Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 503/2022-T
Data da decisão: 2023-04-03  IRC IVA  
Valor do pedido: € 612.912,77
Tema: IRC / IVA - Subcontratação. Omissão de facturação.
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SUMÁRIO:

1. Para efeitos dos arts. 20º, nº1, CIRC e 4º CIVA, a prestação de serviços com recurso a uma empresa do mesmo grupo económico é considerada uma subcontratação, o que implica a emissão de facturas em IRC e IVA por parte da empresa subcontratada em relação aos serviços prestados à empresa subcontratante.

2. Tendo sido omitida essa facturação, justifica-se que a Autoridade Tributária liquide oficiosamente os impostos omitidos, não havendo qualquer ilegalidade nessas liquidações.

 

DECISÃO ARBITRAL

I. Relatório

1. No dia 25-08-2022, o sujeito passivo A..., LDA, com o número de identificação fiscal..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Caldas da Rainha, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, nº1, alínea a), 3º, nº1, e 10.º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, solicitando a anulação por ilegalidade das Liquidações nºs 2022... de 2018 (IRC), 2022... de 2018 (IVA), 2022... de 2018 (juros), 2022... de 2018 (IVA), 2022... de 2018 (juros), 2022... de 2018 (IVA) 2022... de 2018 (juros), 2022... de 2018 (IVA) 2022... de 2018 (IVA), 2022... de 2018 (juros), 2022... de 2018 (juros), 2022... de 2018 (IVA), 2022... de 2018 (IVA), 2022... de 2018 (juros), 2022... de 2018 (juros), 2022... de 2019 (IVA), 2022... de 2019 (juros), 2022... de 2019 (IVA) e 2022... de 2019 (juros), no montante total de €612.912,77.

2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou como Árbitros deste processo a Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs  (Presidente), o Dr. Luís Miranda da Rocha e o Prof. Doutor Luís Menezes Leitão  (relator), disso notificando as partes.

3. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

4. Os fundamentos que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula os seguintes:

4.1. A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral aprecie a legalidade da:

 

a) liquidação adicional de IRC n.º 2022 ..., referente ao exercício de 2018, na qual foram apurados prejuízos fiscais no montante de €100.398,66, bem como da respetiva liquidação de juros n.º 2022 ... e da demonstração de acerto de contas com o n.º 2022 ..., onde não foi apurado qualquer montante a pagar pela Requerente;

b) liquidação de IVA n.º 2022 ... e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., bem como liquidação de juros n.º 2022 ... e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2022..., tudo por referência ao período 2018/05, no montante total de €94.896,94;

c) liquidação de IVA n.º 2022 ... e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., bem como liquidação de juros n.º 2022 ... e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2022..., tudo por referência ao período 2018/07, no montante total de €1.680,79;

d) liquidação de IVA n.º 2022 ... e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., bem como liquidação de juros n.º 2022 ... e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., tudo por referência ao período 2018/08, no montante total de €29.220,52;

e) liquidações de IVA n.º 2022 ... e n.º 2022 ... e respectivas demonstrações de acerto de contas n.º 2022 ... e n.º 2022 ..., bem como liquidações de juros n.º 2022 ... e n.º 2022 ... e respectivas demonstrações de acerto de contas n.º 2022 ... e n.º 2022 ..., tudo por referência ao período 2018/10, no montante total de €90.897,52;

f) liquidações de IVA n.º 2022 ... e n.º 2022 ... e respectivas demonstrações de acerto de contas n.º 2022 ... e n.º 2022 ..., bem como liquidações de juros n.º 2022 ... e n.º 2022 ...e respectivas demonstrações de acerto de contas n.º 2022 ... e n.º 2022..., tudo por referência ao período 2018/12, no montante total de €369.395,97;

g) liquidação de IVA n.º 2022 ... e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2022..., bem como liquidação de juros n.º 2022 ... e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., tudo por referência ao período 2019/02, no montante total de €9.455,10;

h) liquidação de IVA n.º 2022 ... e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., bem como liquidação de juros n.º 2022 ... e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., tudo por referência ao período 2019/04, no montante total de €17.365,93, — tudo no montante global de €612.912,77.

4.2. A Requerente vem peticionar a anulação parcial dos referidos actos tributários por padecerem de vício de violação de lei, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

4.3. A Requerente dedica-se à prestação de serviços de operações de sistemas aéreos não tripulados, bem como à execução de projetos de investigação e desenvolvimento associados à concepção de novos produtos e tecnologias associados à referida indústria.

4.4. A Requerente foi alvo de uma inspecção tributária em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2021..., de 22.06.2021, tendo sido notificada do projecto de relatório de inspeção tributária através do Ofício n.º DITI-..., de 20.04.2022, no qual a Autoridade Tributária propunha as seguintes correções:

Natureza das propostas de correção

 

Imposto

Projeto de relatório de inspeção

Montante (em €)

Correções à matéria coletável

IRC

Ponto III.1.1

2.867.061,73

Imposto em falta

IRC

Ponto III.1.2

1.324.023,31

IVA

Ponto III.3.1

529.120,02

RFIRS

Ponto III.2.1

20.694,65

 

 

4.5. Em concreto, as correções propostas pela Autoridade Tributária incidiram sobre:

Propostas de correção

Ponto do projeto de relatório de inspeção

Montante da correção (em €)

Ajudas de custo e encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador

III.1.1.1

128.274,54

Omissão de rendimentos

III.1.1.2

2.344.000,09

Subsídios à exploração

III.1.1.3

290.297,45

Benefício fiscal – criação de emprego

III.1.1.4

104.509,65

 

 

 

SIFIDE (correção aritmética)

III.1.2

1.324.023,31

 

 

 

IRS – Trabalho dependente

III.2.1

20.694,64

 

 

 

IVA – Falta de liquidação sobre a omissão de rendimentos

III.3.1

539.120,02

 

 

4.6. Por não se conformar com as propostas de correcção constantes no projecto de relatório de inspeção, a Requerente apresentou o seu direito de audição, onde, em suma, invocou:

− Aceitar as correcções referentes aos pontos III.1.1.1 (ajudas de custo e encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador) e III.1.1.4 (benefício relativo à criação de emprego), III.2.1 (retenção na fonte sobre rendimentos do trabalho dependente);

− Contestou as correcções referentes aos pontos III.1.1.2 (omissão de rendimentos) e III.3.1 (falta de liquidação de IVA), invocando que não se está perante qualquer omissão de rendimentos, sendo que, quando muito, apenas devem ser desconsiderados os custos indevidamente contabilizados pela Requerente;

− Contestou a correcção referente ao ponto III.1.1.3 (subsídios à exploração), em relação à metodologia aplicada pela Autoridade Tributária.

