Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 452/2022-T
Data da decisão: 2023-02-03  IRC  
Valor do pedido: € 266.899,76
Tema: IRC – dedução fiscal da periodização de juros
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SUMÁRIO

 

  1. Estando em vigor um contrato de suprimentos que preveja o pagamento de juros apenas no final do contrato, os juros periodizados são fiscalmente dedutíveis com base no princípio do acréscimo, sendo o próprio contrato um suporte documental suficiente.
  2. A aceitação fiscal de um gasto deve analisar-se à luz do que se conhece no momento em que esse gasto se verifica, sendo irrelevantes juízos “a posteriori”, no caso, a conversão, em exercícios posteriores, dos juros periodizados em prestações acessórias.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Nuno Cunha Rodrigues (árbitro presidente), António Martins e Jorge Belchior de Campos Laires, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

 

A..., S.A., com sede social no ..., Rua ..., n.º..., ..., ...-... Paço de Arcos, com o número de identificação de pessoa coletiva ... (adiante designada “Requerente”), requereu a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e deduziu pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”),  contra a Demonstração de liquidação de IRC n.º 2021..., referente ao período de 2018.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no dia 27 de julho de 2022, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT.

 

Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 4 de outubro de 2022.

 

Em 12 de novembro de 2022, a Requerida apresentou a Resposta com defesa por impugnação, concluindo que o PPA deve ser julgado improcedente.

 

Em 12 de dezembro de 2022 decorreu, nas instalações do CAAD, a reunião prevista no 18.º do RJAT, onde foram interrogadas as testemunhas arroladas pela Requerente, tendo comparecido o mandatário da Requerente, mas não a Representante da Requerida.

 

Nessa mesma reunião, o Tribunal notificou as partes para, querendo, apresentarem alegação escritas sucessivas no prazo de 15 dias, tendo a Requerente apresentado as suas alegações no dia 10 de janeiro de 2023.

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer da liquidação de IRC, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

  1. Matéria de Facto

 

  1. Factos Provados

 

Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade que se dedica à aquisição de imóveis para revenda e à venda dos adquiridos para esse fim, à comercialização de quaisquer outros bens ou direitos, incluindo créditos, e a participação em leilões judiciais ou extrajudiciais (cfr. certidão permanente junto com o PPA);
  2. Durante o ano de 2008, a Requerente adquiriu um portfolio de créditos com garantia hipotecária (facto alegado pela Requerente e não contestado pela AT);
  3. Por forma a adquirir estes ativos, a Requerente teve de assumir um passivo financeiro, resultante do diferimento do pagamento do preço de aquisição desses ativos, que, a 13 de abril de 2015, se cifrava no montante de 14.808.218,00 € (facto alegado pela Requerente e não contestado pela AT);
  4. A 14 de abril de 2015, esse passivo foi convertido num contrato de suprimentos, celebrado com a ainda acionista da Requerente B..., SÀRL, sociedade residente no Luxemburgo (cfr. “Shareholder Loan Agreement” junto com o PPA);
  5. O contrato de suprimentos estabelecia uma taxa de juro anual de 9% (cfr. “Shareholder Loan Agreement” junto com o PPA);
  6. A data de pagamento dos juros seria o dia 15 de abril de 2019 (cfr. “Shareholder Loan Agreement” junto com o PPA);
  7. Em 24 de abril de 2015, a Requerente passou a ser detida pela sociedade C... SARL, com sede no Luxemburgo (cfr. certidão permanente junta com o PPA);
  8.  Tendo a esta entidade adquirido igualmente, nessa data, a posição contratual no contrato de suprimentos (cfr. depoimentos das testemunhas arroladas pela Requerente);
  9. Este contrato de suprimentos encontrava-se em vigor no exercício de 2018 (cfr. a fundamentação de facto no ponto 2 da presente secção);
  10. No exercício de 2018 a Requerente registou um gasto de juros nas suas contas relativamente a este empréstimo, tendo resultado numa dedução fiscal ao lucro tributável de 1.000.000,62 € (cfr. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”));
  11. No dia 5 de março de 2020, a sócia única aprovou a transformação da Requerente em sociedade anónima e decidiu proceder à conversão dos suprimentos no montante 16.501.790,59 €, incluindo os juros entretanto periodizados, em prestações acessórias com o regime das prestações suplementares (cfr. cópia da decisão escrita junta com o PPA, bem como a certidão permanente igualmente junta com o PPA);
  12. A AT, em resultado da inspeção, procedeu a um ajustamento positivo ao lucro tributável de 2018, pelo referido montante de juros de 1.000.000,62 €, defendendo que estes não poderiam ser considerados um gasto dedutível fiscalmente (cfr. RIT);
  13. Em resultado desse ajustamento ao lucro tributável, o ato de liquidação adicional n.º 2021..., no que respeita ao exercício de 2018, apurou imposto e juros compensatórios a pagar no valor de 266.899,76 €;
  14. A data limite de pagamento da referida liquidação era o dia 11 de maio de 2022, tendo o valor total sido pago pela Requerente (cfr. documentação junta com o PPA).

