Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 526/2023-T
Data da decisão: 2023-12-20  IMI  
Valor do pedido: € 24.638,04
Tema: IMI – Isenção – Concordada entre a República Portuguesa e a Santa Sé de 2004 – IPSS – artigo 44.º do EBF.
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SUMÁRIO:

 

I – As Corporações Missionários beneficiam de isenção de IMI da aplicação da isenção de IMI, nas seguintes situações:

- Na qualidade de entidade religiosa ereta segundo o direito canónico (enquanto entidade que prossegue fins religiosos), ao abrigo do n.º 2 do artigo 26.º da Concordata e nos termos da Circular n.º 10/2005, de 21/11; e

- Na qualidade de IPSS (enquanto entidade que prossegue fins de assistência e solidariedade), ao abrigo alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF. Neste último caso, uma vez verificado o exercício de uma atividade lucrativa, paralelo ao exercício da atividade assistencial, por parte de uma corporação missionária, e não tendo sido feita prova de que essa sua atividade é exercida no âmbito de uma atividade mais abrangente de assistência e de solidariedade aos mais desfavorecido, a parte do prédio de que a mesma é titular que não estejam diretamente destinadas à realização dos fins de assistência e solidariedade não beneficia da isenção constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF.

 

DECISÃO ARBITRAL

A Árbitro Dra. Ana Luísa Ferreira Cabral Basto (árbitro singular), designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 26 de setembro de 2023, acorda no seguinte:

 

  1. Relatório

 

A A..., corporação missionária canonicamente ereta em ..., com o n.º de pessoa coletiva religiosa ..., com sede na Rua ..., ...-... ..., veio deduzir Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA), ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou RJAT) e nos artigos 99.º e 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que a Requerida é a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

Constitui pretensão da Requerente a apreciação do ato de “liquidação de IMI referente ao ano de 2022, no montante global final de 24 638,04€ pela AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), através das notas de cobrança n.º 2022 ... e 2022 ...”, tendo solicitado a anulação do ato tributário em causa e a restituição total ou parcial do imposto pago.

 

O Requerente termina o PPA solicitando ao Tribunal Arbitral:

“Julgar-se procedente o pedido de anulação parcial do ato de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis referente ao ano de 2022 supra identificado na nota de cobrança nº 2022 ... e 2022..., por erro nos pressupostos de facto, por erro sobre o direito aplicável, e por violação de lei imperativa, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, da justiça material e da equidade na distribuição dos encargos tributários, em virtude de o sentido que lhe está a ser dado se traduzir num resultado interpretativo que viola os artigos 5º n.º 2 da Lei Geral Tributária e os 13.º, 103.º e 104.º da CRP; 

 

Consequentemente, condenar-se a requerida a devolver à requerente a totalidade do imposto pago correspondente ao IMI apurado relativo ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de ..., acrescida de juros de mora à taxa legal.

 

Ou, em alternativa,

 

Ser a requerida condenada a devolver à requerente a parte do imposto pago relativa à diferença entre a coleta apurada no acto de liquidação impugnado e a que vier a ser apurada com base em novo acto de liquidação a praticar tendo em conta o reconhecimento do direito da requerente à isenção de IMI relativa à parte do edificado designada por “colégio”, acrescida de juros de mora à taxa legal”.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 18 de julho de 2023, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 19 de julho de 2023 e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação da AT, em 24 de julho de 2023.

 

A Requerente não procedeu à nomeação de Árbitro.

 

Assim, nos termos e para os efeitos do disposto do n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, por decisão do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente previstos, foi designado Árbitro do Tribunal Arbitral Singular a Exma. Dra. Ana Luísa Ferreira Cabral Basto, que comunicou, ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4.º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 26 de setembro de 2023, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.

