Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 46/2012-T
Data da decisão: 2012-07-31  IMT Selo  
Valor do pedido: € 11.166,41
Tema: SISA e Imposto do Selo
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Processo n.º 46/2012

RELATÓRIO

 

  1. PARTES

 

…, casado, NIF…, residente na …, (Requerente), requereu nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10,º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com intervenção de juiz singular com vista à apreciação de litígio em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA ou Requerida).

 

  1. PEDIDO DE PRONUNCIA ARBITRAL

 

Constitui objecto da presente pronúncia arbitral o pedido de anulação dos actos de liquidação adicional de Imposto Municipal de Sisa (Sisa) e juros compensatórios nos montantes de Eur. 8.816,62 e 1.868,40, respectivamente, e de Imposto do Selo (Selo) e juros compensatórios nos montantes de Eur. 397,21 e 84,18, respectivamente, adiante melhor identificados, na sequência das decisões que negaram provimento aos recursos hierárquicos deduzidos contra o indeferimento de reclamações graciosas com o mesmo objecto, e bem assim, a condenação da Requerida no pagamento de uma indemnização pela alegada prestação indevida de garantia bancária para suspensão de processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva dos indicados valores de imposto e juros compensatórios.

 

  1. CAUSA DE PEDIR

 

Para fundamentar os indicados pedidos, alega, em suma, a Requerente:

 

- Que, para fundamentar a liquidação adicional de Sisa nos termos do artigo 111.º do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD), a ATA teria de demonstrar que a liquidação inicial do imposto enfermava de erro de facto ou de Direito, ou a existência de omissão ou inexactidão nas declarações prestadas para efeitos de liquidação, o que não fez.

 

- Que a verdadeira fundamentação que subjaz à motivação expendida pela ATA consiste na alegada verificação da existência de uma simulação negocial e que, o que só seria admissível se a ATA tivesse obtido, previamente, a declaração judicial daquela simulação;

 

- Que os actos de liquidação adicional sindicados enfermam de total ausência de fundamentação de facto.

 

- Que, no âmbito do procedimento, a ATA não esgotou todos os meios instrutórios ao seu alcance para a averiguação dos factos, acedendo, designadamente, à informação protegida pelo sigilo bancária, autorizado para tanto pelo Requerente, o que determina que os actos impugnados se encontrem inquinados de vício de forma por violação do princípio do inquisitório.

 

- Que, não tendo a ATA cumprido plenamente com o dever de inquirir, por ser inexistente ou no mínimo inconclusiva a investigação dos factos, e, por conseguinte, com o ónus probatório que sobre si recaía, não poderia devolver-se ao Requerente, como pretendido, o ónus da prova negativa da afectação das verbas mutuadas.

 

- Que, prestou indevidamente uma garantia bancária para suspender a cobrança coerciva dos montantes liquidados.

 

Com os indicados fundamentos, peticiona a anulação dos actos tributários impugnados, assim como a atribuição de indemnização pela prestação indevida de garantia bancária, com vista ao ressarcimento dos prejuízos resultantes da contratação e manutenção daquela garantia, nos termos do artigo 171.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA

 

Notificada do pedido de pronúncia arbitral, veio a ATA, em resposta, pugnar pela manutenção dos actos tributários impugnados e pela improcedência do pedido de indemnização pela prestação de garantia indevida, sustentando para o efeito, brevitates causae:

 

- Que as liquidações controvertidas são consequência da verificação de indícios sérios de que o valor declarado na escritura de aquisição do imóvel que sustentou a liquidação inicial de Sisa não corresponde ao valor real, conclusão que dispensaria a declaração judicial de simulação do negócio e afastaria a presunção de veracidade e boa-fé das declarações do contribuinte, prevista no artigo 75.º da LGT.

 

- Que a ATA não incorreu em qualquer inércia instrutória pois sempre caberia ao sujeito passivo, em face dos referidos indícios, esclarecer a sua situação jurídico-tributária.

