atos de liquidação de IMI pode ser apreciada com base em vícios imputáveis aos atos de fixação do valor patrimonial tributário.

III – O artigo 45.º do Código do IMI, na redação anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, não previa a aplicação dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto, previstos no artigo 38.º e densificados nos artigos 41.º, 42.º e 43.º, todos do Código do IMI, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            I. Relatório

1. No dia 20 de julho de 2022, A..., NIF..., representado pela sociedade gestora B..., S. A., NIPC..., com sede na Rua ..., ..., ..., ...-... Lisboa (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade:

(i) dos atos de liquidação de IMI n.ºs 2017..., 2017..., 2017..., 2018..., 2018..., 2018..., 2019..., 2019... e 2019..., respeitantes aos anos de 2017, 2018 e 2019, no montante parcial de € 11.896,81; e,

(ii) do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa deduzido contra aqueles mesmos atos de liquidação.

O Requerente juntou prova documental, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

 

2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), o Requerente alega, essencialmente, o seguinte que passamos a citar:

            - “No âmbito da sua actividade, o Requerente é proprietário de diversos prédios, incluindo terrenos para construção.

            - Em parte, as liquidações de IMI sub judice tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar pelo Requerente, o valor patrimonial tributário do terreno para construção de que o requerente era titular à data dos factos tributários in casu (…), valor este que estava fixado segundo a fórmula erroneamente adoptada pela AT nos períodos de tributação em apreço, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afectação e/ou (iii) de qualidade e conforto, (…).

            - Deste modo, nos anos sub judice (2017, 2018 e 2019), relativamente ao terreno para construção em apreço, a AT liquidou um montante de IMI superior ao montante legalmente devido face ao valor patrimonial tributário que deveria ter sido considerado para efeitos de cálculo da colecta de imposto referente a cada um destes anos.

            - Relativamente ao terreno para construção objecto dos actos tributários de liquidação de IMI sub judice, afigura-se claro que, se expurgarmos os coeficientes de localização, de afectação e/ou de qualidade e conforto aplicáveis ao valor patrimonial tributário deste terreno que serviram de base para cálculo da colecta de IMI destas liquidações (coeficientes este que (…) não deveriam ter sido aplicados para efeitos de determinação destes valores), resulta um valor patrimonial tributário diferente e de montante inferior àquele que foi efectivamente utilizado para efeitos deste cálculo do imposto.

- Consequentemente, estamos perante um erro na interpretação dos pressupostos de facto e direito do qual resultou em ilegais liquidações (parciais) de IMI, especificamente erro na determinação da matéria tributável deste imposto que originou uma colecta ilegal do tributo.

- (…), é inegável que os coeficientes de afectação (estabelecido no artigo 41.º), de localização (definido no artigo 42.º), de qualidade e conforto (regulado no artigo 43.º) e de vetustez (consagrado no artigo 44.º) não eram aplicáveis aos “terrenos para construção”, não fazendo parte da fórmula de cálculo consagrada no n.º 1 do artigo 45.º do Código do IMI na redacção vigente à data dos factos tributários relevantes para efeitos dos actos tributários de liquidação de IMI sub judice.     

- (…), no cálculo do correspondente valor patrimonial de “terreno para construção”, deverá ser desconsiderado os coeficientes de localização, de afectação e de qualidade e conforto, e adoptado, em regra geral, a seguinte fórmula de cálculo: Vt = Vc x A x % do valor das edificações autorizadas ou previstas, conforme resulta claro do método de determinação deste valor para “terrenos para construção” nos termos do artigo 45.º do Código do IMI na redacção vigente à data dos factos tributários para efeitos deste imposto – i.e. em cada dia 31 de Dezembro dos anos de 2017, 2018 e 2019.  

- (…), na sequência da flagrante violação das regras de determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” (…), a própria AT reconheceu, recentemente, o erro por si cometido ao longo dos últimos anos quando à determinação (e avaliação) destes valores patrimoniais tributários, tendo alterado o método (ilegal) por si utilizado para estes efeitos, passando a desconsiderar, conforme os termos fixados na lei, os coeficientes de localização, de afectação e de qualidade e conforto.   

- (…), para efeitos de liquidação de IMI, os valores patrimoniais dos prédios, nomeadamente dos prédios urbanos classificados como “terrenos para construção”, constitui a matéria tributável deste imposto.

- Consequentemente, qualquer erro nos pressupostos de facto e/ou de direito do qual resulte um erróneo cálculo dos valores patrimoniais tributários dos imóveis sobre os quais incide o acto tributário de liquidação de IMI e que, consequentemente, faz com que seja determinado um montante de imposto, superior ou inferior ao legalmente devido nos termos das normas do Código do IMI aplicáveis, constitui um vício que impõe a anulabilidade desse mesmo acto tributário.

- Acresce que, considerando que é a AT a entidade responsável pela determinação concreta dos valores patrimoniais tributários dos prédios, tais erros nesta determinação são “erros imputáveis aos serviços” que justificam plenamente a admissibilidade de pedidos de revisão oficiosa nos termos gerais do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

- Por conseguinte, é de concluir que foi efectuada uma liquidação (e pagamento) em excesso de IMI nos seguintes montantes, (…): a) Com referência aos actos tributários de liquidação de IMI relativos ao ano de 2017, foi liquidado imposto em excesso no montante total de € 4.113,69; b) Com referência aos actos tributários de liquidação de IMI relativos ao ano de 2018, foi liquidado imposto em excesso no montante total de € 4.020,19; c) Com referência aos actos tributários de liquidação de IMI relativos ao ano de 2019, foi liquidado imposto em excesso no montante total de € 3.762,93.

- Acresce que, sempre será de referir que a aplicação do artigo 38.º do Código do IMI – em concreto, a aplicação dos coeficientes de avaliação ali previstos – na determinação do VPT de terrenos para construção sempre será manifestamente contrária ao princípio da legalidade tributária, conforme consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (…).