4.7. Não obstante a argumentação aduzida pela Requerente em sede de audição prévia, a Autoridade Tributária manteve a quase totalidade das correções inicialmente propostas no Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) notificado à Requerente - apenas aceitando corrigir uma parte no que respeita aos subsídios à exploração -, nos seguintes termos:

 

 

Natureza das correções efetuadas

Correções em concreto

Pontos do relatório de inspeção

Montante da correção (em €)

 

 

 

 

Correções à matéria coletável

Ajudas de custo e encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador

III.1.1.1

128.274,54

Omissão de rendimentos

III.1.1.2 e IX.1

2.344.000,09

Subsídios à exploração

III.1.1.3 e IX.2

213.039,69

Benefício fiscal – criação de emprego

III.1.1.4

104.509,65

Total

2.789.823,97

 

 

 

Imposto em falta

SIFIDE (correção aritmética)

III.1.2

1.324.023,31

Total

1.324.023,31

IRS – Trabalho dependente

III.2.1

20.694,64

 

Total

20.694,64

IVA – Falta de liquidação sobre a omissão de rendimentos

III.3.1 e IX.3

539.120,02

Total

539.120,02

 

 

4.8. Em concreto, as correções ao lucro tributável da Requerente, no montante de € 2.789.823,97, têm por base as seguintes correções aritméticas efetuadas pela Autoridade Tributária:

a) desconsideração de um custo cifrado em € 128.274,54, inerente a ajudas de custo e encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador - correção em relação à qual, como referido em sede de audição prévia, a Requerente não se opõe e, como tal, não constitui matéria controvertida para efeitos da presente ação (cf. ponto III.1.1.1. do RIT);

b) acréscimo do montante de € 2.344.000,09 ao resultado fiscal da Requerente, por entender que “a B... AS contabilizou gastos relativos a mão-de-obra, materiais e outros, incorridos na execução dos serviços prestados à EMSA no âmbito dos contratos OP06 e OP12, porém, não registou a totalidade dos rendimentos que lhe estão associados” (cf. pontos III.1.1.2. e IX.1. do RIT);

c) acréscimo de um proveito inerente a um subsídio ao investimento cifrado em € 213.039,69 - correção em relação à qual a Requerente não se opõe, considerando que a argumentação por si expendida em sede de audição prévia foi integralmente acolhida pela Autoridade Tributária, e, como tal, não constitui matéria controvertida para efeitos da presente ação (cf. pontos III.1.1.3. e IX.2. do RIT);

d) desconsideração do montante de € 104.509,65 referente ao benefício fiscal da criação de emprego - correção em relação à qual, como referido em sede de audição prévia, a Requerente não se opõe e, como tal, não constitui matéria controvertida para efeitos da presente ação (cf. ponto III.1.1.4. do RIT).

4.9. As correções ao nível do IVA têm por base as correções aritméticas a que aludem os pontos III.3.1. e IX.3. do RIT, onde a Autoridade Tributária apurou imposto em falta (IVA) no montante de € 539.120,02, o qual incide sobre o montante de € 2.344.000,09 referente aos proveitos alegadamente omitidos.

4.10. Em consequência, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC e respetivos juros (cf. citado Documento 1) e das liquidações adicionais de IVA e respetivos juros, no montante total de € 612.912,17.

4.11. Nos pontos III.1.1.2. e IX.1. do RIT, a Autoridade Tributária faz correções ao lucro tributável da Requerente, através do acréscimo do montante de € 2.344.000,09 ao seu resultado fiscal, por entender que “a B... AS contabilizou gastos relativos a mão-de-obra, materiais e outros, incorridos na execução dos serviços prestados à EMSA no âmbito dos contratos OP06 e OP12, porém, não registou a totalidade dos rendimentos que lhe estão associados”.

4.12. E, tal como foi devidamente constatado pelos Serviços de Inspecção Tributária (“SIT”), a prestação dos serviços em análise decorre da execução dos contratos OP06 e OP12, cujas partes envolvidas eram, até 21.12.2018, a European Maritime Safety Agency (“EMSA”) e a D..., Lda. (“D...”) - em consórcio, juntamente com a sociedade francesa E..., S.A. (“E...”) - e, após a referida data, a EMSA e a ora Requerente/E... .

4.13. Assim, considerando as cláusulas contratuais previstas nos contratos OP06 e OP12, verifica-se que até dezembro de 2018 - data em que a EMSA assinou os aditamentos aos contratos - apenas a D... poderia faturar os serviços, sob pena de os mesmos não serem pagos pela EMSA, pelo que a Requerente jamais poderia emitir qualquer factura no âmbito dos referidos contratos.

4.14. Nem a Requerente nem a D... lesaram os cofres do Estado com a sua conduta, podendo apenas apontar-se, sob o ponto de vista meramente formal, irregularidades contabilísticas.

4.15. É que, como é do conhecimento da própria Autoridade Tributária, em 2018, ambas as sociedades apresentaram prejuízos fiscais, pelo que, ainda que os proveitos aqui em análise (no valor de € 2.344.000,09) tivessem sido imputados à Requerente (e, desconsiderados na esfera da D...), a realidade (fiscal) permaneceria inalterada, ou seja, o exercício de 2018 destes sujeitos passivos terminaria com o apuramento de prejuízos fiscais:

 

 

2018

Correção proposta

2018

(corrigidos)

Requerente

€ - 2.890.222,63

€ 2.344.000,09

€ - 546.222,54

D...

€ - 761.487,66

€ - 2.344.000,09

€ - 3.105.487,75

 

 

4.16. Contudo, a verdade é que, tal como apurado em sede inspetiva, a Requerente realizou vários dos objetivos propostos nos contratos OP06 e OP12, tendo contabilizado os gastos associados aos mesmos.

4.17. Ao contrário do que insinuam os SIT, o montante de € 2.344.000,09 constitui um proveito cuja relevância fiscal não foi  ignorada, tendo sido o mesmo sujeito a tributação em sede de IRC (e de IVA) no exercício de 2018, naturalmente na esfera da D... .

4.18. Contudo, considerando que a operação a tributar decorre de uma relação contratual restrita às partes contratantes (EMSA e D...), a Requerente não podia, em circunstância alguma, reflectir as consequências contabilísticas e fiscais associadas à execução do contrato e, assim, jamais poderia faturar os proveitos decorrentes do mesmo - como é, erroneamente, o entendimento da Autoridade Tributária.

4.19. De facto, a posição assumida pelos SIT no decurso da inspecção efetuada à Requerente ignora, por completo, as obrigações contratuais a que as partes contratantes se encontram adstritas - e, bem assim, as penalizações pelo incumprimento das cláusulas contratuais previstas nos contratos -, ignorando, igualmente, que a EMSA não é uma qualquer entidade, mas sim uma organização europeia que, naturalmente, não aceita quaisquer alterações aos contratos por si firmados, sem, anteriormente, dar o seu aval.

4.20. Sucede que, no caso em concreto, está-se perante dois contratos de prestação de serviços, em que não se verificam quaisquer limitações na liberdade de contratar das partes envolvidas - in casu, a European Maritime Safety Agency, a D..., Lda. e a E..., S.A. -, que decidiram, em plena liberdade contratual, quem seriam os responsáveis pela sua execução e pelos respectivos proveitos.