 

- Que o Requerente labora em erro interpretativo relativamente ao alcance da regra sobre repartição do ónus da prova prevista no artigo 74.º da LGT, invocando para tanto o sumário decisório do Acórdão do TCA Norte de 11 de Março de 2010 (Processo n.º 00834/05.0BEPRT).

 

- Que, sendo a emissão das liquidações motivada pelo facto de a Requente ter omitido a verdade sobre a matéria colectável e ter-se recusado a prestar os esclarecimentos devidos para apuramento da sua efectiva situação tributária, nunca houve ao longo de todo o procedimento qualquer erro imputável aos serviços determinante da atribuição de indemnização por garantia indevida.

 

 

 

 

  1. ALEGAÇÕES ORAIS

 

Não havendo outra prova a produzir em audiência, foram apresentadas pelas partes as suas alegações orais, nos termos do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, nas quais ambas reafirmaram as posições expressas nas peças processuais apresentadas.

 

***

  1. FUNDAMENTAÇÃO

 

O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro. As partes gozam de capacidade judiciária e são legítimas. O processo não enferma de nulidades que o invalidem.

 

Não existindo, por conseguinte, qualquer razão que obste ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.

 

  1. Questões decidendas

 

Está em causa nos presente autos saber se os actos tributários sindicados enfermam dos vícios de ilegalidade que lhe imputa a Requerente e, em caso afirmativo, decidir sobre a peticionada indemnização pela prestação de garantia para suspensão do processo executivo.

 

 

 

 

  1. Matéria de facto

 

Com base nos documentos juntos aos autos pelas partes, são os seguintes os factos considerados como provados, com relevo para a boa decisão do pleito:

 

  1. Por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca outorgada em … de Maio de 1999, o Requerente adquiriu, pelo preço de Eur. 88.037,83, o prédio urbano sito na Urbanização …, o qual se encontra inscrito sob o número … da matriz predial urbana daquela freguesia;

 

  1. No mesmo acto, foi concedido ao Requerente, pela C…, um empréstimo no montante de Eur. 149.639,36, para exclusiva aplicação na aquisição e obras de beneficiação do prédio acima indicado;

 

  1. O prédio adquirido tem um valor patrimonial de Eur. 45.490,37, determinado no ano de 2009;

 

  1. Pela aquisição do imóvel, foi liquidado e pago pelo Requerente o correspondente Imposto Municipal de Sisa, calculado nos termos do n.º 2 do artigo 33.º e do artigo 39.º-A do CIMSISD, com base no valor do preço deduzido do valor pago pela aquisição do terreno, assim como o correspondente imposto do selo da Verba 1 da Tabela Geral anexa ao Código do Imposto do Selo;


 

  1. Por Ofício do Serviço de Finanças da … datado de … de Maio de 2002, foi o Requerente notificado para, nos termos do artigo 59.º, da LGT, apresentar comprovativos das obras de beneficiação no montante de Eur. 61.601,54, sob pena de se considerar que aqueles valores respeitariam integralmente ao preço praticado na aquisição do imóvel, atendendo a que já haveriam decorrido, entretanto, três anos sobre aquela data;


 

  1. Por requerimento entregue em … de Maio de 2002, o Requerente, em resposta ao indicado Ofício, informou o Serviço de Finanças de que não haviam sido efectuadas até à data as obras planeadas;


 

  1. Por Ofício do Serviço de Finanças da … datado de … de Agosto de 2002, foi o Requerente notificado para pagamento de Sisa e Imposto do Selo liquidados adicionalmente nos montantes de Eur. 13.420,16 e Eur. 508,77, respectivamente, a que acresciam Eur. 2.843,97, tudo num total de Eur. 16.772,90, pela aquisição do indicado imóvel, fundamentando-se a liquidação adicional daqueles impostos, por remissão para auto de notícia anexo, no facto de o Requerente ter “declarado que a compra foi feita pelo preço de 17 650 000$00 (€ 88 037,83) quando, de harmonia com os factos relatados no auto de notícia de que se junta fotocópia e que deu origem ao Processo de Contra-Ordenação n.º o preço de compra do dito imóvel foi de 30 000 000$00 (€ 149 639,36)”;


