Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 431/2022-T
Data da decisão: 2023-02-07   
Valor do pedido: € 99.810,15
Tema: IRS – Rendimentos sujeitos a taxas especiais – Benefício Municipal
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Sumário:

  1. A “coleta do IRS” resulta quer dos rendimentos sujeitos às taxas gerais previstas no art. 68º CIRS, quer dos rendimentos sujeitos a taxas especiais previstas no art. 72º do mesmo Código.
  2. É a este valor que são feitas as deduções à coleta legalmente previstas, nomeadamente a do “benefício municipal”.
  3. Tal entendimento é o único consentâneo com a natureza de imposto semi-dual que, hoje, carateriza este imposto.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os Árbitros, Professor Dr. Rui Duarte Morais (na qualidade de árbitro-presidente), Dr. Rui Ferreira Rodrigues e Dra. Maria Antónia Torres (na qualidade de árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante designado apenas por CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, acordam o seguinte:

 

 I. RELATÓRIO

1. A..., contribuinte nº..., e B..., contribuinte nº..., ambos com domicílio na Rua ..., ..., ..., ..., ..., ...-... Albufeira, doravante designados conjuntamente como Requerentes, vêm, nos termos do artigo 2.º, n.º1, alínea a), do artigo 10.º, n.º1, alínea a) e n.º2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e dos artigos 96.º e seguintes do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral contra a liquidação de Imposto Municipal sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS com o nº 2021..., referente ao período de 2020, junta em anexo à sua petição inicial e, consequentemente, a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada. Pedem ainda a condenação da requerida no pagamento de jutos indemnizatórios.

2. Desta liquidação resultou a Demonstração de Acerto de Contas n.º 2022..., com um valor a pagar de €1.995.215,93, relativamente à qual foi apresentada reclamação graciosa (procedimento de reclamação graciosa n.º ...2022...), que veio a ser objeto de uma decisão de indeferimento.

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral efetuado pelos Requerentes foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD a 22/07/2022 e notificado à Requerida.

4. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, em 9/09/2022, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT (Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro), o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, tendo todos os árbitros designados comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

5. Devidamente notificadas dessa designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 27/09/2022.

7. A fundamentar o pedido alegam os Requerentes:

Os Requerentes, casados entre si, entregaram conjuntamente a Declaração de Rendimentos IRS - Modelo 3, com opção pela tributação conjunta, constituída pelos anexos A (rendimentos no total de €21.261,27), F (rendimentos no total de €4.300,00), G (rendimentos no total de €13.934.703,19), G1 (rendimentos no total de €3.085.520,72), H e dois anexos J (cada um com rendimentos no valor de €1.754.14). O imposto relativo à aplicação de taxas especiais (“tributação autónoma”) foi no montante de €1.995.523,57.

 

Os Requerentes exerceram a opção de não englobamento, quanto aos rendimentos das Categorias F, G, e J.

 

Do apuramento dos montantes declarados na mencionada Declaração, resultou o apuramento da coleta total de €1.997.416,29.

 

Por outro lado, resulta da liquidação acima identificada, nomeadamente na linha 20, que foi atribuído o “Benefício Municipal (5% da coleta)”, na importância de €33,97.

 

Todavia, após análise ao teor desta liquidação de IRS referente ao período de tributação de 2020, os Requerentes verificaram haver um erro na quantificação do imposto, motivo pelo qual apresentaram a acima referida Reclamação Graciosa, requerendo a anulação parcial da sobredita liquidação, nos termos da qual sustentaram que o valor atribuído ao Benefício Municipal não estava correto, pois que o imposto relativo aos rendimentos sujeitos a taxas especiais concorre para o cálculo da coleta total e, como tal, o benefício municipal tem necessariamente que ter em consideração o seu valor.