4.22. Tendo, igualmente, acordado, em Dezembro de 2018, pela alteração da constituição do consórcio formado para a prestação dos serviços em causa, que passou a ser constituído pela Requerente e pela E..., S.A.

4.23. Nessa medida, apenas com o aval da EMSA quanto às alterações contratuais - e também da sociedade E..., S.A., enquanto parte do consórcio criado para executar os contratos -, a Requerente poderia passar a facturar os proveitos referentes contratos OP06 e OP12, o que fez logo no início de 2019.

4.24. É, pois, entendimento da Requerente que a posição assumida pela Autoridade Tributária no caso concreto - no sentido de lhe imputar os rendimentos provenientes dos contratos celebrados de prestação de serviços (OP06 e OP12), celebrados com a EMSA e a E...- é manifestamente incorrecta e ilegal, por não atender, por um lado, à autonomia privada das partes, expressa na liberdade contratual subjacente aos contratos celebrados e, por outro, à vinculação das partes ao teor dos referidos contratos (cf. o artigo 405.º do Código Civil).

4.25. Note-se, no caso em apreço não se verificou qualquer omissão de proveitos, não sujeito a tributação em sede de IRC/IVA, uma vez que os rendimentos obtidos - no montante de € 2.344.000,09 -, foram, nos termos dos contratos de prestação de serviços celebrados entre a EMSA, a D... e a E..., faturados pela D..., tendo, por esse motivo, sido tributados na esfera da referida sociedade.

4.26. E, naturalmente, em estrito cumprimento dos contratos e do teor das faturas emitidas, a D... procedeu à liquidação do IVA a que estava legalmente adstrita, pelo que, os cofres do Estado não foram, em momento algum, lesados.

4.27. Em face do exposto, verifica-se a inexistência de qualquer omissão de proveitos na esfera da Requerente, pelo que deverá a liquidação adicional de IRC (e, bem assim, as liquidações adicionais de IVA) ser anulada, por errónea qualificação dos factos tributários, o que se invoca nos termos da alínea a) do artigo 99.º do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

4.28. Sem prejuízo do acima exposto, cumpre referir que a Requerente aceita - tal como expressamente invocou em sede do seu requerimento de audição prévia - que o seu lucro tributável não deveria ser diminuído com gastos cujos proveitos correlativos não foram considerados.

4.29. Razão pela qual, naquela sede, invocou que, ao invés de ser acrescido o montante de €2.344.000,09 ao seu lucro tributável - referente a alegados proveitos provenientes dos contratos celebrados entre a D..., a EMSA e a E... -, deveriam os SIT ter desconsiderado os gastos indevidamente contabilizados (embora suportados) pela Requerente no âmbito dos referidos contratos, em virtude de os mesmos não terem sido “suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.

4.30. Conclui-se, assim, que andaram mal os SIT ao acrescerem o montante de €2.344.000,09 ao lucro tributável da Requerente - referente aos contratos celebrados entre a D..., a EMSA e a E...-, porquanto deveriam os mesmos ter desconsiderado os gastos incorridos pela Requerente no interesse direto e imediato da D... e que não lhe foram imputados (cf. a decisão arbitral de 14.03.2022, proferida no processo n.º 12/2021-T).

4.31. Em face do exposto, deverá a correcção efetuada pelos SIT, relativa à alegada omissão de proveitos na esfera da Requerente, ser anulada por manifestamente ilegal e, consequentemente, deverá a liquidação adicional de IRC (e, bem assim, as liquidações adicionais de IVA) ser anulada, por errónea qualificação dos factos tributários, o que se invoca nos termos da alínea a) do artigo 99.º do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

4.32. Nos pontos III.3.1. e IX.3. do RIT a Autoridade Tributária apurou imposto em falta (IVA) no montante de € 539.120,02, o qual incide sobre o montante de € 2.344.000,09 referente aos proveitos alegadamente omitidos (cf. ponto III.1.1.2 do RIT), tendo, em consequência, a ora Requerente sido notificada das liquidações de IVA.

4.33. É entendimento da Requerente que o montante de € 2.344.000,09 não deve ser acrescido ao seu lucro tributável - devendo, antes, ser desconsiderados os custos indevidamente contabilizados pela Requerente no interesse direto e imediato da D...-, pelo que, a ser acolhida a sua tese, o facto jurídico que subjaz o IVA ora calculado deixa de existir e, como tal, o mesmo não se afigura devido.

4.34. De facto, como acima se viu, aquando da facturação do montante de € 2.344.000,09 por parte da D... à EMSA, a primeira procedeu à liquidação do IVA a que estava legalmente adstrita, pelo que, os cofres do Estado não foram, em nenhum momento, lesados.

4.35. Com efeito, é entendimento da Requerente que a posição assumida pelos SIT em sede da inspecção tributária leva, em última análise, à existência de uma duplicação de colecta, definida no artigo 205.º do CPPT, na medida em que é exigido à Requerente o pagamento de um tributo (IVA), referente ao mesmo facto tributário (o contrato de prestação de serviços celebrado entre a D..., a EMSA e a E...) e ao mesmo período de tempo (o exercício de 2018).

4.36. Face ao exposto, não pode a Requerente conformar-se com as correcções efetuadas pelos SIT, nem com as liquidações de IVA que ora lhe foram notificadas, pelo que, deverão as mesmas ser anuladas, sob pena de vigorarem na ordem jurídica actos tributários ilegais, o que se invoca nos termos da alínea a) do artigo 99.º do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

4.37. Na eventualidade de este Tribunal Arbitral entender ser de manter as correcções efetuadas pelos SIT - ao nível do IRC e do IVA -, sempre se deverá entender que a mesma, embora sujeita a IVA, encontra-se isenta nos termos da alínea m) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA.

4.38. Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 151.º da Diretiva 2006/112/CE, os Estados–Membros isentam as seguintes operações “[a]s entregas de bens e as prestações de serviços destinadas a organismos internacionais reconhecidos como tal pelas autoridades públicas do Estado-Membro de acolhimento, e bem assim aos membros desses organismos, nos limites e nas condições fixadas nas convenções internacionais que instituem os referidos organismos ou nos acordos de sede”.

4.39. Por seu turno, a alínea m) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA prevê que estão isentas de imposto “[a]s transmissões de bens e as prestações de serviços destinadas a organizações internacionais reconhecidas por Portugal ou por qualquer outro Estado membro da Comunidade Europeia, ou a membros dessas organizações, nos limites e nas condições fixados nas convenções internacionais que instituíram as referidas organizações ou nos acordos de sede, incluindo os organismos aos quais seja aplicável o Protocolo de 8 de Abril de 1965, relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias, nos limites e nas condições desse Protocolo, dos acordos relativos à sua aplicação ou dos acordos de sede, desde que daí não resultem distorções de concorrência”.

4.40. Com interesse para a apreciação da questão decidenda, veja-se o Despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de 26.03.2002, no qual, a propósito do citado preceito legal, veio esclarecer que “[a] actividade de investigação comercial financiada pelas instâncias comunitárias em benefício próprio consubstancia operação tributável para efeitos de IVA, mas isenta nos termos do art. 14º, nº 1, alínea m) do Código do IVA.” (cf. Documento 15 que se junta e se dá por reproduzido).