 

Em síntese, os fundamentos apresentados pela Requerente para efeitos do PPA foram os seguintes:

 

  1. A Requerente é uma pessoa jurídica religiosa, moral e canonicamente ereta, devidamente registada em Portugal, reconhecida desde 22 de janeiro 1944.
  2. É proprietária do prédio urbano em regime de propriedade total, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º..., freguesia de ... (extinta), inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... (anterior ...) da freguesia ... .
  3. Dos elementos atualmente constantes da avaliação matricial em vigor resulta que o prédio inscrito sob o número ... da freguesia do ..., entretanto extinta, é composto por um conjunto de 4 edifícios e logradouro:

- Colégio (U-...-COLEG), avaliado em 2.314.190,00€, não isento

- Igreja (U-...-IGREJ), avaliada em 1.219.740,00€, isenta nos termos da concordata

- Residência (U-...-RESIU), avaliada em 2.993.950,00€, não isenta

- Centro (U-...-CENTR), avaliado em 1.338.450,00€, isento (IPSS ou Equiparados)

  1. A avaliação acima referia foi efetuada pela AT, na sequência de notificação do Serviço de Finanças-Lisboa ..., o qual dispôs dos elementos entregues pela Requerente – no caso, um relatório do Gabinete Técnico de ... emitido para efeitos de avaliação do valor de mercado do prédio em apreço.
  2. A classificação em causa não terá tido em consideração as reais utilizações das partes do prédio, em conformidade com o relatório do Gabinete Técnico de ..., a saber:

Bloco 1 – IPSS Centro B...;

Bloco II – Residência Universitária, com atividades de apoio ao estudo e serviços de lavandaria, instalações informáticas e de confeção de refeições que servem a comunidade de estudantes residentes e os funcionários e membros da congregação;

Bloco III – Igreja; e

Bloco IV – Colégio/Seminário e serviços administrativos e sede da congregação.

  1. De acordo com a Requerente, o edificado correspondente ao Colégio (U-...-COLEG), classificado pela AT como não isento de IMI, corresponde ao seminário – que inclui alojamento para os seminaristas e para os membros da congregação, serviços de apoio ao funcionamento da sede e dos serviços administrativos centrais da congregação – e o edificado respeitante à Residência (U...-RESIU), também classificado pela AT como não isento de IMI, corresponde à residência universitária.

 