 

  1. Motivação da Decisão de Facto

 

A convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, bem como no depoimento das testemunhas arroladas pela Requerente.

 

Em particular, o Tribunal considerou crucial apurar se o contrato designado como “Shareholder Loan Agreement” (também aqui designado de contrato de suprimentos) que sustentou a periodização de juros operada pela Requerente se encontrava em vigor no exercício de 2018, facto que foi dado como provado, tal como referido na alínea i) do ponto anterior.

 

A Requerida alega que, no âmbito da Cooperação Administrativa, foi efetuado um pedido de informação à Autoridade Fiscal Luxemburguesa no sentido de confirmar: (i) a passagem dos suprimentos em análise da B... para a C..., Sàrl, única acionista da A... nos anos em análise; (ii) que os referidos suprimentos estavam a ser remunerados a uma taxa de juro de 9%, e (iii) que os respetivos juros estavam a ser reconhecidos como rendimento em sede da C... .

 

Alega ainda a Requerida que, em resposta, veio a Autoridade Fiscal do Luxemburgo informar que: (i) a C... reconheceu o empréstimo acionista à A... até março de 2017; (ii) em 2016, reconheceu como rendimento o valor de 581.994.00€ a título de juros recebidos pelo empréstimo acionista à A... e (iii) após março de 2017 a C... não obteve, nem reconheceu, mais rendimentos provenientes da A... .

 

Adicionalmente, no ponto 50 da sua Resposta, a Requerida alega que a Autoridade Fiscal do Luxemburgo veio informar que a C... reconheceu um empréstimo oneroso acionista à A... apenas até março de 2017, data em que, conforme cópia do acordo de participação nos lucros (“profit participation agreement”), datado de 31 de março de 2017, a C... vende a sua participação na A..., incluindo o empréstimo acionista, à sociedade e o. inglesa D... Limited.

 

Quanto a este último ponto, e caso o mesmo ficasse provado, a vigência do contrato de suprimentos poderia ser posta em causa, podendo implicar a modificação ou extinção do passivo da Requerente perante a C... .

 

O Tribunal compulsou, quer o anexo 8 ao RIT, quer a documentação do Processo Administrativo (“PA”), e concluiu que o anexo 8 ao RIT não é de molde a provar o que a AT afirma. Trata-se, nesse anexo, de simples cálculos que não têm qualquer indicação da Autoridade Fiscal do Luxemburgo, nem explicação alguma sobre qual a operação que lhes subjaz. Tem uma nota manuscrita que refere apenas: “Resposta ao pedido de informação efetuado ao Luxemburgo” (cf. pág. 183 do PA, que contém o RIT e respetivos anexos).

 

Também se não pode, com base nele, dar como provado que a C... tenha extinguido o seu crédito de suprimentos perante a Requerente. Com efeito, o que consta desse Processo Administrativo, quanto a este tema, é apenas e só a repetição, na p. 179 do PA, do dito anexo 8.