4.41. Nessa medida, sabendo-se que a Requerente executou e desenvolveu projetos de I&D com a EMSA e, bem assim, que a EMSA é uma agência europeia que integra o conceito de “organização internacional” (cf. www.emsa.europa.eu), é por demais evidente que a Autoridade Tributária deveria ter aplicado aos alegados rendimentos obtidos pela Requerente por força do contrato da EMSA a isenção de IVA a que alude a alínea m) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA e, consequentemente, ter-se abstido de promover a emissão das liquidações adicionais de IVA.

4.42. Assim, caso a pretensão da Requerente, no que concerne à anulação das liquidações adicionais de IRC e de IVA, pela inexistência de qualquer situação de omissão de proveitos na esfera da Requerente não seja acolhida por este Tribunal, o que se concede para efeitos da presente alegação, sempre deverão as liquidações adicionais de IVA acima melhor identificadas ser anuladas, por estar em causa uma prestação de serviços efetuada a uma organização internacional - a EMSA - e, como tal, isenta de IVA, nos termos da alínea m) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA.

4.43. Face o acima exposto, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada e, em consequência, serem anuladas as liquidações adicionais de IVA identificadas supra, o que se requer nos termos do disposto na alínea a) do artigo 99.º do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, sob pena de vigorarem na ordem jurídica actos tributários que são ilegais.

4.44. Para o caso de subsistirem dúvidas na esfera deste Tribunal Arbitral sobre a interpretação das normas por esta invocadas nesta ação, em particular no pedido subsidiário supra, onde se requer a anulação das liquidações de IVA por não ser sido aplicada a isenção a que alude a alínea m) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA, solicita-se, ad cautelem, a suspensão da instância e o correspondente reenvio prejudicial ao TJUE, para que esta instância comunitária se pronuncie sobre a compatibilidade da interpretação proposta pela Autoridade Tributária portuguesa com os princípios e normas que constituem o sistema comum do IVA, designadamente se − considerando que a European Maritime Safety Agency é uma agência da União Europeia com sede em Portugal - cuja missão é servir os interesses marítimos da União Europeia, tendo em vista um sector marítimo protegido, seguro, ecológico e competitivo, e atuar como uma referência fiável e respeitada no setor marítimo na Europa e em todo o mundo -, a mesma configura uma organização internacional para efeitos de aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 151.º da Diretiva 2006/112/CE e, consequentemente, da alínea m) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA português?

4.45. A Requerente, com vista à suspensão dos processos de execução fiscal que serão instaurados para cobrança coerciva dos impostos ora contestados, irá prestar uma garantia idónea para o efeito, pelo que da anulação dos actos de liquidação de imposto sob escrutínio nos presentes autos deverá também resultar, nos termos e para os efeitos do disposto nos citados artigos 53.º, n.ºs 1 e 2 da LGT e 171.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT, indemnização pela garantia que será (indevidamente) prestada pela Requerente.

5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentou resposta, na qual se defendeu, em súmula, nos seguintes termos:

5.1. A Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral que tem como objeto as liquidações adicionais de IRC e de IVA e respectivos juros compensatórios melhor identificadas na petição inicial, referentes ao exercício de 2018 e 2019, no montante total de €612.912,77, com os fundamentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.

5.2. Liquidações resultantes das conclusões alcançadas no âmbito de um procedimento inspectivo externo efetuado pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) da Direcção de Finanças de Leiria, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2021..., cujo relatório (adiante RIT), constante do processo administrativo, se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

5.3. A Requerente esclarece, ainda, que não contesta a totalidade das correcções promovidas pelos SIT, sendo que as liquidações impugnadas se encontram influenciadas por outras correcções para além das especificamente contestadas pela Requerente.

5.4. Pelo que, caso o Tribunal rejeite a argumentação da AT a favor da legalidade das correcções controvertidas, o que se admite por mera hipótese e sem conceder, não pode determinar a anulação integral das liquidações, mas apenas parcial, com todas as consequências legais.

5.5. No que respeita ao IRC, a correção efetuada pelos SIT, no valor de €2.344.000,09, correspondente à “omissão de rendimentos”, sustenta-se na fundamentação constante do ponto III.1.1.2. do RIT e, após análise do direito de audição, no ponto I.X.1.

5.6. Ora, como resulta da factualidade apurada no RIT, estão em causa serviços prestados pela Requerente, no decurso de 2018, no âmbito dos contratos OP06 e OP12, celebrados entre a EMSA e a D...– em consórcio, juntamente com a sociedade francesa E..., S.A. (“E...”), relativamente aos quais contabilizou os gastos, mas não contabilizou os rendimentos obtidos, sendo que apenas em 21.12.2018 passa a ser parte dos referidos contratos.

5.7. Dúvidas não restam de que a Requerente prestou efetivamente os serviços em causa, facto esse que admite, e para cuja realização concorreram os gastos contabilizados, sendo por isso contraditória a tese que apresenta no presente pedido de pronúncia arbitral.

5.8. Mas a Requerente parte do errado pressuposto de que a omissão de rendimentos se verificou nas relações comerciais estabelecidas com a EMSA (European Maritime Safety Agency), quando, na realidade, a omissão de rendimentos apurada pelos SIT reporta-se à relação entre a Requerente e a D... (D..., Lda).

5.9. Face à factualidade descrita no RIT, claro se torna que a Requerente não poderia e nem deveria faturar os serviços prestados à EMSA, dado que, não obstante os ter prestado, estes já haviam sido faturados pela D... àquela entidade.

5.10. A correcção controvertida tem, assim, na sua génese a falta de facturação dos serviços pela Requerente à D... (empresa do grupo que subcontratou os seus serviços).

5.11. Consequentemente, não poderá colher o argumento de que lança mão a Requerente de que a AT ignora as obrigações contratuais a que as partes contratantes se encontram adstritas, bem como as penalizações pelo incumprimento das cláusulas contratuais previstas nos contratos, uma vez que, reitera-se, não está em causa a relação comercial entre a D... e a EMSA, mas sim entre aquela empresa e a Requerente.

5.12. Com efeito, não é a prática societária que está em causa, mas apenas o exercício da competência legal atribuída à Inspeção Tributária de verificar o correto enquadramento fiscal das operações que influenciam o apuramento da matéria tributável da Requerente.

5.13. O que os SIT fizeram, em cumprimento do princípio da legalidade, foi verificar uma omissão de proveitos na esfera da Requerente, por omissão de facturação de rendimentos ente duas entidades residentes: a D... e a B..., e proceder às correções devidas ao rendimento coletável declarado.

5.14. Acresce que, a afirmação de que os cofres do Estado não foram lesados, para além de não estar minimamente provada, não tem nenhuma sustentação legal.

5.15. Com efeito, não é fiscalmente indiferente apurar um prejuízo mais elevado em 2018, decorrente da omissão de rendimentos, plenamente demonstrada pelos SIT.

