Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 493/2022-T
Data da decisão: 2023-01-31  Selo  
Valor do pedido: € 257.633,33
Tema: Imposto do selo. Isenção. Comissões de comercialização de unidades de participação de fundos de investimento.
Versão em PDF

 

 

SUMÁRIO: 

A sujeição a imposto do selo, nos termos da verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo, de encargos com comissões bancárias cobradas pelas instituições de crédito na comercialização de unidades de participação de fundos de investimento é ilegal por incompatibilidade com o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE. 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A..., S.A., com o número único de matrícula e identificação fiscal ..., com sede na ..., n.º..., ..., ...-..., Lisboa, sociedade gestora e representante legal dos fundos de investimento mobiliário identificados nos autos, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de liquidação de imposto de selo incidentes sobre comissões de  comercialização de subscrição de unidades de participação em fundos de investimento mobiliário abertos, relativos ao período de maio a dezembro de 2020, no valor total de  € 257.633,33, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra elas deduzida, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago e a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

A A... é uma sociedade gestora de fundos de investimento cujo património é composto de ações, títulos de dívida e similares, sendo as unidades de participação subscritas nos balcões das redes de diversas instituições financeiras.

            

            Em 2020 foram reunidos capitais para esses fundos por via subscrição de novas unidades de participações através de diversas instituições financeiras, que auferiram comissões de comercialização relativamente a essas operações e sobre as quais liquidaram imposto do selo, com base na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), que foi repercutido nos fundos de investimento.

 

A sujeição a imposto do selo dos encargos (comissões) suportados relativamente a essas operações é ilegal por violação do artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais.

 

Com efeito, a Diretiva 2008/7/CE, nos termos da referida disposição, proíbe expressamente os Estados-Membros de sujeitar a tributação indireta “[o]s empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.” Sendo que a não sujeição a imposto do selo incorpora não apenas as operações de emissão de valores mobiliários, como os encargos decorrentes dessas operações, maxime as comissões cobradas pelos bancos, por revestirem a natureza de “formalidades conexas” com estes mesmos contratos.

 

Conclui no sentido de que as autoliquidações de imposto de selo sobre comissões de  comercialização de subscrição de unidades de participação realizadas no período de maio e dezembro de 2020 padecem de vício material de violação de lei.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, refere que não está em causa, na situação do caso, a autoliquidação do imposto do selo sobre entradas de capital ou operações de reestruturação ou a emissão de títulos e obrigações, mas a tributação das comissões cobradas pela intermediação das instituições bancárias na aquisição de unidades de participação, que se encontram sujeitas a imposto do selo nos termos do artigo 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo e da verba 17.3.4 da TGIS e não é desconforme com a Diretiva da União europeia. 

 

Embora constitua entendimento corrente que a emissão de obrigações, incluindo a emissão de papel comercial, não está sujeita a imposto de selo, em conformidade com o disposto com o artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE, o certo é que a Requerente pretende que esta disposição incorpora também a proibição de sujeição a imposto do selo das comissões cobradas pelos bancos a título de prestação de um serviço financeiro que engloba a divulgação, distribuição, transmissão e venda de unidades de participação junto dos investidores. 

 

De facto, o que é tributado é a remuneração de um serviço de intermediação financeira contratado pela Requerente em vista a transmissão das unidades de participação, a qual preenche os pressupostos de incidência objetiva e subjetiva previstos na verba 17.3.4 da TGIS, e é jurídica e materialmente distinta da constituição, entrada em circulação e transmissão da propriedade de valores mobiliários, bem como do cumprimento das formalidades relacionadas. 

 

Ou seja, o imposto do selo previsto na verba 17.3.4. da TGIS incide apenas sobre as comissões cobradas pela prestação de serviços financeiros, que não tem a ver com a tributação específica relativa à reunião de capitais.

 

Conclui pela improcedência do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo, por despacho arbitral de 15 de dezembro de 2022, ao abrigo aplicação dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT bem como a apresentação de alegações.

 

Ainda por despacho de 31 de dezembro de 2022, as partes foram notificadas para se pronunciarem sobre a aplicação ao caso do acórdão do TJUE de 22 de dezembro de 2022, proferido no âmbito do Processo n.º C-656/21, entretanto junto aos autos. Por requerimento de 10 de janeiro, a Requerente considerou que o referido acórdão se reporta a situação análoga à analisada no presente processo e tem direta aplicação ao caso.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 28 de outubro de 2022.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro. 