 

  1. No dia 2 de Dezembro de 2002 o Requerente apresentou reclamações graciosas contra as indicadas liquidações de imposto;


 

  1. No dia 23 de Dezembro de 2002, o Requerente apresentou, junto do Serviço de Finanças da …, garantia bancária emitida pela … pelo valor de Eur. 22.559,31, com vista à suspensão do processo de execução instaurado para cobrança coerciva do imposto, juros e acrescidos resultantes do relaxe das indicadas liquidações adicionais, requerendo, no mesmo documento, a condenação da Fazenda Pública no pagamento de indemnização pela prestação indevida da garantia;


 

  1. Na pendência das reclamações graciosas, e na sequência da reabertura de procedimento determinada pela ATA, nos termos do artigo 147.º do Código de Procedimento Administrativo, o Requerente apresentou várias facturas de obras no montante total de Eur. 12.334,48 e orçamentos de obras de pavimentação, calcetamento do logradouro, pintura exterior da habitação, instalação de aquecimento central e cobertura da piscina e churrasqueira;


 

  1. Por Ofício de 15 de Maio de 2003, do Serviço de Finanças da …, foi o Requerente notificado para pagamento de novas liquidações adicionais de Sisa e Imposto do Selo emitidas em substituição das anteriormente efetuadas, nos montantes de Eur. 8.816,62 e Eur. 397,21, respectivamente, acrescidos de juros compensatórios no montante de Eur. 1.868,40 e Eur. 84,18, respectivamente, tudo no total de Eur. 11.166,41, fundamentando-se a emissão das novas liquidações, e a revogação das anteriores, no teor do Despacho anexo ao mesmo, proferido a fls. 160 a 169 do procedimento de liquidação instaurado sob o n.º … do Livro … .º-D, daquele Serviço de Finanças;


 

  1. Contra essas novas liquidações deduziu o Requerente reclamações graciosas, e, na sequência do respectivo indeferimento, recursos hierárquicos, cujo indeferimento, por despachos de 7 de Novembro de 2011, da Subdirectora-Geral da Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, Imposto do Selo, dos Imposto Rodoviários e das Contribuições Especiais (DSIMT) por seu turno, motivou a apresentação do pedido arbitral;


 

  1. Até 23 de Abril de 2012 foram debitados ao Requerente, pela …, comissões e despesas bancárias com a prestação e manutenção da garantia, no valor de Eur. 4.695,62.

 

  1. Apreciando

 

  1. Da legalidade das liquidações impugnadas

 

Como decorre do probatório, designadamente do teor do despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças da … a fls. 160 a 169 do procedimento de liquidação, que os fundamenta, na base da decisão de emissão dos actos de liquidação adicional de imposto controvertidos nos presentes autos encontra-se o entendimento segundo o qual, tendo o Requerente obtido um empréstimo concedido exclusivamente para a aquisição e obras de beneficiação de um determinado bem imóvel, sem que, decorrido um determinado lapso temporal, tenha feito prova da sua afectação aos fins para que foi concedido, deverá ser considerado que aquele praticou uma incorrecção na declaração do preço, tomando-se como base tributável do imposto o valor correspondente à diferença entre o valor do empréstimo e o valor gasto com as obras, comprovado documentalmente, arreigando-se tal conclusão nos artigos 19.º, 48.º, 49.º, regra 2ª, e 111.º.

 

Sem perder de vista a estruturação e sequência formal dos vícios imputados pelo Requerente, e que constituem a respectiva causa de pedir, julga-se poder afirmar, em face do exposto, que a questão central a que cumpre dar resposta nos presentes autos, o thema decidendum, consiste, pois, em saber se, face à inexistência de comprovativo de que os valores mutuados para esse fim foram aplicados na realização de obras de beneficiação, e da existência de indícios de que efectivamente o não foram, é lícito à ATA presumir que os valores em causa foram utilizados no pagamento do preço, e, com base nesse silogismo, corrigir o valor dos impostos incidentes sobre a aquisição com base nos indicados preceitos do CIMSISD.