5.16. Porquanto, de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 52.º do CIRC, os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos cinco períodos de tributação posteriores, à excepção dos sujeitos passivos que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial ou industrial e que estejam abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, os quais podem fazê-lo em um ou mais dos doze períodos de tributação posteriores.

5.17. Logo, se o prejuízo apurado em 2018 pode ser deduzido até 2023, obviamente que, quanto maior for esse prejuízo, maior será a dedução a operar nesse período de tempo, com a natural e consequente perda de receita fiscal.

5.18. Note-se que a Requerente não contestou o valor da correcção efetuada pelos SIT quanto aos serviços prestados à EMSA no período de 2018, no montante de €2.344.000,09 e, no que respeita à quantificação dos gastos incorridos com a prestação dos referidos serviços, admite que à data dos factos não existia contabilidade de custos ou analítica, pelo que não lhe foi possível apresentar um mapa de custos por projecto ou actividade.

5.19. Nestes termos, é forçoso concluir que não podem proceder os argumentos da Requerente, desde logo por falta de suporte legal, conforme se fundamentou no RIT.

5.20. Ora, constitui factualidade provada pelos SIT e aceite pela Requerente que, durante o período de 2018, esta prestou serviços de vigilância marítima à EMSA no âmbito dos contratos OP06 e OP12, tendo relevado na sua contabilidade os gastos incorridos com a prestação de serviços, sem que tenha por sua vez relevado a totalidade dos rendimentos associados à mesma.

5.21. Não está, pois, em causa a dedutibilidade fiscal dos gastos incorridos com a prestação dos serviços de vigilância marítima à EMSA, seja qual for o seu valor, estando antes em causa, para efeitos da determinação do resultado fiscal do período de 2018, o não reconhecimento da totalidade dos rendimentos associados aos serviços de vigilância marítima prestados (cfr. n.º 1 do art. 20.º do CIRC).

5.22. Assim, se por um lado é certo que, até 21.12.2018, por uma questão contratual, a Requerente não podia facturar os serviços diretamente à EMSA, por outro lado, impunha-se que tivesse procedido à facturação à D... (empresa do grupo que faturou os referidos serviços à EMSA).

5.23. Já no que respeita aos gastos, os registados na contabilidade da Requerente foram aceites e não havia qualquer motivo e nem fundamento legal para os desconsiderar, uma vez que concorreram para a formação dos rendimentos, mostrando-se essenciais à prestação dos serviços.

5.24. Sendo que, aceitar o entendimento da Requerente consubstancia o total desrespeito pelas regras de apuramento da matéria coletável consagradas pelo legislador no CIRC.

5.25. Finalmente, importa salientar a falta de colaboração da Requerente quanto ao esclarecimento, desde o início do procedimento inspectivo, acerca do facto que explica a incongruência detectada entre gastos e rendimentos, sendo que nunca esclareceu qual o trabalho prestado pela B... à D..., não contestou a quantificação do mesmo feita pela TI com base na faturação feita pela D... à EMSA e não forneceu informação acerca do número de drones que produziu, uma vez que estes não se encontram reconhecidos no seu ativo.

5.26. Assim, ficou plenamente demonstrado que a liquidação de IRC controvertida não padece de qualquer vício, sendo, ao invés, patente a falta de suporte probatório dos argumentos aduzidos pela Requerente.

5.27. Em relação ao IVA, não colhe o argumento da Requerente de que se verifica uma duplicação de colecta por ocorrer o pagamento de um tributo (IVA), referente ao mesmo facto tributário (o contrato de prestação de serviços celebrado entre a D..., a EMSA e a E...) e ao mesmo período de tempo (o exercício de 2018)»

5.28. Na verdade, como evidenciaram os SIT, não está em causa a dedutibilidade dos gastos e do IVA porquanto, conforme foi corroborado pela própria Requerente, os mesmos foram incorridos, no âmbito da sua actividade económica, tendo em vista a realização de operações tributáveis.

5.29. Não se ignoram nem as obrigações contratuais a que as partes contratantes se encontram adstritas, nem as penalizações pelo incumprimento das cláusulas contratuais previstas nos contratos, uma vez que não está em causa a relação comercial entre a D... e a EMSA, mas sim entre a D... e a B... .

5.30. Nem é beliscado o conceito jurídico de autonomia privada, pois não está em causa o contrato firmado entre a B..., a EMSA e a sociedade francesa E... .

5.31. Trata-se apenas e só de verificar uma omissão de proveitos na esfera da Requerente, por omissão de faturação de rendimentos ente duas entidades residentes: a D... e a B... .

5.32. No caso em apreço, os SIT começaram por questionar a dedutibilidade dos gastos, tendo, no entanto, verificado que os mesmos foram incorridos no âmbito da atividade económica da Requerente.

5.33. Atenta a fundamentação apresentada pelos SIT e a informação que lhes foi prestada pela própria Requerente, resulta demonstrado que os gastos e respectivo IVA foram incorridos pela Requerente no âmbito da sua atividade tributada, não configurando a omissão de rendimentos fundamento apropriado para se poder negar o direito à dedução do IVA.

5.34. Quanto à isenção consignada no artigo 14.º, n.º 1, alínea m) do Código do IVA, a mesma abrange somente «[a]s transmissões de bens e as prestações de serviços destinadas a organizações internacionais reconhecidas por Portugal ou por qualquer outro Estado membro da Comunidade Europeia, ou a membros dessas organizações, nos limites e nas condições fixados nas convenções internacionais que instituíram as referidas organizações ou nos acordos de sede, incluindo os organismos aos quais seja aplicável o Protocolo de 8 de Abril de 1965, relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias, nos limites e nas condições desse Protocolo, dos acordos relativos à sua aplicação ou dos acordos de sede, desde que daí não resultem distorções de concorrência».

5.35. Contrariamente ao que pretende fazer crer a Requerente, não estão em causa transmissões de bens ou prestações de serviços destinadas a organizações internacionais reconhecidas por Portugal ou por qualquer outro Estado-membro da União Europeia, ou a membros dessas organizações, mas antes destinadas à empresa-mãe D... .

5.36. E ainda que assim não fosse, não basta invocar a aludida isenção, porquanto, nos termos da legislação nacional e comunitária aplicável, tal isenção pode não operar de forma directa e depende, em qualquer caso, da apresentação de um certificado de isenção.

5.37. De harmonia com o artigo 51.º do Regulamento de Execução n.º 282/2011, é o certificado que serve de confirmação de que a operação pode beneficiar da isenção, sob reserva das notas explicativas que lhe estão anexas, sendo aplicáveis os limites e condições estabelecidos no Decreto- Lei n.º 143/86, de 16 de Junho.

5.38. Ademais, nos presentes autos, comprova-se que, nas faturas emitidas à Agência Europeia de Segurança Marítima (EMSA) foi liquidado IVA nos termos gerais (à taxa de 23%), não se fazendo constar a aplicação de qualquer isenção (cfr., facturas n.ºs 2018V12/14 e 2018V12/17, de 2018-12- 18, emitidas pela D... e factura n.º 19V1/7, de 2019-04-08, emitida pela Requerente, no RIT pp. 27-28 e anexo 5 ao RIT).