 

A AT considerou, no indeferimento da reclamação graciosa apresentada que “considerando a opção pela tributação autónoma dos rendimentos da Categoria F e G, bem como dos rendimentos das Categorias E e G obtidos no estrangeiro, o imposto foi apurado através da aplicação das respetivas taxas previstas nos artigos 71.º e 72.º do CIRS, e não nos termos do artigo 68.º, pelo que não beneficia das deduções à coleta, nem é objeto de aplicação do referido benefício municipal”.

 

De acordo com o artigo 26º, nº1, do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das entidades intermunicipais (aprovado pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, aqui interpretada na sua redação atual), com a epígrafe “Participação variável no IRS”: “Os municípios têm direito, em cada ano, a uma participação variável até 5% no IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respetiva circunscrição territorial, relativa aos rendimentos do ano imediatamente anterior, calculada sobre a respetiva coleta líquida das deduções previstas no n.º 1 do artigo 78.º do Código do IRS”.

 

Porque não podem concordar com as asserções aduzidas pela AT, entendem os Requerentes que o ato de liquidação sub judice deve ser parcialmente anulado e, também, deve ser o indeferimento da reclamação graciosa anulado no âmbito da presente arbitragem tributária, com as demais consequências legais, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”) aplicável ex vi alínea c) do artigo 2.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

 

8. Notificada a Requerida para responder e juntar processo administrativo, veio a mesma argumentar o seguinte:

O imposto apurado nos termos dos artigos 71º e 72º do CIRS, através da aplicação das taxas neles previstas, não beneficia de qualquer dedução nos termos do nº 1 do artigo 78º do CIRS.

Efetivamente, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 22º do CIRS, conjugado com a alínea b) do nº 3 da mesma norma, o rendimento coletável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias, auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções previstas, não sendo englobados para efeitos da sua tributação, os rendimentos referidos nos artigos 71º e 72º do CIRS, auferidos por residentes em território português, a menos que seja exercida a opção pelo englobamento quando permitida na Lei.

E dispõe expressamente o artigo 69º, nº 3 do CIRS que a coleta de IRS é o montante que resulta da aplicação das taxas de imposto previstas no artigo 68º do CIRS ao rendimento coletável, sendo que é a este resultado que se aplicam as deduções à coleta previstas no artigo 78º do CIRS.

Conforme já referido, é o artigo 78º que prevê as deduções que são efetuadas à coleta e o imposto resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma não são passíveis de qualquer dedução nos termos do supradito artigo.

E, consequentemente, não são objeto de aplicação do referido benefício municipal (artigo 26º da Lei nº 73/2013 de 03/09).

9. Em 27/09/2022, o Tribunal Arbitral proferiu Despacho para apresentação pela Requerida da Resposta, o que aquela entendeu fazer.

10. Por despacho de 23/01/2023, foi dispensada a reunião a que se refere o art. 18º do RJAT bem como a apresentação de alegações. Nenhuma das partes de opôs.

II. SANEADOR

11. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de Março).

12. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

13. O processo não enferma de nulidades.

 

III. MATÉRIA DE FACTO 

  1. Factos provados

14. Consideram-se provados os seguintes factos:

- Os Requerentes entregaram conjuntamente a Declaração de Rendimentos IRS - Modelo 3 relativa a 2020, com opção pela tributação conjunta, constituída pelos anexos A (rendimentos no total de €21.261,27), F (rendimentos no total de €4.300,00), G (rendimentos no total de €13.934.703,19), G1 (rendimentos no total de €3.085.520,72), H e dois anexos J (cada um com rendimentos no valor de €1.754.14).

 

- O imposto apurado decorrente da aplicação de taxas especiais (“ tributações autónomas”) foi no montante de €1.995.523,57.

 

- Os Requerentes exerceram a opção de não englobamento, quanto aos rendimentos das Categorias F, G, e J.

 

- Do apuramento dos montantes declarados na mencionada Declaração, resultou um apuramento da coleta total de €1.997.416,29 e um valor atribuído de “Benefício Municipal (5% da coleta)”, na importância de €33,97.