 

Ou seja, nem o RIT, nem o PA, contêm mais do que uma página (anexo 8), o que não prova o que a AT alega. Assim, tais alegações não foram suficientes para que este Tribunal pusesse em causa o facto de o contrato de suprimentos se encontrar em vigor no exercício de 2018, sobretudo porque (i) o Relatório e Contas da Requerente relativo ao exercício de 2018 expressamente refere o contrato de suprimentos e os juros registados e (ii) a Requerente junta o documento que expressamente prevê a conversão de suprimentos, em 5 março de 2020, em prestações acessórias, circunstância que apenas seria possível se o contrato estivesse efetivamente em vigor.

 

Refira-se, em complemento, que da prova testemunhal se conclui que, em 2018, nenhum elemento terá sido trazido ao conhecimento do departamento de contabilidade da Requerente no sentido de que inexistiria a obrigação contratual de registar ou reconhecer os juros. O contrato de suprimentos, segundo foi expresso por ambas as testemunhas inquiridas, continuaria válido.

 

A Requerida não compareceu na Reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, nem produziu quaisquer alegações que ponham em causa o facto de, em 2018, o contrato de suprimentos se encontrar em vigor. 

 

  1. Matéria de Direito

 

  1. Síntese da Posição das Partes

 

A posição da Requerida

 

Alega a Requerida, em síntese, que:

 

  1. Por via da compra de um portfólio de créditos em 2008, a Requerente assumiu um passivo registado inicialmente na contabilidade por 30.681.812,00€.
  2. Em 2015, o referido passivo, antes não remunerado, foi convertido pelo sócio único à data em suprimentos, passando a ser remunerado a uma taxa anual de 9%, sendo apurados juros mensais, mas não capitalizados.
  3. Os referidos juros nunca vieram a ser pagos, nem mesmos faturados, verificando-se que o seu único suporte é um mapa de Excel que contem apenas o seu cálculo.
  4. Face aos factos apurados, e no âmbito da Cooperação Administrativa, foi efetuado, pela AT, um pedido de troca de informação ao Luxemburgo.
  5. Em resposta, veio, segundo a Requerida, a Autoridade Fiscal do Luxemburgo informar que a C... reconheceu o empréstimo acionista à A... até março de 2017. Após março de 2017, a C... não obteve, nem reconheceu, rendimentos provenientes da A... .
  6. Mais sustenta a AT que os juros reconhecidos como gastos de financiamento pela A... nunca foram faturados, nem pagos, não constituindo, deste modo, um encargo efetivo desta entidade. A este respeito, a Requerida escreveu no RIT o seguinte: “neste caso em concreto, pode mesmo concluir-se que, apesar de reconhecidos contabilisticamente, os gastos não foram incorridos, uma vez que os juros em questão, nunca foram pagos, nem faturados, vindo mesmo a ser convertidos em capital (prestações acessórias), em 2020, aquando da transformação da Sociedade em Sociedade Anônima, donde resulta que, em bom rigor, os mesmos nem sequer poderão ser considerados gastos”.
  7. O Código do IRC refere de forma taxativa a não relevância fiscal de encargos suportados por documentação que não cumpra o disposto nos seus n.ºs 3 e 4 do artigo 23.°, traduzindo-se numa corresponsabilização do sujeito passivo adquirente desses encargos. Se a documentação não for a apropriada face ao exigido nos n.°s 3, 4 e 6 do artigo 23.°, alega a AT que o legislador determinou expressamente que o gasto, não sendo considerado como devidamente documentado nos precisos termos destas normas fiscais, não deve ser tido como gasto dedutível para efeitos do apuramento do lucro tributável.
  8. Para a AT, verificado o documento de suporte dos juros em análise, constata-se que consubstancia uma mera folha de “Excel” com o cálculo dos juros, e não uma fatura ou qualquer documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, não cumprindo assim com os requisitos supramencionados.
  9. Conclui a Requerida que, estando os ditos gastos de financiamento a influenciar negativamente o resultado líquido do período, torna-se necessário, para efeitos de apuramento do resultado tributável, em cumprimento do disposto nos n.ºs 3, 4 e 6 do artigo 23.º, e na alínea c) do n.° 1 do artigo 23.º-A, ambos do CIRC, o seu acréscimo ao lucro tributável de IRC.