5.39. Pelo que, não se vislumbra de que forma terá a AT violado os princípios da legalidade, da imparcialidade e do inquisitório, consagrados nos artigos 55.º e 58.º da LGT, pois não se alcança que outras diligências de prova poderiam ter sido determinadas, nem que prova delas resultaria que contraditasse os requisitos previstos expressamente nas normas acima referidas e o conteúdo das faturas emitidas.

5.40. No que concerne à alegada duplicação de colecta, resulta evidente, dos factos apontados pelos SIT e respetivas conclusões, que tal não se verifica, na medida em que não se existe unicidade de factos tributários.

5.41. No caso vertente, apenas haviam sido tributados os serviços prestados pela D... à EMSA, todavia, comprova-se ter havido subcontratação dos serviços acordados entre aquelas entidades, tendo estes ficado a cargo da Requerente, sujeito passivo autónomo da D... .

5.42. A prestação de serviços subcontratada é uma operação distinta da que foi tributada e encontra-se sujeita a imposto, por força do preceituado no artigo 1.º, n.º 1 alínea a) e artigo 4.º, n.ºs 1 e 2 do Código do IVA.

5.43. Verificando que esta prestação de serviços executada pela Requerente, sendo destinatária a D..., não foi tributada, os SIT corrigiram (e bem) a omissão detetada, não se enquadrando tal situação no conceito de duplicação de colecta.

5.44. Acresce referir que o princípio da neutralidade, que a Requerente parece invocar, é integralmente assegurado, como já referido, pelo direito à dedução.

5.45. Nos termos do artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA, «[s]em prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso ... pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente».

5.46. Ora, a Requerente teve oportunidade de regularizar a situação em falta, no decurso dos actos inspetivos ou ainda depois de terminada a ação de inspecção tributária, emitindo as respetivas facturas à D..., a qual poderia, ao tempo, deduzir o imposto que veio a ser liquidado adicionalmente na esfera da Requerente.

5.47. Não compete à Autoridade Tributária e Aduaneira substituir-se aos contribuintes, seja na emissão das faturas em falta, seja na dedução do imposto na esfera da adquirente, atento o disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas b) e c), artigo 19.º, n.ºs 1, 2 e 6 e artigo 36.º do Código do IVA.

5.48. Assim, devem manter-se as correcções efetuadas, por inexistir qualquer vício de ilegalidade que determine a sua anulação.

5.49. Quanto ao pedido de indemnização por garantia indevida, no caso vertente não se comprova ter sido prestada “garantia bancária ou equivalente”, nem quaisquer encargos efetivamente suportados, pelo que, para além de se entender que os actos de liquidação não padecem de vício que deva ditar a sua anulação, também não se mostram reunidos os pressupostos para o reconhecimento do direito de indemnização invocado.

6. No dia 14 de Dezembro de 2022 foi proferido despacho arbitral, notificando a Requerente para se pronunciar em dez dias sobre a questão prévia suscitada pela Requerida quanto à competência do Tribunal Arbitral, tendo esta, por requerimento de 12 de Janeiro de 2023, esclarecido que a anulação parcial que solicita só será aplicável para os actos tributários referentes a IRC, mas já não em relação àqueles respeitantes ao IVA, os quais a Requerente contesta na íntegra, tendo clarificado o seu pedido de pronúncia arbitral nesse sentido.

7. No dia 13 de Janeiro de 2023 foi proferido despacho arbitral, dispensando a reunião prevista no art. 18º do RJAT, por os factos relevantes estarem provados documentalmente, tendo sido concedido às partes prazo de dez dias para a apresentação de alegações.

8. Ambas as partes apresentaram alegações onde reiteraram as posições que tinham assumido nos articulados.

 

II – Factos provados

9. Com base na prova documental constante da documentação junta pela Requerente e do processo administrativo junto aos autos pela Requerida, especialmente o Relatório da Inspecção Tributária, consideram-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:

9.1. Em 10/10/2016 foi celebrado um Framework Contract for Services (2016/EMSA/OP/06/2016) entre a European Maritime Safety Agency, por um lado, e a D..., Lda. e a E..., S.A., em consórcio, por outro lado.

9.2. Foram igualmente celebrados entre a European Maritime Safety Agency, por um lado, e a D..., Lda. e a E... Satellites, S.A., em consórcio, por outro lado, quatro Specific Contracts em execução do contrato anterior, abrangendo a Initial Set-up phase, a Mobilisation, On-site activites and Missions, o Remotely Piloted Aircraft Service, e o Interfacing.

9.3. Em 2/3/2017 foi celebrado outro Framework Contract for Services (2017/EMSA/OP/12/2016) entre a European Maritime Safety Agency, por um lado, e a D..., Lda. e a E..., S.A., em consórcio, por outro lado.

9.4. Foram igualmente celebrados entre a European Maritime Safety Agency, por um lado, e a D..., Lda. e a E..., S.A., em consórcio, por outro lado, quatro Specific Contracts em execução do contrato anterior, abrangendo a Initial Set-up phase, a Mobilisation, On-site activites and Missions, o Remotely Piloted Aircraft Service, e o Interfacing.

9.5. Os serviços realizados ao abrigo dos referidos contratos durante o ano de 2018 foram facturados pela D..., Lda, com a inclusão de IVA a 23%.

9.6. Os serviços foram materialmente prestados pela Requerente, tendo esta deduzido fiscalmente os gastos que realizou na prestação desses serviços.

9.7. Em 21.12.2018 foi celebrado um aditamento ao Framework Contract for Services (2016/EMSA/OP/06/2016), nos termos do qual a Requerente A..., Lda, substituiu a D..., Lda,  como líder do consórcio.

9.8. Também em 21.12.2018 foi celebrado igualmente um aditamento ao Framework Contract for Services (2016/EMSA/OP/12/2016), nos termos do qual a Requerente A..., Lda, substituiu a D..., Lda,  como líder do consórcio.

9.9. A Requerente foi alvo de uma inspecção tributária em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2021..., de 22.06.2021.

9.10. Em virtude da referida inspecção foi elaborado o relatório da mesma que foi notificado à Requerente através do Ofício n.º DITI-..., de 20.04.2022.

9.11. A Requerente exerceu o seu direito de audição, mas a Administração Tributária manteve a quase totalidade das correcções nos seguintes termos:

 

 

Natureza das correções efetuadas

Correções em concreto

Pontos do relatório de inspeção

Montante da correção (em €)

 

 

 

 

Correções à matéria coletável

Ajudas de custo e encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador

III.1.1.1

128.274,54

Omissão de rendimentos

III.1.1.2 e IX.1

2.344.000,09

Subsídios à exploração

III.1.1.3 e IX.2

213.039,69

Benefício fiscal – criação de emprego

III.1.1.4

104.509,65

Total

2.789.823,97

 

 

 

Imposto em falta

SIFIDE (correção aritmética)

III.1.2

1.324.023,31

Total

1.324.023,31

IRS – Trabalho dependente

III.2.1

20.694,64

 

Total

20.694,64

IVA – Falta de liquidação sobre a omissão de rendimentos

III.3.1 e IX.3

539.120,02

Total

539.120,02

 

 

 

9.12. As correcções efectuadas ao lucro tributável da Requerente em IRC, no montante total de €2.789.823,97 e a referência à falta de liquidação de IVA no montante de €539.120,02, resultam de a Administração Tributária ter considerado que a Requerente devia ter facturado à D..., Lda, os serviços que em sua substituição prestou em 2018.