- pelo que, a interpretação do artigo 45.º do Código do IMI, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do Código do IMI devem ser atendidos no apuramento do VPT deste tipo de prédios – por analogia ou outra técnica de interpretação –, sempre atentará contra o princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP.

- (…), pese embora o Requerente não possa concordar com a posição perfilhada pela AT, procedeu ao pagamento integral dos actos tributários que consubstanciaram as liquidações de IMI ora controvertidas.

- (…), afigurando-se estas liquidações como manifestamente ilegais (…), deve o Requerente ser integralmente ressarcido do respectivo valor do IMI liquidado, porquanto não devido, no montante parcial de € 11.896,81.

- (…), o requerente requer, igualmente, que sejam pagos os respectivos juros indemnizatórios.”

O Requerente termina propugnando a procedência do pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

“a) Seja declarada a legalidade do Pedido de Revisão Oficiosa acima identificado e declarada a ilegalidade do seu indeferimento (tacitamente presumido);

b) Se anulem os actos tributários que constituem o seu objecto, relativos às liquidações de IMI supra identificadas, porque contrários à lei, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito;

c) Seja a AT condenada a reembolsar ao Requerente o valor de IMI pago em excesso, no montante parcial de € 11.896,81, relativamente às liquidações sub judice e, bem assim, condenada ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do montante referido.

A título subsidiário, e sem prescindir, requer

a) Seja desaplicada, no caso concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redacção vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais.”       

      

3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 27 de julho de 2022.

           

4. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 9 de setembro de 2022, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 27 de setembro de 2022.

 

5. No dia 31 de outubro de 2022, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou os argumentos aduzidos pelo Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, tendo sido dispensada, por acordo das partes, a junção do processo administrativo (doravante, PA).

A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação que passamos a citar:    

“- (…), não assiste qualquer razão à Requerente porquanto: A. Não está legalmente prevista a dedução de pedido de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores, pelo que a pretensão da Requerente carece de fundamento legal; B. O ato que fixou o VPT em vigor no período de tributação dos presentes autos está consolidado na ordem jurídica, tendo a força de caso julgado; C. Eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são insuscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo, pelo que o ato de liquidação não enferma de qualquer ilegalidade; D. E, mesmo que assim não se entendesse, o que por hipótese se admite, o pedido de revisão oficiosa sempre seria intempestivo face aos prazos previstos no artigo 78.º da LGT; E. Sendo que a final sempre se concluiria no sentido de já ter decorrido o prazo de 5 anos em que seria possível a anulação do ato.

- É comumente aceite que a letra da lei – artigo 78.º da LGT – não abrange os atos de avaliação patrimonial, que não são atos tributários, previstos no n.º 1, nem são atos de apuramento da matéria tributável previstos no n.º 4 daquela norma.

- Nem se verifica qualquer erro no ato de liquidação, o qual em cumprimento da lei foi calculado com base no VPT constante na matriz predial.

- O procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral,

- Que, se não for impugnado nos termos e prazo fixado, se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher.

- No caso em apreço, não tendo o Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior avaliação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação.

- Ou seja, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação que não na posterior liquidação consequente.

- (…) o que o Requerente contesta é, apenas e só, o ato destacável de fixação do VPT e não o ato de liquidação.

- Ora, os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo, pois têm a força jurídica de caso julgado.

- (…), os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação.

- São atos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis.

- Aliás, o princípio da impugnação unitária é expressamente afastado neste caso pelo artigo 86.º da Lei Geral Tributária.       

- (…), não é nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação.

- Mesmo que se considere ser aplicável à presente matéria atenta a especificidade do ato que fixa o valor patrimonial tributário, o artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), o prazo para autorização da revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço, não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do ato tributário», previsto no n.º 4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária. 

- Por isso, tendo em conta a data de apresentação do pedido de revisão oficiosa das liquidações e de interposição da presente ação,

- E a data da respetiva avaliação do presente imóvel, ocorrida em 2012, portanto mais de 5 anos,

- Conclui-se necessariamente que o pedido de revisão oficiosa é intempestivo.

- Decorre do texto da lei que apenas são passíveis de anulação os atos de fixação dos VPT que contrariem o recente entendimento jurisprudencial nos casos em que não tenham decorridos cinco anos desde a respetiva emissão.

- (…) por força do artigo 168.º, n.º 1, do CPA, as avaliações em que foram considerados os coeficientes de localização e afetação na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, efetuadas há mais de cinco anos, já não podem ser objeto de anulação administrativa por determinação legal.

- (…), não se verifica qualquer violação do princípio da igualdade tributária,

- (…) a atual interpretação da forma de cálculo do VPT dos terrenos para construção já está alinhada com o mais recente entendimento do Supremo tribunal Administrativo pelo que se afigura prejudicada a controvérsia sobre a aplicação do artigo 38.º ou do 45.º do Código do IMI na avaliação dos terrenos para construção.

            - (…), no caso em apreço não se verifica qualquer “erro imputável aos serviços”,

            - (…) o Tribunal Arbitral está obrigado a julgar de acordo com o direito constituído, estando impedido de julgar o processo de acordo com critérios da equidade.”

 

6. Por despacho arbitral, datado de 24 de novembro de 2022, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, foi fixado prazo para a apresentação de alegações escritas e foi, ainda, indicado o dia 27 de março de 2023 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

 

7. Apenas o Requerente apresentou alegações escritas nas quais, essencialmente, reiterou a argumentação, de facto e de direito, anteriormente vertida no pedido de pronúncia arbitral.

           

II. Saneamento

8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT).

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Admite-se a cumulação de pedidos – estão em causa diversos atos tributários atinentes a IMI, sendo peticionada a respetiva declaração de ilegalidade e consequente anulação –, em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pelo Requerente depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).