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

III - Fundamentação 

 

Matéria de facto

 

5. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

A)   A A... é uma sociedade gestora de fundos de investimento, que gere os seguintes fundos de investimento mobiliário abertos: B..., C..., D..., E..., F..., G..., H..., I..., J..., K..., L..., M..., N..., O..., P..., Q..., R..., S..., T..., U..., V..., W..., X..., Y..., Z..., AA...,  BB..., CC...,  DD... .

B)   O património dos fundos é composto de ações, títulos de dívida e similares cujas unidades de participação são subscritas nos balcões das redes de diversas instituições financeiras, entre as quais o Banco EE..., S.A. (EE...), o Banco FF..., S.A. (FF...), a GG..., CRL (GG...) e o Banco HH..., S.A. (Banco HH...).

C)   Essas instituições financeiras cobraram comissões de comercialização de subscrições de unidades de participação, no período de maio a dezembro de 2020, que foram sujeitas a imposto do selo, em aplicação da verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, de acordo com os quadros que seguem:

 

Liquidação de Imposto do Selo pelo Banco EE... S.A.

 

Período

N.º Guia

Imposto do Selo (€)

Mai/20

...

26.957,11

Jun/20

...

26.970,65

Jul/20

...

28.463,98

Ago/20

...

28.996,03

Set/20

...

28.409,02

Out/20

...

29.940,58

Nov/20

...

29.853,01

Dez/20

...

31.888,46

Total

231.478,84

 

 

LIQUIDAÇÃO DE IMPOSTO DO SELO PELO BANCO FF..., S.A.

 

 

Período

N.º Guia

Imposto do Selo (€)

Mai/20

...

137,97

Jun/20

...

140,94

Jul/20

...

147,68

Ago/20

...

149,68

Set/20

...

144,94

Out/20

...

150,46

Nov/20

...

150,69

Dez/20

...

165,95

Total

1.188,31

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Liquidação de Imposto do Selo pelo GG..., CRL 

 

 

Liquidação de Imposto do Selo pelo Banco HH..., S.A. 

 

Período

N.º Guia

Imposto do Selo (€)

Jun/20

...

729,36

Set/20

...

725,33

Dez/20

...

269,10

Dez/20

...

476,88

Total

2.200,17

 

 

D)   As instituições de crédito fizeram repercutir o imposto de selo liquidado, no montante total de € 257.633,33, na esfera jurídica dos fundos de investimento, na qualidade de clientes da operação financeira de comercialização de subscrições de unidades de participação. que suportaram integralmente o imposto.

E)   Em 17 de dezembro de 2021, a Requerente apresentou reclamação graciosa relativamente aos atos tributários de liquidação de imposto do selo.

F)    Por ofício de 11 de abril de 2022, a Requerente foi notificada para o exercício do direito de audiência prévia relativamente ao projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

G)   A reclamação graciosa foi indeferida por despacho do chefe de divisão do serviço central de 19 de maio de 2022, praticado ao abrigo de subdelegação de competências, com base na informação dos serviços n.º ...-ISCPS1/2022, que consta do processo administrativo (fls. 567-579) e aqui se dá como reproduzida;

H)   No essencial, a informação dos serviços a que se refere a alínea antecedente, considera que não existe paralelismo entre uma comissão de comercialização, que representa a remuneração pelo exercício de uma atividade de intermediação financeira, e operações de entradas de capital numa sociedade de capitais, de reestruturação ou emissão de determinados títulos e obrigações, e só estas últimas operações é que são vedadas pelo artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE.

I)     O despacho de indeferimento foi notificado à Requerente por ofício datado de 6 de junho de 2022, enviado pelo correio registado;

J)     O pedido arbitral deu entrada em 19 de agosto de 2022.

 

Factos não provados 

 

Não há factos não provados que tenham relevo para a apreciação da causa.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.

 

Matéria de direito

 

6. A Requerente defende que não há lugar a imposto do selo pelos encargos suportados relativamente operações financeiras de comercialização de subscrição de unidades de participação realizadas por instituições de crédito, por violação do artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre a reunião de capitais.