  1. Refere a Requerente que o edificado correspondente ao Colégio “constava da respetiva caderneta predial do prédio agora inscrito sob o artigo ... que teve origem no artigo..., "IPSS e P. COLECT. EQUIP. Início 2015 valor isento: €2.808.709,70”.
  2. Sem prejuízo das variações quanto à classificação em apreço, a Requerente nunca foi notificada de qualquer ato de fixação da base tributável suscetível de fundamentar a liquidação do imposto sobre este edificado.
  3. Por outro lado, de acordo com a Requerente, “O conjunto edificado inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo..., beneficiava até 2017, do reconhecimento oficioso da isenção total de IMI ao abrigo do artigo 26º da concordata”.
  4. Neste sentido conclui que “A requerente nunca foi notificada de qualquer acto administrativo, definitivo e executório e por isso impugnável, que determinasse a perda da supra aludida isenção ou de parte dela, nem sobretudo, a utilização do edificado se alterou desde a data da sua inscrição matricial inicial”.
  5. A Requerente alega, ainda, que “As actividades prosseguidas (…) enquadram-se, claramente, nas alíneas a), c) e f) do n.º 1 do art.º 1º do Dec. Lei 119/83, de 25/2, alterado pelo Dec Lei n.º 172-A/2014 de 14/11, pelo que, apesar de não ter, formalmente, o estatuto de IPSS, prossegue materialmente os fins destas entidades, encontrando-se o prédio cuja tributação constitui o objecto do presente litígio afectos directamente à realização dos seus fins religiosos e de assistência e solidariedade, devendo por isso beneficiar da requerida isenção de IMI nos termos do art.º 44º do EBF”.
  6. Com efeito, a Requerente salienta que “Este mesmo entendimento foi sancionado por sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, através do despacho n.º 283/2005, de 9/3, exarado na sequência do relatório elaborado pelo grupo de trabalho constituído por despacho do Sr. Ministro das Finanças e da Administração Publica, com vista à análise “das implicações tributárias decorrentes da aplicação da nova Concordata e do restante quadro jurídico tributário aplicável à Conferência Episcopal Portuguesa, às Dioceses e demais jurisdições eclesiásticas, bem como às demais pessoas jurídicas canonicamente erectas”, no seu ponto 3.9, segundo o qual “podem as pessoas jurídicas canónicas que preencham a hipótese normativa 12º e 26º n.º 5 da Concordata de 2004, independentemente de não possuírem outro estatuto jurídico, requerer (se elas não forem automáticas) as isenções que o direito interno estatui para (…) as pessoas colectivas de pera utilidade publica (…) e para as IPSS e entidades anexas” (negrito da Requerente). Acrescenta, ainda, que esta conclusão tem suporte na Circular 10/2005 de 2/11.
  7. Com base na jurisprudência do STA (e.g., 0734/13.0BEPNF 0922/16, datado de 03-10-2018) sobre o âmbito de aplicação da e) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF (aplicável as PCUP), a Requerente conclui que:
  1. Quanto aos imóveis que sirvam para instalação da sua sede, delegações e serviços indispensáveis aos fins estatutários, a isenção prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF (aplicável às IPSS) é de reconhecimento oficioso. Esta conclusão resulta da aplicação, “por paridade de razão”, da interpretação da alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF (a qual se aplica às PCUP) ao primeiro segmento da norma contida na alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF (a qual se às IPSS).
  2. Quanto aos imóveis que estejam arrendados ou cedidos e sirvam para obtenção de rendimentos para financiar os fins estatutários (imóveis de rendimento) aplica-se a isenção prevista na alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14.09. Esta isenção é obtida através do procedimento geral de reconhecimento dos benefícios fiscais (n.º 3 do artigo 5.º do EBF e artigo 65.º do CPPT).
  • Assim, a Requerente defende que, no caso do prédio dos autos, a isenção de IMI deve ser apreciada ao abrigo da alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14.09, “uma vez que estamos perante a parte de um bem imóvel que constitui, ele mesmo, a aplicação financeira (um bem de investimento ou de rendimento) que gera proveitos ou meios financeiros, sem os quais, a entidade não consegue realizar os seus fins estatutários”.
  • Com efeito, a Requerente salienta que não são os fins imediatos decorrentes da utilização do imóvel que determinam a isenção, mas antes a sua afetação aos fins da instituição, conforme reconhecido pela decisão arbitral proferida no processo 384/2020-T.
  • De notar que a Requerente solicitou à AT a isenção de IMI – referente à parte do prédio inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... (anterior ...) afeta à residência universitária –, não tendo sido até à presente data notificada de qualquer decisão por parte da requerida. No entanto, a este propósito, a Requerente apresentou um requerimento ao presente Tribunal Arbitral Singular, em 14 de novembro de 2023, dando nota de que foi, entretanto, notificada para se pronunciar em sede de audição prévia sobre o projeto de decisão de indeferimento exarada no pedido reconhecimento de isenção de IMI, ao qual respondeu tempestivamente.
  • Face ao exposto, a Requerente concluiu que “tem direito à isenção de IMI relativamente à totalidade do edificado pertencente ao prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º ... da freguesia de ..., ou, caso assim não se entenda e sem conceder, tem pelo menos o direito a ver reconhecido o direito à isenção de IMI relativamente à parte do edificado pertencente ao referido prédio, designada por “colégio”, ao abrigo do art.º 26º da concordata, por se tratarem de instalações de apoio à actividade religiosa e ao alojamento e formação de missionários, ou no limite, ao abrigo do citado art.º 44º do EBF, uma vez que estas estão afetas diretamente à prossecução dos seus fins estatutários, isenção  que foi requerida”.