A Requerida assenta, essencialmente, a sua Resposta na invocação de exceções e de questões prévias que importa apreciar; contudo, para o efeito, afigura-se necessário fixar previamente a matéria de facto provada e não provada, o que faremos em seguida.

Para além dessas, não existem quaisquer outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.

 

III. Fundamentação                             

III.1. De Facto

§1. Factos ProvadosROVADOS

9. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

a) O Requerente é um fundo de pensões, representado pela sociedade gestora B..., S. A.

b) No âmbito da sua atividade, o Requerente é proprietário de diversos prédios, incluindo terrenos para construção.

c) Em 31 de dezembro de 2017, 2018 e 2019, um dos terrenos para construção propriedade do Requerente era o inscrito sob o artigo ... na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia, com o valor patrimonial tributário de € 2.612.497,73, nos dois primeiros anos, e de € 2.651.685,20, no ano de 2019. [cf. documentos n.ºs 2 e 3 anexos ao PPA]

d) O valor patrimonial tributário do aludido terreno para construção foi determinado pela AT segundo a fórmula de cálculo prevista no artigo 38.º do Código do IMI, ou seja, considerando a aplicação de coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA]

 e) Relativamente a esse mesmo terreno para construção, o Requerente não solicitou uma segunda avaliação, nos termos do disposto no artigo 76.º, n.º 1, do Código do IMI, nem impugnou jurisdicionalmente o ato de avaliação direta.  

f) O Requerente foi notificado dos seguintes atos tributários de liquidação de IMI [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]:

  • Liquidações n.ºs 2017... (emitida em 20.03.2018 e com data limite de pagamento em 30.04.2018), 2017... (emitida em 19.06.2018 e com data limite de pagamento em 31.07.2018) e 2017 ... (emitida em 18.10.2018 e com data limite de pagamento em 30.11.2018), referentes ao ano de 2017, no montante total de € 282.497,49;
  • Liquidações n.ºs 2018 ... (emitida em 04.04.2019 e com data limite de pagamento em 31.05.2019), 2018 ... (emitida em 17.07.2019 e com data limite de pagamento em 31.08.2019) e 2018 ... (emitida em 08.10.2019 e com data limite de pagamento em 30.11.2019), referentes ao ano de 2018, no montante total de € 257.544,00; e
  • Liquidações n.ºs 2019 ... (emitida em 20.04.2020 e com data limite de pagamento em 31.05.2020), 2019 ... (emitida em 21.07.2020 e com data limite de pagamento em 31.08.2020) e 2019 ... (emitida em 04.10.2020 e com data limite de pagamento em 30.11.2020), referentes ao ano de 2019, no montante total de € 256.237,99.

g) Em datas concretamente não apuradas, o Requerente efetuou o pagamento integral dos montantes de imposto resultantes das mencionadas liquidações de IMI [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]

h) Na sequência da reiterada jurisprudência do STA no sentido da inaplicação, para efeito da determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto, a AT, no decurso do ano de 2020, corrigiu a fórmula de cálculo do valor patrimonial tributário aplicável a esses prédios urbanos, deixando de aplicar aqueles coeficientes.

i) No dia 24.01.2022, o Requerente deduziu pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI elencados no facto provado f), nos termos e com os fundamentos constantes do documento n.º 1 anexo ao PPA e que aqui se dá por inteiramente reproduzido.

j) O mencionado pedido de revisão oficiosa veio a presumir-se tacitamente indeferido, por inércia da AT em emitir uma decisão dentro do prazo legalmente cominado para o efeito.

k) No dia 20.07.2022, o Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. Factos não Provados

10. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham por provados.

 

§3. Motivação quanto à Matéria de Facto

11. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consubstanciadas em afirmações meramente conclusivas e, por isso, insuscetíveis de prova e cuja veracidade terá de ser aquilatada em face da concreta matéria de facto consolidada. 

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório carreado para os autos, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

  

III.2. De Direito

§1. Exceções e questões prévias

12. A Requerida invocou as exceções de inadmissibilidade e intempestividade do pedido de revisão oficiosa, da inimpugnabilidade dos atos tributários de liquidação e da sanação dos vícios dos atos de fixação do valor patrimonial com base no caso decidido; para além disso, a Requerida ainda suscitou a questão da proibição legal da pronúncia arbitral segundo a equidade.

As referidas exceções, bem como a dita questão foram, igualmente, suscitadas no processo arbitral n.º 53/2022-T, tendo ali sido objeto de apreciação nos seguintes termos que merecem a nossa concordância e que, por isso, data venia, fazemos nossos:

Inadmissibilidade e intempestividade do pedido de revisão oficiosa

4. A Autoridade Tributária suscita a questão da inadmissibilidade do pedido de revisão oficiosa por considerar que os atos de fixação do valor patrimonial tributário não são atos tributários ou atos de apuramento da matéria tributável, a que se referem os n.ºs 1 e 4 do artigo 78.º da LGT, e que não existe qualquer erro de liquidação imputável aos serviços, e invoca ainda a intempestividade do pedido de revisão por entender que o prazo aplicável era o de três anos previsto no n.º 4 desse artigo 78.º.

Deve começar por dizer-se, (…), que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado contra os atos de liquidação de adicional ao IMI, ainda que com base na errónea quantificação do valor patrimonial tributário, e não contra os atos de avaliação patrimonial.

Estando em causa atos tributários de liquidação, e não propriamente atos de fixação do valor patrimonial tributário, não há nenhum motivo para afastar a possibilidade de revisão pela entidade que praticou os atos de liquidação.

Conforme é também jurisprudencialmente aceite, existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, em resultado da obrigação genérica de a administração tributária atuar em plena conformidade com a lei.

Por outro lado, como é evidente, a existência do erro que constitui fundamento do pedido de revisão não pode ser aferida a partir da posição jurídica que tenha sido assumida pela Autoridade Tributária na apreciação do pedido de revisão, mas com base nos vícios de ilegalidade que tenham sido arguidos pelo sujeito passivo na formulação do pedido. Sendo que o processo arbitral foi deduzido precisamente para discutir a validade do entendimento adotado pela Administração na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa (cfr. acórdão proferido no Processo n.º 564/2020-T).