 

Em contraposição, a Autoridade Tributária defende que não está em causa a liquidação do imposto do selo sobre entradas de capital ou operações de reestruturação ou a emissão de títulos e obrigações, mas a tributação das comissões cobradas pela intermediação das instituições bancárias na aquisição de unidades de participação, que se encontram sujeitas a imposto do selo nos termos do artigo 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo e da verba 17.3.4 da TGIS e às quais não é aplicável o disposto no artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE, visto que esses encargos não se enquadram no conceito de “formalidades conexas”.

 

A questão foi já decidida em sentido negativo pela jurisprudência arbitral, designadamente nos acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 856/2019-T,37/2020-T e 502/2020-T, em que se considera, no essencial, que a proibição de incidência de imposto resultante do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE opera relativamente a empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações, independentemente de quem os emitiu, mas que é distinta a situação quando o que está em causa é, não a própria emissão de empréstimos obrigacionistas e de papel comercial pelas sociedades comerciais, mas os encargos com comissões bancárias cobradas pelas instituições de crédito a título de prestação de serviços de intermediação nessas operações financeiras.

 

Segundo essa jurisprudência, esses encargos não podem ser tidos como correspondendo a formalidades conexas com a emissão de obrigações ou de papel comercial, visto que não constituem procedimentos intrinsecamente associados às operações financeiras que são objeto de isenção de imposto, mas antes a contraprestação pelos serviços bancários realizados no âmbito dessas operações e de que as Requerentes poderiam ter prescindido se tivessem procedido à emissão direta dos títulos.

 

No entanto, o acórdão do TJUE de 22 de dezembro de 2022, tirado no Processo n.º C-656/21, em reenvio prejudicial suscitado no processo arbitral n.º 88/2021-T, em que a mesma questão se colocava, efetua uma diferente interpretação do comando contido na Diretiva da União Europeia.

 

Como resulta do respetivo preâmbulo, e especialmente dos considerandos (2), (3), (4), (5) e (6), a Diretiva 2008/7/CE, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre reunião de capitais e substituiu, a partir de 1 de janeiro de 2009, a Diretiva 69/335, visa promover a livre circulação de capitais, considerada essencial para a criação de uma união económica com características análogas às de um mercado interno e a prossecução dessa finalidade pressupõe, no que respeita à tributação que incide sobre as reunião de capitais, a supressão dos impostos indiretos até então em vigor nos Estados-Membros e a aplicação, em sua substituição, de um imposto cobrado uma única vez no mercado interno e de nível idêntico em todos os Estados-Membros (cfr. acórdão TJUE Isbelle Gielen vs Ministerraad, Processo n.º C-299/13, n.º 20). 

 

Neste sentido, o artigo 5.º da Diretiva, no seu n.º 1, proíbe qualquer forma de imposto indireto, nomeadamente sobre as entradas de capital, e as alíneas a) e b) do n.º 2 dispõem nos seguintes termos.

 

2. Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto:

a) A criação, a emissão, a admissão à cotação em bolsa, a colocação em circulação ou a negociação de ações, de participações sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu;

b) Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.

 

A Diretiva enuncia a proibição de incidência de imposto relativamente à criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu.

 

Todavia, o citado acórdão do TJUE de 22 de dezembro de 2022, veio esclarecer que tendo em conta o objetivo prosseguido pela diretiva 2008/7/CE, o seu artigo 5.º deve ser objeto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições que prevê sejam privadas de efeito útil. Assim, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais aplica‑se igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (considerando 28).

 

Assim, o Tribunal de Justiça declarou que, uma vez que uma emissão de títulos só tem sentido a partir do momento em que esses mesmos títulos são adquiridos, uma taxa sobre a primeira aquisição de títulos de uma nova emissão tributária, na realidade, a própria emissão dos títulos, na medida em que ela faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais. O objetivo de preservar o efeito útil do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 implica assim que a «emissão», na aceção desta disposição, inclua a primeira aquisição dos títulos efetuada no quadro da sua emissão (considerando 29).

 

E acrescentou o seguinte.

 

31. Ora, uma vez que serviços de comercialização de participações em fundos comuns de investimento, como os que estão em causa no processo principal, apresentam uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação de partes sociais, na aceção do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, devem ser considerados parte integrante de uma operação global à luz da reunião de capitais.


32. Com efeito, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, esses fundos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2009/65, por força do seu artigo 1.º, n.ºs 1 a 3. A este respeito, o pagamento do preço correspondente às participações adquiridas, único objetivo de uma operação de comercialização, está ligado à substância da reunião de capitais e é, como resulta do artigo 87.º da Diretiva 2009/65, uma condição que deve ser preenchida para que as participações de fundos em causa sejam emitidas.