 

O Tribunal Arbitral, em 29 de setembro de 2023, determinou a notificação da Requerida para exercício do contraditório e juntar cópia integral do processo administrativo.

 

Em 31 de outubro de 2023, a AT apresentou resposta, nos seguintes termos:

 

  1. Do ponto de vista factual, a AT refere que, “Na sequência da apresentação da Declaração Modelo 1 de IMI n.º ..., em 18.10.2022 para inscrição de prédio melhorado/modificado, com quatro frações - CENTR, COLEG, IGREJ e RESIU – foi inscrito na matriz o prédio com o artigo U-..., da freguesia de  ...- prédio em Prop. Total com Andares ou Div. Susc. de Utiliz. Independente e desativado o prédio do tipo “outros”, com o artigo U-..., nessa mesma data”.
  2. A AT denota que, para que seja reconhecida a isenção de IMI, nos termos do n.º 4 artigo 44.º do EBF, é necessário que: (i) entidades equiparadas a IPSS, nomeadamente pessoas jurídicas canónicas, prossigam fins de assistência e solidariedade e (ii) os imóveis têm de estar diretamente destinados aos fins de assistência e de solidariedade.
  3. No caso em apreço, a AT entende que a atividade principal do colégio é o alojamento de alunos universitários (não sendo lecionado qualquer tipo de disciplina nessas instalações), disponibilizando vários serviços mediante o pagamento de uma mensalidade.
  4. Neste sentido conclui que “a atividade de alojamento a estudantes universitários mediante o pagamento de um preço, uma mensalidade, não corresponde a uma atividade de assistência social ou de solidariedade”. Acrescentando que os fins da assistência e solidariedade só não seriam desvirtuados “se a requerente, no âmbito dos serviços que presta (alojamento, alimentação, tratamento de roupas, espaços para estudar e praticar desporto), tivesse escalões definidos em contratos de associação ou de parceria com a Segurança Social ou a Ação Social Escolar que fixassem os custos imputáveis aos estudantes em função do seu agregado familiar e respetivos rendimentos”.
  5. A AT conclui que, dado o enquadramento da Requerente, em sede de IRC e de IVA – o qual compreende uma atividade mista desenvolvida no âmbito do setor social (sem finalidade lucrativa) e no setor comercial, industrial e de prestação de serviços (com finalidade lucrativa) –, bem como o grande fluxo de bens e serviços “com muita expressão”, os fins prosseguidos pela Requerente neste âmbito não se equiparam aos fins prosseguidos pelas instituições particulares de solidariedade social e pessoas coletivas de utilidade pública.
  6. Assim, a AT remata da seguinte forma: “não tendo sido feita qualquer prova que sustente esse alegado direito, como seja a existência de contrato de associação ou de parceria com a Segurança Social ou a Ação Social Escolar ao abrigo do qual é exercida a atividade de prestação de serviços e constatado que foi o exercício de uma atividade de natureza lucrativa (ainda que, eventualmente, exercida em paralelo com uma atividade de cariz social e assistencial), (…) (f)orçoso é concluir que as partes do prédio destinadas a “colégio” e a “residência universitária” não estão diretamente destinadas à realização dos fins de assistência e solidariedade proclamados pela requerente”.
  7. Consequentemente, “(p)or não tenha sido provado que esses prédios estão a ser destinados diretamente à prossecução dos fins da instituição conexos com a qualidade de IPSS, não há suporte ao reconhecimento da isenção prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF, desde logo, porque este benefício fiscal não é apenas de natureza subjetiva”.
  8. Quanto à alegada falta de fundamentação da decisão de procedimento, a AT considera que “O princípio da legalidade tem uma formulação positiva, nos termos da qual o bloco de legalidade aplicável não é apenas um limite à atuação da Administração, mas também o fundamento da ação administrativa, o que implica que a Administração só pode fazer aquilo que a legalmente lhe for permitido e não tudo o que não é proibido”.
  9. Deste modo, “os atos impugnados não padecem de qualquer ilegalidade pelo que se impugna por infundado todo o alegado no douto pedido de pronúncia arbitral que contrarie o supra exposto, devendo ser considerada como improcedente a pretensão da Requerente e a Requerida absolvida de todos os pedidos”.