 

Ora, a resposta, segundo se julga, não pode deixar de ser negativa.

 

Vejamos:

 

De acordo com o disposto no artigo 19.º do CIMSISD, a regra fundamental da determinação da matéria colectável que deveria servir de base à liquidação da Sisa (e, por remissão legal, o Imposto do Selo previsto na Verba 1.1 da TGIS) consistia no valor pelo qual os bens fossem transmitidos, consubstanciado este, no caso de transmissões operadas por via de contrato de compra e venda, no respectivo preço. Procurando tributar a capacidade económica revelada pelo adquirente no momento da aquisição de bens imóveis a título oneroso, a medida dessa capacidade seria então aferida, em princípio, pelo preço, sem prejuízo de regras especiais previstas para contraprestações de diversa natureza.

 

Ainda nos termos do disposto nos artigos 48.º e 49.º do mesmo Código, a liquidação seria efectuada, por via de regra, com base no preço atribuído aos bens pelo interessado, em declaração reduzida a termo, podendo aquela ser corrigida, ao abrigo do artigo 111.º, sempre que se verificasse que a mesma enfermava de qualquer erro de facto ou de Direito que determinasse a sua desconformidade com a lei ou com a realidade da situação tributária, designadamente em resultado da verificação de uma qualquer omissão ou inexactidão nas declarações prestadas para efeitos da liquidação.

 

Tendo presente a presunção de veracidade e boa-fé das declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, consagrada no n.º 1 do artigo 75.º da Lei Geral Tributária (LGT), e a regra prevista nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo preceito1, pode afirmar-se, em face do exposto, que, pretendendo corrigir o valor da liquidação inicial de Sisa e Selo efectuada com base na declaração do Requerente, por entender que a mesma não reflectia o preço real e efectivo da transmissão, sempre competiria à ATA, no caso vertente, demonstrar a existência de indícios de que a declaração prestada pelo Requerente nos termos do referido artigo 48.º do CIMSISD, enfermava de inexactidão relativamente àquele elemento da obrigação tributária.

 

Não que a prossecução de tal desiderato implicasse, como o pretende o Requerente, que a ATA estivesse vinculada a obter previamente a declaração judicial da simulação do preço no negócio. Com efeito, na linha da doutrina e jurisprudência dominante2, entendemos que a regra prevista no n.º 2 do artigo 39.º da LGT tem por fundamento e limite a desconsideração dos factos que gozem de força probatória plena, nos termos do artigo 363.º do Código Civil, por terem sido directamente verificados pelo Notário, o que não sucede relativamente ao preço declarado na escritura. Com efeito, e como lapidarmente se decidiu no Acórdão do STA de 24 de Novembro de 1999 (Recurso 024124) “Se, em escritura pública de compra e venda, se afirma que o preço foi de determinado montante não fica imediatamente demonstrado que aquele foi o efectivo preço, mas apenas que os contratantes afirmaram, perante o notário, tal facto”.

 

E diga-se, aliás, que, nesse sentido, tem inteira razão a Requerida, quando afirma que a existência de indícios de que o preço declarado pelas partes não corresponde ao preço real e efectivo da transmissão, pode, em determinado contexto, afastar a presunção prevista no citado artigo 75.º da LGT, e transferir para o sujeito passivo o ónus de demonstrar a veracidade do declarado.

 

O que sucede, porém, é que, tendo presente as normas de incidência e de determinação da matéria colectável dos impostos em causa, os indícios que se mostram relevantes para afastar a presunção de veracidade das declarações prestadas nos termos do artigo 49.º do CIMSISD, a respeito do preço da transmissão, consistem, unicamente, nos indícios de que o comprador pagou, e o vendedor recebeu, um preço superior ao ali declarado.