9.12. Na sequência do referido relatório de inspecção tributária, foram emitidas as seguintes notas de liquidação:

a) liquidação adicional de IRC n.º 2022..., referente ao exercício de 2018, na qual foram apurados prejuízos fiscais no montante de € 100.398,66, bem como da respetiva liquidação de juros n.º 2022 ... e da demonstração de acerto de contas com o n.º 2022 ..., onde não foi apurado qualquer montante a pagar pela Requerente;

b) liquidação de IVA n.º 2022 ... e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2022..., bem como liquidação de juros n.º 2022... e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2022..., tudo por referência ao período 2018/05, no montante total de € 94.896,94;

c) liquidação de IVA n.º 2022 ... e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., bem como liquidação de juros n.º 2022 ... e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., tudo por referência ao período 2018/07, no montante total de € 1.680,79;

d) liquidação de IVA n.º 2022... e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2022..., bem como liquidação de juros n.º 2022... e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., tudo por referência ao período 2018/08, no montante total de € 29.220,52;

e) liquidações de IVA n.º 2022 ... e n.º 2022 ... e respectivas demonstrações de acerto de contas n.º 2022 ... e n.º 2022 ..., bem como liquidações de juros n.º 2022 ... e n.º 2022 ... e respectivas demonstrações de acerto de contas n.º 2022 ... e n.º 2022 ..., tudo por referência ao período 2018/10, no montante total de € 90.897,52;

f) liquidações de IVA n.º 2022 ... e n.º 2022 ... e respectivas demonstrações de acerto de contas n.º 2022 ... e n.º 2022 ..., bem como liquidações de juros n.º 2022... e n.º 2022 ... e respectivas demonstrações de acerto de contas n.º 2022 ... e n.º 2022 ..., tudo por referência ao período 2018/12, no montante total de € 369.395,97;

g) liquidação de IVA n.º 2022 ... e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., bem como liquidação de juros n.º 2022 ... e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., tudo por referência ao período 2019/02, no montante total de € 9.455,10;

h) liquidação de IVA n.º 2022 ... e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., bem como liquidação de juros n.º 2022 ... e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2022..., tudo por referência ao período 2019/04, no montante total de € 17.365,93, — tudo no montante global de € 612.912,77.

 

III - Factos não provados

10. Não há factos não provados que este Tribunal Arbitral considere relevantes para a decisão da causa.

 

IV - Fundamentação da decisão de facto:

11. A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral e a convicção sobre a mesma foi formada com base em prova documental, i.e., nas peças processuais apresentadas pelas partes no âmbito deste processo arbitral, bem como pela junção do processo administrativo, contendo especificamente o relatório da inspecção tributária.

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada pelas partes, devendo, por isso, seleccionar a matéria factual com relevância directa para a decisão.

O Tribunal Arbitral apreciou livremente as provas produzidas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

 

V - Do Direito

12. São as seguintes as questões a examinar no presente processo.

- Da questão da limitação dos poderes de cognição do Tribunal Arbitral, que não poderia decretar a anulação total das liquidações impugnadas.

- Da necessidade de solicitar o reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

- Da ilegalidade das liquidações impugnadas.

Examinar-se-ão assim essas questões:

 

— DA QUESTÃO DA LIMITAÇÃO DOS PODERES DE COGNIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL, QUE NÃO PODERIA DECRETAR A ANULAÇÃO TOTAL DAS LIQUIDAÇÕES IMPUGNADAS.

13. Na sua Resposta a Requerida sustenta que, dado que a Requerente não contesta a totalidade das correções promovidas pelos SIT, e os poderes de cognição do Tribunal estão limitados pelo pedido e pela causa de pedir, o Tribunal Arbitral não pode apreciar nem declarar a ilegalidade total das liquidações, já que estas se encontram influenciadas por outras correcções para além das especificamente contestadas.

Notificada para responder à questão colocada, veio a Requerente esclarecer que a anulação parcial que solicita só será aplicável para os actos tributários referentes a IRC, mas já não em relação àqueles respeitantes ao IVA, os quais a Requerente contesta na íntegra, tendo clarificado o seu pedido de pronúncia arbitral nesse sentido.

Assim sendo, face a essa clarificação, considera o Tribunal Arbitral que os seus poderes de cognição apenas ficam limitados, em função do pedido apresentado, à anulação parcial da liquidação de IRC, mantendo-se no entanto a possibilidade de anulação total das liquidações de IVA, caso o pedido venha a ser julgado procedente.

 

— DA NECESSIDADE DE SOLICITAR O REENVIO PREJUDICIAL AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA.

14. A Requerente, quer no seu pedido de pronúncia arbitral, quer nas suas alegações, levanta a questão da eventual suspensão da instância para suscitar um pedido de reenvio prejudicial ao TJUE ao abrigo do previsto no artigo 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia.

Ora, só os tribunais que julgam em última instância estão obrigados a submeter ao TJUE as questões de interpretação de direito da União Europeia que forem suscitadas no processo, ficando, no entanto, dispensados de efectuar o reenvio quando haja jurisprudência europeia sobre o assunto, a questão for impertinente ou seja clara a interpretação do direito comunitário.

Ora, além de não estarmos perante um tribunal nacional cuja decisão seja em absoluto insusceptível de recurso, não se julga que a questão colocada seja relevante para a decisão desta causa, uma vez que, conforme bem salienta a Requerida, não está em causa a natureza da EMSA como organização internacional para efeitos de aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 151.º da Diretiva 2006/112/CE e, consequentemente, da alínea m) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA português. O que está em causa é antes saber se se verificou omissão de facturação de IVA por parte da Requerente em relação à D..., Lda.

Não se justifica, por isso, neste caso a submissão da questão formulada ao Tribunal de Justiça da União Europeia, razão por que se indefere este pedido.

 

— DA ILEGALIDADE DAS LIQUIDAÇÕES IMPUGNADAS.

14. A Requerente impugna as liquidações de IRC, IVA e juros compensatórios por discordar do relatório de inspecção tributária que considera que deveria ter existido facturação dos serviços prestados por parte da mesma à empresa D..., Lda.

Vejamos:

Conforme é referido no Relatório da Inspecção Tributária, a referida inspecção resultou do facto de se ter verificado que em 2018  a Requerente "dedicou-se à prestação de serviços de de operação de veículos aéreos não tripulados e à execução de projetos de investigação e desenvolvimento ao abrigo dos quadros PT2020 e H2020", tendo declarado "prejuízo contabilístico e fiscal, resultante da diferença muito significativa entre o valor dos gastos e o valor dos rendimentos do período em análise pelo que, verifica-se a necessidade de efetuar a correspondência entre os gastos contabilizados pelo sujeito passivo e os vários projetos de investigação e desenvolvimento / prestação de serviços de operação de veículos aéreos não tripulados" (pág. 7 do Processo Administrativo).