 

O Tribunal Arbitral Singular, por despacho de 20 de novembro de 2023, dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

 

  1. SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

 

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO

 

  1. DE FACTO

 

  1. Factos considerados provados

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:

 

  1. A Requerente é uma pessoa jurídica religiosa, moral e canonicamente ereta, devidamente registada em Portugal, reconhecida desde 22 de janeiro 1944.
  2. A Requerente é uma Congregação Missionária de direito pontifício que se dedica à missionação da fé católica e a ajuda aos mais carenciados, possuindo em Portugal os bens móveis e imóveis necessários à prossecução dos seus fins religiosos e caritativos.
  3. A Requerente desenvolve a sua missão evangelizadora no quadro mais amplo do serviço integral à pessoa humana, quer em Portugal, quer em Angola e em São Tomé e Príncipe.
  4. É proprietária do prédio urbano em regime de propriedade total, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ..., freguesia de ... (extinta), inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... (anterior ...) da freguesia de ... .
  5. O edificado correspondente ao Colégio (U-...-COLEG), classificado pela AT como não isento de IMI, corresponde ao seminário – que inclui alojamento para os seminaristas e para os membros da congregação, serviços de apoio ao funcionamento da sede e dos serviços administrativos centrais da congregação – e o edificado respeitante à Residência (U-...-RESIU), também classificado pela AT como não isento de IMI, corresponde à residência universitária.
  6. Quanto ao prédio urbano inscrito, atualmente, na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de..., que resultou do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e anteriormente sob o artigo ... da freguesia de..., desde 2015, (cfr. documento 7 anexo ao PPA) constava, uma isenção total de IMI com base em “acordos celebrados com o Estado”.
  7. As cadernetas prediais (cfr. documentos 6, 7 e 8 anexos ao PPA) revelam um enquadramento inconsistente ao logo dos anos, constatando-se que existir “reconhecimento da isenção parcial de IMI com fundamento na equiparação da requerente a IPSS e a isenção total ou parcial nos termos da concordata, sem que para tal tenha sido praticado ou notificado à requerente qualquer acto de fixação da base tributável suscetível de fundamentar a liquidação do imposto”.

 

  1. Factos considerados não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

  1. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi

alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a

decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT

e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em

função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis

da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao

atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). 

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta,

consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se,

por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram

relevantes, como fundamentação.

 

  1. DE DIREITO

 

Em primeiro lugar, importa, a título prévio, referir o seguinte:

 

A Lei n.º 36/2021, de 14 de junho, com entrada em vigor em 1 de julho de 2021, veio aprovar a lei-quadro do estatuto de utilidade pública e, bem assim, com relevância para o caso em apreço:

  1. Revogar o artigo 8.º do Estatuto das IPSS, aprovado pelo Decreto-lei n.º 119/83 de 25.02;
  2. Revogar a alínea d) do artigo 1.º da Lei 151/99 de 14.09; e
  3. Prever no seu artigo 11.º, alínea b), ponto ii) a isenção tributária de “(…) imposto municipal sobre imóveis, no que respeita a bens imóveis destinados direta e imediatamente à realização dos fins estatutários da pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública”).