 

Foi, aliás, de resto, com base na valoração de indícios de que o adquirente agiu em conluio com o vendedor, e de que este último recebeu, a título de remuneração pela prestação de serviços parte do preço de venda de determinado bem imóvel que o TCA Norte, no Acórdão de 11 de Março de 2010 citado pela Requerida na sua Resposta (Processo n.º 00834/05.0BEPRT), decidiu ser lícito à Fazenda desconsiderar o preço declarado, e transferir para o contribuinte adquirente o ónus de demonstrar que o preço real não consistiu no considerado pela Fazenda Pública. Situação essa que não tem no entanto, contrariamente ao que afirma a Requerida, qualquer semelhança com a que ora nos ocupa.

 

Com efeito, não prevendo o CIMISD ou o Código do Imposto do selo e Tabela Geral anexa qualquer regra no sentido de incluir na base tributável dos impostos nele regulados os valores mutuados com vista à realização de obras no imóvel transmitido, uma vez decorrido determinado prazo para a sua realização, nenhuma consequência no plano da incidência poderá ser assacada, per se, à demonstração de que tais obras não se realizaram.

 

Note-se que, nesta linha de raciocínio, se apresenta como totalmente irrelevante, do ponto de vista das regras sobre ónus da prova, o maior ou menor grau de dúvida quanto à efectiva realização das obras, ou convicção quanto à sua não realização, gerada pelos indícios recolhidos.

 

E isto porque, tais indícios, por mais fortes que sejam (que, reconhece-se, o são), não permitirão, por si só, em qualquer caso, alicerçar a convicção de que o vendedor recebeu, no todo ou em parte, o produto do empréstimo destinado aquele fim, podendo, ao invés, simplesmente significar, por exemplo, que o mesmo foi aplicado em qualquer outra finalidade com vista ao aproveitamento da taxa associada ao crédito garantido por hipoteca3. Fora do contexto de uma presunção legal que a acomode, qualquer outra conclusão não deixará de ser pura e simplesmente arbitrária e, por isso, legalmente inadmissível.

 

Assim como irrelevante se apresenta, ainda, o facto de o contrato de mútuo prever expressamente que parte dos capitais mutuados seriam exclusivamente afectos à realização de obras: na falta de consequência de natureza fiscal legalmente prevista, a violação de tal obrigação será sempre, exclusivamente, questão a dirimir pelas partes em tal contrato, à luz das regras da responsabilidade contratual.

 

Não tem razão ainda por fim a Requerida, ao pretender que o afastamento da presunção de veracidade do preço declarado pelo Requerente, e a justificação da conclusão do procedimento de liquidação resultaria, afinal, da violação de colaboração para esclarecimento da sua situação tributária. E isto porque, como já se afirmou, não existia na verdade no domínio do CIMSISD, nem existe actualmente no Código do IMT, qualquer disposição que obrigasse o sujeito passivo a demonstrar o produto da aplicação dos capitais mutuados. E, desta forma, terá que se reconhecer que, ao responder que não realizou as obras ou que realizou obras sem que tenha os correspondentes documentos comprovativos, o Requerente cumpriu com o dever de colaboração que lhe era legalmente exigível.

 

Isto, reafirma-se, num contexto em que não foram demonstrados pela ATA indícios de que o preço efectivamente praticado foi superior ao preço declarado, e, consequentemente, de inexactidões na declaração para efeitos da liquidação do imposto, que implicassem a devolução ao sujeito passivo do ónus de demonstrar a efectiva aplicação dos capitais em fins de natureza diversa.

 

Por todo o exposto, é mister concluir que, se a ATA se encontrava efectivamente convencida de ter recolhido indícios de que as obras não tinham sido realizadas, e formado a convicção de que o preço efectivo não correspondia ao preço declarado, o que se lhe impunha fazer, por forma a provar os pressupostos legitimadores da sua actuação de tributar, era que pelo menos demonstrasse a existência de indícios de que o valor efectivamente recebido pelo vendedor era superior ao preço declarado.