 

A posição da Requerente

 

Alega a Requerente, em síntese, que:

  1. Ao abrigo da regra contabilística do princípio do acréscimo, reconheceu como gastos do exercício de 2018 os juros que foram suportados no âmbito do contrato de financiamento celebrado com o acionista. Não vislumbra a Requerente que fundamentos possa a AT convocar para concluir que os gastos em causa não foram suportados no interesse da própria Requerente.
  2. Salienta a Requerente que, de acordo com jurisprudência já proferida pelos Tribunais, “os documentos existentes (contratos de suprimentos) são documentos justificativos e bastantes para legitimar a correta contabilização destes gastos financeiros – cfr. art.º 123.º do CIRC.” – citando a Decisão Arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 1/2018-T.
  3. A determinação do montante dos juros a considerar em cada ano está devidamente suportada por um cálculo em formato “Excel”, o qual tem por base um contrato de financiamento assinado pelas partes e onde estão definidas todas as condições aplicáveis.
  4. Esta demonstração do cálculo dos juros corresponde, no essencial, ao mecanismo que é utilizado pelos Bancos, que com uma ferramenta informática justificam o cálculo dos juros, tendo por base os contratos de empréstimo celebrados.
  5. Por outro lado, conforme resulta do Relatório e Contas e da carta de circularização juntas aos autos, não existiu qualquer extinção de responsabilidade de pagamento de juros e reembolso de capital em dívida durante 2018.

 

  1. Análise e decisão

 

  1. Normas legais a convocar

 

No plano fiscal, são de convocar as seguintes normas do Código do IRC, na redação que vigorava em 2018 (apenas na parte que interessa ao caso):

 

Artigo 23.º

Gastos e perdas

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

(…)

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

(…)

3 — Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito. 

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.

6 - Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.

7 - Os gastos respeitantes a ações preferenciais sem voto classificadas como passivo financeiro de acordo com a normalização contabilística em vigor, incluindo os gastos com a emissão destes títulos, são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável da entidade emitente.”

 

Artigo 23.º-A

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

1 – Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

(…)

c) os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 23.º (…)

 

Porque a questão a dirimir tem uma base contabilística (maxime, por via do artigo 17.º do Código do IRC), entende-se que são ainda relevantes as seguintes disposições do Sistema de Normalização Contabilística (SNC): o § 22 da “Estrutura Concetual do SNC”, bem como o que se dispõe no § 8 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) nº 10- “Custos de Empréstimos Obtidos”, que se transcrevem em sequência:

 

22 — A fim de satisfazerem os seus objetivos, as demonstrações financeiras são preparadas de acordo com o regime contabilístico do acréscimo. Através deste regime, os efeitos das transações e de outros acontecimentos são reconhecidos quando eles ocorram (e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem. As demonstrações financeiras preparadas de acordo com o regime de acréscimo informam os utentes não somente das transações passadas envolvendo o pagamento e o recebimento de caixa mas também das obrigações de pagamento no futuro e de recursos que representem caixa a ser recebida no futuro. Deste modo, proporciona -se informação acerca das transações passadas e outros acontecimentos que seja mais útil aos utentes na tomada de decisões económicas.

 

NCRF 10, § 8:

8 — Uma entidade deve capitalizar os custos de empréstimos obtidos que sejam diretamente atribuíveis à aquisição, construção ou produção de um ativo que se qualifica como parte do custo desse ativo. Uma entidade deve reconhecer outros custos de empréstimos obtidos como um gasto no período em que sejam incorridos.”

 

  1. Apreciação

 

Procurando sistematizar a fundamentação da Requerida para efetuar a correção fiscal que aqui se analisa, temos o seguinte:

 

  1. O gasto com os juros não cumpre o disposto nos artigos 23.º e 23º-A do Código do IRC, no tocante às exigências da documentação de suporte. Tal conclusão assenta no facto de, no entender da AT, uma folha de cálculo “Excel” não ser suficiente para suporte desse gasto, bem como na alegação de que a Autoridade Fiscal do Luxemburgo informou que, em 2018, a C... não registou como ganho quaisquer juros, circunstância que, no entender do Tribunal, é utilizada pela Requerida como evidência de que o contrato de suprimentos não vigorava em 2018 (uma vez que não se vislumbra qualquer outra consequência fiscal, na esfera da Requerente, daqui extraída pela Requerida).
  2. Os gastos com juros não foram incorridos, porque nunca foram pagos, nem faturados, vindo mesmo a ser convertidos em capital (prestações acessórias), em 2020.