E, em qualquer caso, havendo lugar a impugnação administrativa por via do pedido de revisão oficiosa, o erro passa a ser imputável à Administração depois de eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte (acórdão do STA de 18 de janeiro de 2017, Processo n.º 0890/16).

Acresce que a revisão oficiosa do ato tributário pode ser efetuada a pedido do contribuinte no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago) quando houver erro imputável aos serviços, devendo entender-se como tal o erro material, o erro de facto ou o erro de direito, independentemente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação.

É o que resulta do disposto no artigo 78.º, n.º 7, da LGT, pelo qual a revisão oficiosa, nos termos previstos no n.º 1 desse artigo, pode ser desencadeada pelo sujeito passivo mediante requerimento dirigido ao órgão competente da Administração Tributária e com base nos mesmos pressupostos legais: no prazo de quatro anos e com fundamento em erro imputável aos serviços. O que se tem entendido como uma decorrência do princípio da justiça e da verdade material (cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 14 de março de 2012, Processo n.º 01007/11, e de 8 de março de 2017, Processo n.º 01019/14, e, na doutrina, JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, Lições de Procedimento Tributário, 5.ª edição, Coimbra, págs. 227-228; SERENA CABRITA NETO/CARLA CASTELO TRINDADE, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra, 2017, pág. 605 e LEONARDOMARQUES DOS SANTOS, “A revisão do ato tributário, as garantias dos contribuintes e a fiscalidade internacional”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, Economia, Finanças Públicas e Direito Fiscal, Vol. II, págs. 14 e ss.).

Sendo admissível, por conseguinte, a revisão oficiosa dos atos tributários de liquidação por iniciativa do contribuinte com fundamento em erro nos pressupostos de facto ou de direito, e, em relação aos atos de liquidação de AIMI, com base em errónea quantificação do valor patrimonial tributário, não há nenhum motivo para afastar a impugnabilidade dos atos de liquidação do imposto quando tenham sido objeto de pedido de revisão oficiosa que foi tácita ou expressamente indeferido.

Por outro lado, o pedido de revisão oficiosa não é intempestivo.

Como resulta de todo o anteriormente exposto, o prazo aplicável é o do n.º 1 do artigo 78.º da LGT e esse prazo (assumindo a possibilidade da convolação da reclamação) deve ser contado nos termos do artigo 129.º, n.º 2, do CIMI”, ou seja, a partir do termo do prazo para pagamento voluntário da última ou da única prestação do imposto; com efeito, a atual redação desta norma legal, introduzida pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março e da qual resultou o diferimento do termo inicial de contagem dos prazos ali referidos, face ao momento anteriormente previsto (termo do prazo para pagamento voluntário da primeira ou da única prestação do imposto), é de aplicação imediata aos prazos que estivessem já em curso aquando da sua entrada em vigor (cf. artigo 297.º, n.º 2, do Código Civil e artigo 12.º, n.º 3, da LGT).     

No caso sub judice, uma vez que o termo do prazo de pagamento voluntário da última prestação de IMI referente aos anos de 2017, 2018 e 2019 ocorreu, respetivamente, em 30.11.2018, 30.11.2019 e 30.11.2020, e tendo sido o pedido de revisão oficiosa apresentado em 24 de janeiro de 2022, este pedido é tempestivo relativamente a todas as liquidações de IMI controvertidas.

Prossigamos para a apreciação das demais exceções: 

Inimpugnabilidade dos atos tributários de liquidação

5. A Autoridade Tributária invoca ainda a exceção da inimpugnabilidade dos atos de liquidação decorrente de se ter consolidado na ordem jurídica o ato de fixação do valor patrimonial tributário, por considerar – se bem se entende – que está em causa a apreciação de atos administrativos em matéria tributária que não comportam a apreciação da legalidade do ato de liquidação (artigo 97.º, n.º 2, do CPPT).

Certo é que existe jurisprudência, que, invocando o princípio da impugnação unitária, considera que dos atos de fixação dos valores patrimoniais cabe impugnação contenciosa autónoma, pelo que, na falta de oportuna reação jurisdicional, a fixação do valor patrimonial consolida-se na ordem jurídica e qualquer erro ou vício de que enferme não pode ser conhecido na impugnação deduzida contra o posterior ato de liquidação (acórdão do TCA Sul de 27 de abril de 2010, Processo n.º 03586/09).

No entanto, este entendimento jurisprudencial não tem correspondência com o hodierno conceito do ato destacável impugnável, nem interpreta adequadamente o princípio da impugnação unitária.

Tradicionalmente são designados como atos destacáveis aqueles que, ainda que não ponham termo ao procedimento ou a um seu incidente autónomo, produzem efeitos jurídicos externos e se tornam, como tal, diretamente impugnáveis.

Note-se, no entanto, o CPTA, em conformidade com o também estabelecido no artigo 148.º do CPA, alargou o conceito de ato contenciosamente impugnável, colocando o acento tónico na eficácia externa do ato, isto é, na virtualidade de o ato produzir efeitos jurídicos no âmbito das relações entre a Administração e os particulares, independentemente de poder tratar-se de mero ato procedimental. Com efeito, o segmento inicial do n.º 1 do artigo 51.º do CPTA abre caminho à possibilidade de impugnação contenciosa de atos procedimentais, e não apenas de atos que ponham termo ao procedimento ou a uma fase autónoma desse procedimento, e aboliu, desse modo, o requisito de definitividade horizontal.