 

Nestes termos, e para efeitos da aplicação das possíveis isenções de IMI ao caso em apreço, importa considerar o seguinte:

 

De acordo com o n.º 2 do artigo 26.º da Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé (Concordata). “A Santa Sé, a Conferência Episcopal Portuguesa, as dioceses e demais jurisdições eclesiásticas, bem como outras pessoas jurídicas canónicas constituídas pelas competentes autoridades eclesiásticas para a prossecução de fins religiosos, às quais tenha sido reconhecida personalidade civil nos termos dos artigos 9.º e 10.º, estão isentas de qualquer imposto ou contribuição geral, regional ou local, sobre:

a) Os lugares de culto ou outros prédios ou parte deles directamente destinados à realização de fins religiosos;

b) As instalações de apoio directo e exclusivo às actividades com fins religiosos;

c) Os seminários ou quaisquer estabelecimentos destinados à formação eclesiástica ou ao

ensino da religião católica;

d) As dependências ou anexos dos prédios descritos nas alíneas a) a c) a uso de instituições

particulares de solidariedade social;

e) Os jardins e logradouros dos prédios descritos nas alíneas a) a d) desde que não estejam

destinados a fins lucrativos;

f) Os bens móveis de carácter religioso, integrados nos imóveis referidos nas alíneas

anteriores ou que deles sejam acessórios”.

 

Por outro lado, nos termos da Circular n.º 10/2005, de 21/11, a AT esclarece o âmbito de aplicação da isenção de IMI para efeitos de aplicação do n.º 2 do artigo 26.º da Concordata, considerando que esta abrange: (i) as residências dos eclesiásticos (quer sejam residências paroquiais, episcopais ou de congregações religiosas, Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica); (ii) os imóveis afetos a lares de estudantes, a casas de exercícios espirituais e a formação de religiosos, desde que, em qualquer dos casos, estejam integrados em estabelecimentos destinados à formação eclesiástica ou ao ensino da religião católica; e (iii) os imóveis pertencentes a pessoas jurídicas canónicas e cedidos gratuitamente a instituições particulares de solidariedade social ou a estabelecimentos de ensino.

 

Adicionalmente, o artigo 12.º da Concordata estabelece que “as pessoas jurídicas canónicas, reconhecidas nos termos do artigo 10.º, que, além de fins religiosos, prossigam fins de assistência e solidariedade, desenvolvem a respetiva atividade de acordo com o regime jurídico instituído pelo direito português e gozam dos direitos e benefícios atribuídos às pessoas coletivas privadas com fins da mesma natureza” – o que equivale a dizer estas entidades da Igreja Católica são equiparadas a instituições particulares de solidariedade social. 

 

Por seu lado, a alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) prevê a isenção de IMI às “instituições particulares de solidariedade social e as pessoas colectivas a elas legalmente equiparadas, quanto aos prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins, salvo no que respeita às misericórdias, caso em que o benefício abrange quaisquer imóveis de que sejam proprietárias”.

 

Face à parte final desta norma, em princípio, apenas as Misericórdias beneficiam de isenção total de IMI, quer quanto aos prédios destinados a instalações, quer quanto aos prédios destinados a obter rendimentos para financiar a realizações dos seus fins. e as demais IPSS e PCUP não beneficiariam.

 

Por outro lado, atentas as regras atualmente em vigor, importa notar que não se corrobora com o entendimento da Requerente no que concerne à interpretação atribuída pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) – constante, por exemplo, no acórdão proferido no processo 0734/13.0BEPNF 0922/16, com data de 03.10.2018 – para efeitos da aplicação da norma contida na alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF (cujo destinatário são as Pessoas Coletivas de Utilidade Pública), por paridade de razão, ao primeiro segmento da norma prevista pela alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF (cujo destinatário são as IPSS).

 

Caso considerássemos que a equiparação da Requerente a uma PCUP teríamos forçosamente concluir que a isenção do IMI “respeita a bens imóveis destinados direta e imediatamente à realização dos fins estatutários da pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública”.

 

Consequentemente, entende-se que a Requerente terá condições para beneficiar da aplicação da isenção de IMI, nas seguintes situações:

- Na qualidade de entidade religiosa ereta segundo o direito canónico (enquanto entidade que prossegue fins religiosos), ao abrigo do n.º 2 do artigo 26.º da Concordata e nos termos da Circular n.º 10/2005, de 21/11; e

- Na qualidade de IPSS (enquanto entidade que prossegue fins de assistência e solidariedade), ao abrigo alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF.