 

Vejamos.

 

  1. Quanto à documentação de suporte

 

A Requerida sustenta que “verificado o documento de suporte dos juros em análise, constata-se que consubstancia uma mera folha de Excel com o cálculo dos juros, e não uma fatura ou qualquer documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, não cumprindo assim com os requisitos supramencionados”.

 

Concluindo que “estando os gastos de financiamento (contabilísticos) a influenciar negativamente o resultado líquido do período, torna-se, necessário, para efeitos de apuramento do resultado tributável, em cumprimento do disposto nos n.ºs 3, 4 e 6 do art.º 23.º, e na alínea c) do n.° 1 do art.º 23.º-A, ambos do CIRC, o seu acréscimo à matéria tributável de IRC.”

 

Ora, o documento que a Requerente juntou aos autos, designado por “Shareholder Loan Agreement”, menciona expressamente:

- o capital em dívida (14,8) milhões de euros;

- a taxa de juro (9%)

- o período de contagem dos juros,

- que só no final do período total do empréstimo (2019) se pagariam os ditos juros, entretanto incorridos e ainda não pagos.

 

Face a esta factualidade, e como decore das Normas Contabilísticas antes transcritas, o juro é registado segundo o princípio do acréscimo, ou da periodização. Quer isto dizer que não havendo pagamento regular (v.g., mensal, anual) de juros, o capital em dívida, a aplicação da taxa, e a passagem do tempo, são razões bastantes para que a entidade devedora reconheça os ditos juros como gasto.

 

Todavia, esse reconhecimento não tem de estar sustentado por uma fatura ou outro documento equivalente. A aplicação do princípio do acréscimo não o exige, nem poderia, pois a entidade credora não tem que faturar periodicamente algo que só receberá no final do período do contrato.

 

Exemplificando, admita-se que uma entidade A empresta a outra entidade B o valor de 1000, em janeiro do ano N, a uma taxa de juro de 10% ao ano, contratando-se expressamente que só no final de N+5 o capital e os juros serão pagos a A.

 

Então, no final de dezembro do ano N, a entidade devedora reconhece um gasto de 100, por contrapartida de um passivo. É isso que decorre do § 8 da NCRF 10, que estabelece, “Uma entidade deve reconhecer outros custos de empréstimos obtidos como um gasto no período em que sejam incorridos.”

 

No exemplo acima apresentado, A não fatura a B os juros de 100, mas B deve, ainda assim, com base num documento interno calcular esses juros. Porém, o contrato entre ambas vale como documento de suporte ao apuramento do gasto, pois é dele que decorrem quer a quantificação, quer a contabilização.

 

Como sustenta, in casu, a Requerente, a folha de cálculo em formato Excel, que contém os juros decorridos, que representam gastos incorridos em 2018, constitui o documento onde se apuram os juros a reconhecer como gastos, segundo os princípios vertidos na Estrutura Concetual do SNC e na NCRF nº 10, cujos preceitos relevantes antes se citaram.

 

Se assim é no plano contabilístico, será que o artigo 23.º, nºs 3, 4 e 6 afastam, como sustenta a AT, a dedutibilidade fiscal?

 

A base documental dos gastos, em sede do IRC, é assunto muito debatido na doutrina e na jurisprudência fiscal em Portugal.[1]

 

Na doutrina fiscal, a importância da prova documental dos gastos é também acentuada. Assim, António Portugal, na obra citada, refere: “Em matéria de gastos, o meio de prova mais importante é, sem dúvida, o documental, por motivos que se reconduzem a uma maior adequação à exigência de praticabilidade e às específicas características do contencioso tributário, isto para além da destacada importância que este meio de prova assume na prática usual do comércio e das transações económicas”.