 

Sendo que, no caso vertente, a ATA tinha, de facto, meios à sua disposição que lhe permitiam, com facilidade, esquadrinhar a verdade material, máxime por via do levantamento do sigilo bancário (a que, de resto, o Requerente anuiu), ou da realização de procedimento inspectivo na esfera do vendedor do imóvel. Um e outro, aliás, usuais no domínio dos procedimentos inspectivos com incidência na aferição da legalidade das liquidações de Sisa, e posteriormente IMT, na aquisição de bens imóveis para habitação.

 

Não o tendo feito, não logrou a ATA aqui Requerida, esgotar todos os meios instrutórios ao seu alcance para a averiguação dos factos e elidir, dessa forma, a presunção de veracidade do preço declarado pelo Requerente que lhe é conferida pelo n.º 1 do artigo 75.º da LGT.

 

Consequentemente, carecem as liquidações adicionais de Imposto Municipal de Sisa e Imposto do Selo em crise nos presentes autos, de fundamento legal, violando desta forma o artigo 111.º do CIMSISD e os artigos 74.º e 75.º da LGT.

 

  1. Da indemnização pela prestação de garantia indevida

 

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 53.º da LGT, o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

 

Dispõe, por seu turno, o n.º 1 do artigo 171.º do CPPT, que a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada prevista no referido preceito será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, devendo no mesmo ser solicitada, de acordo com o n.º 2 do mesmo preceito, se o fundamento for superveniente, no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.

 

Sendo de proceder o pedido de anulação dos actos tributários impugnados a que respeita a dívida garantida, e verificando-se que a mesma foi mantida por prazo muito superior a três anos, deverá proceder igualmente o pedido de indemnização pela respectiva prestação, fixando-se o quantum da mesma, observado o n.º 3 do artigo 53.º da LGT, no valor de Eur. 4.695,62.

 

  1. Decisão

 

Termos em que se decide:

 

  1. Julgar procedente o pedido de anulação das liquidações adicionais de Sisa e Imposto do Selo impugnadas, e correspondentes juros compensatórios;

 

  1. Julgar procedente o pedido de indemnização pelos custos que suportou com a prestação e manutenção da garantia indevida.

 

Fixa-se o valor da acção em Eur. 11.166,41 (onze mil, cento e sessenta e seis euros e quarenta e um cêntimos).

 

Custas do processo arbitral no montante de Eur. 918,00 (novecentos e dezoito euros) a cargo da Requerida, de acordo com o disposto no artigos 12º nº 2 e 22.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e artigo 4º nº 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de Julho de 2012

 

José Pedroso de Melo

 

 

Texto elaborado ao abrigo do anterior Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91, de 23 de Agosto e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, 23 de Agosto).

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1 De acordo com o disposto no n.º 1 do referido artigo 75.º da LGT, “presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.” Por seu turno, dispõe o n.º 2 do mesmo preceito, no que para a situação sub iudice releva, que, a presunção referida no n.º anterior não se verifica quando: “a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;” ou, “b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;”


 

2 Cf., a título de exemplo, os Acórdãos do STA de 19 de Fevereiro e 2 de Abril de 2003, Recursos n.ºs 01757/02 e 01756/02, respectivamente, ambos disponíveis na base de dados de jurisprudência do STA no portal do Instituto das Tecnologias de Informação na Justiça do Ministério da Justiça in http://www.dgsi.pt)

3 Refira-se, a latere, que foi, aliás, prática comum durante largos anos, quando a conjuntura assim o permitiu (por não se verificarem as limitações actualmente impostas pelas Instituições Bancárias ao valor do crédito face ao valor de avaliação do imóvel dado em garantia do financiamento), o aproveitar das taxas mais benéficas disponibilizadas no designado crédito à habitação, para solicitar das instituições bancárias crédito de valor superior ao pretendido para a aquisição do imóvel, e aplica-lo, por exemplo, na aquisição de viaturas.