E, por outro lado, o n.º 3 desse artigo 51.º, confere um carácter de facultatividade à impugnação de atos procedimentais, não impedindo que o interessado possa impugnar o ato final, com base nos vícios que afetem o ato intermédio, excluindo apenas os casos em que o ato em causa tenha determinado a exclusão do interessado no procedimento (hipótese em que o ato praticado no decurso do procedimento representa já decisão final relativamente ao interessado excluído), bem como os demais casos em que a lei imponha especialmente o ónus de impugnação tempestiva de atos procedimentais (v.g., no âmbito do processo disciplinar, a impugnação de irregularidades processuais que se considerem supridas em caso de falta de reclamação até à decisão final — artigo 203.º, n.º 2, da Lei Geral do Trabalho na Função Pública) (cfr., neste preciso sentido, CARLOS FERNANDES CADILHA, Dicionário de Contencioso Administrativo, 2.ª edição, Coimbra, págs. 123-124).

O propósito do n.º 3 do artigo 51.º do CPTA é, pois, o de impedir que a maior abertura no plano da impugnabilidade de atos procedimentais que resulta dos n.ºs 1 e 2 acarrete um agravamento da posição processual dos interessados: por isso se consagra a regra de que, quando o interessado não tenha impugnado um ato interlocutório suscetível de produzir efeitos lesivos na sua esfera jurídica, não fica precludida a faculdade de dirigir a impugnação contra o ato final do procedimento (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/CARLOS FERNANDES CADILHA Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, Coimbra, pág. 374).

Por outro lado, quando a parte final do n.º 3 do artigo 51.º do CPTA ressalva as “ilegalidades que digam respeito […] a ato que lei especial submeta a um ónus de impugnação autónoma”, pretende abranger os casos em que a lei avulsa que regule o procedimento específico em causa imponha especialmente o ónus da impugnação contenciosa de um certo ato procedimental, de modo a que as ilegalidades em que ele incorra não possam ser invocadas na reação jurisdicional que venha a ser dirigida contra a decisão final do procedimento, não bastando, por isso, a mera menção, em lei especial, de que certo ato procedimental é passível de impugnação administrativa.

Nesse mesmo sentido deve ser interpretado o princípio da impugnação unitária a que se refere o artigo 54.º do CPPT, pelo qual “[S]alvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são suscetíveis de impugnação contenciosa os atos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida”.

Segundo esta disposição, como atos interlocutórios autonomamente impugnáveis devem entender-se os “imediatamente lesivos”, ou seja, os atos que, embora inseridos no procedimento tributário, e anteriores à decisão final, a condicionam irremediavelmente, de tal modo que o ato interlocutório, se não for impugnado, consolida-se na ordem jurídica, e a decisão final do procedimento não pode ser impugnada com base em vícios atinentes a esse mesmo ato. E também aqueles relativamente aos quais exista lei expressa que, independentemente da imediata lesividade dos atos, preveja a impugnação contenciosa autónoma.

6. Revertendo à situação do caso concreto, justifica-se a referência, na parte que mais interessa considerar, às disposições dos artigos 76.º e 77.º do CIMI, que são do seguinte teor:

Artigo 76º

Segunda avaliação de prédios urbanos

1 - Quando o sujeito passivo, a câmara municipal ou o chefe de finanças não concordarem com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, podem, respetivamente, requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado.

[…]

Artigo 77º

Impugnação

1- Do resultado das segundas avaliações cabe impugnação judicial, nos termos definidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.

2- A impugnação referida no número anterior pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial tributário do prédio.

3- A iniciativa da impugnação a que se refere o n.º 1 cabe ao sujeito passivo, à câmara municipal ou à junta de freguesia, quando esta última seja beneficiária da receita.

A remissão para o CPPT, que consta do artigo 77.º, n.º 1, do CIMI, deve entender-se como feita para o artigo 97.º desse Código, que enumera as situações em que há lugar à impugnação judicial, no âmbito do processo judicial tributário, e entre as quais se conta a “impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais”, a que se refere o artigo 97.º, n.º 1, alínea f), desse Código.

O que resulta da interpretação conjugada dos artigos 76.º, n.º 1, e 77.º, n.º 1, do CIMI é que do resultado das segundas avaliações cabe impugnação judicial e, por outro lado, a segunda avaliação de prédios urbanos, em que se incluem os terrenos para construção, pode ser requerida pelo sujeito passivo ou pela câmara municipal ou promovida pelo chefe de finanças, quando não concordarem com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos.

A segunda avaliação corresponde a uma forma de impugnação administrativa da avaliação direta, mas a lei não impõe ao sujeito passivo a utilização prévia desse meio de tutela administrativa como condição de acesso à via contenciosa, limitando-se a facultar ao interessado o direito a requerer uma segunda avaliação.

Importa fazer notar, a este propósito, que o CPA veio clarificar a distinção entre reclamações e recursos necessários e facultativos, dizendo que as reclamações e os recursos administrativos são necessários e facultativos, conforme dependa, ou não, da sua prévia utilização a possibilidade de acesso aos meios contenciosos (artigo 185.º, n.º 1), e consagrando explicitamente a regra de que “as reclamações e os recursos têm caráter facultativo, salvo se a lei os denominar como necessários” (artigo 185.º, n.º 2), o que significa que apenas poderão ser consideradas impugnações administrativas necessárias aquelas que sejam expressamente qualificadas como tal por disposição legal.

Ora, não impondo a lei a obrigatoriedade de o sujeito passivo requerer uma segunda avaliação, nem podendo considerar-se essa segunda avaliação como uma impugnação administrativa necessária, não pode interpretar-se a norma do artigo 77.º, n.º 1, do CIMI como estabelecendo um ónus de impugnação judicial do ato de fixação do valor patrimonial tributário que tenha resultado da segunda avaliação. Ou seja, uma vez que o artigo 76.º, n.º 1, do CIMI confere ao pedido de uma segunda avaliação um carácter meramente facultativo, o interessado não tinha de requerer essa segunda avaliação, não lhe sendo exigível, ao abrigo do subsequente artigo 77.º, que impugnasse judicialmente o resultado de uma segunda avaliação que não estava sequer vinculado a requerer.