 

Prossegue o Autor, evidenciando que “A jurisprudência não acolhe como regra única o princípio da equiparação entre faturas e documento justificativo do custo. Numa palavra, a exigência de prova documental, nesta sede, não se confunde nem se esgota na exigência de fatura” (p.195 da obra citada).

 

No caso vertente, existe um documento externo – “Shareholder Loan Agreement” - que evidencia todas as características necessárias para o apuramento objetivo dos gastos (juros).

 

Como já se disse, as condições contratadas no contrato de suprimentos não proporcionam a emissão regular de faturas por parte do credor, pois não existe responsabilidade de pagamento periódico de juros. Nem, obviamente, a emissão de recibos, pois não existiu entrada de dinheiro na esfera do credor.

 

Assim, as exigências do artigo 23.º, n.ºs 3, 4 e 6, do Código do IRC, têm de ser interpretadas para cada caso concreto. Existe um documento externo que permite sustentar a contabilização dos juros em que a Requerente incorreu no ano de 2018.

 

Note-se que a aplicação do princípio do acréscimo teria exatamente o mesmo alcance caso se tratasse da aquisição de uma prestação de serviços, devendo o respetivo gasto ser contabilizado, e deduzido fiscalmente, à medida em que o serviço é prestado/adquirido, ainda que o pagamento só venha a ocorrer no ano seguinte. 

 

A AT não põe em causa a veracidade do documento, pretendendo, porém, ao que se julga, pôr em causa que o mesmo se encontrava em vigor em 2018. Contudo, e conforme já foi repisado por este Tribunal, toda a prova produzida vai no sentido de se considerar que o contrato vigorava no exercício em causa, sendo mencionado nos diversos documentos juntos pela Requerente. 

 

Assim, tem de se aceitar que, quer contabilisticamente, quer fiscalmente, os gastos aqui em causa sejam registados segundo o princípio e o método do acréscimo (o que a Requente fez) e que que não tenha de existir fatura, ou documento equivalente, para os admitir fiscalmente.

 

Diga-se, ainda, que a jurisprudência, ao tratar deste tema no contexto da revisão do artigo 23.º do Código do IRC operada pela Reforma de 2014, vai no mesmo sentido.

 

Com efeito, e citando, com a devida vénia, o que se decidiu no Processo 532/2018-T, referente aos requisitos dos elementos documentais que suportam gastos, para uma correção efetuada em 2018, ao abrigo do art.º 23º do CIRC. Aí se escreve:

 

“Tendo-se chegado na situação concreta à conclusão, inequívoca, de que os gastos foram efetivamente incorridos pelo Requerente no exercício da sua atividade, estão suportados por documentos (embora não por faturas) e que inexiste risco de fraude afigura-se que os mesmos se devem considerar dedutíveis.”

 

“…o Tribunal de Justiça conclui que o artigo 178.º, alínea a) da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito à dedução do IVA pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.º, n.º 6 desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos – cf. Acórdão Barlis, n.º 43 e dispositivo.”

 

“Se é assim para efeitos de IVA, imposto em que a fatura é fundamental, pois é nela que se procede à liquidação do imposto, à repercussão (jurídica) ao destinatário, e é a base do exercício do direito à dedução (“um cheque sobre o Tesouro”), sendo o método subtrativo indireto do IVA denominado de “método da fatura”, por maioria de razão o há de ser em IRC.

 

Nestes termos, tendo o Requerente comprovado a materialidade das operações inseridas no desenvolvimento da sua atividade, relativamente às quais possui um acervo de documentos de cuja conjugação resultam os elementos descritores essenciais exigidos no artigo 23.º, n.º 4 do Código do IRC, e não se suscitando risco de fraude e evasão, a solução jurídica do caso concreto à luz da interpretação que se preconiza dos artigos 23.º e 23.º-A do Código do IRC, é a da dedutibilidade dos gastos em apreço. Esta solução, que se alcança no patamar infraconstitucional, é, de igual forma, a que melhor corresponde a uma interpretação conforme aos princípios da igualdade tributária (na vertente de capacidade contributiva) e da proporcionalidade consagrados na Lei Fundamental (artigos 13.º, 18.º, n.º 2 e 103.º, n.º 2 da CRP).”