O Relatório refere ainda, a págs. 16 do Processo Administrativo o seguinte:

"De acordo com a informação prestada pela empresa:

Em 2018 a sociedade dedicou-se maioritariamente à prestação de serviços aéreos não tripulados para a empresa mãe " D..., SA (D...), contribuinte nº...,  na sequência da execução dos contratos que esta detinha com a entidade "European Maritime Safety Agency (EMSA), bem como à execução de projetos de investigação e desenvolvimento e conceção de novos produtos e tecnologias associadas a sistemas aéreos não tripulados, ao abrigo dos quadros PT2020 e H2020".

Para além disso, o Relatório de Inspecção refere ainda a págs. 48-49, que “pelo facto de inicialmente terem sido outorgados pela empresa mãe, foi a D... que faturou à EMSA todos os serviços prestados durante o período de 2018 relacionados com a execução dos contratos OP06 e OP12, no montante total de €2.761.658,99”, mas que "a B... apenas considerou como rendimento do período o montante de €417.653,90, correspondente à soma das 3 faturas emitiu à D... no ano de 2018". No entanto, "em outubro de 2018, o Grupo C... solicitou à EMSA a substituição da empresa D... pela empresa B... como outorgante dos contratos OP6 e OP12, alteração que só veio a produzir efeitos em 2018-12-21 (data da assinatura da EMSA). A partir da data em que entrou em vigor a alteração dos contratos OP06 e OP12 quem passou a faturar à EMSA foi a B..., exatamente da mesma forma que a D... tinha feito até então".

Por esse motivo, o Relatório de Inspecção considera na pág. 52 que "tendo por base toda a informação recolhida no decurso da ação de inspeção, será de concluir que, no período de 2018, a B... contabilizou gastos relativos a mão-de-obra, materiais e outros incorridos na execução dos serviços prestados à EMSA no âmbito dos contratos OP06 e PO12, mas não registou a totalidade dos rendimentos que lhe estão associados, sendo esse o facto que explica a incongruência detetada desde o início do procedimento inspetivo entre gastos e rendimentos".

Por esse motivo a Autoridade Tributária efectuou correcções ao lucro tributável da Requerente em 2018, através do acréscimo do montante de € 2.344.000,09 ao seu resultado fiscal, por entender que a B... contabilizou gastos relativos a mão-de-obra, materiais e outros, incorridos na execução dos serviços prestados à EMSA no âmbito dos contratos OP06 e OP12, sem ter registado a totalidade dos rendimentos que lhe estão associados.

Da mesma forma, a Autoridade Tributária considera ter havido falta de liquidação de IVA, no período de 2018, pelo que nos termos dos arts. 1º, 2º, 3º, 4º, 16º e 18º do CIVA efectuou uma correcção no montante total de € 539.120,12.

A Requerente, pelo contrário, considera que o montante de € 2.344.000,09 não deve ser acrescido ao seu lucro tributável, devendo, antes, serem desconsiderados os custos indevidamente contabilizados pela Requerente no interesse direto e imediato da D... . Para além disso, sustenta ter havido liquidação do IVA por parte da D... à EMSA pelo que os cofres do Estado não foram em nenhum momento lesados. A Requerente considera, por isso, que se verifica uma duplicação de colecta, definida no artigo 205.º do CPPT, na medida em que é exigido à Requerente o pagamento de um tributo (IVA), referente ao mesmo facto tributário (o contrato de prestação de serviços celebrado entre a D..., a EMSA e a E...) e ao mesmo período de tempo (o exercício de 2018).

A Requerida sustenta inexistir qualquer duplicação de colecta, uma vez que, no caso vertente, apenas haviam sido tributados os serviços prestados pela B... à EMSA, quando houve uma subcontratação dos serviços acordados entre aquelas entidades, tendo estes ficado a cargo da Requerente, sujeito passivo autónomo da D... . Verifica-se, por isso, uma omissão de proveitos na esfera da Requerente, em virtude da ausência de facturação de rendimentos ente duas entidades residentes: a D... e a B... .

Parece-nos claro que assiste razão à Requerida. Efectivamente, o facto de a Requerente ter efectuado uma prestação de serviços de vigilância marítima que tinha sido contratada a outra sociedade do grupo constitui uma situação de subcontratação, a qual permite deduzir os gastos incorridos nessa actividade, mas obriga igualmente à facturação dos serviços prestados.

A omissão dessa facturação contraria o  n.º 1 do art. 20.º do CIRC, conduzindo a um resultado fiscal incorrecto em IRC no exercício de 2018 ao não incluir a totalidade dos rendimentos resultantes dos serviços prestados. Justifica-se, por isso, que o resultado em IRC de 2018 seja objecto de correcção por parte da Autoridade Tributária, como o foi, nada havendo por isso a apontar a essa correcção.

Da mesma forma, a subcontratação efectuada à Requerente, e que justificou a realização por esta da prestação de serviços de vigilância marítima, constitui naturalmente uma operação tributável em IVA, para efeitos do art. 4º do CIVA, que por isso obriga à facturação em IVA. Num enquadramento comparável, o art. 4º, nº4, CIVA refere expressamente que "quando a prestação de serviços for efectuada por intervenção de um mandatário agindo em nome próprio, este é, sucessivamente, adquirente e prestador do serviço". Não há por isso qualquer possibilidade de omitir a facturação em IVA no âmbito de uma subcontratação, nem se verifica qualquer duplicação de colecta, uma vez que não está em causa a relação entre a D... e a EMSA, mas sim a relação entre a B... e a  D... .

Por esse motivo, também não é relevante discutir a possibilidade de qualificação da EMSA como organização internacional para efeitos da alínea m) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA. Efectivamente, estando em causa a relação entre a B... e a D..., nunca se poderia aplicar essa isenção, sendo certo que, como referiu a AT, a mesma não foi invocada pela D... que aplicou IVA nas facturas.

Improcede assim o pedido de pronúncia arbitral, considerando-se justificadas as correcções, não enfermando consequentemente as liquidações impugnadas de qualquer vício.

Improcede também o pedido de indemnização por garantia indevida, sendo certo que não resulta dos autos ter sido prestada qualquer garantia.

 

VI – Decisão

 

Nestes termos, julga-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral, considerando-se legais as liquidações de IRC, IVA e juros compensatórios objecto de impugnação.

 

Fixa-se ao processo o valor de €612.912,77 (valor indicado e não contestado) e o valor da correspondente taxa de arbitragem em €9.180,00 nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, condenando-se a Requerente nas custas do processo.

 

Lisboa, 03 de Abril de 2023

 

Os Árbitros

 

 

(Fernanda Maçãs)

 

 

 

(Luís Miranda da Rocha)

 

 

 

(Luís Menezes Leitão- relator)