Como é de concluir, o artigo 77.º, n.º 1, do CIMI, ao dispor que do “resultado das segundas avaliações cabe impugnação judicial”, não pode ser interpretado como implicando um ónus processual de impugnação do ato de fixação do valor patrimonial tributário, o que apenas poderia suceder se o pedido de segunda avaliação, a que se refere o artigo 76.º, n.º 1, do CIMI, tivesse sido previsto como uma forma de impugnação administrativa necessária destinada a permitir o ulterior acesso à via contenciosa.

Ora, o falado artigo 76.º, n.º 1, limita-se a conferir ao interessado a faculdade de requerer uma segunda avaliação e, na situação do caso, não houve sequer uma segunda avaliação, por não ter sido requerida pelo interessado, nem promovida pelo chefe de finanças, pelo que – como é evidente – não pode ser imposto ao contribuinte o ónus de impugnar judicialmente a fixação do valor patrimonial tributário que tenha resultado de uma segunda avaliação que nem sequer teve lugar.

Concluindo-se pela impugnabilidade dos atos de liquidação de IMI com fundamento em errónea quantificação do valor patrimonial tributário, fica igualmente excluída a exceção de insindicabilidade dos atos de liquidação por vícios próprios do ato de fixação do valor patrimonial tributário, que é também invocada pela Autoridade Tributária.

Sanação dos vícios do ato de fixação do valor patrimonial tributário por efeito do caso decidido

7. A Autoridade Tributária alega, a propósito do regime da anulação administrativa, que, por efeito do artigo 168.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo máximo de cinco anos a contar da respetiva emissão, para concluir que encontrando-se já precludido o prazo para anulação administrativa do ato que fixa valor patrimonial tributário, este ato encontra-se sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo de IMI.

Semelhante argumentação assenta num evidente equívoco.

O novo CPA passou a distinguir entre revogação e anulação administrativa, fazendo corresponder cada uma destas figuras às duas anteriores modalidades de revogação abrogatória ou extintiva e de revogação anulatória. A anulação administrativa prevista no atual CPA, ainda que com diferentes condicionalismos, não é, por conseguinte, mais do que o antigo instituto da revogação do ato administrativo por iniciativa da Administração, ou a pedido do interessado, mediante a interposição reclamação graciosa ou recurso administrativo, a que se referiam os artigos 138.º e seguintes do CPA de 1991.

O decurso do prazo para a Administração proceder à anulação administrativa de um ato administrativo não sana os vícios de que o ato possa padecer, mas implica apenas que os seus efeitos se tornam definitivos, adquirindo a força jurídica de caso decidido ou caso resolvido. Significando que o ato administrativo, enquanto decisão de uma autoridade administrativa, define o direito do caso concreto de forma estável (cfr. VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, 2.º edição, Coimbra, pág. 163).

O caso decidido, no entanto, apenas releva na relação entre a Administração e o particular, e não impede que o interessado lance mão dos meios processuais de impugnação contenciosa contra o ato administrativo, ainda que a Administração não possa já anulá-lo administrativamente.

A anulação administrativa, quando ocorra, apenas tem como consequência que o particular deixa de ter interesse processual em impugnar o ato judicialmente. E caso a anulação administrativa se verifique na pendência de um processo de impugnação judicial, haverá lugar à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. Assim se compreende que o mesmo artigo 168.º do CPA, no seu n.º 3, declare que “[Q]uando o ato tenha sido objeto de impugnação jurisdicional, a anulação administrativa só pode ter lugar até ao encerramento da discussão”.

A consolidação na ordem jurídica do ato administrativo anulável só opera, por conseguinte, quando tenha decorrido o prazo legalmente previsto para o interessado deduzir o competente meio processual de impugnação judicial, na medida em que só pelo decurso desse prazo é o ato se torna inimpugnável jurisdicionalmente.

Qualquer outra solução constituiria um absurdo, confundindo a atividade administrativa com a função jurisdicional e contrariando flagrantemente o princípio da tutela jurisdicional efetiva.

Uma vez que a anulação administrativa é um ato administrativo que se desenrola no âmbito de procedimento administrativo, e cuja prática se encontra na exclusiva disponibilidade da Administração, é claro que as vicissitudes quanto à possibilidade de o ato ser anulado ainda no âmbito do procedimento, não interfere em nada com o direito processual dos interessados recorreram a uma instância jurisdicional.

E, assim, não só os vícios do ato de fixação valor patrimonial tributário se não encontram sanados com o caso decidido, como também o contribuinte não está impedido de impugnar jurisdicionalmente os atos de liquidação de IMI, com fundamento na errónea quantificação do valor patrimonial tributário.

Proibição legal da pronúncia arbitral segundo a equidade

8. Face a tudo o que anteriormente se expôs, não tem cabimento a invocação pela Autoridade Tributária do princípio da proibição legal do julgamento segundo a equidade.

Os atos de liquidação de IMI são impugnáveis por vícios imputáveis ao ato de fixação do valor patrimonial tributário, e o tribunal arbitral limitar-se-á a apreciar estritamente as questões de legalidade segundo o direito constituído.” (cf. decisão do processo arbitral n.º 53/2022-T)

 

§2. O thema decidendum

13. A questão jurídico-tributária que está no epicentro do dissídio entre as partes e que, por isso, o Tribunal é chamado a apreciar e decidir consiste em descortinar se, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, com referência aos anos de 2017, 2018 e 2019, devem ser tidos em consideração os coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto, previstos no artigo 38.º e densificados nos artigos 41.º, 42.º e 43.º, todos do Código do IMI, como preconiza a Requerida; ou se, como propugna o Requerente, a avaliação dos terrenos para construção deve ser realizada exclusivamente de acordo com o regime resultante do artigo 45.º do Código do IMI, sem que exista qualquer remissão para as regras plasmadas no citado artigo 38.º, pelo que a adoção dos mencionados coeficientes é ilegal.