 

No mesmo sentido vai a decisão sobre o Processo 381/2018-T, da qual se transcreve:

 

“Sobre esta matéria já se debruçou o Tribunal Arbitral, designadamente na decisão do Tribunal Coletivo proferida no Processo n.º 217/2018-T que aqui faremos referência pela sua clareza de exposição e total adequação ao caso em concreto, a qual esclareceu o seguinte:

«A norma em apreço foi introduzida com a Reforma do IRC para resolver interpretações divergentes a propósito de questões de “documentação probatória”, como refere o Anteprojeto da Reforma, passando a ser obrigatória a posse de uma fatura para efeitos de dedução dos gastos em IRC. Não obstante, afigura-se que a inclusão deste novo requisito formal – a posse de uma fatura – que passou a constar do artigo 23.º, n.º 6 do Código do IRC, se coloca no plano da comprovação das operações, ad probationem, e não no dos seus pressupostos materiais, ad substantiam, e tem por finalidade complementar as medidas de combate à fraude e evasão fiscais.

Deste modo, cremos que se mantêm válidas as considerações de RUI MORAIS anteriores à Reforma do IRC no sentido de que, para comprovação documental dos gastos, “o sujeito passivo deve ser admitido a complementar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito”, pois “a não aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efetivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva.” – cf. Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, pp. 79-80.  No mesmo sentido aponta a jurisprudência do STA, como, a título ilustrativo, a constante dos Acórdãos de 5 de julho de 2012, processo n.º 658/11, e de 14 de setembro de 2011, processo n.º 433/11. 

Tendo-se chegado na situação concreta à conclusão, inequívoca, de que os gastos foram efetivamente incorridos pelo Requerente no exercício da sua atividade, estão suportados por documentos (embora não por faturas) e que inexiste risco de fraude afigura-se que os mesmos se devem considerar dedutíveis. “

 

Em suma: os requisitos de prova documental devem considerar-se, no caso dos autos, satisfeitos por via do contrato de empréstimo e do respetivo cálculo de suporte.

 

  1. Quanto à conversão da dívida de juros em prestações acessórias

 

No RIT, pág. 26, a AT alega o seguinte: “neste caso em concreto, pode mesmo concluir-se que, apesar de reconhecidos contabilisticamente, os gastos não foram incorridos, uma vez que os juros em questão, nunca foram pagos, nem faturados, vindo mesmo a ser convertidos em capital (prestações acessórias), em 2020, aquando da transformação da Sociedade em Sociedade Anónima, donde resulta que, em bom rigor, os mesmos nem sequer poderão ser considerados gastos”.

 

A questão que se coloca é a de saber se, pelo facto de tais juros periodizados não terem sido pagos na data que se previa, tendo depois sido convertidos em prestações acessórias, circunstância que veio a ocorrer apenas em 2020, põe em causa a dedução dos juros contabilizados em 2018 segundo o princípio do acréscimo. 

 

Ora, conforme a jurisprudência tem acolhido, a aceitação fiscal de um gasto deve analisar-se à luz do que se conhece no momento em que esse gasto se verifica, sendo irrelevantes os juízos “a posteriori”. Veja-se o seguinte exemplo do Supremo Tribunal Administrativo (STA) Processo n.º 0779/12, em Acórdão de 24-09-2014:

 

"No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adotar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redação em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.

Assim, um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efetuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa"

 

Num caso decidido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (processos T‑760/15 e T‑636/16), em 24 de setembro de 2019, relativamente a um acordo prévio sobre preços de transferência, decidiu-se da seguinte forma:

 

“[…] Acresce que, no âmbito de um exame dos dados plurianuais, a Administração Fiscal não pode utilizar os conhecimentos adquiridos a posteriori. […] Daqui resulta que, nestas circunstâncias, a apreciação da existência de uma vantagem conferida por um acordo prévio, como o APA, deve ser feita atendendo ao contexto da época em que foi celebrado. Esta conclusão implica que a Comissão é obrigada a abster‑se de apreciações baseadas numa situação posterior à adoção do APA. Por conseguinte, há que julgar procedente o argumento formulado pela Starbucks segundo o qual, nas circunstâncias do caso vertente, a Comissão não podia basear a sua análise em informações que não eram disponíveis ou razoavelmente previsíveis no momento da conclusão do APA, em abril de 2008. "