 

Em face do exposto, a Requerente tem apenas direito a ver reconhecido o direito à isenção de IMI relativamente à parte do edificado pertencente ao prédio urbano, designada por Colégio (U-...-COLEG), ao abrigo do n.º 2 do artigo 26.º da Concordata, por se tratar de instalações de apoio à atividade religiosa e ao alojamento e formação de missionários.

 

Em relação à parte do edificado pertencente ao prédio urbano, designada por Residência (U-...- RESIU), entende-se não estarem reunidas as condições previstas na alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF, na medida em que a Requerente não logrou demonstrar que a sua atividade desenvolvida no setor comercial, industrial e de prestação de serviços é exercida no âmbito de uma atividade mais abrangente de assistência e solidariedade aos mais desfavorecidos, para o que sempre deveria existir um contrato de associação ou de parceria com a Segurança Social ou a Ação Social Escolar.

 

Ora, não tendo sido feita qualquer prova que sustente esse alegado direito, como seja a existência de contrato de associação ou de parceria com a Segurança Social ou a Ação Social Escolar ao abrigo do qual é exercida a atividade de prestação de serviços e constatado que foi o exercício de uma atividade de natureza lucrativa (ainda que, eventualmente, exercida em paralelo com uma atividade de cariz social e assistencial), conclui-se que a parte do prédio destinada a “residência universitária” não está diretamente destinada à realização dos fins de assistência e solidariedade proclamados pela Requerente. 

 

Por não tenha sido provado que parte do edificado pertencente ao prédio urbano, designada por Residência (U-...- RESIU), destina-se diretamente à prossecução dos fins da instituição conexos com a qualidade de IPSS, não há suporte ao reconhecimento da isenção prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF. 

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que, com os fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, pelo que, consequentemente, anula-se parcialmente o ato de liquidação de IMI, quanto ao valor de € 6.942,57 – correspondente às notas de cobrança do IMI n.º 2022 ... (1.ª Prestação, do ano de 2022) e n.º 2022 ... (2.ª Prestação, do ano de 2022), respetivamente processadas em 06.05.2023 e 08.07.2023, por estar em desconformidade com o n.º 2 do artigo 26.º da Concordata.

 

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante a reembolsar.

 

A Requerente formula, ainda, pedido de condenação restituição das quantias arrecadadas pela AT “acrescida de juros de mora à taxa legal”.

 

Quanto a este pedido remete-se para a decisão arbitral proferida no âmbito do processo 541/2019-T, salientado o seguinte:

 

“Nos termos da lei, os juros de mora, diferentemente dos juros indemnizatórios, são devidos, a pedido do sujeito passivo, a partir do termo final do prazo da execução espontânea da sentença anulatória, prazo este cujo termo inicial ocorre com o trânsito em julgado da decisão judicial.

(…)

Por conseguinte, o direito aos juros de mora depende de ter já decorrido o prazo de execução espontânea da sentença sem que ela seja cumprida, o que ainda não sucedeu.

 

Pelo que, neste momento, se indefere o pedido da Requerente de juros de mora, sem prejuízo dos eventuais direitos poderem ser reconhecidos à Requerente em execução de julgado, que é o meio processual adequado para os definir”.

 

V - VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 24.638,04, nos termos do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no artigo 29.º,

n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI – CUSTAS

 

De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2 do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.os 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 1.530,00.

 

O pedido de pronúncia arbitral procede quanto ao valor de € 6.942,57, que corresponde a 28,18%.

 

Nestes termos, fixa-se a repartição da responsabilidade por custas em 71,82% para a Requerente e 28,18% para a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

 

 

 

Lisboa, 20 de dezembro de 2023

 

Tribunal Arbitral Singular,

 

 

Ana Luísa Ferreira Cabral Basto