A resposta que for dada a esta questão será, naturalmente, determinante para o juízo a emitir quanto à (i)legalidade dos atos tributários controvertidos.

O Tribunal é, ainda, chamado a pronunciar-se sobre o reembolso dos montantes de imposto (indevidamente) pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.

 

14. A análise da enunciada questão jurídico-tributária deve principiar pela convocação do bloco normativo aplicável, obviamente, na redação vigente à data dos factos.

O artigo 1.º, n.º 1, do Código do IMI estatui que o imposto municipal sobre imóveis (IMI) incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português, decorrendo dos subsequentes artigos, para efeitos de imposto, os conceitos de prédio (cf. artigo 2.º), de prédios rústicos (cf. artigo 3.º), de prédios urbanos (cf. artigo 4.º) e de prédios mistos (cf. artigo 5.º).

O artigo 6.º do Código do IMI, por sua vez, estabelece as espécies de prédios urbanos, nos seguintes termos:

“1 - Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.

4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da exceção do n.º 3.”   

O subsequente artigo 7.º do mesmo compêndio legal, estatuindo sobre o valor patrimonial tributário dos prédios, dita que este “é determinado nos termos do presente Código” (cf. n.º 1).

No tangente às operações de avaliação dos prédios urbanos, a lei distingue entre os prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços, os quais são avaliados segundo os parâmetros estabelecidos nos artigos 38.º a 44.º do Código do IMI, e os terrenos para construção e os prédios da espécie “outros”, cujo valor patrimonial tributário é determinado, respetivamente, nos termos dos artigos 45.º e 46.º do Código do IMI.

O n.º 1 do artigo 38.º do Código do IMI estatui o seguinte:

“1 - A determinação do valor patrimonial dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:

Vt = Vc x A x Ca x Clx Cq x Cv

em que:

Vt = valor patrimonial tributário;

Vc = valor base dos prédios edificados;

A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;

Ca = coeficiente de afetação;

Cl = coeficiente de localização

Cq = coeficiente de qualidade e conforto;

Cv = coeficiente de vetustez.”    

Por seu turno, o artigo 45.º do Código do IMI, sob a epígrafe “Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção”, estatui o seguinte, na parte aqui a considerar:

“1 – O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º.

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.”

 

15. Resulta “evidente que o legislador, ao definir os critérios de determinação do valor tributário por referência aos prédios urbanos classificados como «habitacionais», «comerciais, industriais ou para serviços», «terrenos para construção» e «outros», está precisamente a remeter para essa tipologia de prédios de acordo com a própria caracterização que o Código lhe atribui nos termos das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI.

Estando em causa um terreno para construção, o valor patrimonial tributário tem por base os critérios definidos naquele artigo 45.º, que remete para o valor da área de implantação do edifício a construir acrescido do valor do terreno adjacente à implantação. Além de que a norma define os termos em que se calcula o valor da área de implantação do edifício a construir (n.ºs 2 e 3) e o valor da área adjacente à construção (n.º 4), cujo somatório permite fixar o valor patrimonial do terreno para construção.

O valor da área de implantação varia numa percentagem entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas e que é fixada tendo em consideração as características mencionadas no n.º 3 do artigo 42.º, isto é, características relativas a acessibilidades, proximidade de equipamentos sociais e localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário. Por sua vez, o valor da área adjacente à construção é calculado mediante a remissão para o artigo 40.º, n.º 4, que estipula a fórmula de cálculo da área de terreno livre dos prédios edificados.

Determinando a lei os termos em que se calcula o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor da área adjacente à construção, cujo somatório permite fixar o valor patrimonial do terreno para construção, são esses os específicos critérios a que haverá de atender-se para efeitos de avaliação. Ao estabelecer que o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas, a lei não manda aplicar o coeficiente de localização definido no artigo 42.º para prédios urbanos destinados a comércio, indústria ou serviços, pretendendo explicitar apenas que, para efeitos de avaliação dos terrenos de construção, deve ser considerado um valor percentual entre esses dois limites, ponderado em função das características atinentes à localização do terreno. Ao utilizar a fórmula de cálculo da área de terreno livre dos prédios edificados, para a determinação do valor da área adjacente à construção, o legislador não pretende equiparar os terrenos de construção aos prédios edificados, mas unicamente aplicar um mecanismo de cálculo que se encontra previsto numa outra disposição do mesmo diploma legal.

Como é bem de ver, a referências feitas no artigo 45.º ao regime específico do n.º 3 do artigo 42.º e do n.º 4 do artigo 40.º não representam uma remissão em bloco para os critérios de avaliação aplicáveis aos prédios edificados, mas apenas a integração no regime próprio de avaliação dos terrenos para construção, por efeito de um expediente de remissão intrasistemática, de certos fatores que são também considerados na avaliação de outros prédios urbanos.

De resto, não deixa de ser significativo, no quadro de uma interpretação sistemática da lei, que o mencionado artigo 45.º não contenha disposição similar à prevista no artigo 46.º, que para a determinação do valor patrimonial tributário dos prédios da espécie «outros», manda aplicar, com as adaptações necessárias, no caso de edifícios, os critérios definidos no artigo 38º. No caso dos terrenos para construção, não só não é efetuada essa remissão genérica para o disposto nesse preceito, como também se estipulam critérios próprios para o cálculo do valor patrimonial tributário dos prédios.

Por outro lado, uma interpretação do artigo 45.º com base na similitude de situação entre os terrenos para construção e os edifícios construídos não tem o mínimo apoio na letra da lei e não é sequer admissível o recurso à analogia, não só porque não existe nenhuma lacuna normativa que seja suscetível de integração analógica, como também porque a integração por meio de analogia é proibida no tocante a matérias abrangidas pela reserva de lei parlamentar (artigo 11.º, n.º 4, da LGT).