 

O mesmo Tribunal, agora para efeitos de IVA, decidiu que a informação relevante sobre a dedutibilidade do imposto contido nos “inputs” se deve reportar àquela que é conhecida no momento em que se exerce o direito à dedução. O trecho que a seguir se apresenta, relativo ao processo C-249/17, decidido em 17 de outubro de 2018, assim o afirma:

 

“Tendo em conta o conjunto das considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que os artigos 4.º e 17.º da Sexta Diretiva devem ser interpretados no sentido de que conferem a uma sociedade como a que está em causa no processo principal, que tem a intenção de adquirir a totalidade das ações de outra sociedade para exercer uma atividade económica que consiste em lhe prestar serviços de gestão sujeitos a IVA, o direito a deduzir integralmente o IVA pago a montante sobre as despesas relativas a prestações de serviços de consultoria efetuadas no âmbito de uma OPA, mesmo que se verifique que essa atividade económica não foi realizada, desde que essas despesas tenham origem exclusivamente na atividade económica projetada.”

 

Para este Tribunal, a intenção de realização de uma atividade, desde que económica e legalmente  comprovada, permite deduzir o IVA de “inputs” usados na fase de preparação dessa atividade. Mesmo que, a posteriori, se verifique que razões de mercado, ou outras, conduzam a que nenhuma atividade se tivesse concretizado.

 

No caso em análise, ficando provado que o passivo (obrigação perante o credor) existia em 2018, e o contrato de suprimentos estava em vigor, então o gasto deveria ser reconhecido e fiscalmente dedutível.

 

A AT não fez a prova, nem sequer procurou fazer, de que, em 2018, a Requerente tinha conhecimento que o pagamento dos juros não ocorreria na data prevista, e que, em 2020, ocorreria a conversão do contrato de suprimentos, incluindo os juros decorridos, em prestações acessórias.

 

Desta forma, improcede esta alegação da AT, enquanto fundamento para a não aceitação fiscal do gasto de juros registado em 2018.

 

Tal não invalida a discussão técnica quanto aos efeitos fiscais do não pagamento dos juros na data prevista, ou, até de forma mais premente, quanto ao facto de o passivo gerado pela periodização dos juros ter sido convertido, em 2020, numa rubrica de capital com as características de prestações suplementares. Todavia, os eventuais efeitos fiscais dessa discussão ocorreriam nos exercícios respetivos, não retroagindo os seus efeitos ao exercício de 2018, único exercício que está em discussão no presente processo.  

 

Nestes termos considera-se procedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Quanto aos juros indemnizatórios

 

O Requerente pede que, juntamente com o reembolso das quantias indevidamente pagas, sejam pagos os juros indemnizatórios.

 

O n.º 5 do artigo 24.º do RJAT determina que são devidos juros indemnizatórios “nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

Dispõe o artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. 

 

Nesta medida, derivando a liquidação em apreço de um erro imputável aos Serviços, deve proceder igualmente o pedido de juros indemnizatórios. 

 

  1. Decisão

 

De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando a ilegalidade da demonstração de liquidação de IRC n.º 2021..., referente ao período de 2018, com todas as consequências legais, incluindo o reembolso do imposto pago indevidamente pelo Requerente;
  2. Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios.
  3. Condenar a Requerida no pagamento das custas.

 

  1. Valor do Processo

 

Fixa-se o valor do processo em 266.899,76 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

  1. Custas

 

Custas no montante de 4.896,00 €, a cargo da Requerida, por decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 3 de fevereiro de 2023

 

Os Árbitros

 

Nuno Cunha Rodrigues (Presidente)

 

 

António Martins

 

 

Jorge Belchior de Campos Laires (relator)

 

 



[1] Vejam-se, entre outros, Rui Morais, “Apontamentos ao IRC”, Coimbra, Almedina, 2007; e António Portugal “A dedutibilidade dos gastos na jurisprudência fiscal portuguesa”, Coimbra, Coimbra Editora, 2004.