 

- Os Requerentes procederam ao pagamento do imposto liquidado em 30/08/2021.

 

- Os Requerentes apresentaram Reclamação Graciosa, com o n.º ...2022..., requerendo a anulação parcial da sobredita liquidação, a qual foi indeferida pela Requerida.

 

Estes factos estão documentalmente provados, não tendo sido objeto de controvérsia.

 

  1. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto.

15. Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

IV. QUESTÃO DECIDENDA

Matéria de direito

16. Na redação vigente para o ano fiscal de 2020, a alínea c) do nº 1 do artigo 25º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais (Lei nº 73/2013 de 03/09), determina que Estado e Municípios repartem uma participação variável de 5% no IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respetiva circunscrição territorial, calculada sobre a respetiva coleta líquida das deduções previstas no nº 1 do artigo 78º do Código do IRS.

17. Por sua vez, o artigo 26º do mesmo diploma legal, regula a participação variável no IRS, nos seguintes termos:

“1 – Os municípios têm direito, em cada ano, a uma participação variável até 5% no IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respetiva circunscrição territorial, relativa aos rendimentos do ano imediatamente anterior, calculada sobre a respetiva coleta líquida das deduções previstas no nº 1 do artigo 78º do Código do IRS. 2 – A participação referida no número anterior depende de deliberação sobre a percentagem de IRS pretendida pelo município, a qual é comunicada por via eletrónica pela respetiva câmara à AT, até 31 de dezembro do ano anterior àquele a que respeitam os rendimentos. 3 - Na ausência de deliberação ou de comunicação referida no número anterior, o município tem direito a uma percentagem de 5% no IRS. 4 – Caso a percentagem deliberada pelo município seja inferior à taxa máxima definida no nº 1, o produto da diferença de taxas e a coleta líquida é considerado como dedução à coleta do IRS, a favor do sujeito passivo, relativo aos rendimentos do ano imediatamente anterior àquele a que respeita a participação variável referida no nº 1, desde que a respetiva liquidação tenha sido feita com base em declaração apresentada dentro do prazo legal e com os elementos nela constantes. 5 – A inexistência da dedução à coleta a que se refere o número anterior não determina, em caso algum, um acréscimo ao montante da participação variável apurada com base na percentagem deliberada pelo município. 6 – Para efeitos do disposto no presente artigo, considera-se como domicílio fiscal o do sujeito passivo identificado em primeiro lugar na respetiva declaração de rendimentos. 7 – O percentual e o montante da participação variável no IRS constam da nota de liquidação dos sujeitos passivos do imposto.”

18. O Município de Albufeira, onde residiam à data os Requerentes, deliberou para o ano de 2020 a participação variável de 0,00% no IRS dos sujeitos passivos residentes na sua circunscrição territorial. Ou seja, os contribuintes residentes naquele município têm um benefício municipal de 5% de IRS, que opera por dedução à coleta.

19. Ora, com base neste enquadramento legal, a questão decidenda é saber se os ora Requerentes têm ou não direito ao referido benefício municipal, nomeadamente no que concerne aos montantes de rendimento das categorias F, G e J relativamente aos quais optaram pelo não englobamento na sua declaração modelo 3 relativa a 2020.

20. Então vejamos.

21. Os Requerentes, em suma, sustentam que a coleta inclui os rendimentos não englobados e os tributados autonomamente (a taxas especiais), e não apenas os rendimentos englobados. E que assim têm aqueles que ser considerados para efeitos de dedução do referido benefício municipal.

22. Na sua resposta, a Requerida sustenta, em resumo, que sendo a referida dedução calculada sobre a respetiva “coleta líquida das deduções previstas no nº 1 do artigo 78º do CIRS”, dado que os rendimentos não englobados e tributados nos termos dos artigos 71º e 72º do CIRS, através da aplicação das taxas neles previstas, não beneficiam de qualquer dedução nos termos do nº 1 do artigo 78º do CIRS, não poderiam os mesmos beneficiar da referida dedução.