No sentido exposto aponta ainda a jurisprudência do STA, que tem vindo a considerar não serem aplicáveis, na avaliação de terrenos para construção, os coeficientes de afetação e de qualidade e conforto, com base no entendimento de esses fatores apenas podem ser aferidos em relação a prédios já edificados (cfr. acórdãos do STA de 11 de novembro de 2009, Processo n.º 0765/09, de 20 de abril de 2016, Processo n.º 0824/15, e de 16 de maio de 2018, Processo n.º 0986/16). Como também tem afastado o coeficiente de localização, na medida em que se entende que esse fator se encontra já contemplado na percentagem estabelecida no n.º 2 do artigo 45.º (cfr. acórdãos do STA de 5 de abril de 2017, Processo n.º 01107/16, e de 28 de junho de 2017, Processo n.º 0897/16).

Importa por fim referir que este entendimento jurisprudencial foi sufragado pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, em recurso por oposição de julgados, através do acórdão de 21 de setembro de 2016, no Processo n.º 01083/13.

Nestes termos, a fixação do valor patrimonial tributário de terreno para construção com base na aplicação de coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto, mostra-se ser ilegal por violação do artigo 45.º do Código do IMI.

Acresce que, como se deixou já esclarecido, a circunstância de a Administração Tributária não poder proceder à anulação administrativa, pelo decurso do prazo previsto no CPA, não sana os vícios do ato de fixação valor patrimonial tributário, nem impede o sujeito passivo de impugnar jurisdicionalmente os atos de liquidação de AIMI, com fundamento na ilegalidade desses atos (…).

Resta referir que não tem qualquer cabimento, no âmbito de um processo jurisdicional, a invocação do princípio da subordinação da Administração à lei. Esse é um princípio da atividade administrativa, como tal consagrado no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição e que se analisa em duas dimensões fundamentais: o princípio da prevalência da lei e o princípio da precedência de lei. O princípio da legalidade, assim entendido, corresponde a um princípio da juridicidade da Administração, significando que são as regras e os princípios da ordem jurídica que constituem fundamento e pressuposto da atividade administrativa.

Deduzida uma impugnação judicial do ato administrativo é à instância jurisdicional que cabe dizer o direito aplicável ao caso concreto, nada obstando que possa anular o ato impugnado por errada interpretação do direito.

Assim se compreendendo que, nos termos do disposto no artigo 68.º-A, n.º 4, da LGT, a Administração Tributária deva rever as orientações genéricas constantes de circulares e regulamentos atendendo, nomeadamente, à jurisprudência dos tribunais superiores.” (cf. decisão do processo arbitral n.º 53/2022-T) 

 

16. Nesta conformidade, os atos de liquidação de IMI n.ºs 2017..., 2017..., 2017 ..., 2018 ..., 2018..., 2018..., 2019..., 2019... e 2019..., respeitantes aos anos de 2017, 2018 e 2019, padecem de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, devendo, por isso, ser parcialmente anulados (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).

 

17. No concernente ao ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa deduzido contra os atos de liquidação de IMI controvertidos, na justa medida em que daí resultou a manutenção destes mesmos atos, padece de igual vício invalidante e, por consequência, deve ser anulado (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).

 

§3. O reembolso dos montantes de imposto pagos, acrescidos de juros indemnizatórios

18. O Tribunal é ainda chamado a pronunciar-se sobre o pedido de condenação da AT no reembolso dos montantes de imposto indevidamente pagos pelo Requerente, acrescidos de juros indemnizatórios.

O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece que [a] administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao estatuir que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Ora, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

Cumpre, então, apreciar e decidir.

 

19. Na sequência da declaração de ilegalidade e anulação parcial das liquidações de IMI controvertidas, há lugar ao reembolso das prestações tributárias indevidamente suportadas pelo Requerente, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se aqueles atos tributários não tivessem sido praticados nos termos em que foram.

Destarte, procede o pedido de reembolso ao Requerente dos montantes por este indevidamente suportados a título de imposto, a serem determinados em execução de julgado.

 

20. Para além disso, tem ainda o Requerente direito a juros indemnizatórios, pois, como estatui o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Com efeito, afigura-se que a invalidade dos atos tributários controvertidos, nos termos acima enunciados, é imputável à AT por ter incorrido em vício de violação de lei, gerador de anulabilidade.

No caso concreto, tais juros indemnizatórios, calculados à taxa legal supletiva (cf. artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e a Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril), são devidos nos termos previstos no artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, ou seja depois de decorrido um ano após ter sido apresentado o pedido de revisão oficiosa que teve por objeto os atos de liquidação de IMI controvertidos; assim, in casu, tendo o aludido pedido de revisão oficiosa sido apresentado em 24 de janeiro de 2022, são devidos juros indemnizatórios desde 25 de janeiro de 2023 até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos (cf. artigo 61.º do CPPT).

*

21. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou cuja apreciação seria inútil, designadamente a questão de constitucionalidade suscitada pelo Requerente (cf. artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

IV. Decisão

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar improcedentes as exceções invocadas pela Requerida;
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:
  1. Declarar ilegais e anular parcialmente, nos termos acima enunciados, as liquidações de IMI n.ºs 2017..., 2017..., 2017..., 2018..., 2018..., 2018..., 2019..., 2019 ... e 2019..., respeitantes aos anos de 2017, 2018 e 2019, com as legais consequências;    
  2. Declarar ilegal e anular o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que teve por objeto aqueles atos de liquidação de IMI, com as legais consequências;
  1. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar ao Requerente os montantes de imposto indevidamente pagos, a determinar em execução de julgado, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos acima enunciados, com as legais consequências;
  2. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas processuais.

 

V. Valor do Processo

Atento o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 11.896,81 (onze mil oitocentos e noventa e seis euros e oitenta e um cêntimos).

 

VI. Custas

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), cujo pagamento fica a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

 

Lisboa, 15 de março de 2023.

 

O Árbitro,

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)