 

33. Daqui resulta que o facto de dar a conhecer junto do público a existência de instrumentos de investimento de modo a promover a subscrição de participações de fundos comuns de investimento constitui uma diligência comercial necessária e que, a esse título, deve ser considerada uma operação acessória, integrada na operação de emissão e de colocação em circulação de participações nos referidos fundos.


34. Além disso, uma vez que a aplicação do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 depende da ligação estreita dos serviços de comercialização com essas operações de emissão e de colocação em circulação, é indiferente, para efeitos dessa aplicação, que se tenha optado por confiar essas operações de comercialização a terceiros em vez de as efetuar diretamente.


35. A este respeito, há que recordar que, por um lado, esta disposição não faz depender a obrigação de os Estados‑Membros isentarem as operações de reunião de capitais de nenhuma condição relativa à qualidade da entidade encarregada de realizar essas operações. Por outro lado, a existência ou não de uma obrigação legal de contratar os serviços de um terceiro não é uma condição pertinente quando se trata de determinar se uma operação deve ser considerada parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Air Berlin, C‑573/16EU:C:2017:772, n.º 37).

 

36. Daqui resulta que serviços de comercialização como os que estão em causa no processo principal fazem parte integrante de uma operação de reunião de capitais, pelo que o facto de os onerar com um imposto do selo está abrangido pela proibição prevista no artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7.

 

Tendo em conta todas as precedentes considerações, o TJUE conclui que o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos.

 

Atento o entendimento expresso pelo Tribunal de Justiça, há que efetuar uma  interpretação extensiva da referida norma de direito europeu de modo a abranger não apenas a operação financeira em si mesma considerada, mas os encargos com uma atividade bancária que apenas indiretamente se relacionam a emissão de títulos negociáveis.

 

Por outro lado, em decorrência do primado do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional, consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição, e da obrigatoriedade do reenvio prejudicial, como previsto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os tribunais nacionais, quando tem por objeto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 25 de outubro de 2000, Processo n.º 25128, de 7 de novembro de 2001, Processos n.ºs 26432 e 26404). 

 

Em aplicação da jurisprudência do TJUE, haverá de concluir-se que a verba 17.3.4. da TGIS, que prevê a sujeição a imposto do selo de comissões e contraprestações por serviços financeiro é ilegal, quando aplicável à comercialização de valores mobiliários, por incompatibilidade com o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE. E, desse modo, as liquidações de imposto do selo impugnadas, tendo tido por base aquela disposição da TGIS,  enferma de vício de violação de lei, por erros nos pressupostos de direito.

 

No mesmo sentido se pronunciou o acórdão proferido no Processo n.º 88/2021-T no qual foi suscitado o reenvio prejudicial que originou acórdão do TJUE de 22 de dezembro de 2022 aqui em análise.

 

Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

7. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito. 

 

Tratando-se, no entanto, de atos de autoliquidação de imposto que se repercutiram nos fundos de investimento, o erro imputável aos serviços, que justifica a obrigação de juros indemnizatórios, apenas opera, quando haja lugar a reclamação graciosa, com o indeferimento pela Autoridade Tributária da impugnação administrativa (cfr., neste sentido, os acórdãos do STA de 18 de janeiro de 2017, Processo n.º 0890/16, e de 29 de junho de 2022, Processo n.º 093/21). 

 

E, assim, o termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios apenas se constitui, na situação do caso, em 19 de maio de 2022, havendo lugar ao pagamento de juros indemnizatórios desde essa data até à do processamento da respetiva nota de crédito.

 

III - Decisão

 

Termos em que se decide:

a)          Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade e a anulação dos atos tributários de autoliquidação do imposto do selo impugnados, no montante total de € 257.633,33, relativos ao período de maio a dezembro de 2020, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzido;

b)          Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento dos juros indemnizatórios, à taxa legal, desde 19 de maio de 2022 até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de € 257.633,33.

 

Custas 

 

Nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do citado RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.896,00, nos termos da Tabela I, anexa àquele regulamento, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

 

Lisboa, 31 de janeiro de 2023,

 

 

O Presidente do Tribunal Arbitral,

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

A Árbitro vogal

 

 

 

Carla Almeida da Cruz

 

 Árbitro vogal

 

 

Ana Pinto Moraes