23. Perante o exposto, vejamos se é legalmente permitido, face à legislação em vigor à data, deduções à coleta sobre rendimentos não englobados e tributados autonomamente. Cabe determinar, então, o que se entende por coleta, isto é, se abrange apenas o resultado bruto da aplicação da taxa dos rendimentos englobados para efeitos das taxas previstas nos artigos 68.º e 68.º-A, ou, se abrange o resultado de todas as taxas, previstas nos artigos 68.º e seguintes.

24. Parece não existir dúvida que a coleta bruta abrange o resultado da aplicação das taxas gerais prevista no artigo 68.º e da taxa adicional de solidariedade prevista no artigo 68-A, ambos do CIRS. Resta analisar a questão quanto ao imposto resultante das taxas especiais/autónomas, cabendo ao presente Tribunal analisar se o imposto resultante destas taxas é um elemento que se inclui no somatório da coleta e se está, assim, sujeito a deduções à coleta.

25. Existe no nosso ordenamento jurídico uma distinção entre taxas gerais, taxa adicional de solidariedade, taxas especiais/autónomas e taxas liberatórias. Importa analisar em detalhe as diferenças entre o regime das taxas liberatórias e das taxas especiais/autónomas.

26. No caso das taxas liberatórias é expressamente consagrada, no artigo 71.º nº. 1 e nº. 4 do CIRS, uma retenção na fonte a título definitivo, retenção essa que não se prevê no regime das taxas especiais, sendo referido apenas que são tributados à taxa autónoma.

27. Acresce que, nas taxas liberatórias o sujeito passivo é dispensado de entregar a sua declaração de rendimentos quando apenas tenha auferido rendimentos sujeitos a essa taxa, caso em que o imposto retido seria final e não sujeito a deduções à coleta, conforme dispõe o artigo 58.º n.º 1 alínea a) do CIRS:“1 - Ficam dispensados de apresentar a declaração a que se refere o artigo anterior os sujeitos passivos que, no ano a que o imposto respeita, apenas tenham auferido, isolada ou cumulativamente: a) Rendimentos tributados pelas taxas previstas no artigo 71.º e não optem, quando legalmente permitido, pelo seu englobamento;”

28. A respetiva dispensa, referida no artigo 58º. n.º 1 alínea a), não é extensível ao sujeito passivo que apenas aufira rendimentos tributados nos termos do artigo 72º, no que se refere a taxas especiais/autónomas, mantendo-se, neste caso, a obrigação de entregar a sua declaração de rendimentos.

29. Perante o exposto, ao contrário do que se consagra expressamente nas taxas liberatórias, não existe para as taxas especiais/autónomas essa consagração de retenção a título definitivo, entendendo-se, assim, que as mesmas concorrem para o somatório da coleta total ou bruta.

 

30. Tal entendimento é o único consentâneo com a natureza semi-dual que, hoje, carateriza este imposto. Salvo no tocante a rendimentos sujeitos a taxas liberatórias, o imposto continua a ser único – em cumprimento de exigência constitucional -, ou seja, os rendimentos são considerados globalmente para determinação da coleta (de uma única coleta). É a essa coleta única que são feitas as deduções que a lei prevê. De outro modo – considerando, como faz a Requerida, que as deduções à coleta apenas poderiam ser feitas relativamente ao imposto correspondente aos rendimentos sujeitos a englobamento, estaríamos a por em causa a pessoalização do imposto, pois que, hoje, se concretiza, essencialmente, através de deduções à coleta. A tributação de determinados rendimentos através de taxas especiais, proporcionais, (erroneamente designada de tributação autónoma) apenas contende com o grau de progressividade do imposto e não com o seu grau de unicidade, requisito necessário a um imposto pessoal.

 

31. Aliás, efetuando uma análise mais detalhada da Demonstração de Liquidação emitida pela Autoridade Tributária, verificamos que a coleta total aí calculada inclui o imposto relativo a tributações autónomas, designadamente na linha 17 Imposto relativo a tributações autónomas, linha essa que contribui para o somatório da coleta total: 18 COLECTA TOTAL [(11-12) x 2,00+13-14+15+16+17]. Ou seja, no próprio documento emitido pela Autoridade Fiscal, a coleta total foi calculada adicionando o Imposto relativo a tributações autónomas, considerando a tributação autónoma como parte integrante da Coleta Total ou Bruta. 

32. Depois a coleta líquida resulta da subtração à coleta total das deduções à coleta (referidas na linha 19 da Demonstração). Ou seja, na Demonstração de Liquidação, é considerada como coleta líquida o resultado da coleta total subtraída das deduções à colecta, em que a colecta total incluiu inequivocamente o Imposto relativo a tributações autónomas.

33. Sendo certo que a Demonstração da Liquidação não afasta nem substitui a aplicação da legislação em vigor já referida, constitui um elemento adicional de prova relevante para a presente decisão.

34. Vejamos então. A alínea c) do nº 1 do artigo 25º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais (Lei nº 73/2013 de 03/09), determina que Estado e Municípios repartem uma participação variável de 5% no IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respetiva circunscrição territorial, calculada sobre a respetiva coleta líquida das deduções previstas no nº 1 do artigo 78º do Código do IRS.

35. Ora, como vimos a coleta líquida resulta de uma coleta total que inclui, como vimos, inequivocamente, o imposto relativo a tributações autónomas.

36. Pelo que, entende este tribunal, que nada dizendo a lei em contrário, o imposto relativo a taxas autónomas previstas no artigo 72.º, que é parte integrante do cálculo da coleta total e, consequentemente, da coleta líquida, deve concorrer para o cálculo do benefício municipal sub judice.

37. Em conclusão, decide o presente Tribunal pela declaração de ilegalidade parcial da liquidação sub judice, por enfermar de vício por violação do artigo 78.º do CIRS, por erro sobre os pressupostos de direito, e, consequentemente, pela sua anulação parcial.

 

V. JUROS INDEMNIZATÓRIOS

As liquidações em causa foram praticadas pelos serviços.

A interpretação da lei por estes feita, no tocante à dedutibilidade do “benefício municipal”, é considerada errónea por este tribunal arbitral. Existe assim erro (ilegalidade) imputável aos serviços, o que, nos termos do art. 43º, nº 1, da LGT confere aos Requerentes o direito a, além da restituição do indevidamente pago, a receber juros indemnizatórios, calculados desde a data em que efetuou o pagamento indevido, em montante a ser apurado em execução de sentença.

 

VI. DA RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 2.754.

Como ficou demonstrado, a Requerida efetuou erroneamente a liquidação de IRS com o nº 2021..., referente a 2020, tendo ainda indeferido a reclamação graciosa apresentada pelos Requerentes contra a mesma.

Ora, tendo sido a Requerida a dar causa ao processo, o seu prosseguimento só a ela pode ser imputável. As custas deste processo devem, por isso, ser totalmente imputáveis à Requerida.

 

 

VII. DECISÃO

Nos termos expostos, acorda este Tribunal Arbitral:

  1. Ser procedente o pedido de anulação parcial da liquidação de IRS com o nº ..., referente a 2020, na parte em que não considerou a dedução à coleta total (relativa ao conjunto dos rendimentos sujeitos a taxas gerais e a taxas autónomas) do “benefício municipal”;
  2. Consequentemente, anula-se a decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
  3. Condenar a Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios legalmente devidos, em montante a ser apurado em execução de sentença.
  4. Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

VIII. VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de €99.810,15.

 

 

Notifique-se.

7 de fevereiro de 2023

 

Os Árbitros

 

Rui Duarte Morais

 

Rui Ferreira Rodrigues

 

Maria Antónia Torres (relatora)